versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.24 no.3 Rio de Janeiro 2020 Epub 06-Abr-2020
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2020-0008
As ciências da saúde, em geral, e a enfermagem, em particular, assistem a um movimento profícuo de produção científica e tecnológica que tem contribuído, indubitavelmente, para a melhoria dos cuidados prestados à população nos diferentes níveis de prevenção.1 Todavia, os ganhos obtidos, os resultados das pesquisas, demoram a ser introduzidos na clínica, e os autores advogam a emergência de um novo paradigma que promova a utilização, rápida e segura, destes para a tomada de decisão.2
A transferência do conhecimento para a clínica não é um assunto propriamente recente no debate acadêmico e público sobre o tema. Nos últimos anos, os investigadores têm sido confrontados com desafios complexos, desde o desenho até a utilização dos resultados dos seus estudos que não possibilitam a sua apropriação pela práxis. Os entraves à introdução da evidência são heterogêneos e prendem-se a questões metodológicas e éticas, rigor científico, capacidade de execução do projeto, dificuldades no financiamento da pesquisa, pertinência e utilidade diante das necessidades e políticas de saúde, eficácia na comunicação e divulgação e falta de uma cultura científica de trabalho colaborativo para o desenvolvimento de produtos que promovam a introdução dos resultados nos contextos.1-3
Concorda-se que a defesa de uma cultura científica baseada em boas condutas implica a necessidade de articular os princípios de honestidade, confiabilidade, imparcialidade, independência, comunicação rigorosa, zelo e justiça com a produção e comunicação da ciência,3 mas nota-se a emergência de utilizarem-se os resultados para o bem comum, quebrando o relativo isolamento social do empreendimento científico.4
A proliferação da investigação, tanto por investigadores peritos como por iniciantes no nível da formação pós-graduada, induz-nos à reflexão sobre dois aspetos centrais: 1) O desenho de estudo e o desenvolvimento da investigação preveem, atempada e rigorosamente, os benefícios para a prática clínica e a sua transferência? e 2) Após a publicação/divulgação dos resultados qual o trabalho efetuado para introduzir o novo conhecimento nos contextos?.
Numa tentativa de autorresposta, somos tentados a concordar que o incentivo à publicação enfatiza o diálogo do produtor do conhecimento com os seus pares,4 deixando a introdução dos resultados na práxis, na melhor das hipóteses, para uma segunda fase.1,2,4
O exposto conduz à inevitável reflexão de que a atividade de disseminação da ciência enfrenta desafios singulares4 para que se consiga a almejada prática baseada na evidência com uma tomada de decisão alicerçada no conhecimento. A produção não pode ficar encarcerada nas bases de dados e no fator de impacto das revistas especializadas. Precisa ser introduzida nos contextos de prática clínica onde os utilizadores (profissionais de saúde) e os consumidores finais (clientes dos cuidados de saúde) possam beneficiar-se dela. Só assim o aumento do conhecimento é acompanhado pelo acréscimo do letramento da população em ciência.
Este editorial é uma instigação aos investigadores, sobretudo aos peritos, para incluírem, na reflexão sobre a sua credibilidade científica, os aspetos do uso dos seus estudos e como eles estão, ou poderiam estar, melhorando as práticas de cuidados.
Os desafios éticos, econômicos e sociais que a ciência enfrenta obrigam a que a credibilidade científica seja acompanhada por benefícios sociais e humanos. Por isso, cogitar da credibilidade científica, nas suas diferentes dimensões, implica um trabalho colaborativo e estratégico, com a formação de alianças internas com a ciência, e externas com a população em geral.4