versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.1 Rio de Janeiro jan. 2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018241.32722016
A resiliência é concebida, atualmente, como a capacidade que o indivíduo tem de enfrentar as adversidades da vida e de poder responder exitosamente com processos adaptativos que são exigidos nas situações de fatores potencialmente estressores. Assim, a passagem por eventos estressantes, que se configura para o sujeito como uma possibilidade de se adaptar e de superar essas experiências, é considerada uma propriedade da plasticidade/flexibilidade do desenvolvimento humano1–5.
Wiles et al.6 elucidam que, mesmo em caso de doenças e de incapacidades, a resiliência pode estar presente, para que o indivíduo possa enfrentar as vulnerabilidades decorrentes do envelhecimento ou de condições sociais e ambientais que interferem nesse processo. Assim, ainda que, frequentemente, haja perdas e riscos para a saúde, existem idosos que conseguem se desenvolver de forma exitosa, sem a ocorrência de patologias diversas ou sequelas que comprometam mais gravemente sua autonomia1,7.
A resiliência é amplamente discutida como um processo interativo e multifatorial, que envolve aspectos individuais, o contexto ambiental, a quantidade e a qualidade dos eventos vitais, além da presença dos fatores de proteção8. Estudos realizados apontam que os fatores de proteção são elementos considerados indispensáveis quando se trata de resiliência, porquanto contribuem para minimizar efeitos negativos ou disfuncionais em eventos que expõem o sujeito a situações de risco e podem modificar a sua resposta pessoal em circunstâncias adversas7,9,10.
Laranjeira9 destaca o suporte social e o apoio familiar como fatores de proteção importantes para os sujeitos. Porém, alerta para o fato de que o caráter protetor ou de risco de um fator depende, sobretudo, do contexto qualitativo relacional em que se desenvolve. Assim, apesar de os fatores de proteção serem identificáveis, em certa medida, pelos estudos, eles serão peculiares ao indivíduo e dependem do contexto e da significação de cada elemento na forma como cada fator é percebido pelo idoso.
O suporte social remete a aspectos das relações interpessoais, da esfera relacional de vida e pode ser identificado na literatura, mais frequentemente, como apoio social11. Trata-se de uma medida por meio da qual se pode avaliar o nível de integração social do idoso ou de seu isolamento e a natureza do apoio recebido12.
O processo de envelhecimento, que é individual, multidimensional e multideterminado, carece de avaliações acerca dos aspectos positivos que contribuem para que haja um envelhecimento saudável. O estudo de recursos atrelados ao manejo das dificuldades de vida pelos idosos, em seu contexto de vida, é uma possibilidade de viabilizar estratégias que possam atender efetivamente às necessidades advindas do processo de envelhecimento humano. Por essas razões, objetivou-se, nesta pesquisa, identificar as associações entre a resiliência e variáveis sociodemográficas (sexo, idade, renda, estado civil, arranjo de moradia e religião) e correlações entre a resiliência e o suporte social.
Trata-se de um estudo quantitativo descritivo, do tipo transversal. Este trabalho está vinculado a uma pesquisa com delineamento longitudinal, intitulada “Perfil de Fragilidade e Qualidade de Vida em Idosos Residentes em Campina Grande-PB”, contemplada pelo edital do Programa Pesquisa para o SUS (PPSUS) (Edital 01/2013-PPSUS/FAPESQ/CNPq). Os locais de coleta foram setores censitários do município de Campina Grande-PB.
A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Estadual da Paraíba. Para sua realização, foram atendidas as diretrizes estabelecidas para pesquisas com seres humanos, de acordo com a resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde13.
Participaram da pesquisa 86 idosos residentes em Campina Grande - PB, selecionados por conveniência, a partir do banco de dados do Estudo FIBRA (acrônimo de Fragilidade de Idosos Brasileiros). O estudo, de caráter multicêntrico, foi realizado no ano de 2009 e objetivou identificar as condições de fragilidade em idosos urbanos, com 65 anos ou mais, recrutados na comunidade.
Os 86 participantes desta pesquisa derivaram da amostra de 249 idosos sem déficit cognitivo que participaram do Estudo FIBRA, avaliados de acordo com as pontuações no Mini Exame do Estado Mental (MEEM). Os 249 idosos foram contactados e 119 concordaram em participar da pesquisa. Destes, apenas 86 pontuaram novamente acima dos pontos de corte estabelecidos, depois que o MEEM foi reaplicado, decorridos cinco anos da primeira aplicação.
Os critérios de exclusão foram os mesmos adotados no estudo FIBRA: idosos com déficit cognitivo grave, que estivessem usando cadeira de rodas e/ou que se encontrassem, provisória ou definitivamente, acamados, portadores de sequelas graves de acidente vascular encefálico (AVE), portadores de doença de Parkinson em estágio grave ou instável, de graves déficits de audição ou de visão e que estivessem em estágio terminal. Os critérios foram avaliados mediante relato do idoso ou de seus familiares acerca das possíveis complicações que comprometessem a participação deles na aplicação do conjunto de variáveis estudadas.
Para a coleta dos dados, foi empregado um questionário estruturado sobre as condições sociodemográficas - sexo, idade, estado civil, escolaridade, religião, arranjo de moradia (se vive sozinho, com companheiro, filhos ou netos) - e econômicas (renda mensal, aposentadoria, pensões, suficiência do dinheiro mensal para a sobrevivência e chefia familiar).
O Mini Exame do Estado Mental foi utilizado para fazer o rastreio cognitivo dos idosos pesquisados. Desenvolvido por Folstein et al.14, o MEEM é composto de 30 itens, cuja pontuação total varia de 0 a 30 pontos. As pontuações obtidas com a sua aplicação são ponderadas de acordo com a escolaridade dos participantes e se constituem como pontos de corte15. Assim, considerando esses pressupostos, respeitaram-se os seguintes pontos de corte: 17, para os analfabetos; 22, para idosos com escolaridade entre um e quatro anos; 24, para os com escolaridade entre cinco e oito anos; e 26, para os que tinham nove anos ou mais de escolaridade.
Também se utilizou a escala de resiliência criada por Wagnild e Young4, um instrumento que tem a função de medir os níveis de resiliência individual, considerada por esses autores como a adaptação psicossocial positiva em face de eventos da vida. Esse instrumento é composto de 25 itens, medidos através de uma escala tipoLikert de sete pontos, que varia de 1 (discordo totalmente) a 7 (concordo totalmente). A pontuação mínima para essa escala é de 25 pontos e se pode alcançar um total de 175 pontos. Elevadas pontuações são indicativas de maior capacidade de resiliência. Neste estudo, foi utilizada a validação de Pesce et al.16, que desenvolveram a adaptação transcultural e a avaliação psicométrica da escala de Wagnild e Young4 para a população brasileira.
A medida de suporte social pode ser definida como a percepção do sujeito sobre a qualidade, a frequência e a adequação dos auxílios prestados, ponderando-se suas necessidades17. Neste trabalho, utilizou-se uma versão reduzida da escalaInterpesonal Support Evaluation List (ISEL). Em sua versão original, em língua inglesa, esse instrumento é composto de 40 itens e apresenta uma confiabilidade interna igual a 0,8818. A versão com cinco itens (itens 5, 7, 18, 22 e 38) é respondida por meio de uma escala tipo Likert de quatro pontos (1 – nunca; 2 – às vezes; 3 – maioria das vezes; 4 – sempre). A pontuação varia de 5 a 20 pontos e a avaliação a partir da divisão em quartis resulta nas seguintes intensidades de suporte social percebido: de 5 a 15 (baixo nível de suporte social), entre 16 e 17 (moderado nível de suporte social), de 18 a 19 (alto nível de suporte social) e com 20 pontos (nível muito alto de suporte social)19.
A coleta dos dados foi conduzida por um total de 14 discentes, devidamente treinados, distribuídos entre os cursos de Psicologia (n = 11) e Fisioterapia (n = 3). Os idosos eram visitados em seus domicílios, esclarecidos sobre os objetivos da pesquisa e questionados sobre a disponibilidade de participar dela. Depois de o idoso aceitar participar do estudo e assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), aplicavam-se os instrumentos de coleta.
Os dados foram tabulados e analisados no programa estatístico SPSS, versão 18. Foram desenvolvidas análises descritivas (frequências relativa e absoluta, média, desvio-padrão, mínimo e máximo) e inferenciais (teste de qui-quadrado, correlação dePearson e regressão linear). O teste qui-quadrado foi empregado para verificar a associação dos níveis de resiliência com os dados sociodemográficos e econômicos (sexo, idade, estado civil, arranjo de moradia, suficiência do dinheiro mensal para a sobrevivência, chefia familiar e religião) e com os níveis de suporte social. Foram calculadas correlações dePearson (entre o escore de resiliência e a idade; entre o escore de suporte social e os fatores resolução de ação e valores e autoconfiança e capacidade de adaptação) e correlações deSpearman (entre o escore de resiliência, apoio social e renda familiar e entre o fator independência e determinação com o suporte social).
Por fim, foram feitas análises de regressão linear entre o escore total de resiliência e o escore total de suporte social e análise de regressão linear entre a média dos três fatores da escala de resiliência com o escore total de suporte social. O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5% (p < 0,05).
Na amostra de idosos estudada (n = 86), a média de idade foi igual a 75,5 anos (DP = 5,35; Mín = 70; Máx = 97) e prevaleceu o sexo feminino (72,1%; n = 62). A maior parte dos idosos é casada (48,8%; n = 42), com 76,7% (n = 66) de aposentados, e 40,7% (n = 35) que cursaram as séries iniciais do ensino fundamental. Predominaram os idosos que afirmaram ter algum tipo de religião (87,2%; n = 75).
A avaliação dos escores de resiliência sugere um elevado nível desse recurso nos idosos estudados (M = 134,37; DP = 16,6), com destaque para o fator 1 da escala, resolução de ações e valores (M = 5,57; DP = 0,70). Foi encontrado um nível moderado de suporte social na amostra estudada (M = 17,36; DP = 2,77). As análises de frequência dos dados revelaram uma avaliação satisfatória dos índices de resiliência e de suporte social pelos participantes, conforme ilustrado na Tabela 1.
Tabela 1 Distribuição das médias e desvio-padrão (variáveis contínuas), frequências e porcentagens (variáveis categóricas) das escalas de resiliência e suporte social. Campina Grande, PB, 2014. (N=86).
Variáveis | M | DP | |
---|---|---|---|
Resiliência | 134,37 | 16,6 | |
Fatores de resiliência | |||
Resolução de ações e valores | 5,57 | 0,70 | |
Autoconfiança e capacidade de adaptação a situações | 5,33 | 0,80 | |
Independência e determinação | 5,13 | 1,76 | |
Suporte social (Escore total) | 17,36 | 2,77 | |
n | % | ||
Níveis de resiliência | |||
Baixa | 0 | 0 | |
Moderada | 24 | 27,9 | |
Alta | 62 | 72,1 | |
Níveis de suporte social | |||
Baixo | 16 | 18,6 | |
Moderado | 19 | 22,1 | |
Alto | 26 | 30,2 | |
Muito alto | 25 | 29,1 |
Fonte: Dados da pesquisa, Campina Grande, 2014.
Os resultados dos testes de qui-quadrado revelaram associação significativa entre a resiliência e a variável religião (possui religião). Não foram encontradas associações estatisticamente significativas entre a resiliência e os demais dados sociodemográficos e econômicos pesquisados, conforme exibido na Tabela 2.
Tabela 2 Distribuição dos níveis de resiliência em função das variáveis sociodemográficas e econômicas. Campina Grande, 2014 (N=86).
Resiliência | |||||
---|---|---|---|---|---|
Moderada n (%) | Alta n (%) | χ2 | p | ||
Gênero | |||||
Masculino | 07(29,2) | 17 (70,8) | 0,26 | 0,871 | |
Feminino | 17(27,4) | 45 (72,6) | |||
Estado civil | |||||
Casado | 13(31) | 29 (69) | 0,378 | 0,538 | |
**Solteiro | 11(25) | 33 (75) | |||
Possui religião | |||||
Sim | 24 (32) | 51 (68) | *0,30 | 0,027 | |
Não | 0(0) | 11(100) | |||
Frequenta algum templo religioso | |||||
Sim | 22 (32,4) | 46 (67,6) | 3,19 | 0,074 | |
Não | 2(11,1) | 16 (88,9) | |||
Como se considera em relação à religião | |||||
Pouco religioso | 7(36,8) | 12 (63,2) | 0,548 | 0,760 | |
Religioso | 11(28,2) | 28 (71,8) | |||
Muito religioso | 6(353) | 11 (64,7) | |||
Mora sozinho | |||||
Sim | 02 (25) | 06 (75) | *1,00 | 0,847 | |
Não | 22(28,2) | 56(71,8) | |||
Mora com filhos | |||||
Sim | 18(27,7) | 47 (72,3) | 0,006 | 0,938 | |
Não | 06 (28,6) | 15(71,4) | |||
Mora com netos | |||||
Sim | 13(31,7) | 28 (68,3) | 0,562 | 0,453 | |
Não | 11 (24,4) | 34 (75,6) | |||
Principal responsável pelo sustento da familia | |||||
Sim | 17(25,4) | 50 (74,6) | 0,968 | 0,325 | |
Não | 07(36,8) | 12 (63,2) | |||
Possui renda suficiente para o sustento da vida diária | |||||
Sim | 11(26,2) | 31 (73,8) | 0,120 | 0,729 | |
Não | 13(29,5) | 31 (70,5) |
Fonte: Dados da pesquisa, Campina Grande, 2014.
Nota:
*Exato de Fisher;
**Os idosos solteiros, viúvos e divorciados foram agrupados para realização das análises.
Foram analisadas correlações entre o escore total da escala de resiliência e as variáveis idade, renda total e escore total de suporte social, dispostas na Tabela 3. Não foram encontradas correlações significativas entre essas variáveis. Ao correlacionar os fatores da escala de resiliência com o escore total de suporte social, constatou-se uma correlação fraca e positiva entre o fator independência e determinação e o escore total do suporte social (r = 0,298; p = 0,005).
Tabela 3 A resiliência em função das variáveis sociodemográficas e do suporte social. Campina Grande, 2014 (N=86).
Correlações | Idade | p valor | Renda Total | p valor | Suporte social total | p valor |
---|---|---|---|---|---|---|
Resiliência total | 0,60* | 0,582 | -0,01** | 0,919 | 0,167** | 0,124 |
Idade | - | 0,35** | 0,747 | 0,065** | 0,553 | |
Renda Total | - | 0,080** | 0,466 | |||
Resolução de ação e valores | 0,087* | 0,427 | -0,054** | 0,623 | 0,99** | 0,365 |
Independência e determinação | -0,092** | 0,399 | 0,089** | 0,413 | 0,298** | 0,005 |
Autoconfiança e capacidade de adaptação | 0,057* | 0,604 | 0,113** | 0,298 | 0,107** | 0,329 |
Fonte: Dados da Pesquisa, Campina Grande, 2014.
Nota:
*Correlação de Pearson;
**Correlação de Spearman.
Os resultados obtidos com as análises de regressão linear demonstraram que o escore total de suporte social não contribuiu significativamente para explicar as variações no escore total de resiliência, nem mesmo entre os três fatores da escala de resiliência avaliados, como pode ser observado na Tabela 4.
Tabela 4 Regressão linear da resiliência e suporte social. Campina Grande, 2014 (N=86).
VD | B | β | F | R2 | p valor | |
---|---|---|---|---|---|---|
Suporte social total | Resiliência total | 122,607 | 0,113 | 1,087 | 0,013 | 0,300 |
Resolução de ação e valores | 5,364 | 0,48 | 0,193 | 0,002 | 0,661 | |
Independência e determinação | 2,868 | 0,205 | 3,698 | 0,042 | 0,058 | |
Autoconfiança e capacidade de adaptação | 4,839 | 0,098 | 0,821 | 0,010 | 0,368 |
Fonte: Dados da pesquisa, Campina Grande, 2014.
Este estudo encontrou um índice elevado de resiliência nos idosos pesquisados. Isso confirma que o indivíduo pode manter um padrão de envelhecimento adaptado. Outras pesquisas têm encontrado resultados semelhantes, no que diz respeito à avaliação dos índices de resiliência em grupos de idosos7,20–25.
O estudo da resiliência, em um grupo de 176 idosos chilenos, considerados funcionalmente independentes, revelou que 84,4% dos participantes tinham uma elevada resiliência24. Os autores creditam algumas características do estilo de vida dos participantes (atividade sexual, atividades recreativas, estado de ânimo) ao fato de estarem relacionadas a maiores índices de resiliência.
Considerando a manutenção da capacidade de resiliência, é possível pensar num processo de enfrentamento positivo, em que o idoso não sucumba aos fatores de risco biológico, socioeconômico e psicossocial, mas mantenha condições regeneradoras que o auxiliam a enfrentar os declínios do processo de envelhecimento1,8. Tais pressupostos corroboram os achados da literatura que defendem o envelhecimento como um processo adaptativo, que depende da interação de fatores genéticos, biológicos e socioculturais26.
O fato de não haver associação entre a resiliência e as variáveis sociodemográficas e econômicas, com exceção da variável religião, neste estudo, é um ponto de atenção para que sejam aprofundadas as investigações acerca das possíveis condições de vida que interferem no desenvolvimento de um envelhecimento adaptado, expressas sob os aspectos estruturais em que vivem os idosos, como, por exemplo, medidas socioeconômicas e ambientais, assim como de aspectos inexoráveis, como o sexo e a idade.
A literatura apresenta algumas imprecisões quanto à avaliação de variáveis sociodemográficas em grupos de idosos considerados com alta ou baixa capacidade de resiliência20,22,23,25, e alerta para o fato de que sejam repensadas medidas de avaliação por meio das quais seja possível compreender bem mais esse construto e seus determinantes.
Neste estudo, foi encontrada associação significativa entre a resiliência e a variável religião, em que se observou um número maior de idosos com alta capacidade de resiliência entre os que têm alguma religião. Numa pesquisa desenvolvida com mulheres idosas27 foi observada associação significativa entre a espiritualidade/religiosidade e alta resiliência. A partir disso, os autores discutem sobre o papel potencial da espiritualidade/religiosidade na promoção de um envelhecimento bem sucedido. Outro estudo28, desenvolvido com idosos mexicanos, revelou que crenças espirituais e religiosas foram apontadas como estratégias de enfrentamento às condições de sofrimento e associaram-se também a uma melhor saúde percebida.
Vieira3 explica que a religião, a espiritualidade e a resiliência podem ser tomadas como domínios intimamente interligados, tendo em vista sua relação com as condições que denotam medidas de enfrentamento às adversidades da vida. Esses domínios poderiam estar ainda conectados entre si pela ideia de significado e de um propósito maior de vida, razão por que despontam como possibilidades de as pessoas superarem as dificuldades e os desafios vivenciados.
Além da investigação dos índices de resiliência, este estudo avaliou o suporte social e as redes sociais, com base na intensidade do suporte social e em medidas de arranjo de moradia dos idosos pesquisados, respectivamente. Tais condições surgem como um modo de averiguar o suporte social como um fator potencialmente protetor da capacidade de resiliência em idosos. Não foram encontradas associações significativas entre os dados que compunham o arranjo de moradia (corresidência com companheiros, filhos, netos) e os índices de resiliência. No entanto, os dados chamam atenção para a grande proporção de idosos que coabitam com familiares, uma situação observada em pesquisas que evidenciam o crescimento de lares multigeracionais17,29–32.
Para complementar esses dados, também merece destaque a prevalência de idosos avaliados com uma alta capacidade de resiliência distribuídos entre os que não vivem sozinhos e moram com os filhos. Por conseguinte, conforme elucidado por Reis et al.33, pode-se afirmar que a coabitação é uma possível estratégia que beneficia os idosos. No entanto, para afirmar a associação entre esse tipo de arranjo familiar e a resiliência dos idosos, é preciso considerar também a qualidade das relações que são estabelecidas entre os familiares que dividem residência com os idosos, como forma de avaliar os efeitos do suporte oferecido sobre o bem-estar deles17.
De acordo com Witter e Camilo32, a família se configura como um recurso cada vez mais presente e necessário na vida dos idosos, capaz de propor um acolhimento que promove bem-estar na velhice. Por outro lado, a grande proporção de lares multigeracionais encontrados neste estudo também é caracterizada por uma maioria de participantes que se consideram como os principais responsáveis pelo sustento da casa.
Sobre esse fenômeno, a demógrafa Amélia Camarano30 diz que são “ninhos que estão se enchendo de filhos e netos”, em que a renda dos idosos assume importante papel no sustento familiar, já que um grande número deles mantém o sustento da casa, mesmo depois que os filhos se casam. Então, há que se refletir sobre até que ponto a presença de filhos e outros familiares é um fator potencial de proteção ao idoso ou se, ao invés disso, há, tão somente, a oferta de um apoio material aos filhos e netos, sem que haja a devida reciprocidade entre as relações estabelecidas17,34.
A distribuição da escala de suporte social, conforme a intensidade das respostas aos itens, revelou maior concentração de um nível alto de suporte social. Os resultados são semelhantes à média do suporte social encontrada em participantes de um estudo multicêntrico realizado com idosos brasileiros, cuja maioria mencionou um alto nível de suporte social35. Tais condições podem estar relacionadas ao fato de grande parte dos idosos pesquisados dividirem a residência com familiares (cônjuges, filhos, netos) e, por isso, apresentam mais probabilidade de receber suporte para as necessidades afetivas, instrumentais e informativas, por exemplo.
A obtenção de índices satisfatórios de suporte social percebido pode revelar uma situação favorável aos idosos pesquisados que, embora chefiem seus lares e dividam a responsabilidade pela criação de netos, conseguem uma avaliação positiva de sua esfera de vida relacional. Destarte, acredita-se que a percepção de uma boa intensidade do suporte social indica uma situação favorável para a população idosa6,12,17,23,34–37.
Diferentemente do que tem sido discutido na literatura, não foi encontrada correlação entre o suporte social e os índices de resiliência nos idosos pesquisados. Entretanto, as perspectivas que defendem um caráter dinâmico e processual da capacidade de resiliência apontam o suporte social como um importante fator protetor, capaz de auxiliar a manter um envelhecimento adaptado6,8,38,39. Couto et al.40 explicam que, diante das adversidades da vida, a qualidade da rede de apoio seria relevante para potencializar a resiliência e manter o bem-estar na velhice.
Foi observada apenas uma correlação fraca e positiva entre o fator independência e determinação com o escore total de suporte social. Nesse ponto, deve-se discutir sobre a importância de haver certa reciprocidade nas relações de trocas, quando o idoso se sente independente e motivado a dar seguimento às suas atividades e a desempenhar também um papel ativo no fornecimento de suporte aos outros. Nesse processo, há mais reciprocidade quando o idoso tem condições de retribuir, em certa medida, o apoio que pode ser oferecido em grande parte pelos familiares, conforme apontam Serbim et al.41. Segundo Pelcastre-Villafuerte et al.37, os idosos que apresentam melhores condições de saúde podem perceber mais positivamente a troca de suporte que ocorre em contato com os seus familiares. Em contrapartida, quando o intercâmbio de suporte é prejudicado por condições de saúde, de funcionalidade, de dependência ou mesmo dos poucos recursos dos quais os idosos dispõem, eles podem ser mais afetados por sentimentos de depressão e de tristeza.
A relação entre os idosos e seu grupo familiar é de grande complexidade emocional e está associada à sua saúde física e mental. Para as gerações terem uma relação saudável, precisam ter espírito de solidariedade. Rabelo e Neri42 destacam que é imprescindível o idoso ter consciência de suas condições e ter seus familiares como um ponto de apoio, mesmo considerando o fato de que as perdas associadas à idade requerem muito mais cuidados.
Batistoni et al.17 revelam que o estudo do suporte social percebido e das redes sociais relaciona-se com os tipos de arranjos domiciliares dos quais os idosos dispõem. Para a configuração dos arranjos domiciliares, atuam determinantes de natureza sociodemográfica e econômica, bem como indicadores de saúde, que irão influenciar a estrutura das relações estabelecidas e a função dos membros nesses arranjos43. E ainda que, atualmente, haja uma maior proporção de idosos integrando arranjos domiciliares junto dos seus filhos, netos, genros e noras, nenhum tipo de arranjo domiciliar irá garantir automaticamente a quantidade e a qualidade de suporte social necessário ao idoso17.
Convém ressaltar que, embora a influência do suporte social seja discutida na valorização dos índices de resiliência, a falta de correlações entre essas variáveis foi encontrada no estudo desenvolvido por Ferreira et al.7, que observaram apenas correlações moderadas e positivas da resiliência com a autoestima. Estudando 84 idosos institucionalizados e não institucionalizados, Henriqueto23 encontrou correlações positivas entre a resiliência e o suporte social. No entanto, depois de analisar a regressão linear dos dados, a autora constatou que o suporte social, na amostra em questão, não apresentou evidências estatísticas entre a correlação do suporte social e a capacidade de resiliência. Com base nisso, Henriqueto23 afirma que a resiliência está atrelada a uma diversidade de fatores de proteção que, juntos, contribuem para equilibrar a ação dos fatores de risco. Nesse ponto, discute-se sobre a necessidade de aprimorar as medidas que avaliam a resiliência e o suporte social em idosos.
Esse fato pode guardar relações com a complexidade que envolve as medidas de resiliência, tendo em vista que, conforme apontam Reppold et al.44, elas ainda são tomadas por controvérsias quanto à sua mensurabilidade. Além disso, Rutter45 explica que alguns elementos podem atuar temporariamente como fatores protetores em determinadas situações de risco ou se apresentarem neutros ou com efeitos negativos, quando não há riscos situacionais.
Considerando a amostra deste estudo, deve-se atentar para o fato de que não apresentar estados graves de saúde com prejuízos significativos da funcionalidade (como, por exemplo, não estar acamado, não ser cadeirante, não ter déficit cognitivo grave, de visão ou audição) pode ter implicado em avaliações satisfatórias da resiliência. Assim, considera-se que a falta de determinada circunstância de risco ou de desfechos de saúde específicos, no grupo estudado, pode dificultar as relações entre os domínios do suporte social e a resiliência, de modo que não foram referidas situações que pudessem levar os idosos a direcionarem seu contexto de vida atual a determinadas necessidades que surgem em contextos adversos e que, supostamente, contribuiriam para precisar a avaliação da resiliência e do suporte social. Essa limitação sinaliza que devem ser avaliadas, em conjunto com as medidas de resiliência, variáveis que permitam a inferência de estados de saúde ou de contextos de vida em circunstâncias de uma boa capacidade de resiliência, ou mesmo devido à deficiência dessa capacidade nos idosos para tomar medidas de suporte social e de redes sociais.
O recorte transversal adotado nesta pesquisa limita o levantamento de inferências sobre os fenômenos estudados, e o tamanho da amostra restringiu o desenvolvimento e as análises realizadas.
Verificou-se uma elevada capacidade de resiliência nos idosos pesquisados, que pode ser traduzida como uma forma exitosa de enfrentar as adversidades do processo de envelhecimento.
A religião foi a única variável, entre os dados sociodemográficos utilizados neste estudo, que apresentou associação significativa com a resiliência. Portanto, é preciso atentar para o fato de que esse recurso é sobremaneira importante no enfrentamento às adversidades da vida e, em conjunto com os processos de resiliência, pode resultar num senso de ajustamento e de equilíbrio na velhice.
A avaliação do suporte social percebido revelou que os idosos relatam um alto nível desse recurso, talvez por apresentarem, na configuração dos arranjos de moradia, o predomínio de lares multigeracionais, em que é possível obter mais fontes de apoio e de interação com familiares.
O estudo indicou que grande parte dos participantes se considerou os principais responsáveis pelo sustento dos lares, o que revela certa autonomia do idoso como suporte para seus filhos, netos ou outros familiares com os quais compartilha residência. No entanto, esse ainda é um dado a ser aprofundado, porquanto se sabe que, ao mesmo tempo em que contribuem com seus poucos recursos para manter os familiares, os idosos podem deixar de lado necessidades essenciais aos seus cuidados com a saúde.
A medida de suporte social não se mostrou uma variável preditiva para as variações da capacidade de resiliência nos idosos pesquisados, o que dificulta confirmar pressupostos teóricos da literatura que apontam, de forma recorrente, efeitos diretos do suporte social e das redes sociais na promoção e potencialização da resiliência. Essa ainda é uma dificuldade presente em estudos nacionais e internacionais. Isso significa que devem ser desenvolvidos instrumentos mais precisos para que possam auxiliar a apreensão de fatores do suporte social e da resiliência que mais se inter-relacionam. Também é preciso realizar pesquisas com abordagens qualitativas com vistas a contribuir com o aprofundamento da problemática tratada neste estudo. A partir de resultados mais precisos acerca da relação entre essas variáveis, será possível obter subsídios para formular estratégias de intervenção que possibilitem atingir as esferas de vida relacional do sujeito e facilitar, com isso, processos de adaptação psicossocial na velhice.