Anatomia de órgãos e sistemas

A descoberta de um novo órgão: glândulas tubárias | Colunistas

A descoberta de um novo órgão: glândulas tubárias | Colunistas

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Imagem de perfil de Mel Amorim

No dia 23 de setembro de 2020, uma equipe de pesquisadores publicou um artigo na Holanda, no qual afirmam terem encontrado um novo órgão no corpo humano.

Eles identificaram o que acreditam ser novas glândulas localizadas atrás do nariz, no encontro com a garganta, a qual provavelmente é um quarto par de glândulas salivares. A nova descoberta foi nomeada de glândulas tubárias em referência a sua localização anatômica.

Se o achado for comprovado como verdadeiro, essa glândula oculta seria a primeira identificação anatômica em cerca de 300 anos. 

Atualmente, conhecemos estas três principais glândulas salivares: glândula parótida, glândula sublingual e glândula submandibular.

Como se deu essa descoberta?

A descoberta foi feita enquanto o oncologista Wouter Vogel e o cirurgião Matthijs Valstar analisavam tomografias por emissão de pósitrons/tomografias computadorizadas com ligantes de antígeno de membrana específicos da próstata (PSMA PET/CT) – que permitem visualizar tecidos em grandes detalhes – e notaram duas “estruturas desconhecidas” no centro da cabeça: uma dupla de glândulas, com alguns centímetros de comprimento, dispostas discretamente sobre os tubos que conectam os ouvidos à garganta. 

“Pelo que sabíamos, as únicas glândulas salivares ou mucosas da nasofaringe eram microscopicamente pequenas”, afirmou Vogel, em comunicado. Ele explicou que até mil dessas pequenas glândulas podem estar espalhadas pela mucosa. “Então, imagine nossa surpresa quando encontramos [as duas glândulas maiores].”

Para investigar mais a fundo tais glândulas, os pesquisadores, em parceria com o Instituto do Câncer da Holanda e com Centro Médico Universitário de Groningen, dissecaram o tecido de dois cadáveres e perceberam semelhanças com as glândulas salivares já conhecidas.

Função e relevância do órgão

Uma das hipóteses é a de que o órgão poderia conter grande número de ácinos seromucosos, com papel fisiológico para a lubrificação e deglutição da nasofaringe/orofaringe. 

Isso pode ser útil na clínica em oncologia, porque a radioterapia de feixe externo (RT) de alta dose para as glândulas salivares durante o tratamento para câncer de cabeça e pescoço (HNC) ou metástase cerebral é conhecida por causar danos como toxicidade, fibrose intersticial, atrofia acinar. Tais consequências podem resultar, ao longo do tempo, em perda de função com xerostomia, disfagia, problemas de fala e aumento do risco de cáries e infecções orais, com impacto significativo em sua qualidade de vida.

Características

Anatômicas

A glândula está envolta principalmente sobre o tórus tubário, se estende caudalmente à parede faríngea e cranialmente à fossa de Rosenmüllers e possui cerca de 4 cm.

Fig. 2. Anatomia da área do torus tubarius. Vistas macroscópicas da área do torus tubarius. Visão geral anatômica global com a área de interesse em amarelo e planos de dissecção em vermelho (A) com espécime de dissecção alinhado da nasofaringe direita, incluindo uma sonda mostrando a tuba auditiva (B) e visão geral gráfica anotada (C).

Histológicas

A área dissecada possui um grande agregado de tecido glandular predominantemente mucoso, com múltiplas aberturas de duto de drenagem macroscopicamente visíveis na parede dorsolateral da faringe.

Fig. 3. Torus tubarius com histologia da glândula sobrejacente e imunohistoquímica. Torus tubarius na coloração HE e imunohistoquímica para PSMA. Lâminas histológicas mostrando a nasofaringe dorsolateral ao nível do tórus tubário (A, 25 ×) com detalhes mostrando uma coloração HE anotada (B, 100 ×). Correlacionando a coloração de PSMA (C, 25 ×) com detalhes anotados, mostrando células da glândula que cobrem a cartilagem e com a coleção mais densa de ácinos mucosos PSMA-positivos cobrindo o tórus tubário (D, 100 ×). 

Interpretação das descobertas e controvérsias 

A ocorrência de grupos de células acinares na nasofaringe já foi relatada, mas num padrão espalhado em uma grande região no lugar de tecido localizado em uma estrutura glandular agrupada organizada. Ou seja, as aberturas do ducto excretor macroscopicamente visíveis podem ter sido notadas, mas não foram interpretadas como parte de uma glândula maior. 

“O local específico da localização das glândulas tubárias não é muito acessível, e você precisa de imagens muito sensíveis para detectá-lo”, disse Wouter Vogel. Assim, modalidades de imagem convencionais (ultrassom, TC, RNM) nunca permitiram a visualização dessa estrutura submucosa. Contudo, os cientistas tiveram sorte e esperteza ao introduzir a imagem molecular com ligantes de PSMA radiomarcados. Isso forneceu a alta sensibilidade e especificidade necessárias para a detecção de células da glândula salivar.

Apesar disso, o Dr. Alvand Hassankhani, radiologista da Universidade da Pensilvânia, disse que é possível que os pesquisadores holandeses tenham encontrado uma maneira melhor de obter imagens de um conjunto de glândulas menores subestimadas.

Conclusão: como essa nova descoberta pode impactar a Medicina?

Como ninguém sabia sobre as glândulas salivares tubárias, ninguém tentou evitar a radiação naquela região. 

Os pesquisadores concluíram, após um registro de mais de 700 pacientes em tratamento de câncer no Centro Médico de Groningen, que, quanto mais radiação os pacientes recebiam na área das glândulas desconhecidas, mais efeitos colaterais relatavam durante tratamentos.

A nova descoberta pode, portanto, traduzir-se em menos efeito colateral para pacientes com câncer.

Os pesquisadores afirmam que o próximo passo deles é descobrir qual seria a melhor forma de poupar essas novas glândulas e em quais pacientes.

“Se pudermos fazer isso, os pacientes poderão sentir menos efeitos colaterais, o que beneficiará sua qualidade de vida geral após o tratamento”, afirma Vogel.

O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: esse material foi produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido.


Referências:

  • Seeley et al., 2007.
  • Matthijs H. Valstar, Bernadette S. de Bakker, Roel J.H.M. Steenbakkers, Kees H. de Jong, Laura A. Smit, Thomas J.W. Klein Nulent, Robert J.J. van Es, Ingrid Hofland, Bart de Keizer, Bas Jasperse, Alfons J.M. Balm, Arjen van der Schaaf, Johannes A. Langendijk, Ludi E. Smeele, Wouter V. Vogel, VALSTAR. The tubarial salivary glands: A potential new organ at risk for radiotherapy, Radiotherapy and Oncology, 2020.
  • https://doi.org/10.1016/j.radonc.2020.09.034.
  • Link: http://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0167814020308094.