versão impressa ISSN 0101-2800
J. Bras. Nefrol. vol.36 no.1 supl.1 São Paulo jan./mar. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.2014S009
O emprego de transfusões de hemácias em pacientes com DRC deve ser criterioso e maximamente restrito (Evidência B).
Na piora aguda da anemia, a transfusão está indicada nas seguintes situações:
• Independentemente da concentração de hemoglobina: perda volêmica maior que 30-40% do volume corporal; perda volêmica menor que 30% com sinais de inadequada oxigenação tecidual (angina, alterações eletrocardiográficas, instabilidade hemodinâmica, insuficiência cardíaca e alterações do estado de consciência); perda sanguínea aguda ativa sem controle imediato ou sem melhora clínica após reposição fluida (coloides ou cristaloides) (Evidência C).
• Na ausência de manifestações clínicas, se a concentração de hemoglobina for ≤ 7 g/dL. (Evidência A).
Nas anemias crônicas associadas à inadequada resposta aos AEE, hemoglobinopatias ou falência medular, a transfusão sanguínea está indicada:
• quando houver hemoglobina ≤ 7 g/dL;
• em caso de hemoglobina ≤ 8 g/dl em pacientes com doença cardiovascular preexistente ou
• quando o paciente apresentar sinais e sintomas clínicos (instabilidade hemodinâmica durante a hemodiálise, hipotensão postural, fraqueza intensa, letargia, insuficiência cardíaca, angina, etc). (Evidência B).
Em pacientes em preparo eletivo para cirurgia, a transfusão deve ser indicada quando a hemoglobina for ≤ 7 g/dL, estando contraindicada se a hemoglobina for maior que 10 g/dL (Evidência B). Para pacientes com mais de 65 anos ou com doença cardiovascular preexistente, deve-se considerar como indicativo de transfusão uma concentração de Hb ≤ 8 g/dL.
Em pacientes elegíveis para transplante de órgãos é recomendado evitar, quando possível, transfusão sanguínea para minimizar o risco de alossensibilização (Evidência A).
Quando indicado o uso de concentrado de hemácias, o tempo de infusão deve ser de, no máximo, duas horas. A quantidade a ser infundida deve levar em conta a necessidade do paciente e o risco de hipervolemia (Opinião).
A transfusão sanguínea é um procedimento de alto custo e associado ao risco de eventos adversos imunológicos como reações alérgicas e febris, hemólise fatal e não fatal, injúria pulmonar aguda associada à transfusão (TRALI), anafilaxia, sobrecarga circulatória, sobrecarga de ferro corporal, reação enxerto versus hospedeiro, ao lado de risco aumentado de transmissão do vírus da hepatite B, hepatite C e HIV, assim como de morte associada à sepse. Dados quantitativos sobre o risco destas complicações em pacientes transfundidos podem ser encontrados em publicações recentes, com destaque para as últimas recomendações da AABB (American Association of Blood Bank).1-4
Segundo as recomendações do KDIGO (Kidney Disease: Improving Global Outcomes), publicadas em 2012,5 a decisão de transfundir um paciente com DRC e anemia aguda deve ser baseada não em um valor determinado da concentração de Hb, mas principalmente no quadro clínico e nas condições de controle do sangramento. Assim, pacientes com hemoglobina < 10 g/dL poderiam ser transfundidos apenas em decorrência dos sinais e sintomas de anemia. Mais recentemente, as diretrizes da AABB4 mostram que não há, até o momento, evidências de que a estratégia de uso liberal de transfusões, independentemente da Hb, seja melhor que o seu uso restrito. Há também várias evidências, incluindo dados recentes do US Renal Data System (USRDS), de que a transfusão aumenta o risco de isossensibilização6,7 em pacientes candidatos ao transplante renal, não havendo dados consistentes de que esse risco possa ser reduzido com o uso da leucorredução,8 hemácias lavadas,9 transfusão de doador10 ou HLA-DR específicos.11
Nas anemias crônicas0, os sinais e sintomas associados a diferentes níveis de Hb são bastante variáveis. Em voluntários sadios em repouso, a redução isovolêmica da hemoglobina para 5 g/dL foi relativamente bem tolerada do ponto de vista cardiovascular e metabólico, embora alguns indivíduos apresentassem taquicardia e sinais eletrocardiográficos de isquemia.12 No que concerne à função cognitiva, valores abaixo de 6 g/dL associaram-se a alterações que foram revertidas após transfusão com elevação da hemoglobina para 7 g/dL.13 Em outro estudo, concentrações de hemoglobina menores que 5 g/dL associaram-se à dispneia e à descompensação cardíaca.14
O estudo TRICC (Transfusion Requirements in Critical Care),15 no qual 43% dos pacientes apresentavam doença cardiovascular, não observou diferenças na mortalidade entre pacientes transfundidos com hemoglobina menor que 7 g/dL e aqueles com níveis mais elevados que 7 g/dL.9 No estudo FOCUS16 (Transfusion Trigger Trial for Functional Outcomes in Cardiovascular Patients Undergoing Surgical Hip Fracture Repair), que incluiu 63% dos pacientes com doença cardiovascular e fatores de risco cardiovascular, e cuja estratégia restritiva era a indicação de transfusão se as concentrações de hemoglobina fossem ≤ 8 g/dL, também não se observaram diferenças entre os transfundidos com Hb ≤ 8 g/dL e aqueles transfundidos com Hb ≤ 10 g/dL, quanto à mortalidade e recuperação funcional. Em pacientes cirúrgicos não transfundidos por motivos religiosos, a mortalidade foi maior se a Hb no pós-operatório era menor que 7,0 g/dL e drasticamente mais elevada com níveis inferiores a 6g/dL.17 No estudo TRICC,15 com 838 pacientes, um grupo recebeu transfusões apenas quando a Hb caía a menos de 7 g/dL e o segundo (com 420 pacientes) era transfundido quando a hemoglobina estava abaixo de 10 g/dL para manter concentrações de Hb entre 10 e 12 g/dL; houve maior mortalidade nos pacientes com indicação liberal de transfusão. Entretanto, com base no estudo FOCUS16 e na diretriz do KDIGO11 considerou-se que, para pacientes com doença cardiovascular ou com alto risco cardiovascular, como aqueles com idade maior que 65 anos, a transfusão estaria indicada quando a concentração de Hb for ≤ 8 g/dL.
Em caso de necessidade de transfusão, a utilização de sangue total se faz desnecessária, em virtude de a maior parte dos casos de hipovolemia poderem ser tratados com soluções cristaloides em associação com concentrado de hemácias. A leucorredução deve ser reservada para casos de reações transfusionais febris não hemolíticas18 e para pacientes transplantados CMV IgG negativos, reduzindo o risco de transmissão do citomegalovírus.19 Vale ressaltar que é recomendado que o tempo de infusão de hemocomponentes não seja maior que quatro horas, devido ao risco de contaminação bacteriana.20