versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.107 no.3 supl.3 São Paulo set. 2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160163
A hipertensão arterial resistente (HAR) é definida como a PA de consultório não controlada apesar do uso de três ou mais anti-hipertensivos em doses adequadas, incluindo-se preferencialmente um DIU, ou em uso de quatro ou mais medicamentos com controle pressórico.1-3 Por não incluir a verificação sistemática da terapêutica e da adesão, essa situação é melhor definida como HAR aparente (pseudorresistência). A identificação da HAR verdadeira é fundamental para estabelecer abordagens específicas.2 Estudos populacionais estimam prevalência em 12% da população hipertensa.2 No Brasil, o estudo ReHOT está avaliando a prevalência e escolha terapêutica.4 A hipertensão refratária é definida como a PA não controlada sob o uso de cinco ou mais anti-hipertensivos,5 e corresponde a 3,6% dos hipertensos resistentes. Para o diagnóstico de HAR é necessária medida ambulatorial de PA e verificação sistemática de adesão. (GR: I; NE: C).
Os fatores causais incluem maior sensibilidade ao sal, volemia aumentada (maior ingestão de sódio, DRC ou inadequada terapêutica diurética), substâncias exógenas que elevam a PA e causas secundárias (SAHOS, aldosteronismo primário, DRC e estenose de artéria renal).1,3,6 São características da HAR: idade mais avançada, afro-descendência, obesidade, SM, DM, sedentarismo, nefropatia crônica e HVE.1,3
Os aspectos fisiopatológicos relacionados à resistência incluem: (i) hiperativação simpática e do SRAA, (ii) proliferação da musculatura lisa vascular, (iii) retenção de sódio e (iv) ativação de fatores pró-inflamatórios.1,7 Maior disfunção endotelial e rigidez arterial estão presentes.8 Na MAPA, há alta prevalência (30%) do EAB e atenuação do descenso noturno.9 Os hipertensos refratários têm maior prevalência de raça negra, DM e albuminúria.5
A pseudorresistência deve-se à má técnica de medição da PA, má adesão e/ou esquema terapêutico inadequado.1,2,10 Estudos mostraram que 50-80% dos pacientes não aderem à medicação total ou parcialmente.10-12 O diagnóstico de HAR deve ser feito somente após a inclusão de um DIU apropriado13 e o ajuste do esquema anti-hipertensivo.12
Bioquímica sanguínea, avaliação urinária e ECG devem ser solicitados no momento do diagnóstico e repetidos pelo menos anualmente.1,12 Ecocardiograma e fundoscopia, quando disponíveis, devem ser repetidos a cada 2 ou 3 anos.
As causas secundárias são comuns na HAR,6 sendo a mais prevalente a SAHOS (80%, sendo 50% com apneia moderada-grave),14 seguida do hiperaldosteronismo (20%, principalmente hiperplasia adrenal)15 e da estenose de artéria renal (2,5%).6 Outras causas secundárias devem ser investigadas apenas quando o quadro clínico for sugestivo.6
Apesar do diagnóstico da HAR ser baseado na PA de consultório,1 a avaliação da PA através da MAPA ou da MRPA é mandatória no diagnóstico inicial e no acompanhamento clínico.1,9,16,17 Estima-se que 30-50% dos hipertensos resistentes apresentem níveis tensionais normais fora do consultório.9,12,16 O diagnóstico obtido na MAPA irá definir a conduta diagnóstica e terapêutica (Quadro 1).1,12,16
PA de consultório | MAPA | |
---|---|---|
PA vigília ≥ 135/85 e/ou PA sono ≥ 120/70 mmHg |
PA vigília < 135/85 e PA sono < 120/70 mmHg |
|
≥ 140/90 mmHg | HAR verdadeira | HAR do avental branco |
< 140/90 mmHg | HAR mascarada | HAR controlada |
Na HAR verdadeira ou mascarada a medicação deve ser progressivamente ajustada16 com introdução de doses noturnas de anti-hipertensivos.18 Pacientes com PA controlada na MAPA devem ter sua terapia mantida, independente dos valores da PA de consultório. Na HAR do avental branco, a MAPA confirmatória precisa ser realizada depois de 3 meses e repetida semestralmente (se PAS vigília ≥ 115 mmHg) ou anualmente (se PAS de vigília < 115 mmHg).19
A MRPA é bom método complementar quando não se dispõe da MAPA. Apesar de não avaliar o período noturno e superestimar os níveis pressóricos, apresenta uma concordância moderada no diagnóstico,20 com alta especificidade e baixa sensibilidade (Quadro 2).17
Grau de recomendação | Nível de evidência | |
---|---|---|
Afastar pseudorresistência | ||
Adesão à terapêutica | I | C |
Ajuste do esquema anti-hipertensivo | I | C |
Exames complementares | ||
Bioquímica de sangue: glicose, creatinina, potássio e lipidograma Avaliação urinária: albuminúria e proteinúria ECG |
I | C |
Investigação de causas secundárias | ||
SAHOS Hiperaldosteronismo Estenose de artéria renal |
I | A |
MAPA ou MRPA | ||
Avaliação do controle pressórico | IIa | C |
O princípio básico é a associação de anti-hipertensivos que bloqueiem a maioria dos mecanismos fisiopatológicos de elevação da PA. Idealmente, deve ser prescrito um DIU, um bloqueador do SRAA e um BCC di-idropiridínico, em doses plenas toleradas e a intervalos adequados. Em situações particulares como DAC, ICC e taquiarritmias, um BB pode substituir o BCC no esquema terapêutico inicial com 3 medicações.
O uso correto de diuréticos para assegurar controle da expansão volêmica é essencial, sendo que mais da metade dos pacientes pode alcançar a meta pressórica com otimização do DIU.13 A clortalidona apresenta superioridade comparada à hidroclorotiazida.23 Em pacientes com DRC estágios 4 ou 5, DIU de alça devem ser utilizados e administrados pelo menos 2 vezes ao dia. A espironolactona, antagonista da aldosterona, é a medicação de escolha como quarto medicamento nos pacientes com HAR verdadeira, possibilitando redução da PA em média de 15-20 mmHg na PAS e de 7-10 mmHg na PAD em doses de 25 a 50 mg/dia.24 Entretanto, até 20-30% dos pacientes podem não tolerar seu uso, devido à piora da função renal, hiperpotassemia, ginecomastia ou mastalgia. Nesse caso, a amilorida pode ser utilizada (5-10 mg/dia), mas com resposta pressórica aparentemente inferior.25 O uso da clonidina como quarto fármaco está sendo avaliado no estudo brasileiro ReHOT, considerando a medida da atividade simpática e do SRAA como possíveis preditores da melhor resposta terapêutica à clonidina e à espironolactona, respectivamente.4
Nos pacientes ainda sem controle pressórico à MAPA, após a adição de espironolactona, os BB (principalmente os com efeito vasodilatador) são as medicações de quinta linha, se não contraindicados. Os alfa-agonistas centrais (clonidina e alfametildopa), os vasodilatadores diretos (hidralazina e minoxidil), ou os agonistas centrais dos receptores imidazolínicos são geralmente utilizados como medicações de sexta ou sétima linha. Também associações de múltiplos DIU (tiazídicos, de alça e espironolactona), em especial em estados edematosos, ou de BCC di-idropiridínicos e não di-idropiridínicos podem ser usados nos pacientes mais graves.
A cronoterapia orientada pela MAPA, com pelo menos uma das medicações anti-hipertensivas administrada à noite, foi capaz de melhorar o controle pressórico e reverter o padrão não-dipper desfavorável nesses pacientes, bem como reduzir a morbimortalidade CV (Quadro 3).18
Intervenção | Grau de recomendação | Nível de evidência |
---|---|---|
Institua MEV | I | B |
Otimize tratamento com 3 medicações: clortalidona*, IECA ou BRA, e BCC† | I | B |
Adicione espironolactona como 4ª medicação | IIa | B |
Adicione BB como 5ª medicação† | IIb | C |
Adicione sequencialmente simpatolíticos de ação central ou vasodilatadores diretos | IIb | C |
Prescreva uma ou mais das medicações à noite | IIb | B |
Confira e melhore adesão ao tratamento | I | C |
Novas estratégias estão em desenvolvimento, mas são ainda consideradas experimentais. Embora seguras, não são superiores ao tratamento convencional e só devem ser utilizadas em pacientes verdadeiramente resistentes (Quadro 4).
O sistema Rheos é um dispositivo programável, tipo marca-passo, implantado cirurgicamente, constituído por um gerador de impulsos que ativam os barorreceptores carotídeos por radiofrequência. O ensaio clínico Rheos Pivotal Trial não detectou benefícios significativos a longo prazo.26
A denervação simpática percutânea transluminal renal por cateter foi avaliada principalmente nos estudos SYMPLICITY conduzidos em pacientes com HAR. Meta-análises27,28 recentes não confirmaram os resultados promissores iniciais.
O conjunto das evidências sobre o efeito anti-hipertensivo de CPAP é contraditório. Contudo, como tratamento auxiliar em pacientes com SAHOS, especialmente naqueles que toleram a sua utilização por períodos superiores a 4h/noite, há evidências de que possa colaborar para restabelecer o padrão dipper.29
O estudo ROX Control HTN30 demonstrou resultados promissores com reduções significativas da PA e das complicações hipertensivas nos pacientes com anastomose ilíaca central com dispositivo coupler.
Estudo de coorte retrospectivo realizado a partir de registro norte-americano indica que, após o início do tratamento anti-hipertensivo, a incidência de HAR aparente (PA não controlada com uso de 3 medicamentos) será de 0,7/100/pacientes ano, sendo que o risco relativo desses pacientes para eventos CV será de 1,47 (intervalo de confiança 95%: 1,33-1,62).31 Estudo prospectivo de 556 hipertensos resistentes (seguimento de 4,8 anos) indicou que a MAPA não controlada e a ausência de descenso noturno são importantes marcadores de risco CV.32 A condição de HAR aparente é considerada de risco independente para a ocorrência de eventos CV. (GR: IIa; NE: C). É recomendada realização da MAPA para estabelecimento do prognóstico de hipertensos com HAR verdadeira. (GR: IIa; NE: C).