versão On-line ISSN 1807-5762
Interface (Botucatu) vol.18 no.48 Botucatu 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1807-57622013.0890
Jovem da periferia,
Onde estará tua sabedoria?
Escondida entre o estigma e o preconceito.
Ninguém se importa com respeito!
Tua arte deve ser a da sobrevivência.
Mas, o jovem quer saber qual sua incumbência.
Na busca por se encontrar,
Quer mesmo de tudo experimentar.
Identidades construídas,
Mas, por que tão submetidas?
Mesmos padrões, marcas e destino,
Determinar assim uma vida, isso sim é um desatino!
Pincéis, ateliê, tela e arte.
Larga disso, que disso tu não fazes parte!
Mas quando o jovem despertou,
Um caminho ele esboçou.
Jovem da periferia,
Tudo se transformaria.
Entre pinceladas, desejos e rigor,
Agora, vamos lá, apreciado pintor!
(Carla Silva)
Produção artística se revelando pelo jovem J.H., numa das oficinas do projeto “Talentos Juvenis do Gonzaga” (2010)(c).
Conhecemos o jovem artista J.H. através da oferta de oficinas de atividades, dinâmicas e propostas artístico-culturais para um coletivo de adolescentes e jovens, realizadas semanalmente em um Centro da Juventude, em determinada periferia de uma cidade de médio porte do Estado de São Paulo.
A partir da demonstração de interesse de J.H. pela arte e o reconhecimento de seu talento, realizamos acompanhamentos individuais e territoriais, aliados a outras estratégias de intervenção da Terapia Ocupacional Social, no intuito de construir pontes entre seus anseios e as possibilidades concretas do vivido – considerando-se que esses acompanhamentos compõem um arcabouço metodológico que integra outras estratégias intervencionistas, tais como: a articulação no campo social, a dinamização da rede de atenção e oficinas de atividade, dinâmicas e projetos2,3.
Foi possível gerar – por meio desses processos intensos e pulsantes, que produziram novos desejos de criação, de reconstrução de cotidianos e percursos – a transformação da arte da sobrevivência em valorização da vida, transformação expressa pela sua produção, na articulação de seus processos criativos.
As atividades são utilizadas [pela Terapia Ocupacional Social] com diferentes fins – são meios facilitadores de aproximação com o universo juvenil –, possibilitam o reconhecimento de direitos – direito de escolha, direito a se reconhecer como um sujeito que faz e que pensa, que assina sua obra, que é agente criador e transformador – e possibilitam, também, a relação de respeito mútuo em que se tornam possíveis as trocas e compartilhamentos de vivências entre diferentes universos sociais.
Nessas trocas, nesse trânsito e nesse diálogo é que se encontram os subsídios potencializadores de invenções e criações de novas autonomias jamais pensadas e desejadas por esses jovens, em última instância, a construção de outros projetos de vida4.
Os processos criativos [...] envolvem a personalidade toda, o modo de a pessoa diferenciar-se adentro de si, de ordenar e relacionar-se em si e de relacionar-se com os outros.
Criar é tanto estruturar quanto comunicar-se, é integrar significados e é transmiti-los1.
Fazer com o outro, neste processo, significa: dar importância aos seus interesses, estar ao seu lado, propiciar meios, compartilhar, articular e ampliar expectativas, possibilidades, valorizar expressões, negociar resistências, dar forma aos sonhos, ressignificar as cores e a relação com o cotidiano, aprimorar habilidades, promover escutas compreensivas, criar caminhos onde possam existir outras maneiras de fazer e de ser – promover deslocamentos sensíveis.
Imergir nos territórios da Arte, pelo viés da Terapia Ocupacional, nos conduz a um confronto com um campo de conhecimento, um universo fascinante constituído de materialidade, espiritualidade, criação, referências, dificuldades, um caminho de busca. Este movimento proporciona um fazer que pressupõe sensibilidade, observação, improvisação, expressão e composição através do desenvolvimento das linguagens artísticas5.
Obra exposta na exposição “Território das Artes” em Araraquara, SP.