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Aquário Humano: uma reflexão sobre saúde mental na pandemia do Coronavírus | Colunistas

Aquário Humano: uma reflexão sobre saúde mental na pandemia do Coronavírus | Colunistas

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A infecção pelo novo Coronavírus teve início em Wuhan, na China, no fim de 2019 e em pouco tempo se alastrou para outros continentes, definindo a pandemia vivida em 2020 no mundo. Medidas imediatas de saúde pública foram implementadas em diversos países com relação ao manejo clínico e terapêutico e às medidas de isolamento da população.

Em paralelo, o isolamento humano é um meio de reflexão para com o isolamento animal em zoológicos e parques aquáticos. Esses animais estão acostumados a viver em bandos, terem suas “famílias” e suas “trocas” com seu habitat natural, e essa quebra traz muitas consequências negativas para eles.

Essa temática é criticada no documentário da NETFLIX “Blackfish”, que mostra as repercussões do isolamento em baleias e animais marinhos no parque do Sea World, que desenvolvem uma série de transtornos de personalidade, irritabilidade, depressão e suicídio durante seu confinamento.

Assim, não estaria o mundo vivendo, por alguns meses até o presente momento, o que esses animais vivem durante anos ou até durante a vida inteira? As casas não são como um aquário humano, do qual não há como sair e interagir com outras pessoas, abraçar, tocar, beijar, sentir? A vida cotidiana não mudou drasticamente?

Dessa forma, no cenário caótico vivido no Brasil atualmente, quais as repercussões do medo do contágio, do isolamento social, do “boom” de informações disseminadas pela mídia e da pressão social em busca da produtividade sobre a saúde mental da população brasileira? E a saúde mental de quem está atendendo na linha de frente contra o Coronavírus?

Os seres humanos são organizados em sociedade e esse confinamento social pode levar à repercussões alarmantes na saúde mental da população como: exaustão, ansiedade, irritabilidade, insônia, dificuldade de concentração, indecisão, diminuição do rendimento no trabalho e nos estudos, relutância em trabalhar e estudar, depressão, sentimentos de culpa, medo e nervosismo.

Além disso, a facilidade do acesso a qualquer tipo de informação, seja cientificamente comprovada ou não, é um fator estressor, pois pode gerar um sentimento de confusão acerca do que é de fato verdade, o nível de profundidade da informação divulgada e falta de clareza da informação. Por outro lado, informações sem base científica podem contribuir para o relaxamento do isolamento e fazer com que a população menospreze a gravidade da pandemia.

Atrelado ao poder das mídias sociais de disseminação de informações, a pressão para “ocupar” o “tempo livre” durante o período de isolamento é um fator prejudicial à saúde mental. A era das postagens nas redes sociais aumenta o sentimento de comparação das pessoas com as outras, e leva a sentimentos negativos quanto à saúde mental.

É preciso entender que as pessoas são diferentes, tem vidas e rotinas diferentes e que na maioria das vezes só irão colocar nas redes sociais a parte do dia ou da vida em que ela está bem e feliz, fazendo alguma atividade que lhe dá prazer. Ninguém é feliz o tempo todo, e é absolutamente normal.

É necessário entender o isolamento como uma oportunidade de autoconhecimento e um processo de autocuidado. Além de seguir as recomendações de higiene pessoal, tente estabelecer uma rotina de “home office”, faça planejamentos para o seu dia com atividades prazerosas para você.

Busque se informar com relação ao que está acontecendo, porém, é importante ter cuidado com o excesso de informações, não fique conectado nas notícias o tempo todo, isso pode exacerbar o estresse e a ansiedade. Também é válido checar a qualidade das informações, sendo preferíveis as informações dos órgãos oficiais de saúde como a Organização Mundial da Saúde e o Ministério da Saúde.

Manter o corpo e a mente ativas são boas formas de preencher o dia realizando exercícios físicos ou de relaxamento, lendo livros, assistindo filmes, ou até arrumando o quarto, a casa, organizando suas coisas pessoais.

Também, como um ser sociável é importante se conectar com pessoas, valorizar mais o tempo com seus familiares, e buscando amizades como apoio em vídeo-chamadas (existem diversos aplicativos em que você pode realizar chamadas de vídeo com diversos participantes, como: Zoom, Google Meet, Google Hangouts, Skype e Microsoft Teams), telefonemas ou mensagens. O apoio profissional também é importante caso seja necessário, através de profissionais como psicólogos e psiquiatras, que tem o preparo ideal para lidar com a complexidade da mente humana.

É preciso ressignificar o isolamento social, de algo como uma “punição” para um lugar de contribuição para um bem comum, que é salvar vidas e evitar o sucateamento do sistema de saúde. Essa consciência é necessária, em respeito aos profissionais que estão no combate ao Coronavírus, sem ver suas famílias, para que a população em geral possa estar em casa.

Para os profissionais de saúde que estão na linha de frente, manter a saúde mental estável é ainda mais difícil. A estigmatização por trabalhar com pacientes com COVID-19 e o maior medo de contrair a infecção, as medidas de biossegurança rígidas, as restrições físicas de movimento e falta de conforto, o estado de alerta constante e uma nova rotina de trabalho são fatores estressores que repercutem de forma negativa na saúde dos profissionais.

Estar em um ambiente de constante pressão, onde muitas vidas estão sendo perdidas, por diversos fatores que muitas vezes transcendem a competência dos profissionais, leva a um determinismo de meio emocional, em que o profissional tende a apresentar reações conforme o ambiente. 

O contexto de ver muitas famílias perdendo entes queridos e dos próprios profissionais perderem colegas de trabalho ou conhecidos é sufocante, não há respeito pelo processo do luto, porque no outro dia o trabalho estará lá precisando do seu agente.

No entanto, é crucial se desprender do paradigma criado pela sociedade de que o médico é um “Deus”, um “herói”, ou a “solução para todos os problemas”. Os “heróis” não estão bem o tempo todo e não são “fortes” todas as 24 horas do dia, e está tudo bem, até porque, médicos são, sobretudo, seres humanos.

O autocuidado é a principal forma de trabalhar a sua saúde mental. É preciso reservar um tempo fora do trabalho para reflexão e descanso (com atividades como yoga e meditação), bem como garantir um sono com a maior quantidade de horas e na melhor qualidade possível.

Além disso, mesmo com a impossibilidade de estar com quem você ama pessoalmente, as vídeo-chamadas são uma boa opção que você pode utilizar para desabafar, buscar apoio e também socializar com outras pessoas que tem uma rotina completamente diferente da sua na pandemia. O tempo de “lazer” é curto, mas, quando possível, leia um livro, assista a um filme, veja vídeos que gosta no youtube ou ouça uma música. 

Apoio profissional também é importante quando necessário, para que o profissional possa compartilhar experiências e pedir ajuda a alguém capacitado para atendê-lo de forma adequada, como um psicólogo ou psiquiatra.

O Ministério da Saúde mobilizou uma plataforma em que os profissionais da linha de frente contra a COVID-19 possam ter assistência à saúde mental através do Projeto TelePSI que prestará teleconsultas até setembro de 2020.

E qual a importância de tudo isso? A quarentena pode afetar o comportamento do ser humano inclusive após o confinamento, quando voltar a viver em sociedade, o que mostra o quão importante é desenvolver estratégias para minimizar esses impactos.

Por fim, o momento histórico que está sendo vivido no mundo é um exercício diário de autocuidado, paciência, empatia e compaixão. É a hora de valorizar a vida, pois cada morte, que aparece como apenas mais um número nos jornais, é também um amigo, filho, um pai,  vizinho, uma mãe, uma irmã, uma avó, um tio de alguém. É o amor da vida de alguém.

Não espere acontecer com a sua família para dar a importância necessária a tudo o que a ciência e as evidências apontam. Quarentena não são férias. Se cuide e cuide de quem está com você, e faça valer todo o empenho dos profissionais de saúde que estão na linha de frente, pra salvar a sua vida.

Autor: Ian Kraychete, Estudante de Medicina

Instagram: @ikraychete