versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.12 Rio de Janeiro dez. 2019 Epub 25-Nov-2019
http://dx.doi.org/10.1590/1413-812320182412.23212019
A despeito de, no Brasil, a saúde integrar a seguridade social, assumindo a condição de direito universal previsto na Constituição de 1988, o país destoa de outros que dispõem de sistemas universais, sobretudo no que se refere aos gastos governamentais em saúde e provisão de serviços1.
Há consenso entre os analistas de políticas de saúde de que os maiores desafios do Sistema Único de Saúde (SUS) são políticos. A garantia do financiamento do subsistema público, a redefinição da articulação público-privada, que tem favorecido o mercado a partir de incentivos e subsídios fiscais, e a redução das desigualdades de renda, poder e saúde, são questões a serem superadas2-5. Enquanto as despesas do SUS aumentaram 0,5%, em valores reais de 2012 a 2016, a receita bruta dos planos e seguros de saúde, no mesmo período, cresceu em 27,0%1.
De todo modo, ao longo dos 30 anos de constituição, houve considerável ampliação e diversificação de equipamentos e serviços de saúde, além de substancial aumento de número de médicos, enfermeiros e dentistas atuando no sistema5.
Em relação à atenção primária no Brasil, os avanços compreendem a ampliação da oferta, facilitação do acesso, maior disponibilidade de serviços de procura regular com impactos positivos sobre a saúde da população6. Apesar de não ser possível isolar os efeitos da atenção primária, é bastante plausível que o resultado da redução das taxas padronizadas de Internações por Condições Sensíveis à Atenção Primária à Saúde (ICSAPS), de 45% entre 2001 e 2016, esteja vinculado ao avanço da cobertura da Estratégia Saúde da Família (ESF) no Brasil em sinergia com políticas sociais implementadas pela gestão federal, que proporcionaram importante redução da pobreza com efeitos comprovados na saúde3,7. Entre 1998 e 2018, a cobertura nacional da ESF passou de 4% para 74%, integrando ao sistema de saúde mais de 147 milhões de pessoas.
Embora haja espaço para ampliação e melhorias das ações e serviços de saúde, o SUS encontra novos desafios no atual contexto de crise financeira que estabelece restrições orçamentárias aos gastos sociais. As dificuldades se acentuam a partir de 2016 após a promulgação da Emenda Constitucional (EC) 95/20168, que impõe uma agenda austera ao sistema de Seguridade Social, com forte impacto para a saúde. O novo regime fiscal aprovado pela maioria dos parlamentares da Câmara dos Deputados e Senado congela o gasto primário federal nos próximos 20 anos, afetando gravemente os direitos sociais constituídos. Estima-se que a EC 95 diminua a proporção dos gastos federais em saúde de 1,8% para 1,45% ou 1,2% ou 0,99%, a depender da taxa de crescimento do PIB1. A austeridade fiscal no Brasil e a consequente perspectiva de redução de investimento em programas sociais (Programa Bolsa Família e a ESF) podem impactar na mortalidade infantil, já que a pobreza é um dos mais importantes determinantes sociais de saúde infantil. A austeridade também contribuirá com morte de crianças por doenças preveníveis e aumento da hospitalização infantil7.
Diante desse cenário de intensificação dos constrangimentos econômicos e sociais, é oportuna a análise dos seus efeitos sobre as diversas regiões. O estado do Rio de Janeiro tem sido o epicentro de diversas crises no país. Potência petrolífera, recente sede de megaeventos, como os Jogos Olímpicos de 2016, fonte de diversos escândalos políticos, e ao mesmo tempo gerador de inovações especialmente na saúde9.
Especificamente em relação ao município do Rio de Janeiro, observa-se que o cenário de crise tem gerado efeitos negativos na gestão, organização e acesso aos serviços de saúde. As consequências são mais graves no âmbito da Atenção Primária à Saúde (APS), cuja estruturação foi tardia quando comparada a outras grandes capitais. A APS ganhou centralidade na agenda governamental em 2009 com o projeto intitulado Saúde Presente, a partir da parceria com Organizações Sociais na gestão e provisão dos serviços. Além da ampliação da cobertura de saúde da família alcançando 70% ao final de 2016, o projeto investiu na formação da força de trabalho para o SUS, com a criação dos programas de residências em Medicina de Família e Comunidade e Enfermagem em Saúde da Família, no aprimoramento de habilidades e ferramentas de gestão, como a descentralização dos recursos orçamentários, e no desenho do sistema de incentivos financeiros com indicadores de desempenho das equipes de ESF9.
Este estudo explorou os efeitos da crise financeira nas receitas e despesas, na produção e no desempenho de serviços de saúde no município do Rio de Janeiro no período de 2013 a 2018. Espera-se com os resultados subsidiar a formulação de novos caminhos que assegurem melhores resultados em saúde para a população.
Trata-se de um estudo de caráter exploratório e descritivo com ênfase na APS. A partir de análise documental e análise estatística simples de dados secundários de acesso livre e restrito, examinou-se o comportamento de receitas, despesas, parâmetros de provisão de serviços e indicadores de desempenho e de saúde. A análise das receitas e despesas referentes à saúde no município do Rio de Janeiro compreendeu o período de 2013 a 2018, pela disponibilidade de dados e importância da análise da evolução dos parâmetros nesse período. O período de análise dos dados referentes à provisão de serviços e indicadores de saúde foi de 2016 a 2018. Realizou-se corte temporal iniciado em 2016 pela maior disponibilidade de todos os parâmetros analisados e por ter sido o ano da publicação da EC nº 95/2016. O ano de 2018 é o último com disponibilidade integral de dados para fins de comparação.
O levantamento dos dados foi estruturado em cinco dimensões para o sistema de saúde: financiamento, acesso, recursos humanos, regulação e gestão e indicadores assistenciais. Os parâmetros foram escolhidos considerando três aspectos: capacidade de mensurar o desempenho do sistema de saúde e seus custos, disponibilidade nos sistemas de informação oficiais e/ou na Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro e possibilidade de comparação com dados semelhantes.
Os dados de financiamento para análise de receitas (receitas do município destinadas à saúde; transferências de recursos SUS da União por bloco de financiamento; receitas oriundas de impostos e transferências constitucionais e legais vinculadas à saúde) e despesas (despesas de fontes municipais próprias do município com Ações e Serviços Públicos de Saúde – ASPS), por tipo (investimento e custeio) foram extraídos do Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde (SIOPS), acessado a partir do site http://siops.datasus.gov.br (consulta por ano, 6º bimestre). Os dados foram deflacionados, utilizando-se o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), convertidos a valores de dezembro de 2018. O estágio de despesa considerado na consulta foi a liquidação, uma vez que nesta fase de execução orçamentária o serviço foi prestado no referido exercício fiscal. Esse conceito vem sendo recomendado nos manuais de contas de saúde10. Consultou-se Diário Oficial do município para verificar nomeações em cargos de gestão no período estudado.
Os efeitos da crise foram classificados em 4 dimensões: acesso; recursos humanos; regulação e gestão; e financiamento. As variáveis das dimensões acesso, recursos humanos e regulação e gestão tiveram como fonte: e-Gestor, Sistema de Informação Ambulatorial (SIA) e Hospitalar (SIH), Sistema de Cadastro Nacional de Estabelecimentos de Saúde (SCNES), Sistema Nacional de Regulação (SISREG), Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro e Contratos de Gestão. Os indicadores de saúde e desempenho foram extraídos do Sistema de Informações de Nascidos Vivos (SINASC), Sistema Nacional do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI), Sistema de Informação de Mortalidade (SIM) e Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN).
Embora a análise de desempenho tenha incluído indicadores relacionados à rede de atenção à saúde como um todo, incluindo APS, regulação, e atenção hospitalar, ênfase foi dada à análise de indicadores referentes à APS, pelo fato de terem sido aplicados neste nível de atenção as maiores reduções financeiras e consequentemente a maior contração de serviços oferecidos.
Analisaram-se os dois Planos Municipais de Saúde (PMS) que englobaram o período estudado. Observaram-se, visando comparação, os seguintes critérios apresentados nos PMS: atenção básica; atenção às urgências; saúde mental; assistência farmacêutica; meta de indicadores; e diretrizes.
A análise se baseou na Teoria da Estruturação de Giddens11, em que as propriedades estruturais do sistema social são meio e resultado das práticas sociais. A estrutura é composta por regras e recursos. As regras são normativas, no que se refere a direitos e obrigações, e semânticas, referidas ao significado qualitativo e processual das práticas. Os recursos são alocativos, referentes a bens materiais, e autoritativos, referentes ao poder. Neste estudo utilizou-se a análise institucional, que examina as propriedades estruturais por meio da análise do modo como as regras (legislação, protocolos) e recursos (humanos, financeiros, de estrutura física) influenciam as ações sociais11. Foi elaborada uma síntese dos dados levantados nas diferentes fontes a partir da Teoria de Estruturação de Giddens, considerando as dimensões estruturais.
Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde.
Nessa etapa são expostos os dados de financiamento, seguidos do balanço dos efeitos da crise financeira sobre as dimensões envolvidas na gestão e provisão de serviços de saúde no município do Rio de Janeiro. Em seguida são mostrados os indicadores assistenciais no recorte estudado. Por fim, apresenta-se uma comparação comentada dos Planos Municipais de Saúde vigentes no período e uma análise do contexto institucional à luz do referencial da Teoria da Estruturação.
Na Tabela 1, observa-se que de 2013 a 2017 as receitas do município destinadas à saúde sofreram decréscimo continuado, alcançando um acumulado de 16,3% entre 2013 e 2017, exibindo uma retomada apenas em 2018, de 4,4% em relação a 2017.
Tabela 1 Receitas e Despesas relacionadas às Ações e Serviços Públicos de Saúde no Município do Rio de Janeiro, 2013-20181 (em milhares de reais)
Ano | 2013 | 2014 | 2015 | 2016 | 2017 | 2018 |
---|---|---|---|---|---|---|
Receitas2 | 18.562.442 | 17.901.773 | 16.876.377 | 16.275.144 | 15.544.370 | 16.221.947 |
Transferências de Recursos SUS da União | 1.826.875 | 1.746.881 | 1.465.522 | 1.541.717 | 1.417.807 | 1.539.006 |
Atenção Básica | 410.701 | 404.410 | 367.087 | 413.372 | 392.548 | 411.132 |
Atenção de Média e Alta Complexidade | 1.295.753 | 1.198.424 | 1.003.005 | 1.003.802 | 916.912 | 963.339 |
Vigilância em Saúde | 70.575 | 75.754 | 56.517 | 70.543 | 67.024 | 69.632 |
Assistência Farmacêutica | 40.108 | 41.043 | 34.055 | 40.512 | 35.102 | 33.242 |
Gestão do SUS | 1.927 | 324 | 0 | 189 | 104 | 100 |
Investimentos na Rede de Serviços de Saúde | 7.001 | 23.252 | 4.282 | 13.299 | 6.118 | 0 |
Demais transferências da união | 809 | 3.675 | 576 | 0 | 0 | 61.561 |
Outras transferências de Recursos SUS3 | 106.986 | 106.342 | 42.035 | 32.193 | 18.890 | 50.686 |
Impostos e transferências constitucionais e legais vinculadas à saúde4 | 16.628.582 | 16.048.550 | 15.368.820 | 14.701.235 | 14.107.672 | 14.632.255 |
Municipais | 12.420.874 | 11.970.429 | 11.510.686 | 11.061.656 | 10.578.248 | 10.921.325 |
Estaduais | 3.866.991 | 3.740.556 | 3.577.326 | 3.340.007 | 3.246.768 | 3.421.155 |
União | 340.717 | 337.565 | 280.807 | 299.572 | 282.656 | 289.776 |
Despesas Total com Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) | 5.205.984 | 5.091.907 | 4.897.081 | 5.396.085 | 5.000.751 | 3.381.462 |
Despesas de Investimentos | 17.841 | 26.729 | 90.176 | 154.147 | 2.483 | 29.653 |
Despesas de Custeio | 5.188.142 | 5.065.178 | 4.806.905 | 5.241.938 | 4.998.267 | 3.351.809 |
Despesas com Recursos Próprios | 3.230.169 | 3.339.564 | 3.216.437 | 3.746.410 | 3.627.571 | 3.086.726 |
Percentual de recursos próprios aplicados em ASPS | 19,4% | 20,8% | 20,9% | 25,5% | 25,7% | 21,1% |
Fonte: Elaboração própria. SIOPS - Sistema de Informações sobre Orçamentos Públicos em Saúde
Notas: 1 - O estágio de despesa considerado na consulta foi a liquidação, uma vez que nesta fase de execução orçamentária o serviço foi prestado no referido exercício fiscal. Esse conceito vem sendo recomendado nos manuais de contas de saúde (Vieira e Piola10). 2 - Demais transferências da união inclui as seguintes rubricas detalhadas no SIOPS: Outras transferências Fundo a Fundo, Convênios, Outras transferências da União. 3 - Outras transferências de recursos SUS inclui as seguintes rubricas detalhadas no SIOPS: Receitas decorrentes de prestação de serviços ao Estado, outros Municípios e Instituições privadas, Remuneração de depósitos bancários e Receita de outros serviços de saúde. 4 - Compreendem os componentes dos impostos e transferencias constitucionais e legais vinculadas a saúde: Municipal - Imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR), Imposto sobre a propriedade predial e territorial urbana (IPTU), Imposto de Renda (IRRF), Imposto sobre a transmissão de bens imóveis (ITBI), Imposto sobre serviços de qualquer natureza (ISS), além de multas, juros de mora e dívida ativa; União - Cota-parte do Fundo de Participação dos Municípios (FPM) e do ITR e o recurso referente a Lei Kandir; Estado - Cota-parte do Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e Prestação de Serviços(ICMS), Imposto sobre a propriedade de veículos automotores (IPVA) e do Imposto sobre produtos industrializados (IPI Exportação). Valores de 2018 - IPCA (IBGE). Os valores originais foram divididos por mil.
Além disso, as transferências de recursos SUS da União também oscilaram com decréscimos em 2014, 2015 e 2017, de 4%, 16% e 8%, respectivamente. As transferências da União relacionadas à Atenção Primária e à Alta e Média Complexidade sofreram reduções correlatas em 2014, 2015 e 2017, de 2%, 9% e 5% para APS e 8%, 16% e 9% para a Alta e Média Complexidade. Quando observamos o item “outras transferências de recursos SUS” identifica-se um encolhimento acentuado de recursos, saindo de quase 107 milhões de reais em 2013 para pouco menos de 19 milhões em 2017, representando uma redução de 82% em 4 anos. Em 2018, essas transferências começam a aumentar, sinalizando uma recuperação parcial, sem, contudo, retornar aos patamares de 2013-14.
As receitas oriundas de impostos e transferências constitucionais e legais vinculadas à saúde sofreram decréscimo continuado nas três esferas até 2017, exceto pelo ano de 2016 na esfera federal. No ano de 2018, ocorre uma retomada dessas receitas, sem novamente haver recuperação dos patamares de 2013-14.
Os recursos próprios aplicados em Ações e Serviços Públicos de Saúde (ASPS) superaram os 15% mandatórios para a esfera municipal em todo o período sinalizado, atingindo 25,7% em 2017. No entanto, após uma oscilação com aumentos de 7% no período de 2013-14 e de 22% no período de 2015-16, verificaram-se reduções expressivas nos últimos dois anos de cerca de 800 milhões no acumulado. Embora não tenha havido perda de receitas, o município reduziu o percentual de aplicação de recursos próprios em saúde em 2018, saindo de 25,7% para 21,1%. As despesas de investimento que apresentaram incrementos significativos, de 50%, 237% e 71% em 2014, 2015 e 2016, respectivamente, sofreram queda acentuada em 2017 saindo de pouco mais de 154 milhões de reais referentes ao ano de 2016 para 2,4 milhões em 2017, redução de 98%. Em 2018, essa despesa se equipara ao patamar de 2014 com 29,6 milhões de reais investidos. As despesas de custeio que sofrem reduções entre 2013 e 2017, salvo pelo ano de 2016, caem mais 424 milhões em 2018.
Os dados apresentados no Quadro 1 buscam prover um panorama amplo da repercussão da crise fiscal sobre o setor saúde no município do Rio de Janeiro.
Quadro 1 Efeitos da crise da saúde no Município do Rio de Janeiro, entre os anos de 2016 a 2018.
Dimensões | Parâmetros | Pontos de Atenção de Referência | Unidade de Medida | 2016 | 2017 | 2018 |
---|---|---|---|---|---|---|
Acesso | Cobertura populacional de Equipes de Saúde da Família | APS | Percentual | 68,6% | 70,9% | 64,9% |
Cobertura populacional de Equipes de Saúde Bucal | APS | Percentual | 32,0% | 30,6% | 27,1% | |
Produção ambulatorial total | Todos | Quantidade aprovada | 60.064.297 | 55.964.458 | 58.061.988 | |
Internações hospitalares totais | AH | Quantidade aprovada | 150.814 | 159.829 | 151.473 | |
Recursos Humanos | Equipes de Saúde da Família sem médicos | APS | Percentual | 5,9% | 3,6% | 8,0% |
Médicos Total1 | Todos | Nº profissionais | 9.906 | 9.742 | 8.778 | |
Médicos APS1 | APS | Nº profissionais | 2.774 | 2.740 | 2.435 | |
Agentes Comunitários de Saúde1 | APS | Nº profissionais | 6.803 | 6.642 | 5.935 | |
Regulação e Gestão | Tempo de resposta de ambulância para urgências da Atenção Primária1 | Todos | Horas | 01:18:13 | 01:56:06 | 03:06:00 |
Leitos municipais cadastrados no SCNES1 | AH | Unidade | 4.742 | 4.617 | 4.351 | |
Oferta de leitos ao sistema de regulação | AH | Unidade | 20.003 | 16.329 | 13.754 | |
Oferta de vagas para exames e consultas com especialista | AE | Unidade | 1.425.101 | 1.283.642 | 1.211.752 | |
Agendamentos de consultas e exames no sistema de regulação em tempo oportuno (≤90 dias) | AE | Unidade | 1.425.101 | 1.150.499 | 1.045.436 | |
Tempo Médio de Espera para consultas eletivas na Atenção Especializada | AE | Dias | 47 | 85 | 88 | |
Média de solicitações pendentes para consultas e exames com mais de 90 dias de inserção no sistema de regulação | AE | Unidade | 115.967 | 93.690 | 148.649 | |
Taxa de Ocupação das unidades hospitalares municipais2 | AH | Percentual | 70,7% | 71,6% | 68,4% | |
Cirurgias realizadas3 | AE e AH | Quantidade aprovada | 622.501 | 558.539 | 519.500 | |
Itens da Relação Municipal de Medicamentos Essenciais da APS zerados | APS | Percentual | 27,5% | 43,2% | 25,5% | |
Financiamento | Despesa liquidada com Ações e Serviços Públicos de Saúde por ano4 | Todos | Reais | R$ 5.396.084,96 | R$ 5.000.750,79 | R$ 3.381.462,22 |
Receita própria destinada às Ações e Serviços Públicos de Saúde | Todos | Percentual | 25,5% | 25,8% | 21,1% | |
Sistema de incentivos / 14º salário | Todos | Sistema de incentivos financeiros vinculado ao cumprimento de metas de desempenho em indicadores selecionados | Exclusão do Sistema de Incentivos | Exclusão do Sistema de Incentivos |
Elaboração própria. Fonte: Plataforma da Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da Saúde (SUBPAV); SIOPS, SCNES; SIA; SIH.
Legenda: APS - Atenção Primária em Saúde; AH - Atenção Hospitalar; AE - Atenção especializada; Todos - Todos os pontos de Atenção.Notas: 1 - Dados referentes à última competência do ano (dezembro). 2 - A taxa de ocupação levou em consideração as diárias apresentadas pelas unidades hospitalares municipais por ano e os leitos cadastrados no CNES. 3 - Para o número de cirurgias realizadas foram excluídos os partos, uma vez que a sua execução está vinculada à incidência de nascidos vivos no ano de referência e não ao desempenho da rede. 4 - Valores de 2018 - IPCA (IBGE).
Na dimensão Acesso observamos que embora a cobertura populacional pela Atenção Primária à Saúde entre 2016 e 2017 ainda tenha apresentado um incremento de 3,3%, no período entre 2017 e 2018, termina por sofrer uma redução de 8,4%. Considerando que uma cobertura superior a 70% de ESF, se sustentada por 4 anos, é favorável à redução da mortalidade infantil, que no caso do Rio de Janeiro já atingiu uma redução de 22%12, a queda da cobertura da ESF para um patamar menor do que 70% foi um retrocesso.
A cobertura de Saúde Bucal sofreu maior impacto, com reduções sistemáticas de 4,5% e 11,5%, no período observado. A produção ambulatorial total, que repercute sobre todos os pontos de atenção, teve redução de 6,8% no período 2016-17, com uma recuperação parcial, 3,7%, no período 2017-18. As internações hospitalares totais, parâmetro que reflete o volume de produção da assistência hospitalar, ainda apresentou no período 2016-17 um incremento de 6%. Contudo, no período 2017-18, esse parâmetro sofreu decréscimo de 5,2%.
Na dimensão Recursos Humanos, observa-se uma redução sistemática do número de médicos, tanto daqueles que trabalham na APS, quanto daqueles envolvidos com a assistência de alta e média complexidade. O contingente de Agentes Comunitários de Saúde (ACS) também vem sofrendo redução. Entre 2016 e 2017, as reduções foram menos intensas, havendo diminuição de 1,2%, 1,8% e 2,4% na quantidade de médicos da APS, médicos não APS e ACS, respectivamente. Entre 2017 e 2018, no entanto, as reduções foram de 11,1%, 9,4% e 10,4%, respectivamente.
A provisão e fixação de médicos em áreas socialmente desfavorecidas atinge especialmente a APS, onde apenas 23,5% dos médicos brasileiros atuam13. O município do Rio de Janeiro investiu fortemente na qualificação e fixação do médico de família através dos diversos programas de residência médica em saúde da família e comunidade, a partir de 2012. As ameaças de corte de equipes que se iniciaram em 2018, gerando greves na APS do Rio de Janeiro, geraram insegurança para o bem-sucedido projeto de formação de médicos especialistas para a ESF, diminuindo a procura e a ocupação de vagas do Programa de Residência em Medicina de Família da SMS Rio.
Mesmo em país cujo sistema de saúde não é universal e a APS não é ordenadora do cuidado, como os EUA, estudos recentes demonstraram associação entre aumento do número de médicos de atenção primária e redução da mortalidade por doenças cardiovasculares, câncer e doenças respiratórias, e aumento da expectativa de vida14.
A diminuição no número de ACS demonstra um alinhamento com a PNAB 2017, que prevê menos profissionais por equipe, possibilitando ao gestor local o corte de postos de trabalho para diminuir custos. Revisão sistemática sobre a atuação de agentes comunitários em países de baixa e média renda evidenciou aumento da qualidade em intervenções, como mudanças comportamentais nos pacientes, melhor uso dos serviços, adesão a protocolos e tratamentos, além de competência técnica dos agentes15. Revisão sistemática de estudos brasileiros apontou que os ACS realizam intervenções benéficas em diversos campos, em especial no materno-infantil. Vários fatores explicam o potencial benefício do ACS: por serem moradores locais, estabelecem forte compromisso e confiança com a população que atendem; conhecem os recursos locais favorecendo a mobilização social; e são hábeis em produzir competências culturais, um atributo chave para a APS16.
Em cenário de crise financeira, o modelo de gestão baseado em contrato com organização social mostra-se mais suscetível a reajustes e contingenciamento pela flexibilidade dos contratos, do que despesas vinculadas da prefeitura, como, por exemplo, a folha de pagamento do servidor público estatutário, podendo agravar questões orçamentárias como um todo, com destaque para a provisão de profissionais de saúde.
Na dimensão Regulação e Gestão, o tempo de resposta de ambulâncias para urgências na APS sofreu incrementos significativos em todo o período estudado, aumentando 48,4% entre 2016 e 2017 e, subsequentemente, mais 60,2% entre 2017 e 2018. Esse aumento é preocupante pelo potencial prejuízo para a condição clínica e sobrevida do paciente.
Os leitos municipais cadastrados no SCNES sofreram redução de 3,6% entre 2016 e 2017, e de 5,8% entre 2017 e 2018. A oferta de leitos ao sistema de regulação caiu 18,4% no período 2016-17 e 15,8% no período 2017-18. Esse cenário de diminuição da disponibilidade de leitos para o sistema de regulação acentua a dificuldade de acesso ao leito hospitalar na Rede de Urgências do município17.
A oferta de vagas para exames e consultas com especialistas teve decréscimo de 9,9% no período 2016-17 e de 5,6% no período 2017-18. A média mensal de solicitações pendentes no sistema de regulação sofreu incremento de 58% entre 2017 e 2018.
A taxa de ocupação das unidades hospitalares municipais caiu 4,6% entre 2017 e 2018. As cirurgias realizadas sofreram encolhimento de 10,3% no período de 2016-17 e de 7,0% no período de 2017-18, totalizando 16,5% no período.
A taxa de ocupação das unidades hospitalares municipais se mantém fora do intervalo ótimo recomendado pela literatura internacional, entre 75-85%18, com tendência de queda entre 2017 e 2018. A redução da produção cirúrgica nas unidades municipais repercutirá nas atualmente longas filas de espera por cirurgias eletivas. Menor oferta de vagas para exames e consultas com especialistas aliada ao incremento da média mensal de solicitações pendentes para consultas e exames no sistema de regulação refletem uma restrição de oferta, com consequente redução do acesso.
Quanto à dispensação de medicamentos na APS, observou-se que o percentual médio de medicamentos essenciais dispensados cujo estoque ficou zerado foi de 27,5%, 43,2% e 25,5% em 2016, 2017 e 2018, respectivamente. O número de medicamentos com estoque mensal zerado variou de 13 a 94, de um total de 175, em 2016. Em 2017, variou de 9 a 125, e, em 2018, de 26 a 63.
Para os indicadores de saúde e desempenho na APS (Quadro 2) observa-se manutenção de resultados favoráveis, como nas ICSAPS, na proporção de usuários portadores de HIV com carga viral indetectável e na proporção de cura de casos novos de tuberculose pulmonar com confirmação laboratorial. A proporção de ICSAPS é um dos resultados que incontestavelmente ilustra o benefício do investimento em APS ocorrido no município nos últimos anos, onde houve redução na taxa de hospitalização particularmente por doenças cardiovasculares e asma, incluindo doenças evitáveis por vacinação, doenças cardiovasculares, diabetes, deficiências nutricionais e doenças pulmonares crônicas19. O resultado se mantém estável desde o declínio apresentado após os primeiros anos da implantação da ESF no Rio de Janeiro19, mantendo-se abaixo da média brasileira. Para os casos novos de sífilis congênita em menores de 1 ano, a redução de casos no período 2016-18 foi de 488 casos.
Quadro 2 Indicadores assistenciais selecionados da APS no município do Rio de Janeiro, 2016-2018
Indicadores | Parâmetros | 2016 | 2017 | 2018 |
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Gestantes com ≥ 6 consultas de pré-natal1 | 76,5% | 81,5 | 66,5 | |
Cobertura vacinal de Pentavalente (3ª Dose) em Crianças de um Ano2 | 98,0% | 92,0% | 78,6% | |
Número de casos novos de Sífilis Congênita em menores de um ano de idade | 1.582 | 1.437 | 1.094 | |
Proporção de cura de casos novos de Tuberculose Pulmonar com confirmação laboratorial | 70,8% | 66,1% | 78,3% | |
Razão de exames citopatológicos do colo do útero3 | 0,43 | 0,36 | 0,35 | |
Número de dispositivos intrauterinos inseridos | 2.722 | 3.937 | 3.583 | |
Taxa de controle glicêmico em diabéticos cadastrados4 | - | 26,6% | 26,2% | |
Proporção de usuários com carga viral indetectável/número total de usuários que realizaram carga viral no período | 77,0% | 76,0% | 80,4% | |
Proporção de gravidez na adolescência entre 10 e 19 anos | 14,9% | 14,1% | 13,2% | |
Internações por condições sensíveis à APS | 24,4% | 22,9% | 23,4% | |
Mortalidade infantil | 12,8 | 11,2 | 11,5 | |
Mortalidade materna | 74,6 | 82,9 | 61,2 |
Fonte: Plataforma da Subsecretaria de Atenção Primária, Vigilância e Promoção da Saúde (SUBPAV); SISCEL; SINASC; SINAN; SISCOLO; SIM; SIA; SI-PNI.
Elaboração própria
Legenda: 1 - Até 2016 esse parâmetro era computado como a proporção de nascidos vivos de mães com sete ou mais consultas de pré-natal. 2 - Cobertura referente a 2018 computada somente até setembro. 3 - Cálculo: (Número de exames citopatológicos do colo do útero em mulheres na faixa etária de 25 a 64 anos / Número de mulheres de 25 a 64 anos, residentes no respectivo local e ano) / 3. 4 - Esse parâmetro começou a ser computado apenas em 2018
No campo das doenças infecciosas, houve em 2018 aumento da taxa de cura de tuberculose pulmonar, desafio que o município do Rio de Janeiro enfrenta há décadas. O aumento da carteira de serviços da APS, que incorporou, nos últimos anos, o manejo de boa parte dos casos de pessoas vivendo com HIV, mostra bons resultados no controle da doença, com tendência de aumento da proporção de usuários com carga viral indetectável.
Os serviços de APS foram responsáveis pela inserção de 10.242 dispositivos intrauterinos (DIU) no triênio avaliado. A oferta de métodos contraceptivos de longa duração, como o DIU, é uma ação estratégica para planejamento reprodutivo, pois apresenta os melhores resultados em relação a controle de natalidade, com alta adesão e baixa taxa de complicações e falhas. Quando voltada ao grupo de mulheres de maior risco reprodutivo, tem o potencial de reduzir a morbidade e mortalidade diretamente associadas à gravidez. Também relacionados ao ciclo gravídico puerperal e seu cuidado na APS, houve melhora nos indicadores relacionados à incidência de sífilis congênita e gravidez em adolescentes.
Outros indicadores revelam um desempenho ainda insatisfatório no período considerado, como no caso da proporção de gestantes com 6 ou mais consultas de pré-natal e a cobertura vacinal de Pentavalente, com queda mais acentuada a partir de 2017. A razão de coleta de exames citopatológicos do colo do útero persiste também em uma proporção muito baixa e em queda.
Para o indicador da cobertura vacinal, que demonstra queda significativa no ano de 2018, há viés de aferição decorrente da mudança de sistema de informação preconizada pelo Ministério da Saúde. No referido ano o município do Rio de Janeiro apresentou adesão ao Sistema de Informação do Programa Nacional de Imunização (SI-PNI), sendo a mudança para o registro neste novo sistema o responsável pela queda expressiva no valor da cobertura vacinal registrada.
Parâmetros como a cobertura de exames citopatológicos de colo uterino e a proporção de diabéticos com controle metabólico adequado, ações estratégicas dos serviços de APS, ambos com resultado aquém do desejado, indicam a necessidade de intensificação e qualificação das ações de cuidado nesses pontos de atenção. Tais resultados não permitem avaliar o custo-benefício do investimento ocorrido na APS como desfavorável, mas tão somente perceber que este deve ser mantido, com monitoramento de sua qualidade e efetividade, para que se alcance o desempenho esperado. São metas de difícil alcance que demandam sustentação de políticas públicas a longo prazo, com resultados insatisfatórios até mesmo em países ricos com sistemas de saúde bem estruturados e APS forte20.
Indicadores de resultado, como mortalidade infantil e materna, têm sido frequentemente usados como argumento para minimizar o impacto da expansão da ESF e justificar a reforma da APS no Rio de Janeiro, uma vez que não apresentaram queda expressiva. Esses indicadores, todavia, são multifatoriais, sendo significativamente influenciados por determinantes sociais e pelo desempenho de demais pontos da rede, além de levarem mais tempo para refletir mudanças implementadas nos sistemas de saúde21.
O Quadro 3 apresenta uma comparação comentada dos Planos Municipais de Saúde (PMS) períodos 2014/2017 e 2018/2021. Optou-se pela análise dos PMSs considerando que representam a intencionalidade do governo pactuada com o Conselho Municipal de Saúde, conferindo visibilidade ao ponto de diálogo do gestor com o controle social. Foram 2 os PMSs que englobaram o período 2016/2018, correspondendo a duas gestões de partidos diferentes.
Quadro 3 Destaques dos Planos Municipais de Saúde períodos 2014/2017 e 2018/2021 e análise comparada
Critério | PMS 2014-2017 | PMS 2018-2021 | Análise |
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Atenção Básica | Tratou da expansão e qualidade da APS até 2013 | Expansão da cobertura da ESF= 2017 70,6% | A expansão da ESF ocorreu no primeiro plano, entretanto, há expectativa de discreto incremento a partir de 2017 |
Em 2016 atinge cobertura de 70,4% | Ampliação do NASF | ||
Ampliação das Práticas Integrativas e Complementares (PIC) para 2018 | |||
Atenção às Urgências | Em 2012 as 14 UPAs municipais realizaram 4,2 milhões de atendimentos. Previsão de atingir 5,3 milhões de atendimentos nas UPA em 2017 | Para o período 2018-2021 pretende-se ampliar o número de leitos hospitalares, instituir 2 CER e implantar o Prontuário Eletrônico do Cidadão | No primeiro plano o foco está nas UPAs e no segundo, nos hospitais |
Saúde Mental | A meta é a substituição dos leitos psiquiátricos de longa permanência com concomitante ampliação de CAPS e residência terapêutica | Implantação CAPS III e CAPS ad III a cada ano. Expansão dos serviços Residenciais Terapêuticos (SRT) para 128 SRT até o final de 2020 |
CAPS e SRT com expectativa de expansão. |
Assistência Farmacêutica | A REMUME-RIO 2013 contém 386 medicamentos, totalizando 676 itens | A REMUME-RIO 2017 contém 503 medicamentos totalizando cerca 700 itens | Ampliação da REMUME só aparece no segundo plano, em especial para medicamentos |
Planejamento | A criação da Subsecretaria de Gestão Estratégica e Integração da Rede de Saúde (SUBGER) | Criação da Subsecretaria de Regulação, Controle e Avaliação (SUBREG) em 2018 | Há mudanças no organograma nos dois planos |
Meta de Indicadores | Apresenta os indicadores e forma de cálculo e suas metas. Exemplos: Cobertura de equipes de atenção básica=50% Proporção de ICSAB =30% Proporção de internações de urgência/emergência reguladas = 80% Proporção de parto normal = 43% Proporção de nascidos vivos de mães com sete ou mais consultas de pré-natal= 69% Taxa de mortalidade infantil = 11,0 Proporção de cura de casos novos de tuberculose pulmonar bacilífera = 78,0 |
Apresenta os indicadores e forma de cálculo, porém sem estabelecer metas. Há metas físicas em números absolutos. Exemplos: Agendar consultas e exames para até 90 dias da data de solicitação: 73% em 2018 e 80% em 2021 Realizar procedimentos odontológicos ambulatoriais de média complexidade nos CEO: 96.310 em 2018 e 105.065 em 2021 |
Os indicadores do período 2014-2017, além de indicar uma meta progressiva, consideraram o desempenho alcançado no período anterior a 2014 |
Diretrizes | Diretriz 1: Efetivar a universalização do acesso aos serviços de saúde com acolhimento e resolutividade em todos os níveis de assistência | Diretriz 1: Fortalecimento da assistência pública de saúde e do respectivo financiamento com ampliação, otimização e maior fiscalização dos recursos destinados ao SUS | As diretrizes do PMS 2014/2017 tratam da universalização, princípios do SUS, ações de prevenção e promoção, controle social, saúde mental, rede de urgência, complexo regulador, gestão do trabalho e vigilância. As diretrizes do PMS 2018/2021 tratam da fiscalização, formação, controle social, desenvolvimento científico, acesso à rede e qualificação do modelo Há um destaque para a AP, que não ocorre no PMS anterior. Explicita o aumento da cobertura da ESF e NASF, além de referir-se à saúde mental, e questões como valorização do parto normal, obesidade, tabagismo e violência |
Diretriz 2: Garantir a continuidade, a qualidade e a humanização do cuidado com vistas à redução das iniquidades por meio de ações de promoção, prevenção, assistência e vigilância em saúde | Diretriz 2: Consolidar o SUS com o desenvolvimento e implantação de políticas que contemplem uma formação em saúde integrada às políticas públicas de saúde, com qualificação da Atenção Primária, incluindo a educação permanente, a educação em saúde, a integração ensino-serviço aliadas a uma política de comunicação e de valorização da formação, do trabalho e do trabalhador, comprometida com a garantia dos direitos sociais, com fortalecimento da participação social e envolvendo o maior número de atores da sociedade civil | ||
Diretriz 3: Ampliar espaços de discussão e as informações para a gestão, assegurando a participação e o controle social na elaboração e execução das políticas públicas, respeitando as deliberações do pleno do conselho Municipal de Saúde | Diretriz 3: Qualificar o modelo de assistência à saúde e garantir o acesso à rede de atenção com regulação adequada e transparente, em conformidade com: a. o perfil epidemiológico; b. a expansão da atenção primária à saúde e de dispositivos de saúde mental de base territorial; c. da regulamentação das políticas e estratégias de prevenção, promoção da saúde e proteção da vida voltadas para alimentação saudável, tabagismo, controle da obesidade, valorização do parto normal, populações em situação de risco e/ou vulnerabilidade (população em situação de rua, usuários de álcool, crack e outras drogas, população institucionalizada e atenção domiciliar) e abordagem às situações de violência no território | ||
Diretriz 4: Efetivar a política de cuidados aos dependentes químicos, seguindo as diretrizes da reforma Psiquiátrica brasileira | Diretriz 4: Defender o Sistema Único de Saúde público, universal e equânime, como previsto na Lei 8.080, consolidando, assim, o modelo de atenção à saúde ampliado, inovador, com a atenção primária estruturante do sistema, ordenadora da rede e coordenadora do cuidado, orientado pelos pilares da regionalização das redes e da hierarquização. Aumentar a cobertura da ESF na 3.1,3.3 a partir de 2020. Aumentar o NASF 2021 Aumentar saúde bucal 2019 |
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Diretriz 5: Aprimorar a rede de atenção às urgências, articulada às demais redes de atenção | Diretriz 5: Garantir o direito à participação social com novas formas de discussão, implementação e avaliação das ações, programas e estratégias que regulam os serviços, a fim de padronizar a carteira de saúde | ||
Diretriz 6: Reestruturar o Complexo Regulador Municipal e qualificar o Sistema de Regulação ambulatorial e hospitalar | |||
Diretriz 7: Fortalecer a gestão do trabalho e o desenvolvimento dos trabalhadores da saúde | |||
Diretriz 8: Reduzir os riscos e agravos à saúde da população, por meio das ações de vigilância em saúde e vigilância sanitária |
Fonte: Planos municipais de saúde do Rio de Janeiro
Elaboração própria
Legenda: PMS Plano Municipal de Saúde; AP Atenção Primária; ESF Estratégia Saúde da Família; NASF Núcleo de Apoio à Saúde da Família; UPA Unidade de Pronto Atendimento; CAPS e CAPS ad Centro de Atenção Psicossocial (álcool e drogas); SRT Serviço de Residência Terapêutica; REMUME Relação Municipal de Medicamentos Essenciais; CER Coordenação de Emergência Regional; CEO Centro de Especialidade Odontológica
As principais diferenças identificadas localizaram-se na proposta para APS e atenção às urgências. Conforme análise do quadro, houve no segundo plano uma promessa de expansão da ESF e NASF. Para as urgências, o foco desloca-se das UPA para os hospitais. Observou-se mudanças no planejamento do organograma, com criação de novas subsecretarias em ambos governos. No primeiro plano as diretrizes foram mais operacionais e não trataram de financiamento e desenvolvimento científico e tecnológico. No segundo plano há destaque nas diretrizes para a APS e discreta proposta de ampliação. As outras diretrizes são mais conceituais do que operacionais. A proposta para a APS do Plano Municipal de Saúde 2018/2021 não foi privilegiada, considerando que 2018 corresponde ao início da vigência do Plano.
A análise dos indicadores de saúde e desempenho guarda coerência com a fala do prefeito Crivella no discurso de abertura da 3ª Sessão Legislatura da 10ª Legislatura, Rio de Janeiro, 15 de fevereiro de 2019.
Para 2019, a SMS programou ajustes em seu planejamento de forma a equilibrar o orçamento proposto. Com isso, enfrentará o desafio de manter uma grande e complexa Rede Hospitalar, de redesenhar a cobertura de Atenção Primária, de qualificar ainda mais a assistência prestada e de otimizar custos.
O que foi chamado de “redesenhar a cobertura da Atenção Primária” traduziu-se por supressão de equipes de saúde da família, de saúde bucal e de NASF. A opção da gestão municipal de decrescer as receitas para a saúde acompanhou a tendência federal, mas foi uma opção da gestão que contrariou inclusive o Plano Municipal de Saúde, que indicava discreto incremento na cobertura da ESF e NASF.
O Quadro 4 apresenta Análise Institucional da Teoria da Estruturação de Giddens, a partir das regras e recursos que compõem a estrutura, o cenário encontrado e ações resultantes.
Quadro 4 Análise institucional a partir da Teoria da Estruturação de Giddens
Dimensão estrutural | Característica encontrada | Ação resultante |
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Propriedade estrutural | Neoliberalismo e crise econômica desde 2008 | Contexto internacional, desfavorável |
Agenda de austeridade global | ||
Reformas estruturais em sistemas de saúde da União Europeia (Alemanha, Espanha e Inglaterra) | ||
Regras normativas e semânticas | PNAB 2017 | Contexto nacional e local desfavorável |
Eleição em 2018 com substituição de gestão no Executivo federal com perspectiva política alinhada ao paradigma neoliberal | ||
Eleição em 2016 com mudança de gestão no Executivo municipal a partir de 2017 | ||
Recursos autoritativos | Múltiplas mudanças de Secretário de Saúde a partir de 2017: (1) Carlos Eduardo de Mattos/Médico Cardiologista/Servidor Público Municipal/Vereador Municipal filiado ao Partido Social Democrático/ Gestão Janeiro a Maio de 2017; (2) - Marco Antônio de Mattos/Médico Cardiologista/Servidor Público Municipal Gestão Maio/2017 a Julho/2018; (3) - Ana Beatriz Busch Araújo/Médica Anestesiologista/Gestão a partir de julho de 2018 | Instabilidade política na gestão central da saúde no município do Rio de Janeiro e técnica na área da Atenção Primária a Saúde |
Mudanças de Subsecretário de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde (SUBPAV) em 03 ocasiões | ||
Permanência de subsecretário da Atenção Hospitalar, Urgência e Emergência (SUBHUE) mesmo com a substituição da gestão municipal | ||
Recursos alocativos | Redução de receitas decorrentes de impostos constitucionais e legais vinculadas a saúde para ações e serviços públicos de saúde no município do Rio de Janeiro em 12% nos últimos cinco anos | Baixa prioridade conferida pela gestão municipal para a saúde |
Diminuição das transferências de recursos da União em 16% nos últimos cinco anos | ||
Diminuição do percentual de recursos próprios aplicados em ações e serviços públicos de saúde no município do Rio de Janeiro. |
Fonte: Elaboração própria. Diário Oficial do Município do Rio de Janeiro.
Legenda: SUBPAV Subsecretaria de Promoção, Atenção Primária e Vigilância em Saúde; SUBHUE Subsecretaria de Atenção Hospitalar, Urgência e Emergência.
Segundo Giddens11, não há um dualismo entre objeto social e ação humana. A mudança social pode ocorrer ou não, dependendo da forma como os atores se utilizam das regras e recursos disponíveis para suas ações. No caso da gestão do Rio de Janeiro houve constrangimento de qualquer ação emancipatória pelas restrições estruturais. O bom desempenho da atenção primária nos últimos anos não foi condição suficiente para uma opção política de manter investimento apesar da crise. Ao sistematizar os elementos conceituais da Teoria da Estruturação, verificou-se que as circunstâncias das ações da gestão do município foram subsidiadas por uma diversidade de regras e recursos que impactaram a atenção à saúde. Entretanto, é importante considerar que a análise institucional ultrapassa a ação do nível municipal.
Políticas sociais e econômicas bem implementadas melhoram a saúde e diminuem inequidades22. A austeridade e o cenário de reforma neoliberal na Europa vêm ameaçando a sustentabilidade e universalidade de sistemas universais23,24.
No cenário nacional, a EC 95/2016 e a nova Política Nacional de Atenção Básica (PNAB)25 foram identificados como condicionantes dos rumos adotados na política de saúde do município do Rio de Janeiro no período analisado. A EC 95/2016, fruto de um contestado diagnóstico de desequilíbrio fiscal, representa medida econômica entendida como racionalizadora. Estima-se que a partir do congelamento do orçamento federal da saúde e educação possa haver nos próximos 20 anos uma retirada de cerca de 200 bilhões de dólares do orçamento do SUS26. A última versão da PNAB põe em risco os avanços conquistados pela ESF, como universalidade, integralidade e equidade na atenção27. Além de potencializar desassistência, possibilita escolhas políticas que privilegiem recursos para a média e alta complexidade em detrimento da APS27.
A crise anunciada como financeira pelo gestor municipal no Rio de Janeiro é uma crise política e social. A austeridade praticada implicou em redução do desempenho do sistema de saúde e houve opção de interromper a centralidade da agenda de consolidação da atenção primária com realinhamento da ênfase na atenção hospitalar.
A representatividade do município perante o país aumenta o risco de labilidade do direito constitucional à saúde, agravando o sentido dos desfechos apresentados.
Dentre os limites do estudo, aponta-se o intervalo de tempo restrito de análise, presumindo-se retrocesso nos benefícios para a saúde advindo da ESF, recém-implantada, em persistindo o desinvestimento atual.
O SUS em risco é uma perda inestimável e o panorama recentemente vivido no Rio de Janeiro é uma ameaça a uma população que convive com todas as mazelas sociais e ambientais das grandes metrópoles. A possível proposta de desvinculação do orçamento da saúde é um agravante incomensurável do atual cenário.