versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.1 São Paulo jan. 2020 Epub 28-Out-2019
https://doi.org/10.5935/abc.20190229
A pressão arterial não-dipper é uma das causas mais importantes de lesão de órgão-alvo da hipertensão e de eventos cardiovasculares futuros. Atualmente, não há uma ferramenta prática para prever o padrão não-dipper de pressão arterial.
O objetivo deste estudo foi investigar a relação entre a calcificação no arco aórtico detectada no raio de tórax e o padrão não-dipper de pressão arterial.
Todos os pacientes encaminhados para monitorização ambulatorial da pressão arterial foram abordados para participação no estudo. A pressão arterial não-dipper foi definida como a redução de ≤10% da pressão arterial sistólica noturna quando comparada com os valores diários. A calcificação no arco aórtico foi avaliada através de radiografia do tórax e a concordância interobservador foi analisada utilizando a estatística kappa. Análises de regressão logística uni e multivariada foram realizadas para avaliar a associação entre a calcificação no AA e o padrão PADV. Valores de p bicaudais < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos.
Ao todo, 406 pacientes (idade mediana: 51,3) foram incluídos. Desses, 261(64%) apresentavam padrão não-dipper de pressão arterial. De modo geral, a prevalência de calcificação no arco aórtico foi de 230 (57%). O grupo não-dipper apresentou prevalência significativamente maior de calcificação no arco aórtico (70% vs. 33%, p < 0,0001) em relação ao grupo dipper. A presença de calcificação no arco aórtico foi um preditor forte e independente de padrão não-dipper de pressão arterial (OR = 3,919; IC: 95% 2,39-6,42) em análise multivariada.
A presença de calcificação no arco aórtico em raio-x de tórax simples está forte e independentemente associada à presença de padrão não-dipper de pressão arterial.
Palavras-chave: Aorta Torácica/fisiopatologia; Calcificação; Calcinose; Cardiomiopatias; Hipertensão/diagnóstico por imagem; Função Ventricular Esquerda; Anti-Hipertensivos/uso terapêutico; Monitoração Ambulatorial da Pressão Arterial; Frequência Cardíaca
Non-dipper blood pressure (NDBP) is one of the important causes of hypertension-related target organ damage and future cardiovascular events. Currently, there is no practical tool to predict NDBP pattern.
The aim of this study was to investigate the relationship between aortic arch calcification (AAC) on chest radiography and NDBP pattern.
All patients referred for ambulatory BP monitoring test were approached for the study participation. NDBP was defined as the reduction of ≤10% in nighttime systolic BP as compared to the daytime values. AAC was evaluated with chest radiography and inter-observer agreement was analyzed by using kappa statistics. Univariate and multivariate logistic regression analysis was conducted to assess the association of AAC and NDBP pattern. A 2-tailed p-value < 0.05 was considered statistically significant.
A total of 406 patients (median age: 51.3) were included. Of these, 261(64%) had NDBP pattern. Overall, the prevalence of AAC was 230 (57%). Non-dipper group had significantly higher prevalence of AAC (70% vs. 33%, p < 0.0001) as compared to the dipper group. Presence of AAC was a strong and independent predictor of NDBP pattern (OR 3.919, 95%CI 2.39 to 6.42) in multivariate analysis.
Presence of AAC on plain chest radiography is strongly and independently associated with the presence of NDBP pattern.
Keywords: Thoracic, Aorta/physiopathology; Calcification; Calcinosis; Cardiomyopathies; Hypertension/imaging diagnosis; Ventricular Function,Left; Antihypertensive Agents/therapeutic use; Blood Pressure Monitoring Ambulatory; Heart Rate
A hipertensão (HT) é a doença cardiovascular mais comum e é a principal causa de morbimortalidade cardiovascular. A pressão arterial (PA) segue um padrão circadiano, com queda noturna de 10% ou mais, se comparada com a PA diurna. A PA não-dipper (PADV) é definida como a ausência de descenso noturno normal da PA na comparação com as medições diurnas. O padrão PADV está associado à gravidade da doença, hipertrofia ventricular esquerda (HVE), proteinúria, formas secundárias de HT e resistência à insulina.1-4 Várias formas de hipertensão, dentre elas o padrão PADV, só podem ser detectadas através da monitorização ambulatorial da pressão arterial (MAPA). Além disso, a MAPA é superior a medidas da PA em consultório na predição do risco cardiovascular.5,6 Entretanto, a utilização da MAPA em populações não-selecionadas não é prática e, atualmente, não existe uma ferramenta prática para prever o padrão PADV.
O padrão PADV vem demonstrando estar estreitamente relacionado com a rigidez arterial.4,7,8 A calcificação vascular desempenha um papel importante para o desenvolvimento da rigidez arterial.9,10 Do mesmo modo, a calcificação no arco aórtico (AA) tem demonstrado uma estreita relação com a rigidez arterial.11,12 Assim sendo, nossa hipótese é a de que a calcificação no AA detectada no raio-x de tórax poderá prever o padrão PADV.
Todos os pacientes que foram encaminhados para o exame da MAPA foram abordados para participação no estudo. A indicação para o exame da MAPA foi deixado a critério do médico. Os seguintes critérios de inclusão foram aplicados: 1) Idade ≥ 18 anos; 2) Taxa de medida de pressão arterial válida de >85% durante o exame da MAPA. Trabalhadores noturnos, pacientes com raios-x de tórax inadequados, gravidez ou suspeita de gravidez, histórico de doença valvar cardíaca moderada a grave, malignidade, cirurgia cardíaca ou torácica, doença arterial coronária, doença cerebrovascular e vascular periférica foram excluídos do estudo. Radiografias do tórax posterior/anterior e ecocardiografia transtorácica foram realizadas em todos os pacientes. Os sujeitos elegíveis foram submetidos a uma avaliação global, incluindo a documentação do histórico médico, exame físico e medições das variáveis laboratoriais. O índice de massa corporal foi calculado como peso em quilos, dividido pela altura em metros quadrados. O diabetes foi definido como indivíduos tratados com insulina ou antidiabéticos orais. A hipertensão e a hiperlipidemia foram definidas como o uso de drogas anti-hipertensivas ou medicamentos para reduzir níveis de lipídio, respectivamente. O Comitê de Ética Institucional aprovou o protocolo do estudo. Os pacientes foram divididos em dois grupos de acordo com o padrão circadiano da PA: grupos não-dipper e dipper.
Os exames da MAPA podem ser realizados usando um dispositivo de monitoramento Mobil-O-Graph (M-o-G; IEM, Alemanha). A primeira hora foi eliminada da análise. As leituras de PA foram obtidas automaticamente em intervalos de 30 minutos e foram incluídas na análise se >85% das aferições fossem válidas. Os valores da pressão arterial diurnos, noturnos e de 24h, e o percentual de queda da PA sistólica noturna versus a diurna foram registrados. As definições padrão de horas diurnas (07h às 23h) e noturnas (23h às 07h) foram modificadas, apropriadamente, com base no feedback dos pacientes. O padrão PADV foi definido como a redução de ≤ 10 % na PA sistólica noturna em relação à PA sistólica diurna.
Todos os pacientes foram submetidos a raios-x do tórax realizados em projeção posteroanterior (PA). A radiografia padrão ao tórax com projeção PA (40 cm×40 cm; Curix HT 1.000G Plus, Agfa, Mortsel, Bélgica) foi obtida com o paciente de pé (Thoramat, Siemens, Erlangen, Alemanha). A distância do paciente foco foi de 150 cm. Utilizou-se um controle automático de exposição com tubo fixo de 117 kV. Foi observada a presença de calcificação no botão aórtico. A calcificação no AA foi graduada como se segue: Grau 0, sem calcificação visível; Grau 1, pequenos pontos de calcificação ou calcificação fina; Grau 2, uma ou mais áreas de calcificação espessa, e Grau 3, calcificação circular no botão aórtico13 (Figura 1). Ao todo, 100 radiografias do tórax foram selecionadas aleatoriamente para avaliação da calcificação no AA e analisadas independentemente por dois cardiologistas, alheios ao resultado dos dados da MAPA do paciente, a fim de verificar a confiabilidade do diagnóstico de calcificação no AA. Os valores de Kappa foram detectados como 0,812 e p < 0,001.
Amostras de sangue venoso foram coletadas de cada participante em condições de jejum. A glicemia de jejum, o colesterol total, o colesterol lipoproteína de alta densidade, o colesterol lipoproteína de baixa intensidade, triglicerídeos e a creatinina foram medidos através de métodos laboratoriais padrão. A taxa de filtração glomerular (TFG) foi estimada usando a equação creatinina CKD-EPI.14
Todos os pacientes foram examinados na posição decúbito lateral esquerda usando um sistema disponível comercialmente (Vivid 4 GE Medical System, Horten, Noruega) com um transdutor de matriz faseada a 3.5-MHz. Os parâmetros convencionais Modo-M e Modo-B foram medidos de acordo com as recomendações da Sociedade Americana de Ecocardiografia. Os diâmetros diastólico (DDFVE) e sistólico final do ventrículo esquerdo (DSFVE), e a espessura da parede posterior (EPP) e do septo intraventricular (eSIV) foram medidos. A fração de ejeção ventricular esquerda foi medida usando o método Teichholz. A massa ventricular esquerda (MVE) foi calculada pela equação de Devereux: MVE = 0,8{1,04[([DDFVE + eSIV +EPP]3 - DDFVE3)]} + 0,6.15 O índice de massa do ventrículo esquerdo (IMVE) foi obtido pela divisão da MVE pela área da superfície corporal. A HVE foi definida como IMVE > 115 g/m2para homens e 95 g/m2 para mulheres.16 Com base na espessura relativa da parede (2 x EPP/DDFVE) e na presença ou ausência de HVE, vários tipos de padrões geométricos do VE foram definidos (geometria normal, HVE concêntrica, HVE excêntrica, e remodelamento concêntrico).
Variáveis contínuas foram expressas como média (desvio padrão) ou mediana (intervalo interquartil (IIR)), e variáveis categóricas como números (percentuais). As distribuições de variáveis contínuas entre os grupos de estudo foram testadas usando o teste Kolmogorov-Smirnov. Os dados normalmente distribuídos foram comparados usando o t-teste de amostras independentes e os dados com distribuição não normal foram comparados usando o teste U de Mann-Whitney. Os dados categóricos foram comparados usando o teste qui-quadrado ou o teste exato de Fisher, quando necessário.
Análises de regressão logística uni e multivariadas foram conduzidas para avaliar a associação de calcificação no AA e o padrão PADV. Na análise de regressão multivariada (método Enter), o tamanho do efeito foi ajustado para variáveis com nível de significância na análise univariada de < 0,1. Foram estimadas as razões de chance ajustadas (ORa) com os intervalos de confiança de 95%. Valores bicaudais de p < 0,05 foram considerados estatisticamente significativos. Todas as análises estatísticas foram feitas com o programa IBM SPSS Statistics for Windows, Versão 21.0 (IBM Corp., Armonk, NY, EUA).
Ao todo, 406 pacientes (idade média: 51 anos;13 58% mulheres) foram incluídos. Duzentos e sessenta e um (64%) apresentavam padrão PADV e foram classificados como “grupo não dipper”. Os 145 pacientes restantes (36%) que apresentavam padrão dipper de PA foram classificados como “grupo dipper”. Em relação ao grupo dipper, o grupo não dipper era formado por indivíduos mais idosos (p < 0,001), com maior IMVE (p = 0.007), prevalência de HVE (p = 0,013), prevalência de hipertensão (p = 0,049) e níveis séricos mais elevados de triglicerídeos (p = 0,013). A TFG foi significativamente mais baixa no grupo não dipper (p < 0,0001). Os grupos foram semelhantes no que diz respeito às outras características basais, apresentadas na Tabela 1.
Tabela 1 Características basais dos grupos de estudo
Não-Dipper (n = 261) | Dipper (n = 145) | Valor de p | |
---|---|---|---|
Idade (anos) | 54 (13) | 47 (14) | < 0,001 |
Peso (kg) | 80 (13) | 79 (13) | 0,336 |
Altura (cm) | 165 (8) | 166 (9) | 0,084 |
Área da superfície corpórea (m2) | 1,90 ± 0,18 | 1,90 ± 0,18 | 0,864 |
Índice de massa corporal (kg/m2) | 29 (5) | 28 (4) | 0,067 |
Sexo feminino (n, %) | 160 (61,3) | 76 (52,4) | 0,061 |
Obesidade (n, %) | 106 (40,6) | 51 (35,2) | 0,281 |
Hipertensão (n, %) | 135 (51,7) | 60 (41,4) | 0,049 |
Diabetes (n, %) | 59 (22,6) | 25 (17,2) | 0,201 |
Hiperlipidemia (n, %) | 42 (16,1) | 26 (17,9) | 0,634 |
Tabagismo (n, %) | 45 (17,2) | 34 (23,4) | 0,130 |
Inibidores da ECA (n, %) | 71 (27,2) | 33 (22,8) | 0,326 |
Bloqueadores de receptores da angiotensina (n, %) | 27 (10,3) | 16 (11) | 0,829 |
Bloqueadores dos canais de cálcio (n, %) | 30 (11,5) | 18 (12,4) | 0,783 |
Betabloqueadores (n, %) | 24 (9,2) | 16 (11,0) | 0,551 |
Diuréticos (n, %) | 29 (11,1) | 21 (14,5) | 0,322 |
Creatinina (mg/dL) | 0,80 (0,20) | 0,8 (0,3) | 0,910 |
Taxa de filtração glomerular (mL/min/1.73m2) | 98 ± 13 | 103 ± 26 | < 0,0001 |
Colesterol total (mg/dL) | 190 ± 39,5 | 195 ± 39,3 | 0,200 |
Triglicerídeos (mg/dL) | 190 (40) | 172 (83) | 0,013 |
Lipoproteína de baixa densidade (mg/dL) | 112 ± 32 | 114 (33) | 0,816 |
Lipoproteína de alta densidade (mg/dL) | 47 (11) | 46 (12) | 0,528 |
Glicemia (mg/dL) | 107 (31) | 103 (30) | 0,088 |
Diâmetro do átrio esquerdo (mm) | 35 (4) | 34 (4) | 0,070 |
Fração de ejeção do ventrículo esquerdo (%) | 65 ±6 | 64 (5) | 0,437 |
Índice de massa ventricular esquerda (gr/m2) | 93 (20) | 87 (18) | 0,007 |
Hipertrofia ventricular esquerda (n, %) | 61 (23,4) | 19 (13,1) | 0,013 |
Geometria ventricular esquerda (n, %) | |||
Normal | 49 (18,8%) | 30 (20,7%) | 0,640 |
Remodelação concêntrica | 151 (57,9%) | 96 (66,2%) | 0,099 |
Hipertrofia excêntrica | 19 (7,3%) | 5 (3,4%) | 0,117 |
Hipertrofia concêntrica | 42 (16,1%) | 14 (9,7%) | 0,072 |
Variáveis contínuas são apresentadas como mediana (intervalo interquartil) ou média (desvio padrão); variáveis categóricas são apresentadas como número (percentual). ECA: enzima conversora da angiotensina.
Não houve diferenças nos valores da PAD diurna, a PAS de 24 horas e a PAD de 24 horas entre os grupos não dipper e dipper. Entretanto, a PAS diurna foi mais baixa nos grupos não-dipper (p = 0,012). Além disso, os valores da PAS noturna (p < 0,0001) e da PAD noturna (p < 0,0001) foram significativamente mais altos no grupo não-dipper (Tabela 2).
Tabela 2 Variáveis da pressão arterial ambulatorial dos grupos de estudo
Não-Dipper (n = 261) | Dipper (n = 145) | Valor de p | |
---|---|---|---|
PAS média diurna (mmHg) | 124 (14) | 127 (13) | 0,012 |
PAD média diurna (mmHg) | 77 (11) | 79 (11) | 0,407 |
PAS média noturna (mmHg) | 122 (15) | 108 (12) | <0,0001 |
PAD média noturna (mmHg) | 74 (10) | 67 (10) | <0,0001 |
PAS média de 24h (mmHg) | 124 (14) | 121 (12) | 0,108 |
PAD média de 24h (mmHg) | 76 (10) | 75 (10) | 0,127 |
Mudança na PAS (mmHg) | 1.9 (7) | 19 (5) | <0,0001 |
Mudança na PAD (mmHg) | 4 (8) | 14 (10) | <0,0001 |
Variáveis contínuas são apresentadas como mediana (intervalo interquartil) ou média (desvio padrão). PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica
A prevalência de calcificação no AA foi de 57% na nossa população de estudo. O grupo não-dipper apresentou prevalência significativamente mais elevada de calcificação no AA (grau ≥ 1) na radiografia de tórax (p < 0.0001), quando comparado com o grupo dipper (Tabela 3).
Tabela 3 Graus de calcificação do arco aórtico nos grupos de estudo
Não-Dipper (n = 261) | Dipper (n = 145) | Valor de p | |
---|---|---|---|
Calcificação do arco aórtico (n, %) | |||
Grau 0 | 79 (30,3) | 97 (66,9) | < 0,0001 |
Grau 1 | 107 (41,0) | 36 (24,8) | |
Grau 2 | 62 (23,8) | 11 (7,6) | |
Grau 3 | 13 (5,0) | 1 (0,7) | |
Grau de calcificação do arco aórtico ≥ 1 (n, %) | 182 (69,7) | 48 (33,1) | < 0,0001 |
Grau de calcificação do arco aórtico ≥ 2 (n, %) | 75 (28,7) | 12(8,3) | < 0,0001 |
Grau de calcificação do arco aórtico ≥ 3 (n, %) | 13 (5,0) | 1(0,7) | 0,023 |
A idade, o índice de massa corporal, o sexo feminino, a hipertensão, a TFG, o IMVE, a presença de HVE, o padrão geométrico do VE de hipertrofia concêntrica e a calcificação no AA foram associados à presença do padrão PADV na análise de regressão logística univariada com um valor de p menor que 0,1 (Tabela 4). Desses, a idade, o índice de massa corporal, o sexo feminino, a hipertensão, a TFG, o IMVE, a presença de HVE e a calcificação do AA foram incluídos no modelo de regressão multivariada. Na análise de regressão multivariada, a presença de calcificação no AA na radiografia do tórax (OR 3,919; IC 95% 2,392-6,421) foi o único preditor independente de padrão PADV (Tabela 5).
Tabela 4 Análise univariada para o padrão pressórico não-dipper
β | P value | |
---|---|---|
Idade (ano) | 0,037 | < 0,0001 |
Área da superfície corporal (m2) | 0,098 | 0,864 |
Índice de massa corporal (kg/m2) | 0,049 | 0,029 |
Sexo feminino (%) | -0,363 | 0,082 |
Obesidade (%) | 0,231 | 0,281 |
Hipertensão (%) | 0,417 | 0,046 |
Diabetes mellitus (%) | 0,338 | 0,202 |
Hiperlipidemia (%) | -0,130 | 0,635 |
Tabagismo (%) | -0,385 | 0,131 |
Medicações (%) | ||
Inibidores da ECA (n, %) | 0,238 | 0,326 |
Bloqueadores de receptores da angiotensina (n, %) | -0,072 | 0,829 |
Bloqueadores dos canais de cálcio (n, %) | -0,087 | 0,783 |
Betabloqueadores (n, %) | -0,203 | 0,552 |
Diuréticos (n, %) | -0,304 | 0,323 |
Creatinina (mg/dL) | -0,241 | 0,512 |
Taxa de filtração glomerular (mL/min/1.73 m2) | -0,027 | 0,001 |
Colesterol total (mg/dL) | -0,003 | 0,200 |
Triglicerídeos (mg/dL) | -0,002 | 0,067 |
Lipoproteína de baixa densidade (mg/dL) | -0,002 | 0,608 |
Lipoproteína de alta densidade (mg/dL) | 0,005 | 0,587 |
Glicemia (mg/dL) | 0,005 | 0,219 |
Diâmetro do átrio esquerdo (mm) | 0,040 | 0,144 |
Fração de ejeção do VE (%) | 0,009 | 0,615 |
Índice de massa do VE (gr/m2) | 0,017 | 0,003 |
Hipertrofia ventricular esquerda (n, %) | 0,704 | 0,014 |
Geometria do VE (n, %) | ||
Normal | -0,121 | 0,640 |
Remodelação concêntrica | -0,356 | 0,099 |
Hipertrofia excêntrica | 0,788 | 0,125 |
Hipertrofia concêntrica | 0,585 | 0,074 |
PAS média diurna (mmHg) | -0,015 | 0,052 |
PAD média diurna (mmHg) | -0,009 | 0,339 |
PAS média noturna (mmHg) | 0,080 | < 0,0001 |
PAD média noturna (mmHg) | 0,071 | < 0,0001 |
PAS média de 24h (mmHg) | 0,016 | 0,050 |
PAD média de 24h (mmHg) | 0,015 | 0,130 |
Calcificação no arco aórtico (%) | ||
Grau 0 | Categoria de referência | |
Grau 1 | 1,295 | < 0,0001 |
Grau 2 | 1,935 | < 0,0001 |
Grau 3 | 2,770 | 0,008 |
Calcificação no arco aórtico grau ≥ 1 (%) | 1,538 | < 0,0001 |
Calcificação no arco aórtico grau ≥ 2 (%) | 1,497 | < 0,0001 |
PAS: pressão arterial sistólica; PAD: pressão arterial diastólica; VE: ventrículo esquerdo; β: Coeficiente de regressão.
Tabela 5 Análise multivariada do padrão não-dipper da PA
IC 95% | ||||
---|---|---|---|---|
β | OR | Inferior | Superior | |
Idade | 0,015 | 1,015 | 0,988 | 1,043 |
Índice de massa corporal | 0,037 | 1,038 | 0,989 | 1,090 |
Índice de massa ventricular esquerda | 0,006 | 1,006 | 0,992 | 1,019 |
Hipertensão | 0,059 | 1,061 | 0,664 | 1,696 |
Triglicerídeos | -0,003 | 0,997 | 0,995 | 1,000 |
Presença de calcificação do arco aórtico | 1,366 | 3,919 | 2,392 | 6,421 |
Sexo | -0,444 | 0,641 | 0,405 | 1,016 |
Taxa de Filtração Glomerular | 0,003 | 1,003 | 0,979 | 1,028 |
IC: indica intervalo de confiança; OR: razão de chances; β: coeficiente de regressão.
O padrão não-dipper de PA é uma das causas mais importantes de lesão de órgão-alvo da hipertensão e de eventos cardíacos futuros.1,5,6 Neste estudo, a presença de calcificação no AA ao raio-x do tórax foi um preditor forte e independente do padrão PADV.
O diagnóstico da hipertensão é geralmente baseado nas medidas diurnas da PA em consultório, e a pressão arterial noturna e a PADV são negligenciadas na prática clínica. Entretanto, a associação da pressão arterial noturna e da PADV com a lesão de órgão-alvo da hipertensão é mais robusta do que a hipertensão diurna.17-19 Os pacientes com padrão PADV apresentam alto risco de lesão de órgão-alvo, inclusive infarto do miocárdio, HVE, doença da artéria carótida, doença renal crônica e acidente vascular cerebral.2-4,20 No estudo Ohasama, a atenuação do descenso noturno da pressão arterial foi associada ao risco de morte cardiovascular.21 A cada 5% de redução na queda da pressão arterial noturna, o risco de mortalidade cardiovascular aumentava em 20%. Além disso, essa associação foi observada não apenas em indivíduos hipertensos, mas também em indivíduos normotensos.21 Adicionalmente, a morbimortalidade cardiovascular pode ser reduzida através da melhoria do controle da pressão arterial noturna.22 Desse modo, um tratamento eficaz da hipertensão também deve incluir o controle da pressão arterial noturna. Atualmente, a MAPA permanece o único método para diagnóstico das variações da PA noturna. Infelizmente, ela é uma ferramenta relativamente cara, inconveniente para uso rotineiro e não está amplamente disponível. Além disso, pode não ser prático realizar a MAPA em todo paciente hipertenso. Uma ferramenta prática e de baixo custo pode ajudar na filtragem de pacientes não selecionados para a MAPA. Consequentemente, neste estudo, nós demonstramos que a calcificação no AA na radiografia de tórax simples (uma ferramenta de baixo custo e amplamente disponível) tem forte capacidade preditiva para o padrão PADV.
Existem vários mecanismos possíveis que podem explicar a relação entre a calcificação no AA e o padrão PADV. Em primeiro lugar, a calcificação no AA mostrou uma forte correlação com a calcificação da glândula pineal, que pode reduzir a secreção de melatonina durante o sono.23 A melatonina desempenha um papel fundamental na regulação da pressão arterial noturna.24-26 A atividade do sistema nervoso autonômico está envolvido no controle da variação circadiana da PA27,28 e o equilíbrio simpato-vagal prejudicado, com aumento da atividade simpática nervosa e/ou redução da atividade vagal, tem sido documentado dentre os não dippers.29,30 A melatonina modifica o equilíbrio entre o sistema simpático e parassimpático em favor do sistema parassimpático. Ela também reduz a pressão arterial noturna através do seu efeito vasodilatador arterial direto.25 Da mesma forma, a melatonina exógena demonstrou reduzir a PA noturna.31,32 Assim, a redução da secreção de melatonina durante o período noturno pode prejudicar significativamente a queda da PA noturna. Em segundo lugar, a calcificação no AA está intimamente relacionada com a rigidez vascular e a perda de complacência arterial33 que, por sua vez, pode prejudicar a capacidade de relaxamento arterial. A queda noturna de PA prejudicada mostrou estar independentemente associada com a rigidez aórtica nos pacientes com HT noturna.34 Além disso, verificou-se que o aumento da rigidez arterial está mais associado à carga pressórica noturna do que à PA diurna.35 Em terceiro lugar, a relação entre a pressão arterial e as calcificações arteriais é provavelmente um fenômeno bidirecional. O aumento da carga pressórica pode facilitar a calcificação arterial e vice-versa. Os não dippers estão expostos à carga pressórica noturna anormal, que pode acelerar a calcificação e rigidez arterial. Em quarto lugar, os perfis clínicos subjacentes aos pacientes com queda de PA noturna prejudicada e calcificação arterial são semelhantes. Ambas as condições estão associadas com a idade, doenças renais, diabetes, apneia do sono, disfunção autonômica, hipertensão maligna e doença da artéria coronária.36,37
O padrão PADV está associado com a gravidade e com maior risco de eventos cardiovasculares subsequentes. Este risco pode ser reduzido através da melhoria dos padrões de dipping e dos níveis de PA noturna. Na prática clínica, muitos pacientes com níveis de PA diurna controlados não são encaminhados para avaliação dos níveis pressóricos noturnos. Nossos resultados podem ajudar a melhorar a detecção do padrão PADV e da hipertensão noturna. O tratamento adequado desses pacientes através da mudança de medicações anti-hipertensivas ou da administração dessas medicações à noite podem finalmente ajudar a melhorar o padrão dipping e os desfechos dos pacientes.
Tanto a calcificação no AA quanto a PADV estão associadas com várias lesões de órgão-alvo da hipertensão e eventos cardiovasculares em pacientes com hipertensão.1,5,6,38-40 Neste estudo, demonstrou-se uma forte associação entre a calcificação no AA e a PADV. Novos estudos são necessários para confirmar nossos achados e avaliar a associação potencial da calcificação no AA com outras subformas de hipertensão.
Este estudo tem várias limitações. O pequeno tamanho da amostra é a principal limitação. Nossa definição de padrão PADV foi baseado em variações da PAS. Embora essa seja a definição mais comumente usada de PADV, os valores de PAD podem também ser usados para a avaliar a PADV. Nós não estudamos a atividade do sistema nervoso autonômico ou os parâmetros de rigidez vascular para explicar a potencial relação mecanicista entre a calcificação no AA e a PADV. Finalmente, nós não estudamos a associação da calcificação no AA com eventos cardiovasculares.
A presença de calcificação no AA na radiografia de tórax simples está forte e independentemente associada com a presença do padrão PADV. O uso rotineiro desta ferramenta simples e de baixo custo na prática clínica pode ter efeitos adicionais para a detecção e controle da PA noturna. Além disso, essa ferramenta pode auxiliar no uso mais preciso dos dispositivos da MAPA, o que pode reduzir o custo do atendimento à saúde.