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Dicas para escrever discurso de colação de grau

Dicas para escrever discurso de colação de grau

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Precisa escrever um discurso de colação de grau? Separei dicas excelentes que vão te ajudar neste grande momento!

Minha turma de medicina pediu a mim que fizesse o discurso de colação de grau. Se, por um lado, me senti lisonjeado pela escolha, também senti como se coubesse a mim fazer o último trabalho em grupo de nossa graduação.

Confesso que já estava por demais enfadado com toda a burocracia ligada ao fim do curso, mas a responsabilidade envolvida no trabalho prevaleceu sobre qualquer outra coisa. Dessa forma, fui lá e fiz o que pude.

Esta coluna tem o objetivo de ajudar a quem que, como eu, tiver que fazer um discurso de colação de grau.

É verdade que não sou uma autoridade no assunto, entretanto, considerando que discursos são um gênero literário raramente abordado nos ensinos fundamental e médio, talvez este exemplo seja de alguma ajuda.

O que descobri sobre oradores de turma?

Reconheço que não procurei livros-texto de redação em busca das normas envolvidas na confecção de discursos. Mas, me limitei a dar uma olhada em alguns vídeos de colação de grau onde se via a atuação dos oradores. Neste particular, percebi dois tipos básicos de oradores:

  • os que leem um discurso pronto e
  • os que vão falando de improviso, munidos no máximo de algumas notas.

Eu me coloco rigorosamente no primeiro grupo, sobretudo por conta de minha natureza ansiosa. Ainda que eu tenha tido a sorte de discursar diante de uma câmera e não de uma plateia (devido à COVID-19), tive o cuidado de pensar, repensar, escrever, reescrever e submeter o discurso para que alguém de confiança pudesse dar sua opinião.

Dessa forma, se reduz muito o risco de erros. Desde aqueles escorregões bobos de gramática até a algum mais sério, envolvendo o sentido do texto. O fato é que isso vale para qualquer tipo de texto, como a gente bem sabe.

O que é um discurso de formatura?

Peço agora um pouco mais de sua atenção, pois tratarei do aspecto que considero o mais importante, que envolve o sentido do texto. Ou seja, o que é um discurso de formatura?

Para responder a esta pergunta não recorri a nada além de minhas reflexões e, portanto, qualquer equívoco é culpa minha. Pensando durante alguns dias, concluí que um discurso de formatura deve encerrar a história de seis anos de um grupo de pessoas envolvidas no objetivo comum de se formarem.

Portanto, me cabia tentar ser o mais abrangente possível, sem priorizar nomes, aproximando-me dos indivíduos apenas até onde a visão do conjunto não era comprometida. E, sobretudo, me cabia evitar que minha individualidade não interferisse num momento que era do grupo.

É claro que cada um tem uma experiência única e que, também, há grupos semelhantes, mas tudo isso deve ser trazido à tona sem perder o foco no todo.

Confira as dicas para construir um bom discurso de colação de grau

Dica 1: Cumprimentar os presentes

Use expressões como “Senhoras e senhores docentes, discentes, familiares, amigos, amigas, convidados, convidadas e demais pessoas presentes”.

Iniciando os trabalhos: trouxe uma citação que ressaltasse justamente os riscos de ser incapaz de expressar, em algumas linhas, algo que representasse as experiências de toda a turma.

Inicio citando alguns versos de Carlos Drummond de Andrade: “Não, meu coração não é maior que o mundo. É muito menor. Nele não cabem nem as minhas dores.” Isto posto, confesso que não trago em minha mente nem em meu coração os meios para expressar o que o curso de medicina representou para vocês, meus colegas. Só cada um de vocês, em sua interioridade quase intraduzível, pode tentar dizer o que estes seis anos representaram para vocês individualmente. Entretanto, é preciso que um discurso seja feito e, conforme solicitado, eis-me aqui, agradecido pela escolha e desde já me reconhecendo aquém do trabalho. Que esta confissão sirva ao menos para justificar os equívocos que certamente cometerei. Enfim, comecemos.

Dica 2: Falar das dificuldades no seu discurso de colação de grau

Falar das dificuldades é um ponto pacífico na medicina, como todos sabemos. Fiz questão de salientar que até para aqueles mais remediados a coisa nunca foi efetivamente fácil.

Por mais diversas que sejam nossas trajetórias, entretanto, estamos unidos pela palavra dificuldade. Não importa sua renda, sua inteligência ou apoio de seus familiares: fazer medicina com certeza foi difícil. Não bastassem os seis meses de atraso no início do curso por conta das greves, logo em nossa primeira semana de aula fomos informados de que faríamos prova já na semana que vem, rompendo assim com qualquer  expectativa de que, ao menos no começo, as coisas seriam mais tranquilas. Com efeito, desde o princípio as dificuldades não nos abandonaram: provas, trabalhos escritos, seminários e outras atividades disputaram nosso tempo ao longo de quatro anos sem piedade. Para alguns, como eu, a sensação de que “não vai dar” era uma sombra constante ao longo do caminho. Contudo, fosse passando direto, fosse indo pra final, a gente simplesmente ia. É importante lembrar, também, que sobre o estudante de medicina pesa não apenas a maior carga horária de todas, mas uma obrigação fora do comum de ter boas notas e, também, um bom currículo, o que representa a necessidade de fazer atividades de extensão, monitoria, pesquisa, artigos, capítulos de livro, participação e organização de eventos, etc. E, quando não estávamos ocupados com estas atividades, acabávamos vítimas do medo de não tê-las realizado.

Dica 3: Trazer peculiaridades da turma

É interessante individualizar sua turma, observando pontos que as destacaram das demais. Além de representativo, isso amplia a sensação de que o discurso é, de fato, voltado para as pessoas que o estão ouvindo. No nosso caso, a questão da COVID-19 foi um fantasma onipresente – o que não aconteceu só com a gente, é claro, mas cabia a mim ressaltar nossa relação com a pandemia e os efeitos dela sobre nossa formação

Indo além dos primeiros quatro anos de curso, há um fato triste e irônico sobre nossa turma. Sempre ouvimos que as greves poderiam atrasar ainda mais o curso, mas, quando entrássemos no internato, nada impediria o nosso progresso. Pois bem, no final do oitavo período, às portas do internato, a pandemia de Covid-19 nos obriga a terminar o semestre de maneira remota e, também, impõe uma paralisação superior a cinco meses. Tal período, inclusive, só não foi maior pelo esforço de alguns professores e, sobretudo, de alguns colegas envolvidos na compra de EPIs e no diálogo com os campos de internato.

               Uma vez no internato, entretanto, fomos assombrados pelo medo não apenas de pegar, mas, sobretudo, de propagar o novo vírus para as pessoas que conviviam conosco. A mídia anunciava o crescimento no número de doentes e de óbitos, mas, o desejo e a necessidade de concluir o curso nos impulsionava, e assim fomos, dia a dia, dando nossos primeiros passos na prática médica enquanto a comunidade científica dava seus primeiros passos na luta contra a pandemia que ainda não acabou. Depois chegaram as vacinas, os números se tornaram mais tranquilizadores e pudemos focar um pouco mais no objetivo principal do curso, ou seja, no atendimento direto aos pacientes.

Dica 4: Lembrar da sua universidade

Por mais que reclamemos, é de bom tom ter uma relação lisonjeira com o ambiente onde você esteve durante tanto tempo. Por maiores que tenham sido as dificuldades e limitações, tente valorizar o lado positivo, sobretudo porque você pode voltar para lá.

Neste aspecto, nosso campo de prática merece destaque. Por maiores que sejam as limitações do Hospital Universitário Lauro Wanderley, o nosso HU, ele foi mais que um campo de prática, mas um verdadeiro palco onde não apenas assistíamos, mas vivíamos o drama da vida em seus momentos mais marcantes. Lá, acompanhamos o sofrimento e a alegria de mulheres exauridas em partos, ouvimos o primeiro choro dos recém-nascidos, conhecemos crianças e adultos enfrentando as mais simples até as mais complexas condições de saúde, vimos mães amargando a morte de um filho, vimos idosos se recuperando e voltando para casa e, também, vimos e lidamos com o interior físico e mental do ser humano no centro cirúrgico e na psiquiatria, respectivamente. E, ainda que as provas e atividades não fossem uma constante no internato, a responsabilidade de agir como um profissional, atendendo às expectativas de residentes, preceptores e, sobretudo, de nós mesmos, demandou um esforço igual ou mesmo superior àquele despendido nos primeiros quatro anos de curso. Todavia, o contato com pacientes é sempre superior à página fria, de modo que as dificuldades do internato jamais tiraram dele o posto de período mais importante do curso.

Dica 5: Trazer peculiaridades de grupos

Essa é uma parte perigosa, mas que julgo válida. Mesmo sem citar nomes, é possível destacar alguns grupos de alunos com experiências afins, como os alunos mais velhos e aqueles que vieram de outros estados, em virtude da natureza peculiar de suas dificuldades em comparação com os demais. No geral, a média dos alunos percebe aqueles nestas condições e não se incomoda com isso.

Além das dificuldades inerentes à medicina, entretanto, havia algo às vezes negligenciado ou mesmo esquecido por nós: nossa vida. Por mais que os estudos nos tomassem  tempo e disposição, sempre havia o desejo (muitas vezes insatisfeito) de viver além da faculdade. Para alguns, essa vida consistia em um núcleo familiar e de amigos próximo, fonte segura de apoio afetivo e material. Para outros, fazer medicina resultou no afastamento de seus entes queridos e no fim de relacionamentos, os quais nem sempre foram substituídos por um novo círculo social. E, para uns poucos alunos, a vida além do curso trazia a responsabilidade de cuidar da família, de dar conta do emprego. Todos sofreram, mas alguns sofreram mais.

Dica 6: Falar do crescimento pessoal

Florescimento da sexualidade: para os mais novos, fazer medicina é ir descobrindo muito de sua vida íntima enquanto se tem de dar conta de enormes dificuldades.

Isso remete à diversidade de idades encontrada em nossa turma, sobretudo na turma 2, onde muitos “velhos” na casa dos trinta conviveram lado a lado com a meninada recém saída da adolescência. Para estes mais jovens, a condução do curso foi acompanhada pelo florescimento de sua vida amorosa, um caminho sempre excitante e difícil. E, para aqueles que se descobriram detentores de uma sexualidade não normativa, esta descoberta foi também um momento de enfrentar preconceitos e traumas. Felizmente, pudemos ver estes colegas se descobrindo para si e para nós, dando exemplos abertos ou velados de coragem. Vocês se tornam melhores na medida em que se tornam vocês mesmos.

Dica 7: Relembrar colegas que saíram

Para quem saiu da turma: é muito bom lembrar de quem não pode continuar o curso por qualquer motivo, o que amplia o sentido de turma.

É importante lembrar também dos colegas que, por diversos motivos, não estão aqui. Felizmente estão todos vivos e, enquanto uns poucos mudaram de universidade, outros se viram obrigados a dar uma pausa no curso. É desnecessário e mesmo antiético lembrar nomes ou histórias, mas sabemos que eles tiveram de lidar com um sofrimento psíquico que, em alguma medida, se deveu às dificuldades do curso. Certamente, entre aqueles que aqui se encontram, alguns também se viram à beira de parar ou mesmo desistir; não tenho dúvida de que, por trás de muito rosto sereno e educado dizendo bom dia, se escondia uma alma em pedaços. É hora de agradecer por estarmos aqui e de desejarmos que aqueles que se detiveram ao longo do caminho possam, assim como nós, concluir seu curso e continuar a construir suas vidas, se este for o seu desejo.

Dica 8: Finalizar o discurso de colação de grau com agradecimentos

Não se faz nada sozinho nesta vida. Portanto, agradeçamos, sobretudo porque moramos num país pobre e desigual, onde ser médico é sim um privilégio.

Na verdade, é hora de agradecer não apenas por isso, mas por muito mais. Olhando para trás, percebo que nossas dificuldades não superam nosso dever de agradecer pela chance de viver este momento. Incontáveis pessoas adorariam estar onde estamos, muitas delas competentes, capazes, mas que, por dificuldades pessoais, problemas familiares ou limitação econômica nunca puderam se dedicar à empreitada de estudar medicina. Por mais independentes que possamos ser, por maiores que sejam nossas habilidades e recursos, contamos em alguma medida com pessoas e condições além de nosso poder que permitiram nossa entrada, condução e conclusão do curso. Ninguém faz nada sozinho, sobretudo algo grande e trabalhoso como tornar-se médico e médica.

Acredite, colega, você é uma pessoa de sorte: você pôde se tornar médico e médica num país onde milhões de pessoas não têm o mínimo para sobreviver. Enquanto você se preocupava com suas provas, alguém se preocupava em limpar o banheiro que você usou.

Enquanto você tirava suas fotos para a placa, pessoas se aglomeravam perto de você para receber um prato de comida, lembra (na Igreja onde tiramos as fotos havia um ponto de entrega de refeições para pessoas em situação de rua)?

Por isso, quando você estiver trabalhando, dentro de muito pouco tempo, lembre-se de ter empatia e paciência para com estas pessoas que não tiveram a mesma chance que você teve e que, por carência econômica e educacional, apresentam dificuldades para lhe dizer o que elas sentem e precisam. Apesar do cansaço e excesso de trabalho que acompanha a medicina, lembre-se de fazer um pouco mais por aqueles que mais precisam.

Tudo isto posto, agradeço em nome da Turma 104 de Medicina da Universidade Federal da Paraíba aos professores, professoras, pais, mães, amigos, amigas, companheiros e companheiras por nos ajudar a chegar até aqui. Para aqueles que acreditam em Deus, como eu, faço também meu agradecimento ao Criador.

Por fim, agradeço pessoalmente a você, meu colega, minha colega, por ter me acompanhado nesta caminhada e por ter me escolhido pra fazer este discurso. Que eu tenha sido capaz de expressar seus pensamentos e anseios.

Subscrevo-me.

Clayton Moura

João Pessoa, 10 de fevereiro de 2022”

E obrigado a você por sua atenção. Espero ter ajudado.

Sugestão de leitura

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.