Compartilhar

A detecção precoce do câncer de mama e a interpretação dos resultados de estudos de sobrevida

A detecção precoce do câncer de mama e a interpretação dos resultados de estudos de sobrevida

Autores:

Arn Migowski

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.4 Rio de Janeiro abr. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015204.17772014

O artigo de Höfelmann et al. avaliou a sobrevida de mulheres com câncer de mama, atendidas em Joinville1. Os autores avaliaram o impacto do estádio da doença - um forte preditor de prognóstico - na sobrevida em conjunto com diversas outras variáveis tradicionalmente não associadas ao prognóstico deste câncer. Foram analisadas também as modalidades de tratamento utilizadas, que por sua vez estão associadas ao estádio da doença. Após análise ajustada com modelo multivariado, o estadiamento clínico foi o único preditor independente do tempo de sobrevida.

Com base nesses achados, os autores concluíram que detectar a doença precocemente minimiza a mortalidade por câncer de mama. Contudo, é preciso ter cautela na interpretação destes resultados.

Os autores afirmam ainda que o câncer de mama, quando diagnosticado em fases iniciais, tem grandes chances de cura, com uma sobrevida de 97% em cinco anos. Embora o tempo de sobrevida seja um desfecho clássico em oncologia, seu uso em situações para as quais estejam disponíveis métodos de rastreamento está sujeito a diversos vieses, que precisam ser considerados. Mesmo na hipótese de ausência de eficácia real, o rastreamento de câncer aumenta o tempo de sobrevida de forma espúria em virtude do viés de tempo de antecipação, do viés de tempo de duração e do sobrediagnóstico.

Segundo os autores, o câncer de mama é o mais prevalente no sexo feminino no Brasil, acometendo mulheres com idades entre 40 e 69 anos. No entanto, é preciso observar que a incidência de câncer de mama não está restrita a essa faixa etária. O fato do rastreamento com mamografia geralmente não ser indicado para mulheres com menos de 50 anos ou mais de 70 está associado ao equilíbrio entre riscos e possíveis benefícios desta prática, que é desfavorável. O sobrediagnóstico é um dos principais danos do rastreamento e a causa de aumento artificial da sobrevida e do número de casos de câncer em faixas etárias rastreadas. Um estudo recente estimou que 31% de todos os casos de câncer diagnosticados no EUA nos últimos 30 anos, em mulheres com 40 anos ou mais, corresponderam a sobrediagnóstico associado ao rastreamento com mamografia, sem que houvesse redução da incidência de casos em estádio IV2.

Höfelmann et al.1 destacam ainda o aumento de sobreviventes de câncer no mundo e que programas de detecção de tipos comuns estão identificando muito mais casos, geralmente em estágios relativamente mais precoce. Contudo, parte destes indivíduos considerada como sobreviventes de câncer são, na realidade, casos de sobrediagnóstico associados ao rastreamento. No caso do câncer de mama, o resultado de 25 anos de seguimento do ensaio clínico canadense identificou que 50% dos casos invasivos detectados exclusivamente pela mamografia eram de sobredignóstico, número que é ainda maior quando os de carcinoma in situ são considerados3.

Na comparação com os resultados de tempos de sobrevida encontrados por outros autores, a proporção de casos detectados no rastreamento mamográfico no estudo de Höfelmann et al.1 certamente é um fator que precisa ser considerado em virtude do sobrediagnóstico e dos vieses de tempo de antecipação e de tempo de duração associados a estes casos. Essas observações não retiram o mérito e a validade do estudo, mas têm como objetivo propiciar uma melhor interpretação de seus resultados.

REFERÊNCIAS

1. Höfelmann DA, Anjos JC, Ayala AL. Sobrevida em dez anos e fatores prognósticos em mulheres com câncer de mama em Joinville, Santa Catarina, Brasil. Cien Saude Colet 2014; 19(6):1813-1824.
2. Bleyer A, Welch G. Effect of Three Decades of Screening Mammography on Breast-Cancer Incidence. N Engl J Med 2012; 367(21):1998-2005.
3. Miller AB, Wall C, Baines CJ, Sun P, To T, Narod SA. Twenty five year follow-up for breast cancer incidence and mortality of the Canadian National Breast Screening Study: randomised screening trial. BMJ 2014; 348:g366.