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A Alma do Octogenário BJORL

A Alma do Octogenário BJORL

Autores:

Silvio Caldas Neto

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.79 no.5 São Paulo sept./out. 2013

http://dx.doi.org/10.5935/1808-8694.20130096

Poucas pessoas tiveram o privilégio de comandar e, assim, conhecer a fundo o maior e mais longevo órgão de publicação científica na área da Otorrinolaringologia do Brasil. Eu me orgulho de ter sido uma delas, na condição de Diretor de Publicações da ABORLCCF entre 2005 e 2010. E admito que me deu saudade desse tempo ao ser convidado para escrever este editorial. Fui tomado, súbito, por aquela sensação de responsabilidade perante meus colegas de lhes representar de modo distinto e correto. E senti que não poderia ser diferente agora, na missão de transmitir-lhes a minha visão sobre a importância científica do BJORL nesses seus 80 anos de vida, ou, pelo menos, nos parcos cinco anos que me couberam dessa história. Procurei e juntei dados, fiz correlações estatísticas e me arvorei em querer dar um caráter de evidência científica às minhas palavras, como se, desse modo, estivesse homenageando os princípios fundamentais que regem e sempre regeram o nosso periódico, quais sejam a excelência científica e a sofisticação editorial. De repente, cá com meus botões, me perguntei se não estaria justamente o contrário prestes a acontecer, se não estaria este editorialista a usar o espaço para render homenagem a ele mesmo, por causa de meia década no meio de oito, como se o privilégio tivesse sido da revista e não do diretor. Resolvi, então, deixar de lado realizações, feitos, melhorias ou outros parâmetros que viessem a tentar atestar uma pretensa eficiência de gestão e preferi falar, se é que é possível, da alma do nosso jornal, que se traduz, talvez, mais pelas pequenas coisas do dia-a-dia do que pelos gráficos.

Reviraram na minha memória vários pequenos fatos e situações que, para mim, definem esta alma, como, por exemplo, o esmero da nossa Diretora Adjunta da época, Regina Helena, na correção dos pequenos erros editoriais, numeração de tabelas e figuras e até (ufa!) referências bibliográficas! Apareceu também na minha memória um nobilíssimo João Mello agarrado aos seus princípios, a recusar uma decisão que não achasse justa, ainda que tal atitude não viesse a ser do conhecimento da maioria, mas só de uns poucos apoiadores e mais uns tantos críticos... lembrei-me do recorrente impasse entre privilegiar os artigos dos otorrinolaringologistas, que eram, afinal, os donos da revista e a quem prestávamos conta, ou dar igual tratamento aos artigos de outros profissionais, muitas vezes de grande valia para elevar o nosso fator de impacto - estávamos a favor dos otorrinos ou da revista? Tenho orgulho de termos tomado sempre a decisão que mandava a nossa consciência, independente de qual fosse. Surgiram, ainda, as intermináveis discussões sobre os efeitos da política de classificação de periódicos científicos e de cursos de pós-graduação da CAPES sobre as revistas médicas nacionais... as tentativas de esclarecer os colegas das nuances por trás da nova classificação... a serenidade de todos frente às críticas e aos temores advindos da desinformação a respeito desse assunto... a dolorosa decisão de descontinuar a Revista Brasileira de Otorrinolaringologia e investir no Brazilian Journal of Otorhinolaryngology... e a dificuldade (felizmente contornada com paciência e criatividade) de fazer essas mudanças acontecerem sem traumas e sem alterar a rotina dos leitores da revista.

Pedindo licença para manifestar um sentimento muito pessoal, devo dizer que veio também, do caldo das minhas lembranças, o olhar de orgulho de um pai que se via continuado em seu rebento, maior alento, talvez, para uma alma atormentada pela aparente finitude. O professor Nelson Caldas, meu mentor e de tantos outros espalhados pelo país, faria também oitenta primaveras este ano e não posso deixar de fazer uma relação entre a sua vida pessoal e profissional e a história da revista e da própria Otorrinolaringologia brasileira. O espírito com que ele marcou toda a sua trajetória é o mesmo que vem impulsionando o curso do nosso jornal, fundamentado no rigor científico, ético e na busca constante do autoaprimoramento. Um espírito ciente de que o cientista é aquele que busca incessantemente a verdade, não aquele que já a encontrou. E, da mesma forma que ele, certamente, via sua continuidade em mim e em todos os seus discípulos, nós nos vemos também continuados naquela pequena parte que deixamos marcada na história do Brazilian Journal, ao qual devemos ser gratos por isso.

Finalmente, vieram à minha memória as reuniões bimensais da nossa Diretoria de Publicações junto com toda a Diretoria da ABORL-CCF... e o envolvimento apaixonado de todos com os temas relacionados à revista, mostrando que ela era mesmo (e é) o xodó da Otorrinolaringologia. O apoio dos presidentes, a busca por patrocínios, as pequenas ideias que poderiam fazer grandes diferenças, o espírito de todos devotado ao interesse institucional, acima de qualquer outro... é essa a alma do BJORL e a ela devo prestar minha homenagem nesse ano festivo, homenagem que dirijo também a todos aqueles que deram e dão a sua contribuição a essa bem sucedida história, seja como idealizador, como dirigente, revisor, pesquisador, tradutor, secretária, organizador, patrocinador ou tantas outras funções envolvidas nesse magnífico trabalho que tem dignificado a nossa especialidade e que foi, afinal, reconhecido pelos órgãos de indexação dos mais altos níveis do mundo com o recente ranqueamento no Journal Citation Reports da Thomson Reuters, sonho há muito acalentado por todos nós e pelo qual cada um se doou como pôde.

Parabéns, BJORL! Muitas felicidades! Muitos anos de vida!

Silvio Caldas Neto, Professor Adjunto e Chefe do Serviço de Otorrinolaringologia da UFPE - Professor Livre-Docente de Otorrinolaringologia pela FMUSP.