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A atividade física e o enfrentamento do estresse em idosos

A atividade física e o enfrentamento do estresse em idosos

Autores:

Fernando de Andréa,
Fernanda Varkala Lanuez,
Adriana Nunes Machado,
Wilson Jacob Filho

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.8 no.4 São Paulo out./dez. 2010

http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1549

INTRODUÇÃO

De acordo com as publicações da Organização Mundial de Saúde (OMS), são considerados idosos os indivíduos de 60 anos ou mais em alguns países do Leste Europeu e nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Nessas regiões, os indivíduos, ao alcançarem idade avançada, terão suas características anatômicas e fisiológicas associadas aos fatores sociais, econômicos e culturais, embora cada vez mais tenha sido reconhecido esse limite etário para identificar as populações de idosos em todos os países, independentemente do seu grau de desenvolvimento(1).

Em 2000, o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) detectou que os indivíduos com 60 anos ou mais somavam 14.512.803 de habitantes. O crescimento dessa população será tão importante que se estima, em 2025, que esse número mais que duplicará, levando o Brasil a ser o sexto país do mundo quanto ao número de idosos(2).

O processo natural de envelhecimento caracteriza-se pela progressiva constrição das reservas homeostáticas dos diversos sistemas orgânicos. Esse declínio inicia-se em torno da quinta década de vida, sendo influenciado por fatores como: genética, dieta, ambiente e hábitos de vida. Alguns desses fatores são modificáveis, podendo melhorar ou atenuar esse processo; porém, não são capazes de interrompê-lo. Atualmente, muito mais importante do que o envelhecimento cronologicamente determinado é o envelhecimento bem sucedido. Este é definido como a manutenção do funcionamento físico e mental e do envolvimento com as atividades sociais e de relacionamento. Algumas recomendações visando a esse objetivo incluem orientações sobre a dieta e a prática de atividade física, buscando-se a melhora da qualidade de vida(3,4). A qualidade de vida é influenciada pelos hábitos de vida de cada indivíduo, e um estilo de vida saudável inclui a atividade física regular, considerada um dos componentes mais importantes.

São incluídos ainda bons hábitos alimentares, sono adequado, controle de peso e baixo consumo de álcool e de tabaco(5). A atividade física regular é considerada um componente importante para o desenvolvimento de um estilo de vida saudável, pois há evidências convincentes de que possa trazer benefícios tanto para a saúde física como a mental(6).

Pesquisas que comparam grupos de adultos e idosos, bem como pesquisas longitudinais que acompanharam o envelhecimento de um grupo de indivíduos, indicam que exercícios físicos realizados regularmente favorecem a capacidade física, a resistência e a flexibilidade, aumentam a velocidade psicomotora e o desempenho neuropsicológico. Há evidências também de que a participação em atividades físicas e sociais pode prevenir e/ou diminuir o estresse e aumentar a resistência a doenças(7).

O bem-estar físico ê relevante para lidar com quase todos os eventos estressantes, e o indivíduo idoso que se sente com mais recursos físicos (como saúde, energia e melhor capacidade funcional) sente-se também mais competente e seguro, conseguindo ter, assim, serenidade para lidar com os acontecimentos, estressantes ou não, que ocorram no seu cotidiano(8).

O termo estresse (do inglês, stress), deriva do latim stringere e significa apertar, cerrar, comprimir(9). Seu conceito foi primeiramente descrito por Hans Seyle, em 1956, que o definiu como “o grau de desgaste total causado pela vida”. Estresse pode ser definido como um estado de tensão que causa uma ruptura no equilíbrio interno do organismo, ou seja, um estado de tensão patogênico para o organismo.

O desequilíbrio ocorre quando a pessoa necessita responder a alguma demanda que ultrapassa sua capacidade adaptativa(10). A situação de dificuldade funcional e a necessidade de assistência nas atividades básicas e instrumentais de vida diária podem representar um fator estressante no processo de envelhecimento. O aparecimento progressivo de doenças e dificuldades funcionais são fatores determinantes, entre outros, no incremento do estresse na terceira idade(11).

Na concepção de Lazarus e Folkman, o estresse é resultado da relação entre a pessoa e o ambiente. Os autores introduzem o termo coping, referindo-se ao conjunto de esforços, cognitivos e comportamentais, utilizado pelos indivíduos com o objetivo de lidar com demandas específicas, protegendo-os de aspectos considerados ameaçadores ao seu bem-estar. Coping, portanto, é uma condição dinâmica, que pode estar em constante mudança, de acordo com a sua importância sobre o evento estressor, podendo ter como consequência resultados melhores ou piores em relação ao estado inicial(12).

Neste estudo, procuramos avaliar a atividade física como uma estratégia de coping no indivíduo idoso.

OBJETIVO

Avaliar o efeito de um programa de atividade física em idosos quanto a sua capacidade de enfrentamento do estresse e capacidade de realização das atividades cotidianas.

MÉTODOS

Trata-se de um estudo de intervenção, sem grupo controle, com início em março de 2007 e término em março de 2008, aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Os idosos foram encaminhados do ambulatório do Serviço de Geriatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP e eram previamente praticantes de atividade física irregular ou totalmente sedentários.

O grupo, originalmente constituído por 22 indivíduos, foi reduzido para 18 idosos que completaram todas as etapas da pesquisa. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. As atividades foram realizadas em uma praça poliesportiva universitária (Associação Atlética Acadêmica Osvaldo Cruz – AAAOC), utilizando-se o ginásio e a pista de atletismo três vezes na semana (segundas, quartas e sextas), com duração de 50 minutos/sessão, por 12 meses.

As atividades foram desenvolvidas e supervisionadas pelo próprio pesquisador. Cada sessão foi constituída de: 1. alongamento e aquecimento com exercícios específicos executados durante cerca de dez minutos; 2. prática de exercícios utilizando-se materiais específicos para realização de resistência muscular localizada, tal como extensores de borracha, bolas de borracha, cordas e bastões. Essa prática tinha duração por 15 minutos; 3. caminhada monitorada pela pista de 400 m, por 20 minutos; 4. exercícios de respiração e relaxamento por cinco minutos.

Foram utilizados dois inventários para a coleta de dados, aplicados no início (T0), aos 6 meses (T1) e ao final de 12 meses (T2):

    -. inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus: corresponde a um questionário de 66 itens, no qual estão destacados pensamentos e/ou ações utilizadas para lidar com demandas externas e internas em face de um evento estressante específico(12). Esse inventário é composto por oito fatores (confronto, afastamento, autocontrole, suporte social, aceitação de responsabilidade, fuga e esquiva, resolução de problemas e reavaliação positiva), que denotam o tipo de enfrentamento utilizado pelo indivíduo frente ao estresse. Tal instrumento foi traduzido, adaptado e validado no Brasil(13);

    -. inventário do perfil da atividade humana (PAH): questionário com 94 itens de atividades graduadas de acordo com o equivalente metabólico, que tem sido utilizado em idosos e pacientes neurológicos crônicos. As atividades incluem cuidados pessoais, tarefas domésticas, transporte, atividades sociais, de lazer e exercícios físicos. O questionário fornece três alternativas de respostas (“ainda faço”, “parei de fazer” e “nunca fiz”) e o resultado apresenta o escore de atividade ajustado (EAA), subtraindo-se do escore máximo de atividade (EMA) o número de itens que o indivíduo parou de fazer(14).

A idade dos 18 indivíduos analisados variou de 60 a 89 anos, com média de 74,5 anos.

A análise estatística foi realizada utilizando o programa MINITAB.

RESULTADOS

Foi verificado um aumento significativo nos valores do PAH nos tempos de 0 a 6 meses (T1) e também até 12 meses (T2), em relação à avaliação inicial (T0), ou seja, durante todo o período de estudo (período T0 a T1 p=0,000; período T0 a T2 p = 0,018).

No coping, houve um aumento significativo nos primeiros 6 meses de atividade, que se manteve estável até o final do estudo (período T0 a T1 p = 0,000), mas não significativo de T1 a T2 (p = 0,143). Houve correlação diretamente proporcional entre o aumento de PAH e coping em T0, T1 e T2 p ≤ 0,05.

A distribuição dos inventários utilizados pode ser melhor visualizada nas figuras 1 e 2.

Figura 1 Perfil da atividade humana nos tempos inicial, 6 e 12 meses. 

Figura 2 Inventário de estratégias de coping 

Dividindo-se em subgrupos os que praticavam atividades físicas antes do início do estudo e os que não praticavam, ou seja, sedentários, obtivemos os seguintes resultados:

    -. indivíduos que já praticavam atividade física prévia (10; 55,6%): no PAH, tivemos aumento significativo, p = 0,000, entre o início e 6 meses, e depois uma estabilização nos últimos 6 meses. No coping, obtivemos aumento significativo, p = 0,007 nos primeiros 6 meses das atividades, e depois também uma estabilização;

    -. indivíduos que não praticavam atividade prévia (8; 44,4%): no PAH, tivemos aumento significativo nos primeiros 6 meses de estudo, p = 0,000, e também nos últimos 6 meses do estudo, p = 0,009. No coping, obtivemos aumento significativo apenas nos primeiros 6 meses, p = 0,032, e depois uma estabilização nos últimos 6 meses.

Os indivíduos mais idosos apresentaram uma capacidade física (PAH) proporcionalmente menor durante todo o estudo; no entanto, é interessante notar que as estratégias de coping não mostraram alteração com o avançar da idade.

Dividindo os idosos em dois grupos etários, o primeiro com menos de 75 anos (10; 55,6%) e o segundo com 75 anos ou mais (8; 44,4%), evidenciamos, neste último, um aumento progressivo do PAH aos 6 e aos 12 meses de estudo, enquanto que entre os menos idosos, a elevação inicial até os 6 meses seguiu-se de uma estabilização até o final.

DISCUSSÃO

O presente estudo avaliou a influência da atividade física sobre alguns aspectos da relação entre o indivíduo idoso e o seu enfrentamento do estresse (coping).

Para tal, preferimos não apenas determinar a evolução da capacidade de enfrentamento do estresse, avaliada pelo Inventário de Estratégias de Coping(12), mas também associar uma avaliação do reflexo dessa capacitação nas atividades cotidianas avaliadas. Em relação ao Inventário de Estratégias de Coping, obtivemos que demonstrou um aumento significativo nos primeiros 6 meses de atividade, tendendo, posteriormente, a uma estabilização no segundo período, levando-nos a crer que a atividade física, tendo em vista o enfrentamento do estresse, mostra seus efeitos mais evidentes na fase inicial do processo, permanecendo eficaz na sequência da intervenção.

Em relação ao PAH, verificamos que este demonstrou um aumento no desempenho funcional nos dois momentos de avaliação (6 e 12 meses), indicando que a melhora das atividades cotidianas do grupo ao longo do programa manteve-se progressiva durante o período de intervenção.

Neste estudo, foi verificada relação significativa entre prática regular de atividade física e o enfrentamento do estresse como relatado em estudos anteriores(1517).

Um dos nossos objetivos foi, também, realizar uma comparação entre duas faixas etárias, visto que nossa população incluiu idosos com grande variação de idades, mas não conseguimos identificar diferença significativa entre os grupos em nenhuma das variáveis estudadas. Isso nos permite afirmar que, pelo menos nesta casuística, os efeitos advindos de um programa de atividade física supervisionado não são prejudicados pelo avançar da idade, ocorrendo na mesma magnitude entre os assim chamados “idosos jovens” e os “muito idosos”.

Da mesma forma, também tentamos demonstrar a existência de comportamento diferenciado entre o grupo previamente praticante de atividades físicas e aqueles considerados sedentários, e o principal aspecto que merece ser salientado é que o grupo previamente praticante teve seus efeitos evidentes, em ambas as variáveis, no primeiro semestre, mantendo-os inalterados no segundo, enquanto os sedentários mostraram continuidade da sua evolução funcional também na segunda fase da pesquisa.

CONCLUSÕES

A prática de atividade física regular e orientada incrementa o grau de enfrentamento do estresse no indivíduo idoso e também amplia o seu desempenho físico nas atividades cotidianas. Não há diferença entre os benefícios obtidos – tanto no enfrentamento do estresse como nas atividades cotidianas – nas diferentes faixas etárias entre os idosos. O grupo previamente sedentário teve efeitos de implementação das atividades cotidianas progressivos durante todo o período de estudo.

REFERÊNCIAS

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2. Mazo GZ, Lopes MA, Benedetti TB. Atividade física e o idoso: concepção gerontológica. São Paulo: Sulina; 2001.
3. Johnston B, Lyons WL, Covinsky KE. Geriatric medicine. In: Tierney LM Jr, McPhee SJ, MA Papadakis MA, editors. Current medical: diagnosis & treatment. New York: McGraw-Hill; 2004. Chapter 4.
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5. Sharkey BJ. Fitness and health. 5th ed. Champaign (IL): Human Kinetics; 2001.
6. Pate RR. Recent statements and initiatives on physical activity and health. Quest. 1995;47(3):304-10.
7. Vitta A. Atividade física e bem-estar na velhice. In: Neri A, Freire SA, organizadores. E por falar em boa velhice. Campinas: Papirus; 2000. p. 81-90.
8. Okuma SS. O idoso e a atividade física: fundamentos e pesquisa. Campinas: Papirus; 1998.
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10. Everly GS. A clinical guide to the treatment of the human stress response. New York: Plenum; 1990.
11. Pereira A, Freitas C, Mendonça C, Marçal F, Souza J, Noronha JP et al. Envelhecimento, estresse e sociedade: uma visão psiconeuroendocrinológica. Ciências & Cognição. 2004;1:34-53.
12. Lazarus R, Folkman S. Stress, appraisal and coping. New York: Springer; 1984.
13. Savóia MG, Santana PR, Mejias NP Adaptação do inventário de estratégias de coping de Folkman e Lazarus para o português. Psicol USP 1996;7(1/2):183-201.
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15. Atlantis E, Chow CM, Kirby A, Singh MF. An effective exercise-based intervention for improving mental health and quality of life measures: a randomized controlled trial. Prev Med. 2004;39(2):424-34.
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17. Krause N, Goldenhar L, Liang J, Jay G, Maeda D. Stress and exercise among the Japanese elderly. Soc Sci Med. 1993;36(11):1429-41.