Aprenda a usar a escala FLACCr e avaliar a dor em crianças | Colunistas

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A Agência Americana de Pesquisa e Qualidade em Saúde Pública e a Sociedade Americana de Dor descrevem a dor como o quinto sinal vital, que deve sempre ser registrado ao mesmo tempo e mesmo ambiente em que também são avaliados os outros sinais vitais: temperatura, pressão arterial, pulso e respiração1. Contudo, por ser uma experiência subjetiva e pessoal, sua mensuração por vezes é esquecida nos prontuários, não sendo reconhecida ou inadequadamente conduzida.  No Brasil, o direito de “não sentir dor, quando existem meios para evitá-la”, é garantido pelos Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados2. O processo de estar internado e em uma Unidade de Terapia ou Cuidados intensivos (UTI ou UCI), por si só, é difícil e estressante, principalmente para as crianças que frequentemente experimentam dor, medo e ansiedade.

A avaliação da dor em crianças é um desafio de se executar pela incapacidade de muitas delas para uma autoavaliação, comportamentos subsutis e inespecíficos de dor, sendo muitas vezes subdiagnosticadas e erroneamente tratadas, com excessos ou subdoses de medicamentos.

Esse desafio torna-se ainda maior quando as crianças apresentam comprometimento neurológico, especialmente do sistema cognitivo e da fala. Com isso, a escala FLACC (Face, Legs, Activity, Cry, Consolability) foi desenvolvida em 1997 na Faculdade de Medicina da Universidade de Michigan, com o intuito de ser uma escala rápida, pouco complexa e baseada em parâmetros comportamentais objetivos3. Em 2002, passou por uma adaptação para adequá-la à utilização em crianças com comprometimento cognitivo – FLACC revisada (FLACCr) – além de ser adicionado orientações para sua aplicação.

Quando usar?

                Crianças de 2 meses aos 18 anos e indivíduos com problemas neurológicos até 19 anos impossibilitados de relatar a sua dor, não verbais ou com prejuízo da fala2.

                Importante considerar que a avaliação da dor não deve ser um momento isolado, é preciso implementar intervenções, avaliar e reavaliar, tranquilizando a criança sempre que possível que seu objetivo é mensurar a intensidade de sua dor, não para piorar sua ansiedade ou medo de dor.

A escala FLACCr

                Apresenta cinco categorias de avaliação: expressão facial, movimentos das pernas, atividade, choro e consolabilidade; em que cada uma pontua de zero a dois, os quais somados totalizam uma pontuação que varia entre zero e dez3.

                O paciente deve estar descoberto, e se acordado, ser observado por ao menos 1-2 minutos, se estiver dormindo, o tempo mínimo são 2 minutos para observação da expressão facial, corpo e atitude das pernas. Quando possível, reposicionar o paciente, e avaliar o tônus e tensão muscular. Além disso, o profissional pode revisar os descritores de cada categoria, e pontuar de forma subjetiva (1-2 pontos) comportamentos de dor específicos de cada criança, descritos pelos pais, que podem ser incluídos num espaço em aberto em cada categoria.

                Existem outros instrumentos padronizadas para avaliar a dor em crianças, como o NIPS – Neonatal Infant Pain Scale e NFCS – Neonatal Facial Coding System (avaliam a presença de dor em neonatos), escala de faces FPS-R, COMFORT, dentre outras. Contudo, a FLACC se destaca por além de avaliar a intensidade da dor, ser validada para aplicação em indivíduos com comprometimentos neurológicos.

O que é e como avaliar o tônus e tensão muscular?

                Examinado na categoria movimento das pernas e atividade, o tônus é o estado de tensão no músculo relaxado ou a resistência aos movimentos passivos na ausência de contração voluntária. Pode-se avaliar através da palpação dos grupos musculares (ex. coxa, perna, braço e antebraço) observando a consistência e rigidez. Uma segunda técnica é através da movimentação passiva dos cotovelos, punhos, tornozelo, joelho e quadril, avaliando a extensibilidade (amplitude) e passividade (resistência). Normalmente, a resistência é mínima ou ausente. Ainda, no balanço passivo, com o paciente em decúbito dorsal, o examinador pressiona a perna ou antebraço sobre o leito e movimenta de um lado para o outro observando o balanço distal.

Aplicando a escala

Agora que você já sabe como realizar a escala, a soma das categorias equivale ao grau de dor da criança, sendo interpretado:

  • 0 – sem dor, confortável;
  • 1 a 3 – dor leve;
  • 4 a 6 – dor moderada;
  • 7 a 10 – dor intensa.

Uma dor só poderá ser tratada uma vez que for identificada. A dor não tratada piora o curso da recuperação, altera o sono e humor, e associa-se a baixa autoestima. Por isso, identificada a dor, é necessário discutir as medidas a serem tomadas a depender do protocolo do hospital.

Em casos de dor leve, geralmente recomenda-se estratégias não farmacológicas (em neonatos: contato pele a pele, amamentação e leite humano, sucção não nutritiva, enrolamento; em crianças: distração, relaxamento), anestesia local, uso de analgésicos não opioides (ex. paracetamol) e anti-inflamatórios não hormonais (ex. dipirona). Na dor moderada, pode-se aplicar opioides fracos (ex. tramadol) e na dor intensa, analgesia venosa com dipirona ou opioide forte (ex. morfina, fentanil). Ainda, é importante a prevenção da dor antes da realização ou minimizando os procedimentos dolorosos e em casos de indivíduos sem dor (FLACC=0) por meio de estratégias não farmacológicas6.


O texto é de total responsabilidade do autor e não representa a visão da sanar sobre o assunto.

Observação: material produzido durante vigência do Programa de colunistas Sanar junto com estudantes de medicina e ligas acadêmicas de todo Brasil. A iniciativa foi descontinuada em junho de 2022, mas a Sanar decidiu preservar todo o histórico e trabalho realizado por reconhecer o esforço empenhado pelos participantes e o valor do conteúdo produzido. Eventualmente, esses materiais podem passar por atualização.

Novidade: temos colunas sendo produzidas por Experts da Sanar, médicos conceituados em suas áreas de atuação e coordenadores da Sanar Pós.


Referências:

  1. . Sousa, F. A. E. F. Dor: O quinto sinal vital. Rev. Latino-Am. Enfermagem, v.10, n.3, p. 446-7, Ribeirão Preto, 2002.
  2. BRASIL. Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente. Direitos da Criança e do Adolescente Hospitalizados. Brasília: 1995.
  3. Batalha LMC. Avaliação da dor. Coimbra: ESEnfC; 2016 (Manual de estudo –versão 1)
  4. Bussoti, E. A.; Guinsburg, R.; Pedreira, M. da L. Adaptação cultural para o português do Brasil da escala de avaliação de dor Face, Legs, Activity, Cry, Consolability revised (FLACCr). Rev. Latino-Am. Enfermagem, v. 23, n. 4, p. 651-9.
  5. Sedrez, E. S.; Monteiro, J. K. Avaliação da dor em pediatria. Rev Bras Enferm, n. 73, n. 4., 2020.
  6. PROTOCOLO DE PREVENÇÃO, AVALIAÇÃO E TRATAMENTO DA DOR AGUDA EM CRIANÇAS Versão 1.0 – 2016

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