versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.8 no.1 São Paulo jan/mar. 2010
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082010ao1462
O brinquedo é a linguagem universal da criança, facilitando a verbalização de seus sentimentos principalmente diante de situações difíceis, pois deixam de utilizar outras formas menos aceitáveis para manifestarem o que sentem. Por isso, é particularmente indicado para crianças com uso limitado da linguagem, possibilitando que se expressem livremente(1–3).
Embora esses sejam realmente atributos do brinquedo, é na origem da palavra “brincar” que encontramos a explicação da sua condição integradora(4).
A definição etimológica da palavra “brincar” já demonstra o quanto a atividade lúdica é essencial para o desenvolvimento infantil, ou seja, é brincando que, desde cedo, a criança se integra a si mesma, às outras pessoas e ao meio ambiente(5).
Dos três aos cinco anos (pré-escolar) é a fase da socialização propriamente dita. O brinquedo é enriquecido pelo desenvolvimento social, pelo desenvolvimento de linguagem, aumento dos conhecimentos, aumento da capacidade de atenção e aperfeiçoamento da coordenação motora. Nessa fase, a característica mais importante é a imaginação sem limites, uma capacidade especial de fingir e fazer de conta (bandido e mocinho; bailarina, professora, kung-fu, etc.). Surge também uma figura importante, que é o “amigo imaginário”, mais frequente com crianças que não possuem irmãos, ou seja, filhos únicos que não têm contato com outras crianças.
Os brinquedos são objetos que as crianças utilizam para suas brincadeiras e não possuem regras, como os jogos. A criança pode apenas manipular um brinquedo ou utilizá-lo para as suas brincadeiras de faz-de-conta(5).
O “brincar” da criança tem sido estudado principalmente por profissionais de diferentes categorias, com ênfase na área da saúde e da educação, e a evolução natural do conhecimento tem possibilitado o surgimento de vários trabalhos científicos que nos permitem desvendar cada vez mais os mistérios da brincadeira infantil. Brincando, a criança expressa de modo simbólico suas fantasias, seus desejos e suas experiências vividas(6).
Considerando as diferentes modalidades do brincar, o brinquedo com finalidade terapêutica desperta grande interesse entre os enfermeiros, que têm desenvolvido muitas pesquisas a respeito, observando-se algumas tendências em relação aos temas do estudo.
Inúmeros autores de enfermagem pediátrica têm se referido à importância da compreensão do brincar como um aspecto indispensável à assistência de enfermagem à criança, dentre as quais vale destacar Whaley e Wong, para quem brincar é o trabalho da criança, a atividade essencial ao seu bem-estar mental, emocional e social e, assim como para as demais necessidades de desenvolvimento que não param, deve permanecer mesmo quando a criança adoece ou é hospitalizada(2).
A hospitalização é uma experiência altamente estressante e traumatizante para a criança, pois ocorre uma mudança brusca em seu cotidiano. Ela passa a viver em ambiente totalmente desconhecido sem saber o que irá acontecer, o que gera medo, insegurança e ansiedade(7).
A criança pré-escolar apresenta limitações em sua capacidade de compreensão dos fatos e situações vivenciadas por causa do seu pensamento fantasioso e egocêntrico(8).
Quando hospitalizada, ela sente dificuldade para compreender o que está se passando tanto no que se refere à doença em si como no que diz respeito aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos aos quais é submetida, por isso apresenta uma grande dificuldade de interagir com seu corpo doente(9).
Se considerarmos que um dos princípios básicos da enfermagem é a assistência da pessoa como um todo, ou seja, que o cuidado deve ser prestado ao paciente e não à sua doença. Em se tratando do cuidado à criança, destaque especial deve ser dado ao atendimento de sua necessidade de brincar e, assim, as atividades de brinquedo devem ser parte integrante do cuidado de enfermagem(10).
No Brasil, o brinquedo com finalidade terapêutica tem sido ainda pouco empregado pelo enfermeiro, mas estudos recentes têm demonstrado o interesse crescente desse profissional em utilizar o brinquedo na sua prática(11–18).
Vale ressaltar que o brinquedo terapêutico (BT) sempre esteve presente na enfermagem, tanto que a primeira enfermeira a se referir a ele foi Florence Nitghtingale, que na segunda edição de seu livro “Notas Sobre Enfermagem”, publicado originalmente em 1961 e traduzido para o português em 1989, inclui um item dedicado à criança, reconhecendo-a como um cliente diferenciado do adulto, com necessidades próprias de assistência, como a necessidade de brincar, e cuja satisfação ela considerava indispensável para que a criança pudesse se recuperar adequadamente(19).
O brinquedo terapêutico tem a função de auxiliar no preparo da criança para procedimentos terapêuticos, assim como no descarregamento de sua tensão após os mesmos, dramatizando as situações vividas e manuseando os instrumentos utilizados ou objetos de brinquedos que os representem(20–21).
O brinquedo possui quatro funções básicas:
–. recreativa, pois o prazer e a distração são o objetivo central;
–. estimuladora, por favorecer o desenvolvimento sensório-motor, intelectual, social e criativo de forma natural;
–. socializadora, por permitir à criança vivenciar papéis sociais e aprender a se relacionar com as demais;
–. catártica, pois possibilita à criança dramatizar papéis e conflitos, conduzindo-a à diminuição da ansiedade por permitir que exteriorize os sentimentos e conflitos que está enfrentando(22).
Brinquedo terapêutico é um brinquedo estruturado para a criança aliviar a ansiedade gerada por experiências atípicas para a sua idade que podem ser ameaçadoras e requerem mais do que o brinquedo recreacional para resolver a ansiedade associada(23).
Pode-se classificar o brinquedo terapêutico em três tipos:
–. o brinquedo dramático ou catártico, que permite descarga emocional, ou seja, permite à criança expressar os seus sentimentos, fantasias, desejos e experiências vividas; exteriorizar as relações e papéis sociais internalizados por ela; comunicar-se eficazmente com o adulto; fazer críticas ao meio e às relações familiares; passar do ser passivo para o ativo; assumir papéis sociais “fazendo-de-conta” que é mamãe, papai, profissional; fortalecer o ego; conseguir modificações de comportamento; promover a “purificação da alma”;
–. o brinquedo instrucional, que objetiva explicar os procedimentos à criança, ou seja, instruí-la sobre o que deve esperar e como deve participar durante o procedimento, além de compreender a finalidade do procedimento. Envolver-se na situação em vez de ser tratada como objeto passivo. Manipular o material da experiência prévia e posteriormente. Estabelecer relação de confiança com o adulto e profissional;
–. o brinquedo capacitador de funções fisiológicas, que objetiva o uso das suas funções de acordo com a condição biofísica, como por exemplo o dependente de respirador artificial, do cateter de oxigênio, dentre outros, ou seja, prepara a criança para utilizar plenamente as suas capacidades fisiológicas dentro das suas possibilidades e aceitar as novas condições de vida. Finalmente, utilizar materiais ou equipamentos de brinquedo ou real.
Em nosso meio, vários autores demonstraram em seus trabalhos como conseguiram auxiliar crianças hospitalizadas por meio do brinquedo terapêutico na assistência de enfermagem como recurso para estabelecer comunicação e relacionamento com a criança, conhecer seus sentimentos e preocupações, favorecer alívio de sua tensão e preparar a criança para procedimentos desagradáveis, inclusive cirurgias(7,9,14,24-25).
Ribeiro utilizou o brinquedo terapêutico com crianças pré-escolares nos primeiros dois dias de internação, constatando que aquelas que tiveram oportunidade de brincar apresentaram comportamentos mais compatíveis ao desenvolvimento considerado de adaptação e ego fortalecido em relação àquelas que não brincaram(11). Em sua tese de doutorado, utilizou a entrevista com brincadeira a fim de compreender o significado das interações vivenciadas por crianças pré-escolares durante a internação, evidenciando-se o sofrimento da criança causado pela doença e pelos procedimentos invasivos, e a falta de compreensão sobre o que realmente acontece com ela, bem como o seu esforço em buscar recursos para enfrentar o sofrimento junto à mãe(11).
As enfermeiras, por sua vez, também vêm utilizando o brinquedo com crianças hospitalizadas não só como forma de satisfazer sua necessidade recreacional, mas também de propiciar seu desenvolvimento físico, mental, emocional e a socialização. Outra possível aplicação diz respeito à comunicação, ou seja, a oportunidade de dar explicações e de receber informações sobre o que as situações significam para as crianças e o que elas estão compreendendo(18).
Considerando todas essas questões acerca do tema, torna-se oportuna a investigação sobre o uso do brinquedo terapêutico para verificar se poderia alterar o comportamento da criança e facilitar sua adaptação a essa nova vivência: a hospitalização.
Avaliar o comportamento de crianças pré-escolares recém-admitidas na Unidade de Pediatria antes e após a sessão de brinquedo terapêutico.
O estudo é de natureza quantitativa e descritiva com coleta de dados primários. O campo de estudo foi um hospital geral de grande porte e de ensino, na Unidade de Pediatria. A população deste estudo é constituída por pré-escolares admitidos na Unidade de Pediatria. A amostra foi constituída por 30 crianças com idade entre 3 e 6 anos. Os dados foram coletados por meio de um formulário contendo dados da criança, com avaliação realizada por meio da escala comportamental de Ribeiro(11) adaptada pelas pesquisadoras, que observaram e registraram o comportamento das crianças antes e depois da realização da sessão de brinquedo terapêutico. A escala abrange seis categorias: movimentar, olhar, expressar emoções, verbalizar, brincar e a última, na qual a criança não responde ao estímulo ou à solicitação. Cada categoria apresenta três níveis (1, 2 e 3) que variam progressivamente, a partir do nível 1, cujas ações denotam maior dependência, passividade e menor interação com outras pessoas por parte da criança. Nos níveis 2 e 3, as ações evidenciam gradativamente maior independência, participação em atividades e interação com pessoas ao redor.
Realizou-se a sessão de brinquedo terapêutico, tendo como objetivo permitir que a criança possa dramatizar situações domésticas e hospitalares, exteriorizar sentimentos de raiva e hostilidade, manifestar sentimentos regressivos e ter oportunidade de se expressar livremente por meio do desenho e construção, o que ficou registrado em instrumento próprio. Após a sessão, realizou-se uma nova avaliação utilizando-se a mesma escala comportamental.
O projeto de pesquisa foi encaminhado para a coordenação pedagógica da Universidade Metropolitana de Santos e, após aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da instituição, autorizou-se a coleta de dados na Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de Santos. Foi assinado o termo de compromisso do Pesquisador, encaminhado à enfermeira responsável pela Unidade de Pediatria do Sistema Único de Saúde.
A escala comportamental foi realizada por meio da observação das crianças pelas pesquisadoras, que assinalaram seu comportamento em diversas categorias, conforme anteriormente sinalizado. Antes do procedimento, as pesquisadoras observaram as crianças por 20 minutos. Após abordaram os pais para explicar o intuito da pesquisa e seu objetivo, uma vez obtida sua aceitação, foi iniciada a sessão de brinquedo terapêutico no próprio leito, sendo a criança orientada durante a sessão (20 minutos) de que não poderia levar consigo nenhum brinquedo. Durante a sessão de brinquedo terapêutico, as pesquisadoras deixaram as crianças livres para escolherem os brinquedos que lhes chamavam atenção para brincar. As pesquisadoras observaram o comportamento da criança frente ao procedimento, fazendo assim o registro.
A técnica empregada na sessão de brinquedo terapêutico foi a seguinte:
–. a criança era convidada a brincar e os brinquedos eram oferecidos em uma sacola;
–. antes de iniciar a brincadeira, ela era informada de que poderia brincar como desejasse, mas que, ao final da brincadeira, os brinquedos seriam recolhidos e guardados;
–. também seria informada de que as pesquisadoras tomariam nota durante a brincadeira;
–. a pesquisadora ficaria ao lado da criança, atuando de maneira não-diretiva, observando sem interferir e participando sempre que solicitada, mas deixando-a brincar livremente, sem apressar o desenvolvimento da brincadeira;
–. os brinquedos não eram identificados pelo adulto e as perguntas feitas pela criança eram devolvidas a ela;
–. o comportamento não-verbal da criança não seria refletido nem explicado pelas pesquisadoras, que também não deveriam sugerir que a criança estivesse falando de si, pois não se trata de uma sessão de ludoterapia.
Os grupos de brinquedos foram selecionados, considerando-se os estudos de Angelo(9) e Ribeiro(11), acrescentando-se alguns que representavam materiais utilizados no ambiente hospitalar: bonecos representativos da equipe hospitalar (médico e enfermeira); os objetos de uso hospitalar (seringa, frasco e equipo de soro, rolo de esparadrapo, escalpe, garrote, estetoscópio, luvas, gaze, sonda vesical, almotolia, cânulas, ataduras, entre outros); objetos de uso doméstico e outros (pratos, talheres, xícaras, panelas, tigelas, bonecas, banquinhos, revólver, carrinho, entre outros), conforme mostram as figuras 1 e 2.
Os bonecos utilizados eram maleáveis e suas roupas, passíveis de serem retiradas, a fim de facilitar o seu manuseio pela criança.
Os dados foram analisados utilizando a técnica de estatística descritiva, na qual as respostas foram agrupadas de acordo com a frequência dos níveis 1, 2 e 3, apresentados nas figuras 3 a 6 com números absolutos e relativos.
Figura 3 Distribuição dos níveis de comportamentos identificados nas crianças antes da sessão de brinquedo terapêutico, Santos, 2006.
Figura 4 Distribuição dos níveis de comportamentos identificados nas crianças depois da sessão de brinquedo terapêutico, Santos, 2006.
Figura 5 Distribuição das crianças admitidas na Unidade Pediátrica quanto a não responder a um estímulo e solicitação antes e depois da sessão brinquedo terapêutico, Santos, 2006.
Figura 6 Distribuição das crianças admitidas na Unidade Pediátrica quanto ao brincar antes e depois da sessão de brinquedo terapêutico, Santos, 2006.
Em relação à faixa etária, das 30 crianças que participaram do estudo, 11 (37%) tinham 3 anos, seguida de 7 crianças (23%) com 4 a 5 anos e 5 crianças (17%) com 6 anos de idade. Em relação ao sexo, 17 crianças (57%) eram do sexo masculino e 13 (43%) do sexo feminino.
Considerando o total de comportamentos identificados (219; 100%), podendo ser chamado de subcategorias, antes da sessão de BT, constatou-se que uma parte significativa da amostra se encontrava nos níveis 1 (115; 52,5%) e 2 (85; 38,9%) de comportamentos, que demonstram atitudes de difícil adaptação. Apenas foram observados 19 (8,6%) dos comportamentos no nível 3 (Figura 3).
A figura 4 sinaliza que, depois da sessão de BT, além de as crianças demonstrarem mais comportamentos (297), estavam em sua maioria no nível 3 (84%), comprovando que essa prática resulta em comportamentos mais ajustáveis e menos estressantes para as crianças. Ainda foram identificados 31 comportamentos (10%) no nível 1 e 17 (6%) no nível 2.
Das 30 crianças analisadas quanto à falta de resposta a estímulos e solicitação, antes da sessão de BT, 12 crianças estavam no nível 1, ou seja, não respondiam a estímulos e solicitações, e metade no nível 2, ou seja, respondia; apenas 3 crianças se encontravam no nível 3, demonstrando alguma reação a estímulo e solicitação. Contudo, a figura 5 também demonstra que após a sessão de BT esses dados revertem, ou seja, a maioria das crianças se transfere para o nível 3, o que significa melhor reatividade a estímulos e solicitações.
Verifica-se na figura 6 que, em relação ao brincar, antes da sessão de BT a maioria delas não tinha essa atividade e, após a sessão de BT, essa atividade foi mais evidente, embora não fosse percebida em um pequeno número de crianças que ainda não tinha essa prontidão para brincar.
Nas tabelas 1, 2 e 3, constata-se a distribuição das ações dos níveis 1, 2 e 3 evidenciadas nas crianças antes e depois da sessão de BT. Os comportamentos foram detalhados para que fosse possível analisar as categorias e subcategorias considerando-se o total de comportamentos.
Tabela 1 Ações do nível 1 identificadas nas crianças antes e depois da sessão de brinquedo terapêutico, Santos, 2006
Comportamentos | Antes | Depois | |
---|---|---|---|
Movimentar-se | |||
Movimenta parte do corpo | 24 | 1 | |
Muda de posição e anda sem finalidade | 1 | 0 | |
Manuseia roupas e objetos | 6 | 1 | |
Suga | 1 | 0 | |
Olhar | |||
Dirige o olhar a um local rapidamente | 12 | 1 | |
Olha sem demonstrar real contato visual | 5 | 1 | |
Expressar emoções | |||
Fisionomia de tristeza | 9 | 4 | |
Apatia | 4 | 1 | |
Seriedade | 16 | 5 | |
Verbalizar | |||
Fala sozinha | 1 | 0 | |
Sons ou palavras que não entende | 4 | 1 | |
Fala que quer ir embora | 1 | 1 | |
Brincar | |||
Ausente | 19 | 1 | |
Não responde a um estímulo/solicitação | |||
Presente | 12 | 0 | |
Total de comportamentos | 115 | 17 |
Tabela 2 Ações do nível 2 identificadas nas crianças antes e depois da sessão de brinquedo terapêutico, Santos, 2006
Comportamentos | Antes | Depois | |
---|---|---|---|
Movimentar-se | |||
Realiza ação obedecendo a ordens | 7 | 2 | |
Desloca-se no meio seguindo alguém | 3 | 2 | |
Muda de posição | 9 | 4 | |
Desloca-se com a finalidade de olhar algo | 3 | 1 | |
Olhar | |||
Olha seguindo movimento de algo ou alguém | 12 | 7 | |
Demonstra manter contato visual com algo ou alguém, porém sem reação | 2 | 1 | |
Expressar emoções | |||
Tristeza com choro | 4 | 0 | |
Verbalizar | |||
Fala rapidamente em tom baixo | 3 | 0 | |
Responde a pergunta em tom baixo | 18 | 9 | |
Cita os pais sem completar o pensamento | 0 | 1 | |
Responde que quer brincar sozinho | 0 | 1 | |
Brincar | |||
Ausente | 9 | 1 | |
Não responde a um estímulo/solicitação | |||
Ausente | 15 | 2 | |
Total de comportamentos | 85 | 31 |
Tabela 3 Distribuição das ações do nível 3 identificadas nas crianças antes e depois da sessão de brinquedo terapêutico, Santos, 2006
Comportamentos | Antes | Depois | |
---|---|---|---|
Movimentar-se | |||
Muda de posição | 2 | 25 | |
Desloca-se no meio com uma finalidade | 0 | 17 | |
Realiza ações com objetivos definidos | 0 | 13 | |
Realiza movimentos fisiológicos voluntariamente, e satisfação de uma necessidade | 1 | 0 | |
Olhar | |||
Fixa o olhar em alguém ou algo | 1 | 19 | |
Observa atentamente o que vê | 3 | 25 | |
Ao olhar apresenta reação ao que vê | 0 | 7 | |
Olha para o pai para responder | 0 | 1 | |
Expressar emoções | |||
Alergia | 2 | 22 | |
Risadas | 0 | 14 | |
Expressa tristeza e grita diante de uma situação imediata (injeção) | 0 | 2 | |
Verbalizar | |||
Dá ordens | 0 | 3 | |
Responde prontamente a uma pergunta | 2 | 20 | |
Conversa sobre algo ou sobre si mesma | 1 | 7 | |
Opina sobre fatos | 1 | 3 | |
Faz perguntas | 0 | 15 | |
Brincar | |||
Presente | 3 | 28 | |
Não responde a um estímulo / solicitação | |||
Ausente | 3 | 28 | |
Total de comportamentos | 19 | 249 |
Observa-se que, do total de comportamentos identificados, a maioria se enquadrava no nível 1. Dentre os comportamentos do nível 1, o mais observado foi o “movimentar parte do corpo” (24 crianças), seguido de manuseio de roupas e objetos (6 crianças); na categoria “olhar”, o que mais se caracterizou foi dirigir o olhar a um local rapidamente (12 crianças) e olhar sem demonstrar real contato visual (5 crianças), no padrão “expressar emoções”, destacou-se a seriedade (16 crianças) e a tristeza (9 crianças), e quanto à “verbalização”, notou-se que as crianças emitiam sons e palavras que não entendiam (4 crianças), falavam sozinhas e manifestavam querer ir embora (1 criança) (Tabela 1).
Antes da sessão de BT, as crianças não eram estimuladas a brincar na área hospitalar e, após a sessão, embora não tivessem sido observados tantos comportamentos nesse nível, ainda se verificavam crianças tensas e apáticas ao meio.
A tabela 2 demonstra que, em relação aos comportamentos do nível 2, as ações se concentraram antes da sessão de BT. Na categoria “movimentar-se” a mais observada foi mudar de posição (9 crianças), assim como após a sessão (4 crianças); e na categoria “olhar” antes da sessão, observou-se o comportamento de olhar seguindo o movimento de algo ou alguém (12 crianças), assim como após a sessão (7 crianças); na categoria “expressar emoções” antes da sessão, observou-se tristeza com choro (4 crianças) e, depois, nenhum comportamento dessa categoria foi observado; por fim, quanto à “verbalização”, antes da sessão de BT, as crianças respondiam à pergunta em tom baixo (18 crianças), e depois da intervenção não houve alterações.
Embora de modo geral os comportamentos desse nível não tenham grandes mudanças, na maioria das vezes, e sem alterações antes e depois da sessão, notou-se que a quantidade de um mesmo comportamento foi significativamente menor em relação a antes e depois da sessão de BT.
Verificou-se que as crianças migraram do nível 1 para o nível 3 após a sessão de BT, destacando-se as atividades em relação ao “movimentar-se”, quando a criança mudava de posição (25 crianças), deslocava-se no meio com uma finalidade (17 crianças) e realizava ações com objetivos definidos (13 crianças); antes, essas atividades não eram observadas; quanto ao “olhar”, depois da sessão, notou-se que as crianças observavam atentamente o que viam (25 crianças), fixavam o olhar em alguém ou algo (19 crianças), sendo que antes destacava-se a observação atenta no que viam (3 crianças); quanto à “verbalizar”, depois da sessão de BT, as crianças respondiam prontamente a uma pergunta (20 crianças) e algumas vezes conversavam sobre algo ou sobre si mesmas (7 crianças); antes, no entanto, essas ações eram pouco observadas (Tabela 3).
Brincar é essencial ao desenvolvimento porque cria uma zona de desenvolvimento próxima. Ao brincar, a criança se porta diferentemente do comportamento habitual de sua idade: é como se ela fosse maior do que é na realidade. O brinquedo contém todas as tendências do desenvolvimento sob uma forma condensada, fornecendo ampla estrutura para mudanças das necessidades e da consciência. A criança aprende a agir em uma esfera cognitiva ao invés de visual externa, pois o brinquedo favorece o desenvolvimento do pensamento abstrato em função da criação de uma situação imaginária(26).
Brincar é a primeira atividade normal da mente que a criança apresenta e, segundo Aberastury, “a inibição constante da criança para brincar, durante a infância, pode ser o único sintoma de neurose grave que apresenta”(27). O modo como a criança brinca é indicativo de como está, de sua forma de ser(28).
A característica essencial do brinquedo infantil não está no material usado ou no resultado obtido, mas na atividade subjetiva da criança durante a brincadeira, que é a vivência de um prazer específico tão intenso que por si só justifica a grande necessidade de atividade lúdica da criança(29).
Doenças e hospitalização constituem uma das crises mais importantes na vida da criança, sendo inúmeros os trabalhos que discorrem e salientam o impacto dessas intercorrências sobre elas e seus familiares. Essa situação torna-se especialmente crítica em se tratando de crianças pequenas, como os pré-escolares que, devido a características de seu desenvolvimento e suas escassas experiências de vida, utilizam a imaginação para descobrirem porque passam por tais experiências(18).
O brinquedo terapêutico foi estruturado para aliviar a ansiedade gerada na criança por experiências atípicas para a sua idade, que costumam ser ameaçadoras e requerem mais do que recreação para resolver a ansiedade associada, devendo ser usado sempre que a criança tiver dificuldade em compreender ou lidar com a experiência(23).
O uso do BT na assistência de enfermagem à criança é importante, pois a brincadeira pode facilitar uma resposta positiva durante um procedimento doloroso, após demonstração de comportamentos ou respostas(30).
A situação física e emocional da criança durante a hospitalização pode levar ao desinteresse pelo brinquedo, tornando-a incapaz de brincar espontaneamente(31).
Ao ser hospitalizada, a criança encontra-se duplamente doente: além da afecção física, sofre de outra doença, que é a hospitalização, a qual deixará marcas permanentes em sua saúde mental se não for adequadamente tratada. A hospitalização representa, para a criança, especialmente a pré-escolar, um mundo de mistério e terror, visto que nessa idade existe uma incapacidade de lidar com o abstrato, com a temporalidade dos fatos e com as relações de causa e efeito; isto faz com que a experiência se apresente para ela como algo de difícil compreensão(9).
A doença e a hospitalização representam mudança do estado habitual de saúde e rotina ambiental. Os efeitos deletérios da hospitalização acentuam-se quando não ocorre um preparo prévio da criança e da família para a hospitalização e o tratamento a ser realizado(2).
Uma vez hospitalizada, a criança continua a ter as mesmas necessidades que manifestava em casa, acrescentando-se aquelas relacionadas à doença e à hospitalização. O brincar é uma delas e, se não suprida adequadamente, pode levar a distúrbios de comportamento(32–33).
Brinquedo terapêutico é um brinquedo estruturado para a criança aliviar a ansiedade gerada por experiências atípicas para a sua idade, que podem ser ameaçadoras e requerem mais do que o brinquedo/recreação para resolvê-la, devendo ser utilizado sempre que houver dificuldade em compreender ou lidar com uma experiência difícil ou necessidade de preparação para procedimentos(23). Tem também a função de auxiliar no preparo da criança para procedimentos, a fim de descarregar sua tensão após os mesmos, dramatizando as situações vividas e manuseando os instrumentos utilizados ou objetos de brinquedo que os representa(20–21).
Realizando sessões de brinquedo com crianças pré-escolares hospitalizadas, verificou-se que a brincadeira favoreceu a expressão dos seus sentimentos, enfatizando a importância da presença de um adulto que demonstre aceitação nesse momento e que a encoraje a exteriorizá-los. Este estudo conclui, ainda, que, apesar de realizar uma única sessão, o contato entre as crianças tornou-se mais efetivo após brincarem juntas(7).
O brinquedo terapêutico com crianças pré-escolares nos primeiros dois dias de internação constatou que aquelas que tiveram oportunidade de brincar apresentaram comportamentos mais compatíveis com o desenvolvimento, considerados de adaptação e ego fortalecido, em relação àquelas que não brincaram(9).
Sabe-se que, além de recreação, estimulação, socialização e outras, uma importante função do brinquedo é a dramatização, que implica alívio ou purificação do indivíduo. Graças a essa função, além de possibilitar o diagnóstico de conflito que a criança possa estar vivenciando, o brinquedo tem também função curativa, pois funciona como uma “válvula de escape” para a ansiedade. Constata-se, portanto, que as pesquisas desenvolvidas por enfermeiros sobre o brincar, reforçam os resultados positivos obtidos com seu uso na prática, evidenciando-se, assim, o reconhecimento de sua importância para a criança principalmente durante a hospitalização e a preocupação cada vez maior em incluí-lo como estratégia de intervenção na prática diária do enfermeiro(5,34-36).
Antes da sessão, foi observado um número menor de comportamentos do que depois da sessão de BT, e que os comportamentos das crianças dentro das categorias (movimentar-se, olhar, expressar emoções e verbalizar) antes da sessão de BT se concentravam mais nos níveis 1 e 2, e após a sessão de BT migravam para o nível 3. Esses comportamentos demonstram a eficácia dessa estratégia como forma de tornar a hospitalização menos traumática e estressante tanto para a criança como para seus familiares.
Os dados aqui apresentados evidenciaram que, antes das sessões, as crianças não respondiam a estímulos e solicitações, e essas situações foram revertidas após essas sessões. Além disso, a atividade de brincar estava totalmente ausente antes da sessão e mesmo após a sessão de brinquedo terminar ela conseguia manter essa atividade preservada.
Concluímos que brincar é fundamental na unidade pediátrica, pois é a linguagem que as crianças conhecem, por meio da qual elas dramatizam suas emoções boas ou ruins, e é por meio do brincar que poderemos compreender melhor o seu mundo.