versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.112 no.1 São Paulo jan. 2019 Epub 17-Dez-2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180239
Pacientes com infarto do miocárdico com elevação do segmento-ST atendidos em centros de atendimento primário e tratados de acordo com a estratégia fármaco-invasiva são submetidos à fibrinólise seguida de coronariografia em período de 2-24h. Neste cenário, o conhecimento de marcadores de reperfusão como a redução em 50% do segmento-ST é fundamental.
Analisar o desempenho da dispersão do intervalo QT em adição aos critérios clássicos, como marcador precoce de reperfusão pós-terapia trombolítica.
Estudo observacional com a inclusão de 104 pacientes tratados com tenecteplase (TNKase) e referenciados a hospital de atendimento terciário. A análise dos eletrocardiogramas (ECG) consistiu em mensuração do intervalo QT e sua dispersão nas 12 derivações, e também apenas na região com supradesnivelamento-ST antes e 60min pós-TNKase. A angiografia foi realizada em todos os pacientes com obtenção do fluxo TIMI e Blush da artéria culpada. Foram considerados significantes valores de p < 0,05.
Observamos aumento da dispersão do intervalo QT, corrigido pela frequência cardíaca, regional (dQTcR) 60min pós-lise (p = 0,006) em infartos de parede anterior nos casos com fluxo TIMI 3 e Blush 3 [T3B3(+)]. Adicionando a dQTcR ao critério ECG (redução do ST > 50%) de reperfusão, a área sob a curva aumentou para 0,87 [(0,78-0,96), IC95%, p < 0,001] em pacientes com fluxo coronário T3B3(+). Nos pacientes com critério de ECG para reperfusão e dQTcR > 13 ms a sensibilidade e especificidade foram 93% e 71%, respectivamente, para reperfusão em T3B3(+), possibilitando reclassificar 6% dos pacientes com sucesso de reperfusão.
Os dados sugerem a dQTcR como instrumento promissor na identificação não invasiva de reperfusão na artéria coronária culpada, 60min pós-trombólise.
Palavras-chave: Infarto do Miocárdio com Supradesnível do Segmento ST; Eletrocardiografia; Reperfusão Miocárdica; Intervenção Coronária Percutânea; Biomarcadores
Patients with ST-elevation acute myocardial infarction attending primary care centers, treated with pharmaco-invasive strategy, are submitted to coronary angiography within 2-24 hours of fibrinolytic treatment. In this context, the knowledge about biomarkers of reperfusion, such as 50% ST-segment resolution is crucial.
To evaluate the performance of QT interval dispersion in addition to other classical criteria, as an early marker of reperfusion after thrombolytic therapy.
Observational study including 104 patients treated with tenecteplase (TNK), referred for a tertiary hospital. Electrocardiographic analysis consisted of measurements of the QT interval and QT dispersion in the 12 leads or in the ST-segment elevation area prior to and 60 minutes after TNK administration. All patients underwent angiography, with determination of TIMI flow and Blush grade in the culprit artery. P-values < 0.05 were considered statistically significant.
We found an increase in regional dispersion of the QT interval, corrected for heart rate (regional QTcD) 60 minutes after thrombolysis (p = 0.06) in anterior wall infarction in patients with TIMI flow 3 and Blush grade 3 [T3B3(+)]. When regional QTcD was added to the electrocardiographic criteria for reperfusion (i.e., > 50% ST-segment resolution), the area under the curve increased to 0.87 [(0.78-0.96). 95% IC. p < 0.001] in patients with coronary flow of T3B3(+). In patients with ST-segment resolution >50% and regional QTcD > 13 ms, we found a 93% sensitivity and 71% specificity for reperfusion in T3B3(+), and 6% of patients with successful reperfusion were reclassified.
Our data suggest that regional QTcD is a promising non-invasive instrument for detection of reperfusion in the culprit artery 60 minutes after thrombolysis.
Keywords: ST Elevation Myocardial Infarction; Electrocardiography; Myocardial Reperfusion; Percutaneous Coronary Intervention; Biomarkers
A despeito dos avanços no tratamento, altas taxas de infarto agudo do miocárdio (IAM) ainda são observadas. Desta forma, a reperfusão da “coronária culpada” tornou-se o objetivo principal da terapia nos infartos do miocárdio com elevação do segmento-ST (IAMCST), sendo a reperfusão precoce com a manutenção da permeabilidade arterial, responsáveis pela redução da mortalidade na fase aguda, bem como em médio e longo prazo.1,2 Entretanto, quando o fluxo arterial é reestabelecido, o miocárdio permanece “atordoado” devido ao processo de injúria-reperfusão.3,4
A intervenção coronária percutânea (ICP) primária é considerada padrão-ouro no tratamento do IAMCST.5 Todavia, quando a ICP não está disponível ou não pode ser oferecida em tempo hábil, a estratégia fármaco-invasiva (EFI) é alternativa de reperfusão, constituída por fibrinólise intravenosa em centros de cuidados primários ou pré-hospitalar, seguida de angiografia e ICP, quando apropriada.6-8 Os critérios clássicos de reperfusão incluem a redução da intensidade ou alívio dos sintomas isquêmicos e a redução da elevação do segmento-ST (maior que 50% na derivação com maior elevação), avaliada em 60 a 90 minutos após a fibrinólise.9,10
Existem alguns aspectos controversos sobre o comportamento do intervalo QT corrigido pela frequência cardíaca (QTc) após o IAMCST. Alguns estudos relataram aumento desta variável na fase aguda e subsequente diminuição pós-reperfusão, e em outros, um aumento do QTc esteve associado à não reperfusão.11,12 A dispersão do intervalo QTc (dQTc) esteve reduzida em pacientes com IAM após terapia fibrinolítica bem sucedida e aumentada naqueles com artéria não reperfundida. A redução da dQTc pós-fibrinólise foi preditiva de reperfusão coronária.13 Há evidências de que a recanalização após um evento agudo esteja associada à diminuição da dQTc, como observado nos estudos TEAM-2 e TEAM-3.14,15 Ao nosso conhecimento, não houve nenhum estudo de dQTc após EFI associado à perfusão angiográfica [fluxos TIMI e Blush) pós-trombólise com tenecteplase (TNKase).
Desta forma, nosso estudo teve como objetivo avaliar o comportamento da dQTc como marcador precoce de reperfusão pós-terapia trombolítica, em adição aos critérios clássicos, em eletrocardiogramas (ECG) pré e 60 min pós-trombólise conforme EFI.
Estudo observacional, com dados coletados prospectivamente. O protocolo foi aprovado pelo comitê de ética local e todos os pacientes ou seus representantes legais assinaram termo de consentimento informado.
Foram selecionados pacientes com IAMCST atendidos em unidades de pronto-atendimento no município de São Paulo, submetidos a trombólise com TNKase, referenciados a hospital terciário para estudo angiográfico e que apresentaram ou não critério eletrocardiográfico de reperfusão (redução > 50% do supra-desnivelamento do segmento-ST). Foram incluídos apenas pacientes atendidos com diagnóstico de primeiro infarto e elegíveis para tratamento trombolítico em EFI, e de forma consecutiva. Iniciamos com 110 pacientes, mas seis foram excluídos por razões eletrocardiográficas. Os critérios de exclusão foram as contra-indicações formais para fibrinólise ou condições eletrocardiográficas que pudessem afetar as medidas do intervalo QT, como bloqueio de ramo, fibrilação atrial ou infarto prévio do miocárdio.
Neste estudo foram incluídos, portanto, 104 pacientes de ambos os sexos, com primeiro IAM e tratados com TNKase em centros de cuidados primários de saúde nas primeiras 6h de início de sintomas e referenciados posteriomente à hospital terciário para realização da coronariografia em 2-24 horas após fibrinólise, ou imediatamente se a terapia de resgate fosse necessária. O funcionamento da rede IAMCST de São Paulo foi publicada previamente.7,8
Características clínicas e demográficas da população estudada foram obtidas. Um ecocardiografista experiente e que desconhecia os dados clínicos prévios aferiu a fração de ejeção ventricular no quinto dia pós-IAM de todos os pacientes.
A análise eletrocardiográfica consistiu de ECGs pré e 60 minutos pós-fibrinólise, em dispositivos certificados e calibrados, com o paciente em posição supina. Dois observadores independentes e que desconheciam as características clínicas dos pacientes interpretaram os ECGs. O critério de reperfusão eletrocardiográfico foi definido pela redução do segmento-ST maior que 50% na derivação com maior elevação do segmento, enquanto que a falha na reperfusão foi definida como redução do segmento-ST inferior a 50% pós 60 minutos da fibrinólise.
O intervalo QT foi medido manualmente usando-se paquímetro digital em um sistema linear sem contato e com resolução de 0,1 mm / 0,01"; precisão de ± 0,2 mm / 0,001" (< 100 mm) e ± 0,03 mm / 0,01"(> 100 - 200 mm) e com índice de repetibilidade de 0,1 mm / 0,01". Os valores obtidos do intervalo QT foram convertidos em milissegundos (ms) e corrigidos para a frequência cardíaca (QTc) pelo método linear de Hodges utilizando a fórmula: [QTc = QT + 1,75 (RR - 60)]. Com o propósito de minimizar a variabilidade intra-observador, o valor do intervalo QT foi calculado pela média de três mensurações em complexos QRS consecutivos e em todas as derivações do ECG. Para minimizar a variabilidade inter-observadores, calculou-se o coeficiente de reprodutibilidade de Kappa. O método da tangente foi usado para medir o QT, onde o final da onda T foi definido pelo ponto de interseção da linha tangente, desenhado no ponto de maior inclinação da porção final da onda T com a linha de base.16 Na presença de onda U, a tangente foi desenhada pelo ponto de contato entre as ondas T e ondas U. Outro aspecto importante foi a exclusão na análise das derivações do ECG onde havia imprecisão em determinar algumas variáveis, notadamente a identificação adequada do intervalo QT.
A dispersão do intervalo QT foi definida como a diferença entre o QT máximo (QTmáx) e o QT mínimo (QTmín) no ECG de 12 derivações. A dispersão regionalizada do intervalo QT (dQTcR) foi calculada como a diferença entre QTmáx e QTmín somente nas derivações com elevação do segmento-ST. Consideramos IAM de parede anterior a elevação do segmento-ST nas derivações DI, aVL, V1-V3, ou V1-V6; e IAM de outras paredes como “não anterior” para elevação do segmento-ST nas derivações DII, DIII, aVF, e V5-V6.
Estudos angiográficos foram realizados em hospital terciário de acordo com o protocolo de EFI descrito previamente. Dois hemodinamicistas independentes, com mais de 15 anos de experiência e sem informações que pudessem influenciar o estudo angiográfico, realizaram as análises de fluxo em nível epicárdico de acordo com a definição de fluxo TIMI,17 e também a análise de microperfusão miocárdica de acordo com a graduação de Blush.18 O Blush miocárdico - definido como a densidade de contraste na microcirculação miocárdica (Quadro 1) - foi analisado apenas em pacientes que apresentaram fluxo TIMI grau 3.
Quadro 1 Definições de perfusão miocárdica (microperfusão) - pela graduação do Blush miocárdico
Grau 0 (sem microperfusão): ruborização miocárdica pelo contraste ausente |
Grau 1 (microperfusão mínima): ruborização miocárdica pelo contraste mínima. |
Grau 2 (microperfusão parcial): ruborização miocárdica pelo contraste moderada, porém menor que a ruborização obtida na injeção de contraste de uma artéria coronária contralateral ou ipsilateral sem relação com o infarto. |
Grau 3 (microperfusão completa): ruborização miocárdica pelo contraste normal, comparável com a ruborização obtida na injeção de contraste de uma artéria coronária contralateral ou ipsilateral sem relação com o infarto. |
Adaptado de van 't Hof et al.18
Os dados numéricos foram expressos como média e desvio padrão (DP) para variáveis com distribuição normal, ou como medianas e intervalo interquartil (md e IIQ) para variáveis quantitativas com distribuição não Gaussiana. Para avaliação de normalidade foram utilizados testes como o Shapiro-Wilk e o Kolmogorov-Smirnov, sendo verificadas também a curtose e a assimetria. As variáveis categóricas foram expressas como número (n) e porcentagem (%) e comparadas pelo teste de do qui-quadrado de Pearson, ou teste exato de Fisher, quando apropriado. Variáveis contínuas foram comparadas entre grupos por teste t de Student para amostras independentes, ou teste de Mann-Whitney, conforme apropriado. Comparações intra-grupo foram feitas pelo teste t para amostras relacionadas, ou teste de Wilcoxon. Todos os testes foram bicaudais e um p < 0,05 foi considerado estatisticamente significante. Curvas ROC (receiver operating characteristic curve), baseadas na estatística C, foram construídas para determinar o melhor ponto de corte para algumas variáveis e da observâcia das áreas sob a curva. Todos os testes foram realizados utilizando-se o programa Statistical Package for Social Sciences (SPSS)® versão 17.0, da SPSS Inc, Chicago, IL, EUA.
Foram incluídos 104 pacientes atendidos em unidades de atenção primária, com o diagnóstico clínico e eletrocardiográfico de IAMCST, que receberam tratamento com agente fibrinolítico (TNKase) e posterior angiografia coronária em 2-24 horas. As principais características demográficas e clínicas desses pacientes são apresentadas na Tabela 1. O intervalo de idade variou de 35 a 74 anos, com maior prevalência do sexo masculino. O tempo entre o início dos sintomas e o início da terapia trombolítica foi 180 minutos (120-240 minutos) (med e IIQ).
Tabela 1 Características clínicas e epidemiológicas dos pacientes (n = 104) no período basal
Idade (anos) | Homens n (%) | DM2 n (%) | HAS n (%) | Dislipidemia n (%) | Tabagistas n (%) | Início dos sintomas (min), m ± DP |
---|---|---|---|---|---|---|
55,6 ± 8,78 | 66 (62,9) | 21 (20) | 60 (57,1) | 36 (34,3) | 51 (48,6) | 192,16 ± 94,35 |
Dados expressos como média e desvio padrão (m ± DP), ou número e porcentagem n (%), DM2: diabetes mellitus tipo 2; HAS: hipertensão arterial sistêmica.
IAM foi classificado de acordo com a parede ventricular afetada. Para simplificar a análise estatística, foram agrupados como parede anterior (n = 42) e infartos de parede não anterior (n = 62).
A partir de uma amostra de 104 pacientes, 67 (64%) apresentaram critério de reperfusão eletrocardiográfico. Dois observadores independentes analisaram os traçados eletrocardiográficos, com um coeficiente de concordância Kappa de 0,84. Os pacientes foram categorizados em dois grupos: aqueles com sinais de reperfusão e aqueles sem sinais, considerando apenas a redução do segmento-ST em pelo menos 50%. Valores do QTc e da dQTc pré e pós-fibrinólise são mostrados na Tabela 2. O intervalo QTc e a dQTc nas 12 derivações não diferiram entre os grupos. A dQTcR aumentou nos pacientes com critério de reperfusão pelo ECG. Quando analisado pela parede ventricular afetada, observou-se um aumento significativo na dQTcR em infartos de parede anterior com critério de reperfusão (p = 0,023) (Tabela 3).
Tabela 2 Comportamento do intervalo QT corrigido pela frequência cardíaca (QTc), da dispersão do QTc (dQTc) nas 12 derivações, e somente nas derivações com supradesnivelamento de ST (dQTc regional) entre os grupos com e sem critério eletrocardiográfico de reperfusão
Variável | Com redução do segmento-ST (n = 67) | Valor de p | Sem redução do segmento-ST (n = 37) | Valor de p |
---|---|---|---|---|
QTc (ms), m ± DP | Pré-TNKase | 0,25 | Pré- TNKase | 0,06 |
423,79 ± 27,89 | 416,10 ± 26,17 | |||
Pós- TNKase | Pós-TNKase | |||
429,02 ± 44,60 | 424,86 ± 24,12 | |||
dQTc (ms), md (IIQ) | Pré- TNKase | 0,28 | Pré-TNKase | 0,29 |
59,0 (45-84) | 61 (42-73,5) | |||
Pós-TNKase | Pós-TNKase | |||
63,0 (47-76) | 64 (44,5-90) | |||
QTcR (ms), ± DP | Pré-TNKase | 0,12 | Pré-TNKase | 0,24 |
420,30 ± 26,27 | 420,00 ± 30,67 | |||
Pós-TNKase | Pós-TNKase | |||
430,00 ± 45,70 | 423,89 ± 31,95 | |||
dQTcR (ms), md (IIQ) | Pré-TNKase | 0,01 | Pré-TNKase | 0,13 |
28 (16-44) | 11,5 (23-44) | |||
Pós-TNKase | Pós-TNKase | |||
33 ± (20-59) | 42 (20-64) |
Dados expressos como média e desvio padrão (m ± DP); mediana e intervalo interquartil, md (IIQ); QTcR: QTc regional, ou seja, QTc na região do infarto (derivações com supra de ST); dQTcR: dispersão do intervalo QTc regional (derivações com supra de ST); TNKase: tenecteplase. Teste t de Student para amostras relacionadas, ou teste de Wilcoxon, conforme apropriado.
Tabela 3 Comportamento do intervalo QT regional, corrigido pela frequência cardíaca (QTcR), e da dispersão do QTcR em infartos de parede anterior, entre os grupos com e sem redução do segmento-ST, e grupos com e sem TIMI 3 e Blush 3 (n = 42)
Com redução do segmento-ST n = 23 | Valor de p | Sem redução do segmento-ST n =19 | Valor de p | |
---|---|---|---|---|
QTcR (ms), m ± DP | Pré-TNKase | 0,35 | Pré-TNKase | 0,17 |
428,54 ± 28,24 | 419,56 ± 28,44 | |||
Pós-TNKase | Pós-TNKase | |||
429,75 ± 42,59 | 424,26 ± 30,55 | |||
dQTcR (ms), md (IIQ) | Pré-TNKase | 0,023 | Pré-TNKase | 0,07 |
28 (17,5-51,25) | 21,5 (9,5-39,25) | |||
Pós-TNKase | Pós-TNKase | |||
40 (30-66,7) | 38,5 (17,5-59) | |||
T3B3 (+) n = 18 | Valor de p | T3B3 (-) n = 24 | Valor de p | |
QTcR (ms), m ± DP | Pré-TNKase | 0,26 | Pré-TNKase | 0,70 |
425,53 ± 28,24 | 421,66 ± 28,44 | |||
Pós-TNKase | Pós-TNKase | |||
439,88 ± 42,59 | 417,62 ± 30,55 | |||
dQTcR (ms), md (IIQ) | Pré-TNKase | 0,006 | Pré-TNKase | 0,07 |
23 (15,75-39,25) | 25 (18-46) | |||
Pós-TNKase | Pós-TNKase | |||
38 (24,25-73,0) | 42 (21-61) |
Dados são expressos como média e desvio padrão (m ± DP); mediana e intervalo interquartil, md (IIQ); QTcR: média do intervalo QTc regional (parede anterior); dQTcR: dispersão do intervalo QTc regional (parede anterior); TNKase: tenecteplase; T3B3 (+): TIMI fluxo 3 e Blush 3; T3B3 (-): TIMI fluxo < 3 e Blush < 3. Teste t de Student para amostras relacionadas, ou teste de Wilcoxon, conforme apropriado.
Os pacientes foram categorizados de acordo com os escores TIMI e Blush em dois grupos. Pacientes com reperfusão ótima, isto é, fluxo TIMI grau 3 e Blush 3 chamado grupo T3B3 (+); e aqueles com nível TIMI < 3 e Blush < 3 chamado grupo T3B3 (-). A dQTcR para infartos de parede anterior aumentou no grupo com T3B3 (+) na angiografia (p = 0,006), mas não nos infartos da parede não anterior (p = 0,77). Para descartar a possibilidade de viés de aferição em IAM não anteriores, a dQTcR das derivações unipolares no ECG (V1-V6) foi comparada com a dQTcR nas derivações bipolares e não houve diferenças significativas desta variável.
A distribuição de fluxo da artéria coronária culpada de acordo com os escores TIMI de grau 0, 1, 2 e 3 foi de: 20,2%; 7,7%; 13,5% e 58,7%, respectivamente. Na (Figura 1), podemos observar: (a) a distribuição porcentual dos pacientes de acordo com a classificação de TIMI fluxo associado ao critério eletrocardiográfico de reperfusão (redução do segmento-ST); (b) distribuição dos pacientes, em frequência absoluta, segundo escores de TIMI e Blush (T3B3) e critério eletrocardiográfico de regressão do segmento-ST. Poucos pacientes com fluxo TIMI 3 não apresentaram microperfusão adequada com base no escore de Blush miocárdio. A distribuição do Blush miocárdico 0, 1, 2 e 3 foi respectivamente: 4,9%; 3,3%; 4,9% e 86,9%, em pacientes com fluxo TIMI 3.
Figura 1 Distribuição dos pacientes com base no critério de reperfusão eletrocardiográfica clássico (regressão do supra-ST) e no perfil angiográfico do fluxo TIMI na artéria culpada (1a) ou no padrão de perfusão (fluxo TIMI e Blush escore); T3B3 (+): pacientes com TIMI 3 e Blush 3; e T3B3 (-): pacientes com TIMI < 3 e Blush < 3 na artéria culpada (1b).
Na predição da reperfusão coronária ideal [T3B3 (+)], o critério de reperfusão pelo ECG com análise da dQTc mostrou valor preditivo positivo de 73%, valor preditivo negativo de 89%, sensibilidade de 93% e especificidade de 71%. As características demográficas basais dos pacientes de acordo com os fluxos TIMI/Blush não foram significativamente diferentes entre os grupos T3B3 (+) e T3B3 (-), com exceção da fração de ejeção ventricular esquerda que estava menor no grupo T3B3 (-) [(52,6 ± 9,8 vs 47,8 ± 8,5; p = 0,009)] (Tabela 4). As medidas dos ECGs foram semelhantes entre os ECGs pré e pós-fibrinólise (Tabela 5). As curvas ROC foram construídas para analisar a capacidade de estratificação da dQTcR e determinar o melhor ponto de corte, como mostrado na (Figura 2).
Tabela 4 Distribuição das características clínicas entre os grupos com ou sem critérios angiográficos de adequada reperfusão, de acordo com fluxo TIMI e escore Blush
Características | T3B3 (+) | T3B3 (-) | Valor de p |
---|---|---|---|
n = 53 | n = 51 | ||
Idade (anos): md (IQR) | 54 (47-63) | 56 (52-62) | 0,51 |
Gênero masculino: n (%) | 28 (52,8) | 38 (74,5) | 0,02 |
DM2*: n (%) | 8 (15,1) | 13 (25,5) | 0,19 |
Hipertensão: n (%) | 27 (50,9) | 33 (64,7) | 0,16 |
Dislipidemia: n (%) | 15 (28,3) | 21 (41,2) | 0,17 |
Tabagistas, n (%) | 24 (45,3) | 27 (53) | 0,43 |
Tempo para o início do TNKase, (min): md -IIQ | 185 (137-257) | 138 (110-240) | 0,18 |
Tempo <180, (min), n (%) | 32 (60) | 22 (43) | 0,12 |
Fração de ejeção, (%), m ± DP | 52,6 ± 9,8 | 47,8 ± 8,5 | 0,009 |
IAM anterior, n (%) | 18 (34) | 24 (47) | 0,17 |
IAM "não anterior", n (%) | 35 (66) | 27 (53) | 0,17 |
Os dados são expressos como média e desvio padrão (m ± DP), mediana e intervalo interquartil (md - IIQ), número e porcentagem, n (%); T3B3 (+): grupo com artéria coronária culpada com fluxo TIMI 3 e Blush 3; T3B3 (-): grupo com artéria coronária culpada com fluxo TIMI < 3 ou Blush < 3 ; DM2*: diabetes mellitus Tipo 2; IAM: infarto agudo do miocárdio; TNKase: tenecteplase. Variáveis categóricas foram comparadas entre os grupos pelo teste do qui-quadrado de Pearson, ou teste exato de Fisher e as variáveis numéricas contínuas comparadas pelo teste t de Student para amostras independentes, ou teste de Mann-Whitney, conforme apropriado.
Tabela 5 Variáveis eletrocardiográficas medidas antes e após administração de tenecteplase (TNKase) nos pacientes com TIMI 3 e Blush 3 [T3B3 (+)] e TIMI <3 e Blush < 3 [T3B3 (-)] na artéria culpada
Pré-TNKase | T3B3 (+) | T3B3 (-) | Valor de p |
N | 53 | 51 | |
QTc (ms), m ± DP | 421,56 ± 28,51 | 423,29 ± 25,77 | 0,72 |
dQTc (ms), md (IIQ) | 59 (44-82) | 59 (43-81) | 0,97 |
QTcR (ms), m ± DP | 418,86 ± 27,01 | 423,55 ± 30,41 | 0,38 |
dQTcR (ms), md (IIQ) | 25 (11,5-40) | 29 (18-50) | 0,09 |
Pré - TNKase | T3B3 (+) | T3B3 (-) | Valor de p |
N | 18 | 24 | |
dQTcR anterior (ms), md (IIQ) | 23 (11,75-39,25) | 25 (18-46) | 0,65 |
Pós -TNKase | T3B3 (+) | T3B3 (-) | Valor de p |
N | 53 | 51 | |
QTc (ms), m ± DP | 426,90 ± 43,98 | 431,94 ± 27,47 | 0,42 |
dQTc (ms), md (IIQ) | 62 (49-75) | 66 (40-91) | 0,62 |
QTcR (ms), m ± DP | 430,53 ± 44,01 | 424,14 ± 36,12 | 0,19 |
dQTcR (ms), md (IIQ) | 33 (20-59) | 42 (19-63) | 0,71 |
Pós -TNKase | T3B3 (+) | T3B3 (-) | Valor de p |
N | 18 | 24 | |
dQTcR anterior (ms), md (IIQ) | 38 (24,25-73) | 42 (21-61) | 0,05 |
Os dados são expressos como média e desvio padrão (m ± DP), mediana e intervalo interquartil (md - IIQ).QTc: média do intervalo QT, corrigido pela frequência cardíaca, nas 12 derivações; dQTc: dispersão do intervalo QTc nas 12 derivações; QTcR: média do intervalo QTc regional em infartos de parede anterior; dQTcR: dispersão do intervalo QTc regional em infartos de parede anterior. Variáveis numéricas contínuas, comparadas pelo teste t de Student para amostras independentes, ou teste de Mann-Whitney, conforme apropriado.
Figura 2 Curvas ROC para o critério eletrocardiográfico clássico (redução do segmento-ST), dispersão regional do intervalo QT corrigido pela frequência cardíaca (QTc), e associação do critério de redução ST com dispersão regional do intervalo QTc em pacientes com padrão ótimo de reperfusão [T3B3 (+)]. A) nos pacientes com critério clássico de reperfusão pelo ECG obteve-se área sob a curva de 0,81 [(0,72-0,89); IC 95%, p < 0,001) para detectar o fluxo TIMI grau 3 e Blush 3 [T3B3 (+)]; B) o aumento da dQTcR 60 minutos pós-lise mostrou área sob a curva de 0,84 [(0,73-0,95); IC 95%, p < 0,001 para detectar T3B3 (+). Assumindo um ponto de corte da dQTcR > 13 ms obteve-se sensibilidade de 94% e especificidade de 74%; C) a dQTcR aumentada associada ao critério clássico de reperfusão de ECG 60 minutos pós-lise mostrou área sob a curva de 0,87 [(0,78-0,96); IC 95%, p < 0,001 para detectar T3B3 (+). Com o ponto de corte para dQTcR > 13 ms, a sensibilidade foi de 93% e a especificidade de 71%. Foi possível reclassificar seis pacientes (aproximadamente 6%) pelos dados derivados apenas do ECG, validados por critérios angiográficos de reperfusão coronária nesta coorte tratada pela estratégia fármaco-invasiva.
Considerando-se apenas os pacientes em que o critério clássico de reperfusão pelo ECG falhou em distinguir a reperfusão coronária, houve 18 pacientes com diminuição do segmento-ST que não alcançaram reperfusão angiográfica ideal (reperfusão falsa por ECG), e quatro pacientes sem diminuição do ST tiveram fluxo TIMI de grau 3 e Blush 3 (falso resgate). No grupo de falsa reperfusão pelo ECG, não observamos diferença na dQTcR entre ECG pré e pós-lise (p = 0,46), como mostrado na (Figura 3). Desta forma, de 104 casos pós-trombólise com TNKase, observamos dados de reperfusão incorreta pelo ECG em 22 casos (21%).
Figura 3 Comportamento da dQTcR em subgrupos de pacientes com falsa reperfusão ou falso resgate; dados expressos com mediana e intervalo interquartil (m - IIQ); dQTcR: dispersão do intervalo QTc regional; TNK: tenecteplase; T3B3 (+): grupo com artéria coronária culpada com TIMI 3 e Blush 3; T3B3 (-): grupo com artéria coronária culpada com TIMI <3 ou Blush <3. Utilizado teste de Wilcoxon. *Falso resgate: pacientes sem redução do segmento ST e com fluxo coronário e tecidual ótimos [T3B3 (+)]; †Falsa reperfusão: pacientes com redução do segmento ST e sem fluxo coronário e tecidual ótimos [T3B3 (-)]
O intervalo QT varia entre as derivações do ECG e tem sido considerado um índice de dispersão espacial da recuperação ventricular sinalizando, desta forma, a heterogeneidade da repolarização.19 Vários estudos mostraram que os pacientes com a dQTc aumentada (aproximadamente > 60 ms) tinham 2 a 3,4 vezes maior risco de mortalidade cardiovascular. Em análise multivariada desses estudos, houve 34% de aumento do risco cardiovascular a cada 17 ms de incremento na dQTc, ou quando superior a 60 ms em pacientes com diabetes com ou sem IAM prévio.20-22
A dQTc varia durante os primeiros dias do IAM. A dQTc aumenta nas primeiras horas e reduz dias depois, sobretudo após tratamento fibrinolítico23-25 ou procedimento de revascularização.26,27 A redução da dQTc nos dias seguintes à fibrinólise demonstra a eficácia da terapia.28 Diante da especulação de que as alterações da dQTc poderiam prever a reperfusão 90 minutos pós fibrinólise, um pequeno estudo com 47 pacientes registrou a dispersão apenas nas derivações precordiais e encontrou uma dQTc maior no grupo com critério de reperfusão pelo ECG. No entanto, dQTc não foi preditiva de reperfusão angiográfica.29 Uma limitação deste estudo foi o pequeno número de pacientes e a análise da dQTc apenas nas derivações precordiais. Outra análise com 36 pacientes não mostrou diferença da dQTc no grupo com critério de reperfusão pelo ECG no primeiro dia do IAM. Curiosamente, notou-se uma diminuição da dQTc a partir do segundo dia pós-trombólise, particularmente no grupo de infarto de parede anterior.30 Uma análise de seis meses após o IAM também encontrou uma diminuição na dQTc.31
Nossos achados indicam um aumento na dQTc no ECG 60 min pós-fibrinólise em pacientes com achados angiográficos de recanalização vascular e tecidual completa (fluxo TIMI 3 e Blush 3), especialmente em infartos de parede anterior. Por conseguinte, novas considerações devem ser feitas. De forma diferente de estudos anteriores com estreptoquinase e alteplase,31,32 nosso estudo usou TNKase, ativador recombinante do plasminogênio, específico para fibrina e com melhores resultados de reperfusão coronáriana. Além disso, incluímos um número maior de pacientes do que em estudos prévios. A dQTcR nos infartos da parede anterior aumentou significativamente no ECG obtido 60 min pós-lise nos pacientes com reperfusão adequada (TIMI 3 e Blush 3), enfatizando a teoria de que a dQTc após IAM depende de permeabilidade da coronária culpada, bem como da dimensão e localização da parede ventricular acometida.
Um possível mecanismo para explicar nossos achados é baseado nos efeitos do atordoamento cardíaco causado pela injúria de reperfusão. Além disso, existem evidências de processos vasculares, metabólicos, mitocondriais, neuronais, térmicos e elétricos que contribuem para a disfunção pós-reperfusão.33-35 No entanto, o mecanismo exato, a prevenção adequada da lesão de isquemia-reperfusão e, acima de tudo, a correlação com os achados eletrocardiográficos ainda não estão claros na literatura científica.36
Diante da correlação entre as derivações ECG e a área infartada, é possível analisar o padrão de repolarização unicamente na área lesada. O cálculo da dQTcR estima a heterogeneidade da repolarização ventricular na área em risco. Desta forma, a necessidade de uma ferramenta de decisão em relação ao sucesso da terapia fibrinolítica enfatiza a relevância dos marcadores de reperfusão eletrocardiográficos pós-lise. O ECG tem papel crucial e muito mais importante no cenário da EFI do que na ICP primária. A decisão de classificar qual paciente atende aos critérios de reperfusão ou qual deveria ser encaminhado para ICP de resgate deve ser feita rapidamente e em curto período de tempo. Uma questão fundamental é o custo-benefício do sistema e o atraso de tempo ideal entre fibrinólise e ICP. Apesar da grande variação desta janela de tempo nos ensaios clínicos, recomenda-se um intervalo de tempo de 2-24h pós-fibrinólise bem sucedida.37
O critério eletrocardiográfico clássico de reperfusão tem sensibilidade e especificidade, respectivamente, em torno de 60% e 80%.38 Nosso estudo revelou um ganho de sensibilidade e especificidade quando adicionamos a dQTcR à redução do segmento-ST, o que mostra uma possível utilidade do método para estratificar os pacientes de forma mais acurada.
Analisando subgrupos de pacientes que tiveram pelo menos 50% de redução da elevação do segmento-ST e com o estudo angiográfico evidenciando fluxo não adequado [T3B3 (-)], isto é, os pacientes com falsa reperfusão; e os que não reduziram a elevação do segmento-ST, mas demonstraram reperfusão angiográfica [T3B3 (+)], ou seja, os falsos resgates, não encontramos diferença significativa na dQTcR.
Nosso estudo evidenciou aumento de dQTc e dQTcR em infartos de parede anterior, especialmente em pacientes T3B3(+). Conforme demonstrado em outro estudo, a dQTc depende da localização do IAM e maiores dispersões foram observadas na parede anterior em comparação com IAM de parede inferior.39 A grande área de infarto nesse subgrupo deve ter maior influência nos vetores de repolarização do que nos infartos da parede não anterior.
Este estudo indica uma possibilidade de evolução na análise das variáveis eletrocardiográficas, dada a existência de casos discrepantes com a angiografia. O grupo T3B3(-) apresentou pior fração de ejeção e dQTc aumentada em comparação ao grupo T3B3(+); esse achado também pode ter implicações prognósticas.
Embora a dQTc ainda seja um assunto controverso em eletrocardiologia,40 ainda restam questões não esclarecidas na literatura especializada. O estudo do comportamento de variáveis eletrocardiográficas com melhores métodos de medição pode trazer informações interessantes em vários cenários clínicos.
Até o presente momento, não há estudos publicados direcionados especificamente ao comportamento da dQTcR no IAM submetido à EFI. Portanto, nossos dados precisam de validação e replicação em outros estudos. Nossa coorte de pacientes foi relativamente pequena, embora maior do que estudos anteriormente publicados. Ainda é necessário avançar na metodologia de medição do intervalo QT e da repolarização ventricular. A falta de padronização e sistematização na aferição do segmento-ST e onda T na presença de isquemia prejudica a precisão, especialmente no final da onda T. A análise da dQTc nos ECG de seguimento tardio poderia trazer informações interessantes sobre o comportamento desta variável.
Nosso estudo sugere que o aumento da dQTcR parece identificar reperfusão adequada 60 minutos após a fibrinólise, tornando-se um potencial método não invasivo para a avaliação de perfusão regional especialmente nos infartos da parede anterior.