Carreira em Medicina

Anamnese Pediátrica | Colunista

Anamnese Pediátrica | Colunista

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Uma criança não é um adulto pequeno. Por isso, há considerações importantes que devem ser feitas na anamnese e no exame físico dos pacientes pediátricos. A primeira grande diferença é que, geralmente, não existe referência do sintoma de forma subjetiva pelo paciente, sendo comum o raciocínio clínico feito baseado no depoimento dos pais/responsáveis.

Relação Médico-Paciente-Cuidador

Durante toda a consulta, é importante que seja estabelecida uma relação de confiança entre os três sujeitos: o médico, a criança e o cuidador. Para que a anamnese seja de boa qualidade, é preciso condições inerentes ao informante (memória e cooperação) e habilidades médicas (acolhimento, respeito, valorização da fala do cuidador, paciência, linguagem acessível, dentre outros).

Fases do Crescimento

Na pediatria, há também a peculiaridades de cada faixa etária, pois massa corporal, peso, estatura, perímetro cefálico, perímetro torácico, perímetro abdominal, crescimento somático, marcadores neuropsicomotores, cognitivos, afetivo-emocionais e relacionadas ao amadurecimento sexual-reprodutor mudam de acordo com a idade. Então, é imprescindível que o médico pediatra tenha habilidades para os extremos: colher uma anamnese de um recém-nascido e de um adolescente é diferente.

Periodicidade das Consultas

Segundo a Sociedade Brasileira de Pediatria, a frequência e regularidade das consultas de pediátricas mudam de acordo com a idade. Nas situações comuns, recomenda-se três consultas mensais para bebês com 5 a 30 dias de vida, uma consulta mensal entre dois e seis meses de idade e  uma consulta a cada dois meses, para bebês de sete meses. Já para as crianças com dois anos ou mais, recomenda-se uma consulta a cada três meses; a partir dos seis anos, o recomendado é uma consulta semestralmente. Dos sete aos dezoito/vinte anos do paciente, uma consulta anualmente é suficiente.

Considerações Gerais sobre a Entrevista

Ambiente

O ideal é que o ambiente da entrevista clínica seja tranquilo, com boa iluminação e que seja capaz de dar privacidade à criança e ao cuidador. No consultório, pode haver brinquedos e demais objetos que sejam atrativos para as crianças, pois eles também poderão ser úteis no momento do exame físico da criança, uma vez que este momento pode gerar desconforto e estresse para ela.

O médico, deixando a criança à vontade no consultório para brincar, pode observar a forma como ela brinca, marcadores do desenvolvimento neuropsicomotor, se a criança é criativa ou agressiva e, até mesmo, se reproduz situações vividas em casa.

Estabelecer a Relação Médico-Paciente-Cuidador

Inicialmente, o médico deve apresentar-se para a criança e para o responsável dela. Após isso, o médico perguntará o nome da criança e do responsável (mesmo que já esteja anotado no prontuário), para evitar constrangimentos futuros. Para crianças maiores, os pediatras também podem perguntar se elas têm algum apelido que gostem de ser chamadas por ele, na intenção de deixá-las confortáveis durante a anamnese.

O médico deve ser respeitoso e gentil, deve usar um tom de voz tranquilo, manter postura calma, sorrir, prestar atenção no que o cuidador e o paciente diz e sempre, ao final da entrevista clínica, perguntar se tem alguma outra queixa. Isso é importante, pois, durante toda a consulta, o médico estará sendo avaliado pelos pais e essas atitudes irão interferir diretamente na relação médico-paciente-cuidador.

Além disso, o pediatra deve saber como conduzir a entrevista corretamente: Saber usar facilitadores mínimos verbais (hum-hum, continue), usar a última palavra que o paciente ou o cuidador disse como pergunta, pedir mais esclarecimentos se ficar com alguma dúvida, usar linguagem acessível, dentre outras técnicas que podem ser utilizadas pelo médico para encorajar o paciente ou cuidador a continuar contando a história.

Anamnese com Crianças

É preciso deixar a criança à vontade no consultório, porém, o médico deve saber impor limites e manter a sua autoridade. Além disso, o médico precisa deixar claro para a criança que todas as suas queixas são importantes e que ele fará de tudo para ajudá-la. Entretanto, apesar do médico tentar deixar o ambiente da consulta mais descontraído, ele deve evitar rir (mas há momentos em que a risada faz parte), mas não pode rir ou caçoar da criança, nem fazer “palhaçadas” inadequadas.  Dessa forma, o médico deve manter-se respeitoso e empático, não podendo cochichar assuntos da privacidade da criança na presença dela ou discutir o diagnóstico e tratamento numa linguagem inacessível a ela.

Anamnese com Adolescentes

É um mundo à parte, que merece muita atenção. Primeiramente, o médico precisa ser natural, evitando cometer o erro de aproximar-se do adolescente usando seu linguajar e postura estereotipados, pois isso pode afastar o paciente e colocar o médico em “posição ridícula”. Dessa forma, o aconselhado é que o médico goste de adolescentes, estude, tente ser compreensivo e apoiador, mas sem abandonar a sua personalidade.

SOAP ou RMOP?

Na pediatria, não existe o SOAP (Protocolo Simples de Acesso a Objetos), ou seja, as queixas não são anotadas no prontuário divididas em Subjetivo, Objetivo, Avaliação e Plano Terapêutico. A divisão para escrita no prontuário, na pediatria, é o RMOP (Registro Médico Orientado por Problemas), que é dividido em:

  • Identificação: Nome, data de nascimento, gênero, endereço (atentar para situação endêmica do bairro), anotar o nome do acompanhante e grau de parentesco;
  • Queixa Principal: Nas palavras do informante ou da criança;
  • História da Doença Atual: Início e evolução até o dia da consulta, caracterização detalhada dos sintomas, fatores de alívio e de piora, tratamentos realizados (anotar medicamentos usados, doses, tempo de uso, resposta), outras manifestações associadas. Avaliação  por outro profissional anterior, situação do paciente no dia da consulta (E hoje?). Ao final, questionar se há outras queixas (mais alguma coisa?);
  • Revisão dos Sintomas: Anotar queixas aos demais aparelhos (cabeça, olhos, nariz, garganta, cavidade bucal, sistemas – respiratório, cardíaco, digestivo, geniturinário, locomotor, nervoso). Na pediatria, é muito importante saber como está a diurese, evacuação e alimentação;
  • História Patológica Pregressa: Gestação, pré-natal e parto, condições do nascimento: APGAR, peso ao nascer, perímetro cefálico, comprimento, internação no período neonatal, saiu da maternidade junto com a mãe, relatório de alta. Realização dos testes do pezinho, coração, orelhinha, olhinho e linguinha. Aleitamento materno, alimentação atual, hábitos alimentares da família, merenda escolar. Doenças anteriores, hospitalizações (gravidade, duração e diagnóstico) e cirurgias. Uso de medicação diária;
  • História Vacinal: Anotar as que estão em atraso;
  • Desenvolvimento neuropsicomotor: Anotar os marcos;
  • História Familiar: Doenças hereditárias (obesidade, diabetes, hipertensão, asma, alergias, epilepsia, cardiopatias, fibrose cística, anemias, distúrbios psiquiátricos) doenças semelhantes às do paciente. Perguntar sobre o uso de drogas, tabagismo e alcoolismo;
  • História Social: Composição familiar, habitação, renda familiar, moradia (cuidado para que o paciente e responsável não se sintam constrangidos, menosprezados, inferiorizados ou culpados pela condição socioeconômica).

Após a realização da anamnese completa, o médico anotará o exame físico, hipóteses diagnósticas e a conduta.

Conclusão

Na pediatria, existem diferenças para a realização da anamnese e exame físico. Não podemos achar que uma criança ou adolescente é um adulto pequeno e seguir os mesmos passos de uma consulta para adulto. O estudante, o residente, o pediatra, todos os que atendem uma criança devem estar atentos a estas mudanças, para que a entrevista clínica tenha boa qualidade e resolutividade. É necessário estudar sobre a relação médico-paciente-cuidador, saber os pontos chaves que não podem faltar na consulta, saber como anotar… Somente com muito estudo e dedicação a anamnese pediátrica poderá ser dominada.

Autora: Letícia de Paula Santos.

Instagram: @leticiapaula.santos

Referências

  1. Santos JB. Ouvir o paciente: A anamnese no diagnóstico clínico. Brasília Médica. 1999;36(3):90-95.
  2. Pernetta C. Semiologia pediátrica. 4º edição. Rio de Janeiro. Interamericana. 1980.
  3. Melo E.M.S.C, Aquino L.A., Costa C.M.S., Liquornik P.A. A consulta pediátrica. In: Fonseca E.M.G.O. Medicina Ambulatorial – SOPERJ. 1º edição. Rio de Janeiro: Editora Guanabara Koogan; 2012. p1-12.
  4. Nardes F. Anamnese pediátrica: revisão de um tópico consagrado. https://cdn.publisher.gn1.link/residenciapediatrica.com.br/pdf/pprint113.pdf
  5. López M., Laurentys-Medeiros J. Semiologia Médica – As bases do diagnóstico clínico. Volume II. 4º edição. Rio de Janeiro. Editora Revinter. 2001.
  6. Faculdade de Medicina. Departamento de pediatria e puericultura UFRGS. Disponível em: http://www.ufrgs.br/pediatria/padroes/arquivos/Padrao_Anamnese.pdf
  7. Roteiros de Pediatria para estudantes e residentes. Disponível em: https://www.roteirosdepediatria.com/anamnese-em-pediatria
  8. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP). Com que frequência ir ao pediatra? Disponível em: https://www.sbp.com.br/filiada/goias/noticias/noticia/nid/com-que-frequencia-ir-ao-pediatra/#:~:text=Nas%20situa%C3%A7%C3%B5es%20mais%20comuns%2C%20a,dos%20sete%20meses%20do%20beb%C3%AA.
  9. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP). Consulta do Adolescente. Disponível em: https://www.sbp.com.br/fileadmin/user_upload/21512c-MO_-_ConsultaAdolescente_-_abordClinica_orientEticas.pdf
  10. SOCIEDADE BRASILEIRA DE PEDIATRIA (SBP). Tratado de Pediatria. Manole, 4ª edição; 2017.


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