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O trauma renal consiste em uma lesão, seja ela da cápsula, córtex, medula e/ou sistema coletor, e pode ser provocado por traumas de origem penetrantes ou contusos. Os traumas penetrantes podem ser de alta, média ou baixa velocidade, enquanto os traumas contusos incluem lesões por colisão de veículos, quedas, esportes e assaltos.
Manifestações Clínicas
As manifestações podem ser inespecíficas, como hipersensibilidade à palpação do flanco e dor abdominal, e frequentemente podem estar associadas a fraturas de costelas, mas o principal achado é a hematúria macroscópica, que ocorre na grande maioria dos pacientes. Entretanto, o grau de hematúria não é proporcional ao grau de lesão renal.
Achados tardios podem incluir febre, dor em flanco de instalação tardia e massa palpável em flanco.
Classificação

Fonte: A American Association for the Surgery of Trauma Organ Injury Scale 2018, atualização para classificação de trauma renal com base em tomografia computadorizada: uma cartilha para o radiologista de emergência
É de extrema importância classificar a lesão, pois ela orienta a conduta que será adotada e também indica o prognóstico, bem como avaliar a função renal prévia, ou seja, se o paciente apresenta rim único ou tem alguma doença renal, pois estes também servirão como guia para a conduta.
As lesões renais podem ser classificadas através de vários sistemas, sendo o mais utilizado o da Associação Americana de Cirurgia do Trauma (AAST), que estadia o trauma de acordo com a gravidade, em graus de I a V.
- Grau I: contusão + hematúria macroscópica – microscópica e exames urológicos normais ou hematomas subcapsulares não expansivos sem laceração;
- Grau II: lacerações parenquimatosas < 1 cm de profundidade e hematomas perirrenais não expansíveis;
- Grau III: lacerações parenquimatosas > 1 cm, sem ruptura do sistema coletor ou extravasamento urinário;
- Grau IV: lesões dos vasos renais principais com sangramento tamponado e lacerações com extensão para o córtex, medula e sistema coletor;
- Grau V: avulsão do hilo renal, trombose da artéria renal ou múltiplas fragmentações do órgão.
Contudo, é importante ressaltar que, em pacientes estáveis, pode-se optar pelo estudo do trauma através do exame padrão-ouro, no caso, a TC com contraste, que permite a avaliação da perfusão e a detecção de hematomas e áreas de extravasamento de contraste, além de avaliar os danos do trauma.
Em casos de pacientes intolerantes ao contraste ou gestantes, pode-se optar pela ultrassonografia, que avalia até 90% das lesões renais além da presença de hematomas retroperitoneais.
Em suspeitas de trombose da artéria renal e lesões (aneurismas e lacerações) que podem ser controladas com embolização, é usada principalmente a arteriografia.
Entretanto, em casos de pacientes instáveis, a resposta estará no centro cirúrgico, que possibilitará um completo estadiamento e melhor avaliação da abordagem cirúrgica que será escolhida para o tratamento.
Tratamento
Conservador
É considerada a primeira opção de tratamento diante do trauma renal; para optar por esse tipo de tratamento, é importante considerar a estabilidade hemodinâmica e clínica do paciente. Indicado para:
- Contusões renais (grau I) decorrentes de traumatismo fechado ou penetrante, com lesão renal isolada e com orifício de entrada posterior à linha axilar posterior;
- Lacerações renais (graus II, III e IV), mesmo com a presença de grande hematoma perirrenal, desde que o paciente permaneça hemodinamicamente estável (caso o paciente evolua com instabilidade hemodinâmica é indicada imediatamente a exploração cirúrgica).
Cirúrgico
Indicado geralmente diante de lesões renais IV e V e em traumas penetrantes. O tratamento cirúrgico tem como principal objetivo o controle vascular precoce e também a reconstrução renal.
Contudo, o trauma deve ser avaliado de modo que defina a necessidade de exploração renal, considerando:
- Indicações absolutas: evidência de hemorragia renal persistente, expansão do hematoma perirrenal e hematoma perirrenal pulsátil;
- Indicações relativas: extravasamento urinário, tecido não viável, retardo no diagnóstico da lesão arterial, lesão segmentar arterial e teste incompleto.
A abordagem deve ser feita com o objetivo de permitir uma melhor análise da cavidade até a exposição do rim, para a identificação de lesões secundárias, de forma que permita a exploração do órgão, renorrafia ou nefrectomia parcial ou total a depender da situação.
Como alternativa de tratamento, também pode ser realizada uma arteriografia, em que é feita a embolização e colocação de stents. É uma abordagem geralmente indicada para grandes lesões e quando há estabilidade hemodinâmica, já que aumenta as taxas de sucesso e é bastante eficaz no tratamento de lesões grau IV, embora seja uma abordagem de maior custo.
Complicações
Os traumatismos renais podem ter complicações precoces ou tardias.
- Complicações precoces – até 30 dias: sangramento, infecção, abscesso perinefrético, urinomas e fístulas urinárias;
- Complicações tardias: sangramento tardio, hidronefrose (durante a cicatrização pode haver obstrução de um cálice), formação de litíase, pielonefrites, pseudoaneurismas ou formação de fístulas arteriovenosas a nível microvascular.
Como tratamento para complicações vasculares, pode-se usar a técnica de radiologia intervencionista, pois através da angioembolização dos vasos os mesmos param de sangrar, promovendo a melhora. Em casos de urinoma, pode-se adotar a colocação de um cateter duplo-j para drenagem, além da antibioticoterapia.
Conclusão
Embora o trauma renal não seja tão prevalente, ele é responsável por inúmeras complicações, sejam imediatas ou tardias. Diante disso, se torna fundamental uma avaliação individualizada do paciente, considerando seu quadro de estabilidade hemodinâmica, grau de lesão e também sua função renal prévia, para, então, adotar uma decisão de tratamento, podendo ser cirúrgico ou conservador, independentemente do mecanismo. Na maioria dos casos, é possível tratar o paciente de forma adequada, sem necessidade de nefrectomia.
O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.
Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.
Referências:
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