versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.110 no.5 supl.1 São Paulo maio 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180074
Declaração de potencial conflito de interesses dos autores/colaboradores da6ª Diretriz de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial e 4ª Diretriz de Monitorização Residencial da Pressão Arterial | ||||||||
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Se nos últimos 3 anos o autor/colaborador das Diretrizes: | ||||||||
Nomes Integrantes da Diretriz | Instituições | Participou de estudos clínicos e/ou experimentais subvencionados pela indústria farmacêutica ou de equipamentos relacionados à diretriz em questão | Foi palestrante em eventos ou atividades patrocinadas pela indústria relacionados à diretriz em questão | Foi (é) membro do conselho consultivo ou diretivo da indústria farmacêutica ou de equipamentos | Participou de comitês normativos de estudos científicos patrocinados pela indústria | Recebeu auxílio pessoal ou institucional da indústria | Elaborou textos científicos em periódicos patrocinados pela indústria | Tem ações da indústria |
Andréa Araujo Brandão | Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, RJ, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Alexandre Alessi | Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Audes Magalhães Feitosa | Faculdade Pernambucana de Saúde (FPS), Recife, PE, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Carlos Alberto Machado | Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Carlos Eduardo Poli de Figueiredo | Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, RS, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Celso Amodeo | Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Biolab, AstraZenneca, Merck Serona | Servier | Sankyo, Servier | Medley | Não |
Cibele Isaac Saad Rodrigues | Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Sorocaba, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Claudia Lucia de Moraes Forjaz | Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Dante Marcelo Artigas Giorgi | Instituto do Coração, Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Décio Mion Júnior | Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Eduardo Barbosa Coelho | Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Fernando Nobre | Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP), Ribeirão Preto, SP, Brasil | Não | Não | Libbs, MDS | Não | Servier | Não | Não |
Emilton Lima Júnior | Pontifícia Universidade Católica do Paraná, Curitiba, PR, Brasil | Não | Não | Não | Não | Boehringer, Ingelheim, Eli Lilly | Não | Não |
Frida Liane Plavnik | Hospital Alemão Oswaldo Cruz, São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Giovanio Vieira da Silva | Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Hilton Chaves Júnior | Universidade Federal de Pernambuco, Recife, PE, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Eduardo Costa Duarte Barbosa | Instituto de Cardiologia do Rio Grande do Sul (IC/FUC), Porto Alegre, RS, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
José Fernando Vilela-Martin | Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Torrent, Daiichi Sankyo | Biolab | Não |
José Marcio Ribeiro | Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Josiane Lima de Gusmão | Universidade de Guarulhos, Guarulhos, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Juan Carlos Yugar Toledo | Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto, São José do Rio Preto, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Luiz Aparecido Bortolotto | Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Luiz Cesar Nazário Scala | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não | |
Marco Antônio Mota Gomes | Fundação Universitária de Ciências da Saúde Governador Lamenha Filho, Maceió, AL, Brasil | Não | Não | Biolab, Torrent, Novartis,Omron, Geraterm | Não | Biolab, Torrent, Novartis,Omron, Geraterm | Biolab, Torrent, Novartis,Omron, Geraterm | Não |
Marcus Vinícius Bolívar Malachias | Faculdade de Ciências Médicas de Minas Gerais, Belo Horizonte, MG, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Novartis, Novo Nordisk, Sanofi-Medley, Biolab | Não |
Mario Fritsch Toros Neves | Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Mauricio Wajngarten | Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HCFMUSP) São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Miguel Gus | Hospital Moinhos de Vento, Porto Alegre, RS, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Oswaldo Passarelli Júnior | Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Paulo Cesar Brandão Veiga Jardim | Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil | Não | Não | Não | Não | Servier | Servier | Não |
Roberto Dischinger Miranda | Universidade Federal de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Rogério Baumgratz de Paula | Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, MG, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Sebastião Rodrigues Ferreira Filho | Universidade Federal de Uberlândia, Uberlândia, MG, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Solange Andrade | Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Tufik J. M. Geleilete | Universidade de Ribeirão Preto, Ribeirão Preto, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Vera Hermina K. Koch | Universidade de São Paulo, São Paulo, SP, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Weimar Kunz Sebba Barroso de Souza | Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás, Goiânia, GO, Brasil | Não | EMS, Servier, Medley, Geratherm,Daiichi Sankyo,Libbs | Não | Não | Não | Não | Não |
Wille Oigman | Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, RJ, Brasil | Não | Não | Não | Não | Não | Não | Não |
Reúnem-se, novamente, representantes das sociedades brasileiras de Cardiologia (SBC), de Hipertensão (SBH) e de Nefrologia (SBN) para uma revisão e atualização das últimas diretrizes de MAPA e MRPA.
O processo para a produção obedeceu a um cronograma de trabalho exclusivamente realizado via web com dois grupos de trabalhos voltados para cada um dos métodos.
Após um período longo de trabalho e discussões, apresentamos nesta publicação dos Arquivos Brasileiros de Cardiologia as 6ª Diretrizes de Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial e 4ª Diretrizes de Monitorização Residencial da Pressão Arterial.
Participaram experientes profissionais ligados a essas áreas do conhecimento que ofereceram importantes colaborações para que se chegasse à forma final ora apresentada.
No momento em que novas propostas de valores de normalidade para a pressão arterial foram apresentados pelo documento assinado pelo American College of Cardiology, American Heart Association e também respaldadas por outras sociedades americanas de renome (2017 ACC, AHA, AAPA, ABC, ACPM, AGS, APhA, ASH, ASPC, NMA, PCNA Guideline for the Prevention, Detection, Evaluation, and Management of High Blood Pressure in Adults) tivemos muito cuidado na revisão final do texto sob esse ponto de vista.
Consultamos importantes e respeitados colegas relacionados aos métodos em questão tanto nos Estados Unidos como na Europa para respaldarmos os dados nessa diretriz apresentados.
Assim, optamos por manter, sem prejuízo de ulteriores análises e conclusões, o que está apresentado nos critérios de normalidade e que coincidem com o que representa nesse momento, a opinião de pessoas e sociedades de outros serviços e países.
Esperamos que esse documento, revisado e ampliado, represente importante fonte de consulta e orientação.
Fernando Nobre
Coordenador Geral
Décio Mion Júnior
Coordenador dos Grupos de Trabalhos - MAPA
Marco Antônio Mota Gomes
Coordenador dos Grupos de Trabalhos - MRPA
A pressão arterial (PA) varia em virtude da interação de fatores neuro-humorais, comportamentais e ambientais.
Existe uma variação contínua da PA batimento a batimento, de acordo com as atividades do indivíduo e, em hipertensos, essa variabilidade apresenta maior amplitude do que em normotensos, estando relacionada a pior prognóstico. Durante o período de vigília, em geral, esses valores são maiores do que os obtidos durante o sono (Figura 1).1
A medida da PA pode ser realizada por método direto, ou intra-arterial, e por métodos indiretos, sendo os mais empregados:
Auscultatório, que identifica, pela ausculta, o aparecimento e o desaparecimento dos ruídos de Korotkoff, correspondendo, respectivamente, às pressões arteriais sistólica e diastólica;
Oscilométrico, capaz de identificar, por oscilometria, o ponto de oscilação máxima que corresponde à PA média e determina, por meio de algoritmos, as PAs sistólicas e diastólicas.2,3
A medida da PA casual ou no consultório, apesar de considerada procedimento-padrão para o diagnóstico dos vários tipos de comportamento da PA e para o seguimento de pacientes hipertensos, está sujeita a inúmeros fatores de erro, destacando-se a influência do observador e do ambiente onde a medida é realizada.4 Além disso, propicia um número reduzido de leituras, que podem não apresentar boa reprodutibilidade em longo prazo.5
Entre outras, essas são razões para a necessidade de obtenção de medidas por meio de outros métodos - que sejam capazes de abstrair tais erros e de criar condições que propiciem uma medida de PA que reflita, com segurança e fidelidade, o seu real comportamento.
Estas diretrizes estabelecem normas técnicas - baseadas nas melhores evidências disponíveis - para realização de dois desses métodos de ampla utilização na prática clínica: Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial (MAPA) de 24 horas e Monitorização Residencial da Pressão Arterial (MRPA).
As considerações a seguir apresentadas devem ser cuidadosamente obedecidas para que os equipamentos utilizados para a realização dos exames de MAPA6 e de MRPA7 atendam às normas internacionalmente recomendadas.
Os aparelhos são considerados validados quando submetidos aos protocolos de validação e por esses aprovados.5,7 Existem protocolos bem definidos para validação,7 tais como o da Association for the Advancement of Medical Instrumentation (AAMI),8 que classifica o equipamento em aprovado ou reprovado, ou o da British Hypertension Society (BHS),9 que estabelece graus de A até D e considera o equipamento validado quando recebe graus A ou B para as pressões sistólica e diastólica.
É importante verificar se o equipamento a ser adquirido está validado, por meio de consulta aos sites do fabricante, da AAMI ou da BHS.
A calibração deve ser realizada pelo fornecedor ou seu representante, no mínimo, anualmente, ou de acordo com a recomendação do fabricante. Também deve ser feita sempre que for identificada discrepância ≥ 5 mmHg entre as medidas obtidas pelo monitor e as registradas em aparelho de coluna de mercúrio calibrado, por meio de um conector em Y - procedimento que deve ser realizado, pelo menos, a cada seis meses.10
Recomenda-se o uso de manguitos adequados à circunferência do braço (Tabela 1) e originais do fabricante do aparelho.11
Tabela 1 Dimensões recomendadas para as bolsas infláveis de acordo com os diferentes tamanhos de braço
Denominação do manguito | Circunferência do braço (cm) | Largura do manguito (cm) | Comprimento da bolsa (cm) |
---|---|---|---|
Criança | 6-15 | 5 | 15 |
Infantil | 16/21 | 8 | 21 |
Adulto pequeno | 22-26 | 10 | 24 |
Adulto | 27-34 | 13 | 30 |
Adulto grande | 35-44 | 16 | 38 |
Coxa | 45-52 | 20 | 42 |
Fonte: 7ª Diretriz Brasileira de Hipertensão11
Em relação à MAPA, a utilização de diferentes manguitos estará restrita apenas aos tamanhos: infantil, adulto pequeno, adulto e adulto grande, considerando-se as limitações da aplicação do método às crianças.
Embora haja tabelas de correção para adaptar tamanhos inadequados de manguitos, o ideal é o uso do equipamento apropriado a cada situação.11 A colocação no antebraço também é procedimento que deve ser evitado.
Devem ser utilizados os manguitos comercializados pelos fabricantes dos aparelhos.
Os valores da PA medida em consultório, em geral, diferem dos obtidos pela MAPA ou pela MRPA. Essas diferenças possibilitam a classificação dos pacientes em quatro diferentes categorias (Figura 2): normotensão verdadeira, hipertensão verdadeira, hipertensão do avental branco (hipertensão isolada de consultório) e hipertensão mascarada (normotensão do avental branco).12
Figura 2 Representação gráfica (em mmHg) dos conceitos de hipertensão verdadeira, efeito do avental branco, normotensão, hipertensão do avental branco e hipertensão mascarada.12 Fonte: adaptado de Nobre e Coelho.12 EAB: efeito do avental branco; MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; MRPA: monitorização residencial da pressão arterial.
A normotensão verdadeira caracteriza-se por valores normais de PA no consultório (< 140/90 mmHg) e na MAPA de 24 horas (< 130/80 mmHg) ou na MRPA (< 135/85 mmHg).
A hipertensão verdadeira é definida quando são registrados valores sistematicamente anormais de PA no consultório (≥ 140/90 mmHg) e médias igualmente anormais de 24 horas pela MAPA (≥ 130/80 mmHg) ou pela MRPA (≥ 135/85 mHg).
Define-se efeito do avental branco como o valor referente à diferença entre a medida da PA no consultório e a média da MAPA na vigília ou da MRPA (≥ 135/85 mmHg). Considera-se efeito do avental branco significativo quando essa diferença for superior a 20 e 10 mmHg, respectivamente, nas pressões sistólica e diastólica.14
A hipertensão do avental branco (HAB) ocorre em aproximadamente 15 a 30%dos casos,15 quando há valores anormais na medida da PA no consultório (≥ 140/90 mmHg) e valores normais de PA pela MAPA durante o período de vigília16,17 ou pela MRPA (≤ 135/85 mmHg). É importante observar que nessa condição ocorre mudança de diagnóstico de hipertensão arterial no consultório para normotensão fora dele. Mais recentemente, entretanto, devido à contribuição da PA durante o sono como preditora de eventos, tem-se considerado uma definição alternativa para a HAB quando há PA no consultório (≥ 140/90 mmHg) e média de PA de 24 horas < 130/80 mmHg.18
Não há características que orientem para o diagnóstico de HAB. Porém, pode ser mais comum em: jovens ou idosos, do sexo feminino, com medidas normais fora do consultório e hipertensão estágio I sem lesão de órgão-alvo. Alguns estudos apontam que a HAB apresenta risco cardiovascular intermediário entre normotensos e hipertensos (Figura 3).19
Figura 3 Prognóstico dos pacientes com hipertensão do avental branco comparados com aqueles com normotensão verdadeira.15
Ainda que não existam evidências de benefícios de intervenções medicamentosas nesse grupo, os pacientes devem ser considerados no contexto do risco cardiovascular global, devendo permanecer em seguimento clínico com orientações de mudanças de estilo de vida.15
A hipertensão mascarada (HM) ocorre em aproximadamente 10 a15% dos casos,20 quando há valores normais na medida da PA no consultório (< 140/90 mmHg) e valores anormais de PA pela MAPA durante o período de vigília (> 135/85 mmHg) ou pela MRPA (> 135/85 mmHg). Nessa condição também acontece mudança de diagnóstico de hipertensão fora do consultório para normotensão no consultório. Igualmente ao que ocorre com a HAB, admite-se ser inapropriado excluir o período de sono na definição. No presente, considera-se que as pressões arteriais de 24 horas e durante o sono devam ser consideradas no diagnóstico. Assim, se a PA é < 140/90 mmHg no consultório, em pacientes sob tratamento ou não, e a PA de 24 horas é ≥ 130/80 mmHg ou a PA durante o sono é ≥ 120/70 mmHg, o diagnóstico de HM deverá ser confirmado.18
As características que podem sugerir o diagnóstico nessa situação são: jovens com PA casual normal ou limítrofe e hipertrofia de ventrículo esquerdo, com pais hipertensos, apresentando medidas ocasionalmente elevadas fora do consultório e risco cardiovascular elevado.20
Alguns estudos sugerem que pacientes com HM têm maior prevalência de lesões de órgãos-alvo do que indivíduos normotensos,20 mas há divergências a esse respeito. A Figura 4 exibe uma avaliação de prognóstico dos indivíduos com HM comparados com os normotensos.21
Figura 4 Prognóstico dos pacientes com hipertensão mascarada comparados com aqueles com normotensão verdadeira.15 IC: intervalo de confiança.
São considerados valores para fins de diagnóstico -levando-se em conta as medidas de consultório, pela MAPA e pela MRPA - os expressos na Tabela 2. Nela estão expressos os valores anormais para cada um dos métodos e circunstâncias (24 horas, vigília e sono, no caso do MAPA).18
Tabela 2 Valores de pressão arterial considerados anormais nas medidas casuais (consultório), pela MAPA (nas 24 horas, vigília e durante o sono) e na MRPA para definição de diagnósticos.21
PAS | PAD | ||
---|---|---|---|
Consultório | ≥ 140 | e/ou | 90 |
MAPA | |||
24 horas | ≥ 130 | e/ou | 80 |
Vigília | ≥ 135 | e/ou | 85 |
Sono | ≥ 120 | e/ou | 70 |
MRPA | ≥ 135 | e/ou | 85 |
PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; MRPA: monitorização residencial da pressão arterial.
Por fim, considerados os aspectos gerais comuns à MAPA e à MRPA, devem ser estabelecidos alguns pontos necessários para orientar a constituição de um serviço voltado à realização desses dois exames.
Para criar e dar continuidade a um serviço de MAPA ou MRPA, público ou privado, localizado em consultório, ambulatório ou centro de diagnóstico, devem ser atendidos alguns princípios básicos como definidos no Quadro 1.
As partes 2 e 3 dessas diretrizes tratam, especificamente, de aspectos peculiares relacionados à MAPA e à MRPA.
MAPA é o método que permite o registro indireto e intermitente da PA durante 24 horas, ou mais, enquanto o paciente realiza suas atividades habituais na vigília e durante o sono. A MAPA deve fazer parte do fluxograma para identificação das quatro categoriaspossíveis de comportamento da PA: normotensão, hipertensão arterial, HAB e HM.
Algumas variáveis da MAPA - quando comparadas com as medidas casuais no consultório - podem se correlacionar melhor com desfechos cardiovasculares, tais como o infarto do miocárdio e o acidente vascular encefálico.22,23
A MAPA apresenta vantagens em relação às medidas casuais, como a atenuação do efeito do observador com obtenção de valores que se aproximam da PA real nas atividades habituais. Além disso, avalia o comportamento da PA durante o sono, a elevação matinal precoce da PA (early morning surge) e o comportamento da resposta terapêutica nas 24 horas.24 Em situações especiais, a MAPA é recomendada para afastar o diagnóstico de HAB na avaliação inicial do paciente suspeito de hipertensão arterial.25
A MAPA está indicada na avaliação de algumas situações clínicas (Quadro 2), devendo-se considerar suas vantagens (Quadro 3), utilidades (Quadro 4) e limitações (Quadro 5).5
Quadro 2 Principais indicações para a realização da MAPA
1. Identificação do fenômeno do avental branco (NE: I; GR: A) Hipertensão do avental branco em pacientes não tratados Efeito do avental branco Pseudo-hipertensão resistente devido ao efeito do avental branco |
2. Identificação do fenômeno da hipertensão mascarada (NE: I; GR: A) Hipertensão mascarada em pacientes tratados com PA controlada e indícios de persistência ou progressão de lesão de órgãos-alvo Hipertensão mascarada em pacientes tratados |
3. Identificação hipertensão resistente verdadeira e pseudo-hipertensão resistente (NE: I; GR: A) |
4. Avaliação de sintomas, principalmente de hipotensão (NE: I; GR: C) |
5. Disfunção autonômica (NE: IIa; GR: B) |
MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; NE: nível de evidência; GR: grau de recomendação; PA: pressão arterial.
Quadro 3 Principais vantagens da MAPA
Obtenção de múltiplas medidas nas 24 horas |
Avaliação da PA durante as atividades habituais |
Avaliação da PA durante o sono |
MAPA: Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial; PA: pressão arterial.
Quadro 4 Utilidades da MAPA
Diagnóstico de pré-hipertensão sem lesões de órgãos-alvo |
Avaliação de hipertensão episódica |
Identificação de hipertensão no sono ou ausência de descenso no sono |
Avaliação da eficácia anti-hipertensiva |
Manejo da hipertensão durante a gravidez |
Avaliação da hipertensão em idosos |
Avaliação da hipertensão em crianças e adolescentes |
Triagem e seguimento na apnéia obstrutiva do sono |
Identificação do comportamento da PA em disautonomias |
Avaliação da elevação matinal precoce da PA |
Identificação das variações circadianas da pressão |
MAPA: Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial; PA: pressão arterial.
Quadro 5 Principais limitações para a realização da MAPA (NE: I; GR: C)
Braços com dificuldade do ajuste adequado do manguito |
Valores muito elevados da PAS |
Situações clínicas associadas a distúrbios do movimento, como Parkinson |
Arritmias cardíacas (fibrilação atrial, flutter atrial, extrassístoles ventriculares frequentes) |
Desconforto do método, principalmente à noite |
Custo relativamente elevado |
Disponibilidade limitada nos serviços de saúde |
MAPA: Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial; NE: nível de evidência; GR: grau de recomendação; PAS: pressão arterial sistólica.
A MAPA é um exame que apresenta boa reprodutibilidade - grau de recomendação (GR): I; nível de evidência (NE): C. Os valores da pressão arterial sistólica (PAS), da pressão arterial diastólica (PAD) e a média, bem como a frequência cardíaca obtida em 24 horas, vigília e sono, apresentam resultados semelhantes em exames consecutivos, realizados em curto intervalo de tempo.26 A reprodutibilidade do comportamento da PA entre os períodos de vigília e sono é questionada na literatura, por causa da probabilidade de 30 a 50% dos indivíduos mudarem de estado em exames subsequentes.27,28 Entretanto, foi verificado que a reprodutibilidade dos padrões de descenso (presente, ausente ou atenuado) é bem demonstrada quando se utilizam valores percentuais contínuos, em vez de valores arbitrários (10%).29
Para criar e dar continuidade a um serviço de MAPA, público ou privado, localizado em consultório, ambulatório ou centro diagnóstico, devem ser atendidos alguns princípios básicos (Quadro 1, Parte 1), que serão descritos a seguir.
Quadro 1 Condições indispensáveis para a criação de um serviço de MAPA ou MRPA
Local apropriado |
Pessoal treinado |
Equipamentos validados |
Equipamentos calibrados |
Manguitos de acordo com as necessidades individuais |
Médico responsável com conhecimentos específicos nos métodos |
MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; MRPA: monitorização residencial da pressão arterial.
Os mais utilizados são os que empregam o método oscilométrico com manguito aplicado no braço. Os aparelhos de pulso não devem ser usados para MAPA de 24 horas, por não haver validação para esse tipo de equipamento (GR: III; NE: D).
Os aparelhos de MAPA são considerados validados quando submetidos aos protocolos de validação e por eles aprovados.
Recomenda-se o uso de manguitos originais do fabricante adequados ao tamanho do braço, com largura correspondente a 40% da circunferência, envolvendo pelo menos dois terços do braço (GR: I; NE: B), conforme Tabela 1 (Parte 1).
Há necessidade de dispor de computador com características mínimas para suportar as necessidades do software a ser utilizado. A telemedicina é um recurso que pode ser amplamente utilizado para avaliação dos dados da MAPA. O sistema permite que o exame seja enviado por via eletrônica e interpretado em uma central por especialistas. Esse procedimento, já amplamente usado em alguns países europeus, está também sendo empregado no Brasil. Deve-se considerar, entretanto, a expertise dos profissionais envolvidos nesse tipo de atividade para sua confiabilidade.
A instalação do monitor e a orientação do paciente podem ser realizadas por enfermeiro ou técnico habilitado, desde que devidamente treinado e constantemente atualizado.
As orientações fornecidas aos pacientes acerca da MAPA são essenciais para o sucesso do exame. Assim, detalhar todos os aspectos envolvidos em cada etapa do procedimento é fundamental para a boa qualidade do exame. Basicamente, são cinco os itens que devem ser considerados:
1) agendamento (Quadro 6);
Quadro 6 Agendamento da MAPA
No dia do agendamento do exame, os pacientes devem receber as orientações descritas a seguir. |
1. Realizar a MAPA, preferencialmente, em dia representativo das atividades habituais. |
2. Vestir camisa de manga larga ou sem manga para não limitar o movimento dos braços e interferir na instalação do manguito; as mulheres devem evitar o uso de vestido. |
3. Seguir a orientação do médico sobre o(s) medicamento(s) de uso crônico. |
4. Evitar a execução de exercício físico nas 24 horas que precedem o exame (caso não pratique regularmente). |
5. Levar lista de medicamentos em uso com doses e horários da prescrição. |
6. Tomar banho antes do exame, pois não será permitido fazê-lo durante o procedimento. |
7. Levar um cinto para facilitar a colocação do monitor na cintura. |
MAPA: Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial.
2) protocolo de instalação -papel do profissional de saúde (Quadro 7);
Quadro 7 Protocolo de instalação:papel do profissional de saúde
No dia da realização do exame, o profissional responsável pela instalação do monitor deve seguir as recomendações descritas a seguir. |
1. Explicar detalhadamente como será o exame e recomendar a manutenção das atividades habituais durante o período em que ele será realizado. |
2. Recomendar o seguimento da orientação médica quanto ao uso dos medicamentos. |
3. Orientar o paciente para que não pratique exercícios físicos durante o período de realização do exame. |
4. Medir o peso e a estatura, principalmente de crianças e adolescentes. |
5. Medir a circunferência do braço e selecionar o manguito com largura e comprimento adequados. |
6. Medir a PA na posição sentada, após cinco minutos de repouso, em ambos os braços, antes da instalação do aparelho pelo método auscultatório, com esfigmomanômetro calibrado, assim como em posição ortostática, principalmente em idosos. |
7. Instalar o manguito no braço não dominante se a diferença da PAS for < 10 mmHg. Quando ≥ 10 mmHg, usar o manguito no braço com maior pressão; |
8. Posicionar o manguito de 2 a 3 cm acima da fossa cubital, seguindo a orientação específica do equipamento em uso. |
9. Programar o monitor seguindo as informações do paciente para a definição dos períodos de vigília e sono. Seguir as orientações estabelecidas no item "Protocolo para a realização do exame". |
10. Após a colocação do equipamento, comparar a medida obtida pelo monitor de MAPA com a medida obtida pelo método auscultatório, certificando-se de que as diferenças não sejam superiores a 5 mmHg. |
11. Certificar-se de que o paciente compreendeu claramente todas as orientações e que está seguro para contribuir adequadamente para a realização do exame. |
12. Fazer, pelo menos, duas medidas de teste antes de liberar o paciente. |
MAPA: Monitorização Ambulatorial da Pressão Arterial; PA: pressão arterial.
3) protocolo de instalação -instruções ao paciente (Quadro 8);
Quadro 8 Protocolo de instalação: instruções ao paciente
Orientar o paciente quantos aos aspectos descritos a seguir. |
1. Não será permitido, em hipótese nenhuma, tomar banho durante o período do exame. |
2. Como desinflar manualmente o manguito e como acionar uma medida manual em caso de necessidade ou presença de sintomas. |
3. Que o braço deve ficar imóvel e relaxado ao longo do corpo durante as medidas. |
4. Eventual reajuste do manguito ao longo do dia e a colocação do monitor sob o travesseiro durante o período de sono. |
5. Não se deitar sobre o braço que está com o manguito instalado. |
6. Preenchimento correto do diário, enfatizando sua importância. |
Recomendar |
1. Que o monitor não seja desconectado e o manguito não seja trocado de braço. |
2. Que o monitor não seja exposto a água, gelo, excesso de poeira ou fogo. |
3. Que mantenha suas atividades habituais durante o exame. |
4. Que entre em contato em caso de urgência. |
4) preenchimento do diário de atividades (Quadro 9);
Quadro 9 Preenchimento do diário de atividades
Orientações gerais |
1. Todos os relatos anotados no diário devem ser sincronizados com o horário mostrado pelo monitor. |
2. Especificar horários e atividades realizadas nas 24 horas: profissionais, domésticas, escolares, físicas e de repouso. |
Orientações específicas |
Anotar: |
1. Nome, dose e horário dos medicamentos utilizados durante o exame. |
2. Horário das refeições, incluindo o consumo de álcool, café e cigarros e quantidade. |
3. Horários em trânsito e meios de locomoção. |
4. Ocorrência e horários de eventos estressantes. |
5. Presença de sintomas, preferencialmente, com horários de início e término, intensidade (forte, médio ou fraco), tipo (tontura, dor, falta de ar etc.) e medida tomada para sua resolução. |
6. Horários em que dormiu e acordou, inclusive durante o dia (sesta) e qualidade do sono, identificando-o como bom, regular e ruim, segundo sua percepção. |
5) protocolo de retirada (Quadro 10).
Quadro 10 Protocolo para a retirada do aparelho
1. Conferir o preenchimento do diário com o paciente, especialmente no que se refere aos horários de tomada dos medicamentos, a duração e qualidade do sono e o relato dos "acontecimentos ocasionais". |
2. Fazer a análise subjetiva da qualidade das atividades exercidas no período de monitorização como, por exemplo: se manteve atividades regulares, se sentiu limitação de suas atividades por incômodo com as insuflações, entre outros. Esses fatos devem ser considerados na interpretação e emissão do laudo. |
3. Verificar o número de leituras válidas durante a vigília e o sono e informar o paciente sobre a necessidade de repetir o exame. |
4. Transferir os dados do monitor para o computador e colocar informações tais como: peso, altura, medicações com dose e número de tomadas, horários das principais atividades (dormir, acordar, almoço, jantar, desjejum). |
Além disso, um número de telefone para contato disponível 24 horas é desejável para o esclarecimento de dúvidas e para solução de eventuais problemas, como incômodo excessivo, reações alérgicas, edemas, entre outros.
Recomenda-se que o aparelho seja programado para medir a PA no mínimo a cada 30 minutos, de forma que, ao final das 24 horas, obtenham-se ao menos 16 medidas válidas no período da vigília e 8 durante o sono (GR: I; NE: B).5,30,31
No entanto, em situações especiais e a juízo clínico, ante a possibilidade de perdas de medidas ou com o objetivo de avaliar sintomas, pode-se recomendar a realização de um número maior de medidas. Dependendo do objetivo do exame (por exemplo, avaliar um subperíodo das 24 horas), pode ser aceito um número menor de medidas que o preconizado.
Na maioria dos serviços são programadas medidas durante a vigília a cada 15 ou 20 minutos; durante o sono, preferencialmente a intervalos de 20 ou 30 minutos, a critério clínico.
O relatório da MAPA deve conter, obrigatoriamente, os itens apontados no Quadro 11 (GR: IIa; NE: D).32
Quadro 11 Itens que necessariamente deverão constar em um relatório de MAPA
Data e horário de início e término do exame |
Número e porcentagem das medidas realizadas e das efetivamente válidas |
Médias de PAS nas 24h, vigília e sono |
Médias de PAD nas 24h, vigília e sono |
Comportamento da PA entre a vigília e o sono |
Picos de PA |
Episódios de hipotensão |
Correlação entre atividades, sintomas e medicamentos |
Conclusão |
MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial; PA: pressão arterial; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica.
Não devem ser estabelecidos, em conformidade com as informações hoje disponíveis, diagnósticos de normotensão, hipertensão arterial, HAB ou normotensão do avental (HM) utilizando-se a MAPA, pois esses são diagnósticos clínicos (GR: Ia; NE: A).
Na conclusão, deve constar: comportamento normal ou anormal da PA nas 24 horas, ou em subperíodos, baseado nas médias de PA, quando o exame tiver como objetivo avaliar as variações da PA. Se o objetivo do exame for avaliar a eficácia de determinado tratamento anti-hipertensivo em uso, deve-se limitar a definir que o tratamento referido sugere adequado ou inadequado controle da PA nas 24 horas, devendo ser relatados todos os medicamentos em uso - anti-hipertensivos ou não (GR: IIa; NE: D).
Para um exame ser considerado válido para interpretação adequada, deverá apresentar um número mínimo de medidas válidas - 16 na vigília e 8 durante o período de sono (GR: I; NE: B).30 Exames com 20% ou mais de exclusões de medidas, manuais e/ou automáticas são, provavelmente, resultantes de problemas técnicos do aparelho ou de falta de colaboração do paciente.
Em determinadas situações, tais como perdas de medidas em horários não relevantes, a juízo clínico, um número de medidas abaixo do preconizado pode ser aceitável (GR: IIb; NE: D).
Entre os parâmetros obtidos pela MAPA, as médias de PA nas 24 horas, vigília ou sono são os mais consistentes para serem analisados, por apresentarem correlação com diagnóstico, lesão em órgãos-alvo e prognóstico cardiovascular.33 As análises dos períodos de 24 horas, vigília e sono são consideradas essenciais para avaliação das médias de PA (GR: IIa; NE: B).
Apesar da relação contínua entre a PA medida por MAPA e risco cardiovascular, na prática clínica é necessário que se estabeleçam pontos de corte para anormalidade.
Os pontos de corte de hipertensão arterial para PA medida pela MAPA atualmente são definidos por poucos estudos de coorte34,35 e por diretrizes internacionais18,36 e estão demonstrados na Tabela 3.
Tabela 3 Valores anormais de PA pela MAPA (mmHg)
Período | Valores anormais |
---|---|
24 horas | ≥ 130/80 |
Vigília | ≥ 135/85 |
Sono | ≥ 120/70 |
PA: pressão arterial; MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial.
A MAPA tem a característica única, entre os métodos de medida da PA, de registrar as PAs no período de sono.37 A avaliação conjunta de estudos observacionais indica que a ausência de descenso da PA durante sono, em amostras de hipertensos ou na população geral, associa-se a maior ocorrência de eventos cardiovasculares e mortalidade38 independentemente das médias de PA obtidas (GR: IIa; NE: B). Caracteriza-se o padrão vigília-sono avaliando-se a diferença percentual entre as médias de PA nesses dois períodos. Haverá descenso considerado normal quando ocorre: redução da PA durante o sono, em relação à vigília, entre 10 e 20%; ausência de descenso ou elevação da PA quando ≤ 0, atenuado quando > 0 e < 10% ou acentuado se > 20% (Tabela 4).18 Inexistem evidências que essespadrões de descenso da PA tenham alguma implicação terapêutica, sendo, portanto, considerados tão somente marcadores de risco.
Elevação matinal precoce da PA - calculada pela diferença entre a PAS matinal (média das pressões nas primeiras duas horas após o despertar) e a menor PAS durante o sono (média da pressão mais baixa e das pressões imediatamente antes e após a mais baixa) - tem sido associada a desfechos cardiovasculares. A dificuldade da padronização do cálculo desse parâmetro e a sua baixa reprodutibilidade indicam que ele não deve ser usado na prática clínica38 (GR: III; NE: B).
A variabilidade extraída a partir das diferenças de cada medida é denominada variabilidade de curto período (short term variability).39 Metanálise com 11 estudos identificou uma associação positiva entre mortalidade e variabilidade sistólica diurna de curto período.40 Diante de tais resultados, a redução da variabilidade da PA poderia ter implicações terapêuticas independentemente da redução das médias de PA. No entanto, a falta de padronização dos diferentes índices descritos para essa avaliação de curto período, seu real significado incremental na estratificação de risco e a ausência de pontos de corte para normalidade não permitem que esse parâmetro seja, no momento, utilizado na interpretação da MAPA (GR: III; NE: C).
As cargas de pressões expressam a percentagem de medidas acima dos valores de normalidade para as 24 horas, vigília e sono. Avaliação prospectiva em estudo populacional não indica que esse parâmetro possa modificar a estratificação de risco fornecida pelas médias de PA41 (GR: III; NE: B).
As áreas sob as curvas, como um modelo de interpretação do comportamento da PA pela MAPA,42 foram avaliadas em comparação com outros parâmetros obtidos - por exemplo, cargas de pressão e médias de PA -, mostrando excelente correlação. Porém, a falta de estudos correlacionando esses valores de áreas sob as curvas obtidas com morbidade e mortalidade faz com que seu uso na prática clínica e na interpretação do exame ainda não seja autorizado.
Apesar de registrarem a frequência cardíaca, os equipamentos utilizados para a MAPA não são apropriados para a obtenção desse parâmetro, não devendo, portanto, ser considerados, exceto no caso de equipamentos capazes de registrar simultaneamente o eletrocardiograma em 24 horas (GR: III; NE: C).
Deverão constar no começo do laudo: data e horário de início e término do exame; programação de intervalo das medidas durante a vigília e o sono; tempo de duração; número total de registros; e número e porcentagem de medidas válidas. Caso haja período sem medidas, esse fato deverá ser acrescido da informação sobre se houve ou não comprometimento para a análise do exame.
A MAPA possibilita identificar com clareza vários fenômenos que não serão avaliados por outros métodos de medida da PA, os quais podem ser o motivo para a solicitação do exame e devem constar do relatório, como, por exemplo:44,45
Suspeita de HAB;
Suspeita de efeito do avental branco;
Hipertensão arterial;
Suspeita de HM;
Avaliação da eficácia do tratamento anti-hipertensivo;
Suspeita de hipertensão durante o sono;
Avaliação do descenso da PA entre os períodos de vigília e sono;
Hipertensão na gestação;
Avaliação de sintomas;
Identificação de possíveis picos de pressão;
Identificação de possíveis episódios de hipertensão;
Avaliação de episódios de síncope e lipotímia;
Avaliação de hipertensos limítrofes;
Avaliação de neuropatia autonômica;
Avaliação da PA em idosos;
Avaliação da PA em crianças e adolescentes;
Avaliação da PA em diabéticos;
Identificação de possíveis episódios de hipotensão postural.
Colocar os valores obtidos para as médias de PAS durante o período de 24 horas, vigília e sono, assim como os respectivos valores considerados anormais. Para se ter ideia do intervalo de variação deverão constar, também, o maior e o menor valor de PAS obtido.
Tanto hipertensos não tratados quanto aqueles sob tratamento mostraram boa correlação com desfechos e mortalidade cardiovascular com os valores obtidos pelas médias de PAS ambulatorial de 24 horas, vigília e sono.34,46,47
Colocar os valores obtidos das médias de PAD durante 24 horas, vigília e sono, assim como os respectivos valores anormais. Para se ter ideia do intervalo de variação deverão constar, também, o maior e o menor valor de PAD obtido. As médias de PAD obtidas nas 24 horas, vigília e sono apresentam direta correlação com desfechos cardiovasculares fatais e não fatais.34,47,48
Para facilitar a interpretação, pode ser inserida uma tabela para visualização dos valores obtidos no exame e dos valores anormais.
É fundamental para a definição dos períodos de vigília e de sono a anotação precisa dos horários em que o indivíduo submetido ao exame dormiu e acordou. Esses dados devem estar claramente anotados no diário de atividades. A qualidade do sono referida durante o exame deve ser considerada no momento da interpretação (GR: I; NE: C).
Fisiologicamente, é esperado que haja queda da PAS durante o sono quando esse período é comparado com o de vigília. Foi observado em hipertensos que descenso inferior a 10% está relacionado a pior prognóstico cardiovascular.49 Em idosos hipertensos com descenso superior a 20% foi igualmente verificado aumento do risco cardiovascular e, especialmente, de ocorrência de acidente vascular encefálico.50 Entretanto, mais recentemente se constatou que pacientes com descenso acima de 20% apresentaram risco de mortalidade semelhante aos pacientes com descenso presente e dentro dos valores considerados normais. Neste estudo,50 os pacientes com descenso da pressão durante o sono atenuado (entre 0 e 10%) ou ausente apresentaram mortalidade maior do que aqueles com descenso entre 10 e 20% (Tabela 4).
Tabela 4 Classificação do comportamento da pressão arterial entre os períodos de vigília e sono.
Descenso presente | ≥ 10 ≤ 20 |
---|---|
Descenso ausente ou ascensão da PA | ≤ 0 |
Atenuado | > 0 < 10 |
Descenso acentuado | > 20% |
Vale lembrar que a inversão do comportamento fisiológico da PA vigília-sono, a ausência de descenso ou a ascensão da PA podem estar relacionadas a determinadas condições, tais como: distúrbio do sono provocado pelo exame, controle inadequado da PA em pacientes tratados, em alguns tipos de hipertensão secundária, apneia do sono, disautonomia e uso de alguns medicamentos como, por exemplo, a ciclosporina.
Caso haja descenso de diferentes classificações da PAS e da PAD, o laudo deverá descrevê-lo separadamente (GR: I; NE: D).
Embora haja a demonstração de que a exacerbação da elevação matinal precoce da PA seja determinante de pior prognóstico para mortalidade e eventos cardiovasculares,51 até o momento esse dado não foi incorporado ao laudo.
Na maioria das vezes, valores elevados e isolados da PA correspondem a artefatos e não devem ser caracterizados como pico de pressão. Podem configurar pico de pressão elevações significativas em pelo menos duas medidas da pressão arterial, de forma progressiva, atingindo um valor acima das elevações anteriores e posteriores. Dessa forma, ao se definir a existência de um pico de pressão, deve-se estabelecer o período de tempo em que ele ocorreu. Elevações da PA que não constituem picos de pressão também podem ser descritas.
Episódios sintomáticos de diminuição da PA podem ocorrer nas seguintes situações: uso de medicamentos, síncope, lipotimia, hipotensão postural, neuropatia autonômica e diabetes mellitus. Medidas isoladas e não correlacionadas com sintomas, ainda que com acentuadas quedas da PA, também podem ser decorrentes de artefato técnico. Em hipertensos sob tratamento, as diminuições da PA induzidas por medicamentos podem ser prejudiciais para os indivíduos com circulação arterial comprometida, como coronarianos e com doença cerebrovascular.
Reduções da PA não acompanhadas de sintomas não deverão ser descritas como hipotensão. Assim, fica claro que a redução da PA em pacientes assintomáticos não se configura como hipotensão.
Para a devida correlação de modificações da PA com medicamentos utilizados, atividades e sintomas durante a realização do exame, é de crucial importância o correto preenchimento do diário de atividades pelo paciente, com: doses de medicamentos; horários de tomadas; e registro das principais atividades, como dormir, acordar, desjejum, almoço e jantar. Os sintomas deverão ser mencionados, assim como a hora em que ocorreram e a sua intensidade. No laudo, deve ser mencionado se o sintoma descrito provocou alguma variação da PA.
Quando o exame for solicitado para a avaliação da eficácia do tratamento anti-hipertensivo, deverá ser registrado no diário se a medicação foi tomada no dia da realização do exame. No laudo, deverão constar os anti-hipertensivos utilizados, bem como doses e horários de uso.
Na conclusão, deve constar comportamento normal ou anormal da PAS e/ou PAD durante 24 horas nos pacientes para os quais o exame foi solicitado para avaliação do comportamento da PA e que não estejam em uso regular de medicamentos para o controle da PA.
No caso de pacientes que estão sob tratamento anti-hipertensivo, deverá ser informado se: o(s) medicamento(s) referido(s) como em uso parece(m) ou não parece(m) exercer adequado controle da PA (sistólica e ou diastólica) nas 24 horas.
A MAPA permite correlacionar o efeito das várias atividades realizadas com o comportamento da PA e pode ser útil na identificação de fatores que elevam ou reduzem a PA.52 Durante o sono,deve ocorrer redução da PA entre 10 e 20% em relação aos valores observados na vigília. Em alguns indivíduos,esse valor pode ser maior que 20%, menor que 10% ou, ainda,pode haver elevação da PA durante o sono (Tabela 4). A elevação da PA durante o sono em indivíduos normotensos e hipertensos está relacionada de forma independente ao risco de eventos cardiovasculares e ao acidente vascular encefálico (AVE);53 sua redução por tratamento medicamentoso em pacientes hipertensos está associada à redução de eventos cardiovasculares.54
Diferentes parâmetros obtidos pela MAPA podem ser utilizados na estratificação do risco cardiovascular. As médias de PAS e de PAD de 24 horas, vigília e sono correlacionam-se mais fortemente com lesões de órgãos-alvo, morbidade e mortalidade do que as medidas casuais. Dados obtidos sobre o comportamento da PA durante o sono também têm demonstrado capacidade de fornecer informações sobre o risco cardiovascular com associação independente entre o aumento da PAS durante esse período e a mortalidade cardiovascular.55
Em relação ao prognóstico vinculado ao descenso da PA durante o sono, foi demonstrada redução de 17% no risco cardiovascular para cada diminuição de 5 mmHg na média de PAS nesse período do exame em um estudo com mais de 3mil indivíduos acompanhados, em média, por 5,6 anos.56 Adicionalmente, a maior sobrevida obtida com a redução da PA durante o sono foi observada com o uso de, no mínimo, um anti-hipertensivo à noite. A associação independente do padrão de descenso da PA e eventos cardiovasculares foi igualmente demonstrada em coorte de hipertensos resistentes. Uma queda da PA menor que 10% ou sua elevação durante o sono associou-se independentemente com desfecho combinado de eventos cardiovasculares e mortalidade total após seguimento médio de 4,8 anos. Nesse estudo,57 queda maior que 20%, denominada descenso acentuado, não se associou, como demonstrado em outras investigações, a eventos.57 Atenuação do descenso durante o sono também se associa a maior risco de eventos cardiovasculares em portadores de doença arterial coronariana, doença renal crônica (DRC), diabéticos e em indivíduos idosos.58
Já a elevação matinal precoce da PA tem mostrado implicações negativas sobre os desfechos cardiovasculares.51
Sendo a MAPA um método que fornece número grande de medidas durante as 24 horas, existe a possibilidade de avaliar a relação entre a variabilidade da PA e desfechos cardiovasculares. Há dificuldade, entretanto, para demonstrar real associação entre variabilidade da PA obtida pela MAPA, estimada pelo desvio-padrão, e o dano em órgãos-alvo ou outros desfechos, porque a obtenção da real variabilidade exige registro de pressões de forma continuada, batimento a batimento. Entretanto, alguns estudos têm demonstrado significância prognóstica da variabilidade da PA. Em 694 idosos hipertensos do Second Australian National Blood Pressure Study (ANBP2), a avaliação da variabilidade durante a vigília da PAS e PAD medidas pela MAPA de 24 horas foi melhor preditor de mortalidade do que a variabilidade da pressão de consultório avaliada visita-a-visita durante um acompanhamento de 4 anos.59 Por outro lado, a relação de variabilidade da pressão arterial/frequência cardíaca (PA/FC) tem sido sugerida comomarcador para regulação neural das variações circadianas da pressão e da frequência cardíaca. Estudo realizado com1.246 hipertensos mostrou que a relação de variabilidade da PA/FC é preditor independente de mortalidade por todas as causas, especialmente em indivíduos idosos que apresentam menor frequência cardíaca.60
Diretrizes têm dado maior ênfase ao papel da MAPA no diagnóstico e no seu maior poder de estabelecer o prognóstico do que na avaliação da eficácia da terapêutica.
Alguns estudos têm demonstrado resposta discrepante da eficácia do tratamento quando se emprega a MAPA e a PA de consultório.61,62 Foi demonstrado controle em apenas 12% dos casos pela avaliação da PA de consultório, enquanto que na MAPA houve controle em 33% dos casos. Além disso, 38% dos pacientes tiveram sua prescrição modificada pela MAPA, 32% tiveram que adicionar outra medicação e 14% dos pacientes novos diagnosticados no consultório foram mantidos sem medicação depois de realizarem a MAPA.61
Estudos longitudinais utilizando MAPA, desenhados especificamente para avaliação da eficácia terapêutica, são necessários antes de se generalizar as indicações do método a todos os hipertensos.
Apesar da existência de dados substanciais que relacionam níveis elevados de PA medidos na infância e adolescência e danos atuais e futuros em órgãos-alvo,63,64 tais associações dizem respeito, na população pediátrica, a dados pré-clínicos, como alterações vasculares funcionais, aumento da espessura íntima-média da artéria carótida comum e hipertrofia de ventrículo esquerdo. As definições ambulatoriais normativas para os valores da MAPA na população pediátrica são derivados de estudos na população normal e foram recentemente atualizadas.65 Da mesma forma, as recomendações para utilização de MAPA nessa população são baseadas em opiniões de especialistas, e não em evidências decorrentes de estudos bem delineados para esse fim.65
O esquema sugerido para o estadiamento da PA pela MAPA em crianças e adolescentes está expresso na Tabela 5.65
Tabela 5 Esquema sugerido para o estadiamento da pressão arterial pela MAPA nas crianças de adolescentes
Classificação | PA consultório | PAS MAPA | Carga de pressão sistólica (%) |
---|---|---|---|
PA normal | < 95% | < 95% | < 25 |
Hipertensão do avental branco | > 95% | < 95% | < 25 |
Hipertensão mascarada | < 95% | > 95% | > 25 |
Hipertensão pela MAPA | > 95% | 95% | 25-50 |
Hipertensão grave pela MAPA (risco de lesão de órgão-alvo) | > 95% | > 95% | > 50 |
PA: pressão arterial; PAS: pressão arterial sistólica; MAPA: monitorização ambulatorial da pressão arterial.
As recomendações para a utilização de MAPA em crianças são: confirmação do diagnóstico de hipertensão arterial sugerido por medidas causais de pressão casual, diagnóstico da HAB e da HM, avaliação do controle terapêutico e avaliação da PA em pacientes com doenças crônicas associadas.
Existem no mercado múltiplos monitores para realização da MAPA na criança,66 poucos dos quais foram validados. O site http://www.dableducational.org fornece uma lista de opções com bom desempenho em validações independentes.
A MAPA pode dar informações clínicas valiosas em pacientes idosos, como nos casos de suspeita de hipotensão arterial ortostática, pós-prandial, medicamentosa e situacional, bem como na avaliação de disautonomia e síncopes (GR: IIa; NE: D). Nos idosos, algumas limitações devem ser salientadas. O enrijecimento arterial próprio da idade tende a subestimar a PA medida pelo método oscilométrico e, consequentemente, na presença de pseudo-hipertensão, a MAPA está sujeita a erros. A presença de hiato auscultatório, comum nos idosos, mas que sendo usado o método oscilométrico não resultará em limitações. Aceitam-se para os idosos os mesmos valores de normalidade da MAPA adotados para os adultos não idosos (GR: I; NE: D). A redução do descenso da PA durante o sono, a pressão de pulso aumentada e a elevação matinal precoce da PA, comuns nos idosos, relacionam-se a aumento do risco cardiovascular.
A HM é um preditor significativo de risco cardiovascular e a ocorrência desse tipo de hipertensão é a PAS em vigília. Comportamento comparável à HM foi observado em octogenários hipertensos tratados que mantinham PA de consultório ≤ 140/90 mmHg, porém com valores elevados à MAPA. Nessa população, a carga de pressão sistólica elevada na vigília associou-se a um aumento de risco para eventos vasculares encefálicos, principalmente nos idosos com acidente vascular encefálico prévio, e sugere que a MAPA poderia ser utilizada para aprimorar o controle terapêutico desses pacientes.67
No idoso, o descenso da PA durante o sono é relacionado com a redução da resistência vascular periférica, enquanto no jovem esse fenômeno é relacionado com a redução do débito cardíaco. Um estudo com575 idosos japoneses com hipertensão arterial sistólica (HAS) não tratada determinada por meio da MAPA68 classificou os pacientes de acordo com o descenso durante o sono em:
Redução acentuada, com queda > 20% da PAS;
Redução normal, com queda entre 10 e 20% da PAS;
Com redução atenuada com queda < 10% > 0% da PAS;
Aumento, em presença de elevação da PA.
Concluiu-se que a redução acentuada se associou à maior incidência de acidente vascular encefálico isquêmico, enquanto o aumento da PAS durante o sono associou-se ao maior risco de acidente vascular hemorrágico.
Em idosos, verificou-se que a elevação matinal precoce da PA acima de 55 mmHg estava vinculada a maior prevalência de acidente vascular encefálico isquêmico.69 A hipertensão matinal atraiu atenção por causa da estreita relação com risco cardiovascular.70,71 Essas duas condições caraterizadas por valores elevados de PA podem causar eventos em idosos e, por meio da MAPA, é possível identifica-los e definir a melhor forma de tratamento.
Após os estudos ACCORD72 e SPRINT,73 surgiram debates sobre a possibilidade da redução de riscos cardiovasculares dos idosos por meio de tratamento “agressivo”, com a redução da PA a valores de 120/80 mmHg ou menos. Observou-se, porém, que idosos com baixos valores da PA apresentaram aumento de eventos adversos como hipotensão, bradicardia e sincope.73 Admitindo-se que o tratamento “agressivo” realmente reduza riscos, ele seria recomendado desde que tolerado e, nesse caso, a MAPA poderia acrescentar informações à avaliação clínica para otimizar o tratamento dos idosos.
O papel da MAPA na gestação ainda não está claramente definido, porém permite identificar HM, hipertensão durante o sono e, em especial, HAB.74 O seu uso é útil particularmente na primeira metade da gestação.74
A HAB, assim como a HM, pode ocorrer em até um terço das gestantes. Sua identificação é fundamental para evitar o tratamento desnecessário e potencialmente lesivo ao feto74 (GR: IIa; NE: B). A HAB tem prognóstico mais favorável do que a hipertensão gestacional, persistindo em 50% dos casos ao longo da gestação e não se associando a complicações. 40% das gestantes desenvolvem hipertensão gestacional, e 8% das gestações cursam com pré-eclâmpsia.75 Por outro lado, 22% de 158 gestantes cuja hipertensão foi confirmada pela MAPA desenvolveram pré-eclâmpsia.75 Nesse estudo, a hipertensão durante o sono ocorreu em 60% dos casos, sendo mais associada com risco de pré-eclâmpsia e de complicações fetais.
Um aspecto polêmico refere-se ao uso da MAPA para o diagnóstico de hipertensão arterial na gestação. Apenas uma diretriz preconiza a MAPA como ferramenta para diagnóstico76 (GR: IIb; NE: C); porém, metanálise realizada em 2002, e revisada em 2011, não encontrou estudos randomizados que sustentassem essa indicação indiscriminadamente.77
A MAPA não se mostrou útil na antecipação do desenvolvimento de complicações hipertensivas na gestação. Portanto, para o diagnóstico de hipertensão, os valores de referência utilizados devem ser idênticos aos da população em geral (GR: IIa; NE: B).78
Em diabéticos, a MAPA pode contribuir para a avaliação de hipotensão secundária à neuropatia autonômica, muitas vezes relacionada a sintomas como síncopes, tonturas e sudorese, auxiliando no diagnóstico diferencial com hipoglicemia. Alterações do padrão vigília-sono podem correlacionar-se com a presença de microalbuminúria e com o aumento do risco cardiovascular (GR: IA; NE: C).
A meta da PA casual em diabéticos tem sido motivo de controvérsias. Valores de PA de consultório abaixo de 120/80 mmHg promoveram maior redução de todos os casos de acidente vascular encefálico, mas não demonstraram benefícios em relação a infarto do miocárdio e morte cardiovascular, quando comparados a valores inferiores a 140/90 mmHg. Ademais, o controle mais intenso da PA associou-se à ocorrência significativamente maior de efeitos adversos. Por extensão, o valor de normalidade das médias de PA para a MAPA em diabéticos não deverá ser diferente dos demais indivíduos, segundo os conhecimentos hoje vigentes.72
Estudos recentes mostraram que o padrão de hipertensão arterial mascarada (HM) é mais frequente na população de idosos e diabéticos. A HM está associada a maior risco cardiovascular e de danos em órgãos, acometendo um em cada oito indivíduos adultos, sendo mais frequente nas populações de diabéticos.79
A incidência e a prevalência da hipertensão arterial em pacientes portadores de DRC variam conforme o estágio da doença. Na fase terminal, em que a sobrevivência se dá à custa de métodos dialíticos, a HAS ocorre em 87% dos indivíduos.80 Em qualquer estágio da doença renal, a MAPA de 24 horas pode identificar as alterações do padrão vigília/sono, detectar episódios de hipotensão arterial, HM e HAB.81 Além disso, nos portadores de DRC, os valores de PA obtidos com a MAPA estão correlacionados de forma independente com a massa ventricular esquerda, ritmo de filtração glomerular, proteinúria e outras lesões em órgãos-alvo.82 Os níveis sistólicos e diastólicos de controle para a PA casual, considerando o hipertenso com efropatia, são < 130 mmHg e < 80 mmHg, respectivamente.83 Nota-se que essas metas são menores do que aquelas consideradas para os hipertensos em geral. Entretanto, os valores-alvos para a MAPA ainda não foram estabelecidos. Nos pacientes na fase final, em hemodiálise, a MAPA de 24 horas pode não contemplar a avaliação da PA ao longo do ciclo dialítico. Assim, a realização de MAPA de 44 horas, instalada após uma sessão de diálise e retirada imediatamente antes da sessão seguinte, permite avaliação mais adequada. Quando feita por 24 horas, a análise do laudo deve levar em consideração se o exame foi executado no dia de diálise ou no intervalo compreendido entre as sessões. Nessa população, o manguito não pode ser instalado no braço dos pacientes com fístula arteriovenosa. A maioria dos pacientes submetidos à diálise peritoneal ambulatorial contínua (CAPD) não mostra alteração do padrão de comportamento de PA durante o sono.84
A MAPA pode ser indicada para aperfeiçoar o tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca (IC) cujos sintomas estejam relacionados a alterações da PA; como, por exemplo, casos de dispneia paroxística noturna ou IC com fração de ejeção preservada. Igualmente, a MAPA pode ser útil para orientar a terapêutica de pacientes com sintomas causados por hipotensão, já que muitos daqueles com IC avançada apresentam fadiga, sintomas de insuficiência coronariana ou manifestações encefálicas. A MAPA também pode ser utilizada na avaliação de pacientes com IC que serão submetidos a programas de exercício físico.85
Pacientes com IC classes I e II podem apresentar comportamento diferenciado relacionado à PA ambulatorial e padrão de descenso da PA durante o sono, mas não ao comportamento da PA de consultório.86 Pacientes com miocardiopatia dilatada de etiologia não isquêmica e ausência de descenso da PA tiveram pior prognóstico, com maior mortalidade relacionada a eventos cardíacos, maiores níveis de creatinina sérica, provavelmente devido à disfunção da atividade do sistema nervoso simpático.87
Foi demonstrado que a PA de 24 horas, mas não a PA casual, estava independentemente associada ao risco de IC com frações de ejeção tanto reduzida quanto preservada. Maior elevação matinal precoce da PA (> 23 mmHg) em pacientes com descenso da PA durante o sono foi independentemente associada ao risco de IC com fração de ejeção reduzida. O padrão sem descenso pela MAPA foi associado a risco de IC com fração de ejeção preservada.88
Pacientes com IC apresentam mais frequentemente o padrão sem descenso quando comparados aos pacientes sem IC.89 Em estudo prospectivo, pacientes com IC grave (classes III e IV) apresentaram correlação significativa com a PA ambulatorial e variabilidade circadiana.90
Alterações do padrão vigília-sono têm sido associadas à gravidade da disfunção sistólica (GR: IIb; NE: C).91
As características da hipertensão arterial associada à síndrome da apneia obstrutiva do sono (SAOS) incluem sua predominância durante o sono com consequente alta prevalência e, frequentemente, abolição do descenso da PA durante o ciclo vigília-sono.
Levantamentos isolados apontam que 50% desses pacientes apresentam padrão de descenso atenuado da PA durante o sono e até 20% deles têm descenso ausente. Além disso, o percentual de pacientes que não apresentam descenso aumenta com a gravidade da apneia.92
Visto a elevação da PA ser mais significativa durante o sono em pacientes com SAOS, parece ser esta uma das condições de risco independente para o fenômeno da HM; acredita-se que a prevalência de HM pode ser até três vezes maior em pacientes com SAOS moderada ou grave em comparação a hipertensos sem SAOS.93
Quanto ao impacto do tratamento da SAOS baseado no CPAP no comportamento da PA durante o sono, os resultados dos estudos são conflitantes: embora o tratamento pareça, em geral, reduzir as médias de PA de 24 horas, alguns estudos surpreendentemente evidenciaram redução da PA majoritariamente no período da vigília,94 enquanto outros apontaram que a redução da PA foi mais frequente no período do sono, inclusive com a normalização do descenso da PA em parcela significativa dos pacientes.95
8.8. Exercício físico e monitorização ambulatorial da pressão arterial
A realização de exercício físico deve ser evitada durante a MAPA, pois a contração muscular pode produzir medidas incorretas ou a perda de medidas.
Somente as técnicas intra-arterial, fotopletismográfica e a auscultatória padrão são validadas para a medida da PA durante o exercício, mas cada uma dessas técnicas apresenta limitações específicas para essa medida96 (GR: I; NE: C).
Após a execução de uma sessão de exercício, aeróbico ou resistido, ocorre redução da PA ambulatorial, o que é principalmente evidenciado em hipertensos.97 Dessa forma, o exercício também deve ser evitado no dia que antecede a MAPA, ou essa execução deve ser considerada na emissão do laudo,caso o paciente realizeatividades físicas regularmente (GR: IIa; NE: B).
Quando executado de forma regular (> 3 vezes/semana), em intensidade moderada (50 a 70% da frequência cardíaca de reserva) e com duração prolongada (> 30 min./sessão), o treinamento aeróbio - como andar, pedalar, correr, nadar, entre outros -, que envolve grande massa muscular, reduz a PA ambulatorial de 24 horas, vigília e sono.98 Em hipertensos, as reduções médias de PAS e PAD de vigília são, respectivamente: -3,8 (-5,8 a -2,2) e -3,0 (-5,9 a -0,07) mmHg.99 Assim, esse treinamento é recomendado para a redução da PA ambulatorial na hipertensão arterial (GR: I; NE: B).
Até o momento, não há evidências de que o treinamento resistido, dinâmico ou isométrico, reduza a PA ambulatorial de hipertensos, porém poucos estudos investigaram essa questão.97 Dessa forma, esse tipo de exercício é recomendado aos hipertensos como complemento ao treinamento aeróbico (GR: IIa; NE: B).
Outras formas de exercício, como caminhada na água aquecida, o método pilates e ioga, entre outros, têm demonstrado, em estudos isolados, capacidade de diminuir a PA ambulatorial, mas sua recomendação depende de um maior número de investigações.
O National Institute for Health and Care Excellence (NICE) realizou uma rigorosa análise de custo-efetividade que demonstrou que a MAPA seria não apenas o meio mais efetivo de fazer o diagnóstico de hipertensão, mas também proporcionaria uma abordagem mais custo-efetiva do que a medida de consultório ou o a monitorização residencial da PA em todos os subgrupos de idade e sexo, conduzindo a uma melhoria nos resultados da qualidade da assistência e na redução de gastos quando os custos de longo prazo foram levados em conta. O principal fator de economia de gastos nessa análise foi o fato de que as despesas com o tratamento da hipertensão arterial seriam evitadas devido à melhora de especificidade na realização de diagnóstico com a MAPA. O modelo sugeriu que a terapia anti-hipertensiva seria necessária em cerca de 25% menos pacientes do que se o diagnóstico fosse feito com base apenas na PA de consultório. A economia de custos com medicamentos superou os aumentos de custos associados à utilização da MAPA.
As análises foram baseadas no modelo de prestação de cuidados de saúde do Reino Unido e podem não ser consideradas válidas para uso em outros países.100 O uso da MAPA diminui gastos com medicamentos e com consultas médicas, quando comparado com uso de medidas de consultório.101
Os benefícios da MAPA são inquestionáveis, principalmente na atenção primária à saúde,2 e vêm sendo incorporados pelo Sistema Único de Saúde (SUS), responsável por 75% dos atendimentos da população em nosso país, principalmente nos municípios maiores. Tendo sido incorporada integralmente no sistema de saúde suplementar. A dificuldade em uma indicação mais ampla pelos médicos é por falta de programas de educação permanente para profissionais que atuam no SUS e no Sistema de Saúde Suplementar.
São necessários programas de educação permanente realizados pelas sociedades científicas em parcerias com secretarias municipais e estaduais de saúde, com o Ministério da Saúde e com o Sistema de Saúde Suplementar, informando médicos e demais profissionais de saúde envolvidos na abordagem de pacientes hipertensos sobre a importância do uso da MAPA. O diagnóstico adequado da hipertensão arterial leva à ampliação do uso do método, com consequente redução de gastos com medicamentos anti-hipertensivos e com cuidados médicos
Após a publicação das Diretrizes de MAPA V,1 algumas considerações ainda são válidas a despeito de toda evolução dos progressos experimentados desde então. As futuras aplicações e possibilidades de uso da MAPA envolvem:
Manguitos ajustáveis;
Avaliação de outros parâmetros, além de PAS e PAD, tais como frequência cardíaca, pressão de pulso, velocidade e forma de onda de pulso, variabilidade da PA nas 24 horas ou em subperíodos e elevação matinal da PA;
Desenvolvimento de protocolos internacionais unificados para validação de equipamentos;
Valores referenciais para MAPA de 24 horas resultantes de estudos com diversas populações em todo o mundo;
Estudos prospectivos para avaliação de prognóstico e de eficácia do tratamento anti-hipertensivo em populações seguidas pela MAPA;
Determinação da sua utilidade em populações especiais, como grávidas, crianças e diabéticos; e
Desenvolvimento de equipamentos de baixo custo para registro não invasivo da PA batimento a batimento.
A MRPA é o método destinado a fazer os registros da PA por longo período de tempo, fora do ambiente do consultório. Deve ser feita por indivíduo treinado para tal (o paciente ou qualquer outra pessoa), com equipamento validado, calibrado e provido de memória. Sua característica fundamental é obedecer a um protocolo previamente estabelecido e normatizado. Diferencia-se da automedida da pressão arterial (AMPA), que não obedece a nenhum protocolo preestabelecido, sendo as medidas realizadas aleatoriamente e feitas por decisão do próprio paciente ou até a pedido médico.1,18,102-104
A MRPA fornece informações úteis e adicionais sobre os níveis da PA fora do ambiente do consultório, em diferentes momentos.
As principais indicações, vantagens e limitações estão expostas nos Quadros 12, 13 e 14.105,106 As medidas da PA obtidas pela MRPA apresentam melhores correlações com lesões de órgãos-alvo e eventos cardiovasculares, em comparação com as medidas obtidas em consultório.
Quadro 12 Indicações
Confirmação diagnóstica da hipertensão arterial |
Identificação e seguimento da hipertensão do avental branco |
Identificação e quantificação do efeito do avental branco |
Identificação da hipertensão mascarada |
Verificação da eficácia do tratamento anti-hipertensivo |
Confirmação diagnóstica da hipertensão arterial resistente |
Quadro 13 Vantagens
Maior número de medidas da PA e em diferentes dias |
Minimiza a reação de alarme |
Boa reprodutibilidade |
Baixo custo |
Boa aceitação pelos pacientes (inclusive crianças, adolescentes e idosos) |
Melhora a adesão medicamentosa |
Aumenta as taxas de controle da PA |
Auxilia na avaliação prognóstica |
PA: pressão arterial.
Quadro 14 Limitações
Possibilidade de erros na obtenção das medidas da PA |
Possibilidade de indução de ansiedade em alguns pacientes a reação de alarme |
Pacientes com arritmias (fibrilação atrial, extrassístoles frequentes, bradicardia sinusal) para equipamentos sem essa validação |
Para criar e dar continuidade a qualquer serviço de MRPA, independentemente de sua gestão ou localização, devem ser atendidos alguns princípios básicos, como definido no Quadro 15.
Quadro 15 Condições indispensáveis para criação de serviços de MRPA
Local apropriado |
Pessoal treinado |
Equipamentos de braço validados, calibrados e com memória |
Manguitos de todos os tamanhos |
Médico responsável com conhecimentos específicos no método |
A MRPA deverá ser realizada com aparelhos automáticos, digitais e que utilizem a técnica oscilométrica validada pelo método auscultatório,102 com armazenamento dos dados no equipamento para emitir o laudo. Esses monitores devem possuir certificado de validação (consultar o site www.dableeducational.com/sphygnomanometer/devices) e corroborado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (INMETRO).107 Recomenda-se exclusivamente os monitores de braço. Deve-se observar se o equipamento possui validação para algumas situações especiais, por exemplo: idosos, crianças, gestantes e portadores de arritmias cardíacas e DRC.
Além disso, os monitores devem ter sua calibração verificada, no mínimo, a cada 12 meses, ou sempre que houver suspeita de descalibração.
A realização da MRPA com boa qualidade depende fundamentalmente das orientações fornecidas ao paciente. Essas devem abordar fatores que podem modificar a PA ou criar artefatos em sua medida, como os cuidados com o ambiente, o posicionamento e o preparo do paciente.11,108-119 Medidas domiciliares devem seguir a mesma sistemática da medida de PA no consultório e também estão sujeitas a variações transitórias (Quadro 16).
Quadro 16 Instruções gerais a serem fornecidas ao paciente para realizar MRPA
Informar sobre a variação da PA: "a pressão varia a cada batimento cardíaco" |
Salientar que, na maioria das pessoas, a PA fora do consultório é mais baixa |
Informar que PA com pequeno diferencial (< 20 mmHg) ou grande diferencial (> 100 mmHg) geralmente é artefato e a medida deve ser repetida |
Orientar para a realização de medidas nos dias e horários recomendados pelo serviço, sem alterar a rotina de vida. |
Reforçar que é proibido medir a PA de outras pessoas durante a MRPA, pois invalidará o exame |
Orientar o paciente a não modificar o esquema terapêutico em decorrência das medidas observadas ao longo do exame, que medidas eventualmente altas não devem ser motivo de preocupação. |
Existem diferentes protocolos para a MRPA, recomendados em diretrizes ou por experts, não havendo consenso sobre o emprego de um deles especialmente. O protocolo tem por objetivo representar a PA usual e ter, no seu resultado, aplicação clínica, auxiliando o médico na tomada de decisões.120 A reprodutibilidade da MRPA está diretamente relacionada ao número de medidas realizadas.121
Há também divergências nos estudos analisados em relação ao número de medidas em cada dia: uma única medida pela manhã; uma, duas, ou três medidas pela manhã e à noite; ou para evolução inicial de hipertensão ou mudança de droga ou dose terapêutica, o acompanhamento por um período de 3 a 7 dias consecutivos após a visita de consultório.102,108,122-128
Portanto, o protocolo para a realização da MRPA deverá ser baseado nas premissas discutidas nesses estudos, sendo aceitas várias opções para o mesmo objetivo. Seguem, assim, as recomendações desta diretriz:
Horário das medidas da PA: é recomendada a realização das medidas da PA em dois momentos: pela manhã e ao entardecer/anoitecer;
Número de medidas: devem ser realizadas três medidas pela manhã e três medidas ao entardecer/anoitecer, com intervalos de um minuto entre as medidas;
Exclusão de medidas: neste protocolo, teremos idealmente 24 medidas válidas, considerado como padrão mínimo de qualidade o registro de, pelo menos, 14 medidas válidas, distribuídas entre os vários dias de exame. Devem ser excluídas medidas discrepantes, tais como PAD > 140 mmHg e < 40 mmHg, PAS < 70 mmHg e > 250 mmHg, assim como pressão de pulso < 20 mmHg ou > 100 mmHg, desde que não exista justificativa clínica para preservá-las no conjunto de medidas obtidas;129
Período de verificação: o período sugerido é de, no mínimo, cinco dias;
Primeiro dia: no primeiro dia, temos as medidas do consultório e as medidas à noite realizadas em domicílio. As medidas do primeiro dia devem ser excluídas;porém, as medidas da clínica devem ser utilizadas para avaliação da reação de alarme.
Considera-se anormal a média da pressão arterial ≥ 135 mmHg para a PAS e/ou ≥ 85 mmHg para a PAD - os mesmos valores adotados para as médias de PAS e PAD na MAPA no período de vigília (GR: I; NE: A).11,18,130
A utilização da MRPA no seguimento do paciente hipertenso está associada aum aumento na adesão ao tratamento medicamentoso com consequente melhora no controle da PA, e a uma redução nos desfechos cardiovasculares.131-133
A média da PA a ser considerada para definição de normalidade é a do período total;entretanto, a análise das médias nos períodos da manhã e da tarde podem ser úteis para o estabelecimento de estratégias de tratamento medicamentoso.
A reação de alarme é definida pela diferença entre a média da MRPA e a média das duas medidas da PA obtidas na clínica. Reação de alarme deve ser considerada significativa se ≥ 20 mmHg para a PAS e/ou ≥ 10 mmHg para a PAD.
Recente revisão sistemática encontrou que maior variabilidade da PA avaliada na MRPA associa-se com aumento da mortalidade, principalmente por eventos cerebrovasculares. Do ponto de vista clínico, essa alteração pode representar aumento na rigidez arterial, controle inadequado ou baixa adesão ao tratamento.40 Entretanto, ainda permanecem sem definição os pontos de corte para esse parâmetro e, consequentemente, a sua aplicabilidade clínica.
O laudo de MRPA deve conter os seguintes aspectos:
Motivo da solicitação do exame: citar qual a indicação do exame
Descrição do protocolo utilizado: citar o número de dias de medidas efetivas, horário e número das medidas de cada dia;
Qualidade do procedimento: o registro deverá ser aceito para interpretação quando atingir, pelo menos, 14 medidas válidas (GR: I; NE: B);
Médias de PA: no relatório, devem ser citadas as médias total, diárias e as dos períodos da manhã e da noite, principalmente em pacientes sob terapêutica medicamentosa. As médias são obtidas com registros efetivos de, no mínimo, cinco dias, desprezando-se os valores obtidos no primeiro dia da MRPA;
Reação de alarme: informar os valores obtidos pelo cálculo da reação de alarme;
Valores de normalidade: é recomendado considerar exame anormal quando as médias forem ≥ 135 mmHg e/ou ≥ 85 mmHg (GR: I; NE: A);
Conclusão: com base unicamente na média global da PA, devem ser considerados os seguintes itens:
I. Comportamento da PA durante os cincodias de monitorização - se foinormal ou anormal;
II. Se o exame foi realizado em uso de medicação anti-hipertensiva, concluir que as medicações referidas como em uso parecem (ou não) exercer adequado controle da pressão arterial (sistólica e/ou diastólica) segundo os dados obtidos no exame.
Observação: as medidas realizadas no primeiro dia da MRPA foram suprimidas na avaliação do comportamento da PA.
A MRPA é superior à medida casual do consultório para avaliar o comportamento da PA.134-136 Especialmente, o uso da MRPA permite a detecção de HM e de HAB.48,137,138 Em diferentes estudos, HAB foi detectada em 5,6 a 13,0% dos casos avaliados, e HM em 11,8 a 17,0% deles.48,137,138
As variações dia a dia da PA podem ser avaliadas,139 permitindo estabelecer separadamente as medidas do período matinal e do entardecer/anoitecer, porém a importância dessa diferenciação ainda não é clara.140,141 A associação de dano em órgão-alvo com a PA durante o entardecer/anoitecer da MRPA pode ser equivalente à PA durante o sono da MAPA.142-144 A PA matinal pode estar associada a dano em órgão-alvo como AVE.145
Atualmente, há dados populacionais consistentes sobre o valor preditivo de eventos cardiovasculares em relação aos dados obtidos por MRPA baseados em 9 grandes estudos populacionais prospectivos que avaliaram no total quase 40 mil indivíduos.48,132,134-136,146-149 Na Tabela 8 são apresentados os dados mais relevantes de oito desses estudos, mostrando que as medidas de PA pela MRPA auxiliam na avaliação do prognóstico de eventos cardiovasculares, tendo melhor correlação com os eventos do que as medidas de consultório na maioria deles.
Tabela 8 Estudos que avaliaram o valor prognóstico da MRPA para eventos cardiovasculares
Estudos | Número de indivíduos | Seguimento (em anos) |
País | Eventos CV | Razão de chance para 1 mmHg de aumento da PAS e PAD | ||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Ohasama134 | 1.789 | 6,6 | Japão | 52 | Morte CV | 1,021 1,015 | 1,005 1,008 |
SHEAP136 | 4.932 | 3,2 | França | 324 | Morte CV, IAM, AVE, angina ou IC, RM, APC, AIT | 1,015 1,020 | 1,005 1,005 |
PAMELA48 | 2.051 | 10,9 | Itália | 56 | Morte CV | 1,046 1,055 | 1,038 1,045 |
Flanders132 | 391 | 10,9 | Bélgica | 86 | Morte CV, IAM, AVE | 1,012 1,034 | 1,006 1,004 |
Didima148 | 652 | 8,2 | Grécia | 67 | Morte CV, IAM, AVE, angina ou IC, RM, AIT, edema pulmonar, ruptura aneurisma aorta | 1,003 1,011 | 1,012 1,034 |
Finn-Home135 | 2.081 | 6,8 | Finlândia | 162 | Morte CV, IAM, AVE, IC, APC, RM, AIT | 1,021 1,034 | 1,012 1,025 |
HONEST146 | 21591 | 2,02 | Japão | 280 | AVE, IAM, RM, APC, MS. |
CV: cardiovasculares; PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; MRPA: monitorização residencial da pressão arterial; IAM: infarto agudo do miocárdio; AVE: acidente vascular encefálico; IC: insuficiência cardíaca; RM: revascularização miocárdica; APC: angioplastia coronariana; AIT: ataque isquêmico transitório; MS: morte súbita.
No entanto, existem importantes diferenças metodológicas que devem ser consideradas, incluindo o tipo de população estudada, os aparelhos usados para medida da PA, o período do dia em que as medidas foram feitas, os tipos de eventos primários e os métodos de ajuste estatístico. Cinco estudos48,134,135,147,148 avaliaram a população geral, três136,146,149 abordaram indivíduos hipertensos tratados e um132 investigou uma população de atenção primária, excluindo-se doenças cardiovasculares prévias. Com relação ao número de medidas, a maioria analisou 20 a 28 durante o exame.
No maior e mais recente estudo que avaliou risco cardiovascular relacionado às medidas de PA obtidas pela MRPA, Home blood pressure and cardiovascular outcomes in patients during antihypertensive therapy (HONEST),146 foram incluídos mais de 20 mil hipertensos sob tratamento padronizado. Os autores demonstraram que o risco de eventos cardiovasculares em 2 anos foi significativamente maior com PAS matutina pela MRPA com valores ≥ 145 e < 155 mmHg (razão de chance 1,83) e ≥ 155 mmHg (razão de chance 5,03) do que PAS < 125 mmHg. Além disso, a medida obtida pela manhã com a MRPA foi um forte preditor de eventos futuros como doença arterial coronária e AVE, não havendo efeito de curva-J nessa relação.140 Também se demonstrou que a primeira e a segunda medidas da PAS da manhã obtidas pela MRPA em uma ocasião e o valor médio obtido durante o período de seguimento têm o mesmo valor prognóstico para avaliação do risco cardiovascular, e que o prognóstico foi pior para os pacientes com uma diferença maior entre a primeira e a segunda medidas da manhã.150 Os pacientes com a média de PAS pela manhã ≥ 145 mmHg e uma diferença entre as duas medidas > 5 mmHg tiveram uma chance 4,63 vezes maior de eventos cardiovasculares.150
O diagnóstico de HAB e de HM pela MRPA também está relacionado a maior risco cardiovascular, como demonstrado no estudo Ohasama.151
Evidências também mostraram que MRPA reflete as lesões de órgãos-alvo com confiabilidade semelhante à MAPA.152-154 Há demonstrações de que a variabilidade dia a dia da PA detectada pela MRPA tem valor preditivo de risco de doenças cerebrovasculares e cardiovasculares.155,156
Em algumas populações especificas, a MRPA também mostrou melhor valor preditivo que a medida de consultório para eventos cardiovasculares, como demonstrado em idosos e em pacientes com doença renal.155,157
Na comparação com a MAPA, o valor preditivo para eventos cardiovasculares da MRPA parece ser um pouco inferior.158
Na avaliação do tratamento anti-hipertensivo, a MRPA apresenta importante vantagem em relação às medidas do consultório. Uma das indicações da MRPA é para o acompanhamento em longo prazo de hipertensos em tratamento.159 A detecção de HAB evita tratamentos desnecessários, avalia efeitos colaterais e reduz custos com cuidados em saúde.
Obtém-se melhor controle da HAS com a utilização da MRPA,159-162 mas os efeitos em longo prazo ainda não estão claros.163,164 Outras medidas (educacionais, comunicações, telemedicina, orientações e outros) podem ser empregadas para talfinalidade.163,165
O emprego da MRPA resulta, geralmente, em uso de menor quantidade de drogas do que a empregada em pacientes controlados apenas com medida de PA de consultório, sendo possível, também, que esteja relacionada a efeito na adesão ao tratamento.166-168
Estudo populacional europeu mostrou que MRPA é factível com mínimo de treinamento em idosos e pode ser empregada nessa população.169 No entanto, deve ser recomendado com cautela para idosos com restrições físicas e cognitivas que demandem ajuda de outra pessoa.170 O aumento da rigidez arterial, frequentemente observado em idosos, pode diminuir a precisão dos dados obtidos com a utilização de aparelhos oscilométricos.
A MRPA é útil na avaliação do controle terapêutico de pacientes idosos (GR: I; NE: B)136,171 e pode contribuir para o melhor controle da PA, como demonstrado em recente estudo francês com medidas de MRPA regular a cada três meses.172
Em octogenários, recente estudo internacional definiu limites de medidas de MRPA relacionadas a maior mortalidade. Nos não tratados, com PAS ≥ 152,4 mmHg e PAD ≤ 65,1 mmHg, houve aumento do risco cardiovascular enquanto que, naqueles tratados, com PAS < 126,9 mmHg, foi observado risco mais baixo.173
Frequentemente, pacientes diabéticos apresentam HM ou HAB; portanto, a MRPA é instrumento útil para definição de diagnóstico nesses pacientes.174,175
A MRPA pode auxiliar no controle da PA do diabético e, com isso, talvez previna a progressão de nefropatia.176,177 Doença renal em pacientes com diabetes mellitus tipo 2 está associada com PAS não controlada na MRPA,178 e o aumento da PA matinal está relacionado a complicações micro e macrovasculares.179 O estudo HOMED-BP, em subanálise com pacientes diabéticos, mostrou que PA < 125/75 mmHg na MRPA possui mais correlação com menor risco cardiovascular do que PA acima dessesvalores.180 Parece, ainda, que valores mais baixos de PAS sãobenéficos.176
Tratamento da PA guiado por MRPA em diabéticos correlaciona-se melhor com lesões em órgãos-alvo.180,181
A MRPA, ao contrário da MAPA, não pode avaliar efeitos da neuropatia autonômica nem aspectos da PA no sono.
Não existe consenso sobre o uso da MRPA na gestação.182-185 O American College of Obstetrics and Gynecology (ACOG) recomenda o uso no acompanhamento de hipertensão gestacional, em gestantes com HAS crônica e PA não controlada.182 A International Society for the Study of Hypertension in Pregnancy (ISSHIP) recomenda MAPA para avaliar PA antes das 20 semanas de gestação e a MRPA após a vigésima semana.184 E as diretrizes canadenses185 sugerem o uso de MAPA ou MRPA para confirmar PA persistentemente elevada, se houver diagnóstico de HAS pelas medidas de consultório e sem suspeita de pré-eclâmpsia ou lesão de órgãos-alvo. As mulheres e os médicos assistentes em geral preferem o uso da MRPA, mas não há evidência para direcionar a escolha.186 A Society of Obstetric Medicine of Australia and New Zealand (SOMANZ) questiona o uso de monitores automatizados, supondo que a acurácia pode ser comprometida em HAB e HM.183
Os canadenses185 indicam três sites para verificação de aparelhos de MRPA aprovados para uso na pré-eclâmpsia: http://www.dableducational.org, http://www.bhsoc.org/default.stm e http://www.hypertensionca/devices-endorsed-by-hypertension-canada-dp1. Até 70% das mulheres com PA alterada no consultório (≥ 140/90 mmHg) apresentam PA normal em medidas subsequentes.185
HM e HAB são frequentes em pacientes com DRC e estão associadas a lesão em órgãos-alvo.187,188 A MRPA em pacientes com DRC é melhor preditora de doença renal terminal e de morte do que a PA do consultório,189 mostrando melhor correlação com complicações cardiovasculares do que com PA medida na clínica e com as avaliadas pré e pós-diálise, sendo mais reprodutível e útil para guiar mudanças no peso seco.190
É sugerido que o uso de medidas da PA fora do consultório deva ser considerado para os pacientes com DRC em tratamento conservador ou em diálise.191 A MRPA não permite avaliar o período do sono, aspecto importante da alteração do comportamento da PA nesses pacientes. A MRPA parece ser útil para avaliar o controle da PA durante tratamento crônico, especialmente após a detecção de HAB, e principalmente de HM.192
A MRPA tem sido cada vez mais empregada no tratamento de crianças e adolescentes, sobretudo porque HM e HAB têm se mostrado frequentes nessa população.193
Um estudo com778 crianças e adolescentes é o único disponível com valores de normalidade da MRPA para essas populações. Nesses indivíduos, a medida na MRPA tem valores discretamente mais altos que a medida casual da PA (0,6 ± 7,0 mmHg para a PAS e 1,0 ± 6,0 mmHg para a PAD). Essas diferenças reduzem com o aumento da idade e desaparecem após os 12 anos.194
Revisão sistemática incluindo 27 estudos mostrou que a reprodutibilidade de MRPA em crianças parece ser superior às medidas de consultório e similar à MAPA, sendo recomendada monitorização de 6 a 7 dias com 2 medidas de manhã e à noite.195 A MRPA apresenta, ainda, a vantagem de ser mais factível que a MAPA nessa população.196
Recente revisão sistemática mostrou que as medidas de PA na MRPA em crianças e adolescentes foram associadas ao índice de massa de ventrículo esquerdo.197
A avaliação clínica da PA em indivíduos obesos198 mostra discrepâncias entre a PA do consultório e a MRPA mais comuns do que na população de não obesos. A obesidade parece estar associada à maior prevalência de HAB e HM.199,200
O uso de manguito de tamanho adequado em indivíduos obesos é absolutamente necessário e não depende apenas da circunferência do braço, mas também de sua forma. O braço em forma cônica, comum nesses indivíduos, torna difícil o seu ajuste, com possibilidade de medidas espúrias. Em uma recente revisão sistemática com metanálise incluindo 20 estudos, na qual se comparou medida de PA em obesos com manguito apropriado e medida invasiva, observou-se uma boa sensibilidade e especificidade da avaliação com um manguito correto para diagnosticar hipertensão arterial em obesos. Recomenda-se que, se o manguito apropriado não estiver disponível, a medida de PA com manguito inadequado não deve ser realizada. As medidas com aparelhos validados no punho podem ser consideradas, já que não há diferenças significativas entre essa técnica e esses aparelhos.201
Na presença de arritmias relevantes, como por exemplo, flutter e fibrilação atrial (FA), a precisão da MRPA com os aparelhos oscilométricos fica comprometida. No entanto, algumas evidências recentes sugerem que, mesmo na presença de FA, alguns aparelhos podem ser utilizados.202,203
Além disso, há evidências de que um aparelho automático de medida de PA com algoritmo para detecção de FA tem alta sensibilidade e especificidade para detectar tanto FA paroxística quanto rastreamento dessa arritmia mantida, sobretudo, em pacientes idosos.204,205
Os custos de saúde são uma preocupação mundial, e as exigências para sua contenção é procedimento adotado universalmente. Análise de custo-efetividade permite avaliar custo (valor monetário) com resultados (efetividade - por exemplo, vidas salvas) aplicando diferentes métodos de intervenção.206,207
Recente análise de custo-efetividade concluiu que MRPA é mais eficaz do que a avaliação convencional da PA em consultório e requer menor investimento financeiro e humano do que a MAPA.208,209
No estudo Systolic Blood Pressure Intervention Trial (SPRINT),210 foi utilizada uma nova modalidade de medida da PA sem a presença do profissional de saúde. Dessa forma, o paciente, depois de devidamente treinado, realizou a sua própria medida em sala reservada para essa finalidade. Os participantes do SPRINT seguiram um protocolo no qual aguardavam em uma sala silenciosa por cincominutos; em seguida, um aparelho automático media a pressão arterial por três vezes, com intervalos de vários minutos, registrando os valores obtidos.