versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.107 no.3 supl.3 São Paulo set. 2016
https://doi.org/10.5935/abc.20160158
A associação de HA e DM dobra o risco CV e tem aumentado a prevalência de HA, fato ligado à elevação nas taxas de sobrepeso e obesidade, bem como ao aumento da população de idosos em nosso meio.1 A incidência de HA em pacientes diabéticos tipo 1 aumenta de 5%, aos 10 anos de idade, para 33%, aos 20 anos, e para 70%, aos 40 anos.2 Há uma estreita relação entre o desenvolvimento de HA e a presença de albuminúria nessa população.3 Esse aumento na incidência de HA pode atingir 75-80% nos pacientes com doença renal diabética.4 Cerca de 40% dos pacientes com diagnóstico recente de DM tipo 2 têm HA.5 Em aproximadamente 50% dos diabéticos tipo 2, a HA ocorre antes do desenvolvimento de albuminúria. Todo hipertenso diabético é considerado de alto risco CV. Além de todos os exames complementares recomendados para os hipertensos, especificamente nos diabéticos é necessária a pesquisa da excreção urinária de albumina, o exame de fundo de olho e a avaliação de provável hipotensão postural, que pode caracterizar a presença de disfunção do sistema nervoso autônomo.6
Quanto às metas de PA a serem atingidas, há muitas controvérsias. Tem havido, contudo, recente consenso para o alcance de valores de PA < 130/80 mmHg. (GR: IIb; NE: B). Para o TNM da HA no diabético, valem todas as recomendações expressas no capítulo desta diretriz que trata especificamente desse assunto. A escolha terapêutica deve ser baseada na eficácia do medicamento e na tolerabilidade ao mesmo. Considerando-se que todo diabético apresenta alto risco CV, o tratamento inicial inclui a associação de dois ou mais fármacos de classes diferentes.7 Nos hipertensos diabéticos sem nefropatia, todos os anti-hipertensivos podem ser utilizados. Entretanto, na presença de nefropatia diabética, o uso de medicamentos inibidores do SRAA é preferencial.8 (GR: I; NE: A). A utilização simultânea de IECA e BRA deve ser evitada devido ao risco de complicações.9,10 Apesar de agravarem a resistência à insulina, os BB são úteis no controle pressórico dos diabéticos, em especial quando usados em combinação no tratamento de hipertensos com DAC ou IC.11
A síndrome metabólica (SM) é caracterizada pela coexistência de FRCV (HDL baixo, triglicérides elevados, HA e disglicemia) associada ou não à presença de obesidade central (identificada pela medida da CA). Várias são as definições de SM emitidas por diversas entidades. Em 2009, essas entidades realizaram uma força-tarefa, na tentativa de harmonizar as diversas definições de SM.12 Os critérios estão descritos no capítulo de estratificação de risco CV. A presença de HA na SM aumenta o risco CV global. O tratamento inicial baseia-se em MEV associada ou não ao uso de medicamentos. Uma vez que as medidas não farmacológicas isoladamente não controlam a PA, o tratamento medicamentoso se impõe toda vez que a PA estiver igual ou superior a 140/90 mmHg.13 Não existem evidências de benefícios do uso de medicamentos anti-hipertensivos na SM com PA normal. Na presença de disglicemia, os medicamentos preferenciais para início de tratamento da HA na SM são os bloqueadores do SRAA e os BCC.13-19
O tratamento da HA associada com DAC, que inclui pacientes pós-infarto do miocárdio, com angina de peito e revascularização miocárdica, deve contemplar preferencialmente os BB, IECA ou BRA, além de estatinas e aspirina. Os BB demonstraram grande benefício após IAM, especialmente no período de dois anos após o evento agudo.20 Do mesmo modo, os IECA testados nessa condição também demonstraram efeito benéfico.21,22 Em pacientes com DAC crônica e múltiplos FR, como HA, o IECA demonstrou efeito favorável na redução de desfechos clínicos relevantes.23 (NE: I; GR: A). Em relação ao nível pressórico a ser atingido, deve-se considerar a possibilidade de efeito da curva J, demonstrado em diferentes estudos,24-27 em que a redução sobretudo diastólica excessiva pode precipitar eventos CV em pacientes com DAC obstrutiva. Medicamentos adicionais para atingir a meta (PA < 130/80 mmHg) são BCC e DIU tiazídicos.28 (GR: IIa; NE: B).
O AVE é a manifestação mais comum da lesão vascular causada pela HA. No ataque isquêmico transitório (AIT), o déficit neurológico é restabelecido dentro de 24 horas, sem sequelas clinicamente detectáveis.
Cronicamente, a terapia anti-hipertensiva eficaz, mantendo PA menor que 130/80 mmHg, tem tido um papel decisivo na prevenção secundária de todos os tipos de AVE e AIT.29-35 (GR: IIa; NE: B). Desde que se obtenha a redução da PA, qualquer medicamento anti-hipertensivo poderá ser utilizado.20,36,37 Evidências clínicas não permitem uma conclusão definitiva para o uso preferencial de BRA quando comparados aos outros anti-hipertensivos na prevenção secundária de AVE.34,35 No momento, não há evidências que iniciar a terapêutica anti-hipertensiva seja efetiva com PAS menor que 140 mmHg em pacientes com passado de AVE. (GR: III; NE: B).
Nessa população, a redução pressórica constitui a medida mais eficaz para a redução do risco CV e atenuação da progressão do dano renal, independentemente do anti-hipertensivo utilizado.38,39 (GR: I; NE: A). Atenção especial deve ser dispensada a pacientes com albuminúria elevada, pois essa é determinante de evolução desfavorável da doença renal,40 bem como de aumento do risco CV.41 (GR: IIa; NE: A). Pacientes idosos com doença renovascular, DAC e com risco de hipotensão postural frequentemente requerem a individualização do tratamento anti-hipertensivo.40 (GR: IIa; NE: C). De modo geral, recomendam-se valores pressóricos inferiores a 130/80 mmHg, especialmente naqueles com albuminúria acima de 30 mg/g de creatinina e em diabéticos.42,43 Nesses, a manutenção de PA inferior a 130/80 mmHg reduz a albuminúria e o risco de AVE, porém sem evidência de diminuição de evento CV e mortalidade.44,45 (GR: IIa; NE: A). Permanece, contudo, incerto se a redução pressórica para esses valores se associa à melhor evolução da DRC e à redução de mortalidade.7,46,47 (GE: IIb; NE: B). A presente diretriz sugere a adoção das metas pressóricas do Quadro 1.
Quadro 1 Metas pressóricas para pacientes em tratamento conservador, de acordo com a etiologia da doença renal e com a excreção urinária de albumina
ALBUMINÚRIA <30mg/24 horas | ALBUMINÚRIA >30 mg/24horas | |
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DRC não diabética | <140/90 mmHg | <130/80 mmHg |
Fármaco preferencial | Qualquer | IECA ou BRA |
DRC diabética | <130/80 mmHg | <130/80 mmHg |
Fármaco preferencial | Qualquer | IECA ou BRA |
DRC: doença renal crônica; IECA: inibidor da enzima conversora da angiotensina; BRA: bloqueador dos receptores da angiotensina II.
Os DIU tiazídicos continuam recomendados, por serem eficazes nos estágios 1, 2 e 3 da DRC, enquanto os DIU de alça são preconizados para os estágios 4 e 5. Essa classe de fármacos reduz a morbimortalidade CV,48,49 sendo considerada de escolha para associação em DRC.38,49,50 (GR: I; NE: A). Os IECA ou BRA são fármacos largamente utilizados em DRC, sendo eficazes para o controle da HA bem como para a redução da albuminúria.51-55 (GR: I; NE: A). Em relação aos inibidores diretos da renina e aos antagonistas dos receptores mineralocorticoides, ambos com ação anti-proteinúrica, não existem evidências para sua aplicação na prática clínica.56-58 O risco de hiperpotassemia deve ser considerado especialmente com os últimos. Um aspecto polêmico refere-se ao bloqueio duplo do SRAA. A combinação de IECA com BRA59,60 ou de um inibidor de renina com IECA ou BRA10 resultou em maior ocorrência de lesão renal aguda e de hiperpotassemia, levando a proscrição dessa estratégia da prática nefrológica. (GR: I; NE: A). Por outro lado, em estudo recém-publicado na doença renal policística do adulto61 bem como em metanálise realizada em diabéticos com DRC,62 a associação de IECA com BRA retardou a evolução da nefropatia sem causar hiperpotassemia grave e lesão renal aguda. (NE: IIb, GR: B). No entanto, à luz das evidências atuais, o bloqueio duplo do SRAA permanece contraindicado. (GR: I; NE: A). Os BCC são eficazes, em especial para uso combinado com IECA ou BRA, associando-se a redução de eventos CV.63,64 Outras opções incluem BB, inibidores adrenérgicos de ação central e, eventualmente, vasodilatadores de ação direta, como minoxidil e hidralazina.
A maior parte dos estudos sobre HA nos pacientes com DRC em terapia dialítica baseia-se na mensuração dos níveis pressóricos pré-diálise; sabe-se, contudo, que a PA obtida dessa forma, além de apresentar grande variabilidade, está geralmente superestimada, assim como é subestimada quando obtida após a diálise.65,66 Nesse sentido, a medição da PA desses pacientes deve ser feita preferencialmente fora das unidades de diálise, nos intervalos interdialíticos.67 (GR: IIa; NE: B). As medidas de PA residencial são mais reprodutíveis que as obtidas no pré- e pós-diálise, apresentam boa associação com a MAPA de 44 horas, bem como com o prognóstico CV em pacientes dialíticos.68-70 (GR: IIa; NE: B). Além disso, um estudo randomizado, mostrou que decisões terapêuticas baseadas na medição de PA residencial associam-se a melhor controle pressórico interdialítico avaliado pela MAPA de 24h em comparação à medição de PA pré-diálise.71 Com relação à MAPA, deve-se ressaltar que, apesar do exame com 44 horas de duração ser considerado o padrão ouro em estudos para avaliação nos pacientes hemodialíticos, as dificuldades técnicas para sua realização, favorecem o uso da MAPA de 24 horas e das medidas residenciais da PA.
A associação entre PA e mortalidade em pacientes com DRC em terapia dialítica tem distribuição em "U" para a PAS e a PAD, de tal forma que tanto os níveis elevados, quanto os reduzidos, relacionam-se com mau prognóstico.70 (GR: IIa; NE: B). Não existem estudos suficientes para embasar com grau de evidência satisfatório o diagnóstico de HA nos pacientes em terapia dialítica; contudo, os valores mais aceitos para esse propósito são para as pressões arteriais pré- e pós-hemodiálise ≥ 140/90 mmHg e ≥ 130/80 mmHg, respectivamente.70,71 (GR: IIa; NE: C). Médias de PAS na medição domiciliar entre 120 e 130 mmHg e na MAPA entre 110 e 120 mmHg associaram-se com melhor prognóstico em um estudo que envolveu 326 pacientes em hemodiálise.68 (GR: IIb; NE: B).
Como nessa população, a hipervolemia tem papel principal na etiologia da HA, o manejo terapêutico deve considerar essa variável, focando-se o tratamento no controle gradual do "peso-seco", via restrição hídrica e salina, além de se promover ultrafiltração adequada nas seções de hemodiálise.71-75 (GR: IIa, NE: B). A escolha dos anti-hipertensivos deve ser individualizada e baseada em características como comorbidades, efeito cardioprotetor do fármaco, características farmacocinéticas intra- e interdialítica e efeitos colaterais.71,72 (GR: IIa; NE: C).
Em pacientes transplantados renais, os BCC constituem boa opção para o tratamento da HA, pois são anti-hipertensivos eficazes e possuem a propriedade de antagonizar a vasoconstrição arteriolar causada pela ciclosporina.76 Medicamentos que bloqueiam o SRAA podem melhorar os resultados do transplante em pacientes com excreção urinária de albumina aumentada. Os DIU, BB, simpaticolíticos de ação central e vasodilatadores podem ser utilizados de acordo com o julgamento clinico.77,78