Compartilhar

A elaboração de um instrumento para investigar o domínio da percepção dos contrastes mínimos na língua brasileira de sinais

A elaboração de um instrumento para investigar o domínio da percepção dos contrastes mínimos na língua brasileira de sinais

Autores:

Diéssica Zacarias Vargas,
Carolina Lisbôa Mezzomo,
Themis Maria Kessler

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.29 no.4 São Paulo 2017 Epub 20-Jul-2017

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20172016234

INTRODUÇÃO

As crianças que possuem contato com a Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) desde o nascimento, a desenvolvem naturalmente, sem a necessidade de ensino formal, atingindo estágios semelhantes às crianças com desenvolvimento de uma língua oral(1). Iniciam com o estágio de um sinal, seguido das primeiras combinações, até alcançarem o estágio de múltiplas combinações. A LIBRAS é uma língua visuoespacial, constituída pelos mesmos níveis linguísticos de qualquer língua natural que se manifesta no meio auditivo-vocal, que são: fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e pragmática(2,3). Torna-se válido ressaltar que as línguas de sinais não impedem o aprendiz de adquirir a língua oral, desde que esse tenha o desempenho auditivo necessário com o auxílio de próteses auditivas(4).

Nas línguas orais, a discriminação fonêmica é importante para o desenvolvimento da linguagem, uma vez que é a menor unidade de contraste denotando sentido. Para tal, é necessária a recepção, organização e processamento das informações auditivas para que ocorra o armazenamento da representação linguística(5,6). Da mesma forma, na LIBRAS a percepção visual é de fundamental importância para o armazenamento do significante e significado mediante a percepção do sinal, para que, posteriormente, possa existir a produção, isso porque esses traços distintivos são pequenas partes que diferem um sinal de outro e modificam um conceito, e até mesmo um contexto(7).

Nessa língua visuoespacial, as unidades mínimas não sonoras, que seriam o equivalente aos fonemas/traços distintivos, são denominadas de parâmetros, os quais modificam toda a composição de um sinal(2). Eles são descritos a seguir.

    •. Configuração das mãos: é o formato da mão durante a realização do sinal, os sinais podem ser da datilologia (alfabeto manual) ou de outras formas feitas pela mão predominante, ou pelas duas mãos do emissor ou sinalizador;

    •. Ponto de articulação ou Locação: refere-se ao local no espaço de sinalização, onde incide a mão predominante configurada;

    •. Movimento: é um parâmetro complexo, pois os sinais podem ter movimentos internos das mãos, movimentos do pulso e os movimentos direcionais do espaço. Além disso, existem sinais que não necessitam de movimentos;

    •. Orientação: refere-se à direção para a qual a palma da mão aponta durante a produção do sinal, os sinais podem ter uma direção, e a inversão desta pode significar ideia de oposição, contrário ou concordância número-pessoal;

    •. Expressões não manuais: referem-se aos movimentos faciais, dos olhos, cabeça e tronco. Relacionam-se com as diferenciações entre itens lexicais e marcações de sentenças.

Neste estudo, não foram consideradas as expressões não manuais, pois geralmente denotam emoções, sendo difícil sua representação em figuras. Na literatura, encontrou-se o exemplo ‘roubo’ versus ‘ato sexual’. Destaca-se ainda que as expressões não manuais são utilizadas para marcar uma sentença interrogativa e orações relativas(7).

Esses parâmetros fonológicos constituem os sinais e alguns formam os denominados pares mínimos, os quais ocorrem quando a diferenciação entre dois sinais é estabelecida pela modificação de somente um parâmetro(2). Assim como nas línguas orais, a discriminação fonêmica é fundamental para que essa língua possa ser desenvolvida, na LIBRAS, a percepção e produção de detalhes que modificam a composição de um sinal são de extrema importância para a aquisição dessa língua. Portanto, é de suma relevância a investigação de como ocorre a aquisição dos contrastes mínimos na língua de sinais. Embora as pesquisas na área tenham aumentado, ainda existem assuntos na área da linguística que carecem de pesquisas, como estudos no campo da fonologia, morfologia, da sintaxe, semântica, pragmática, bem como da sociolinguística(8).

Avaliar a linguagem mediante a utilização de um instrumento pode ser importante para captar seu funcionamento, ou seja, é possível realizar uma apreciação global mais detalhada em um nível quantificado, além de ser de fácil execução. Assim, ao fazer uso de um instrumento é possível se estabelecer um perfil do que é esperado no desenvolvimento de uma língua, sendo possível um diagnóstico adequado e, dessa maneira, elaborar um plano terapêutico quando necessário a fim de realizar uma intervenção terapêutica(6).

No Brasil, a prática da elaboração de instrumentos ainda não é tão difundida(9). Além disso, poucos são os instrumentos que mensuram os aspectos linguísticos dos usuários de LIBRAS. Observa-se que, por vezes, os instrumentos de avaliação enfocam a língua oral e o potencial da criança surda, se comparado ao dos ouvintes se torna muito defasado(1,10). Existem outros instrumentos em elaboração, mas que ainda não estão finalizados. Por isso, torna-se relevante a elaboração do instrumento apresentado neste trabalho.

O objetivo deste trabalho foi elaborar um instrumento que possibilitasse verificar e avaliar a aquisição perceptiva dos contrastes mínimos, mediante a utilização de pares mínimos, os quais apresentam oposições em relação aos parâmetros: configuração de mão, locação de mão, movimento de mão e orientação de mão.

MÉTODO

A realização deste trabalho foi previamente aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição de origem, sob número no CEP 245.207. Para a elaboração do instrumento de percepção dos contrastes, inicialmente, foi realizado um levantamento dos Pares Mínimos existentes na Língua Brasileira de Sinais. Essa busca foi realizada pela pesquisadora, cujo trabalho faz parte da sua tese de doutorado. O levantamento foi feito através de dicionários de LIBRAS online, bem como através do dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua de sinais brasileira(11).

Cada par mínimo selecionado deveria diferir em somente um parâmetro. Para a escolha desses alvos, foram selecionadas palavras que faziam parte do vocabulário de crianças e que fossem facilmente representadas através de desenhos. Posteriormente a essa etapa da seleção de palavras, foi contratado um profissional das artes visuais que criou as figuras representativas desses pares mínimos para facilitar a aplicação com as crianças.

Essas figuras foram dispostas em cartelas que as representavam graficamente, com três colunas de figuras. Assim, ao final, cada cartela continha um total de seis figuras, duas em cada coluna, que poderiam ser iguais ou diferentes dependendo da coluna. Esse formato, a aplicação e disposição das figuras, foi baseado no teste de discriminação auditiva dos sons da fala “The Boston University Speech Sound Discrimination Picture Test(12), bem como no teste de figuras de discriminação fonêmica proposto por Santos-Carvalho(6).

Foi realizada ainda a gravação de um vídeo, em que a ordem de solicitação dos pares foi padronizada, para a aplicação do instrumento. Esse vídeo foi gravado na instituição federal em que a pesquisa foi realizada, pelo Centro de Processamento de Dados – CPD. Ele contém a imagem de uma professora do departamento de Educação Especial da mesma instituição federal, a qual também é intérprete de LIBRAS.

O vídeo foi editado de forma a ser demonstrado um par mínimo por vez. Diante dos sinais dados, o sujeito visualizava os sinais da intérprete e tinha um tempo para a escolha da sua resposta - durante a aplicação, a examinadora pausava o vídeo. Os participantes eram instruídos a apontar na cartela quais foram expostos no vídeo e, em seguida, era apresentado pelo vídeo um novo par de sinais. A escolha dos pares que foram apresentados foi realizada de forma aleatória e alternada, podendo dois sinais iguais ou diferentes serem sinalizados.

Depois de elaborado o instrumento, ele passou pela fase de evidência de validade baseada no conteúdo deste instrumento. Dessa forma, mediante uma pesquisa na Plataforma Lattes, foram selecionados os julgadores que estudavam sobre o assunto, surdos e ouvintes usuários fluentes de LIBRAS, vinculados à docência e pesquisa em Instituição de Ensino Superior e, dessa maneira, se enquadravam na pesquisa proposta. Um total de 5 julgadores, foram convidados a participar, no entanto, uma julgadora se recusou a participar da pesquisa, perfazendo uma amostra final de quatro julgadores. Posteriormente, as figuras e o vídeo foram enviados para esses quatro julgadores selecionados, descritos a seguir.

    •. Julgador 1 (J1) - Ouvinte, Fonoaudióloga, mestre e pesquisadora, trabalha atualmente em uma escola especial para surdos; com formação em tradução-interpretação de Língua de Sinais Brasileira-Português;

    •. Julgador 2 (J2) - Ouvinte, Formada em Pedagogia, doutora em linguística, usuária nativa da LIBRAS, tem realizado pesquisas com os seguintes temas: língua de sinais brasileira, aquisição da língua de sinais, bilinguismo bimodal, línguas de herança, educação de surdos e tradução e interpretação de língua de sinais;

    •. Julgador 3 (J3) - Surdo, formado em Pedagogia, mestre em educação, bilíngue Libras/português, também atua nos seguintes temas: educação de surdos, LIBRAS, estrutura gramatical, bilinguismo e comunicação visual;

    •. Julgador 4 (J4) - Surdo, Especialista em Educação, experiência como professor de LIBRAS, bilíngue Libras/português, Educação de Surdos, Escrita de Sinais.

Um colaborador ouvinte, com formação em Fonoaudiologia, doutor e pesquisador, com experiência em Língua de Sinais também esteve envolvido em julgamentos decisivos a respeito do instrumento, não apontado pelos demais julgadores. O colaborador não participou da análise e julgamento inicial, portanto não é considerado um julgador e sim um colaborador, pois algumas decisões foram aceitas após a análise inicial.

Os julgadores autorizaram sua participação na pesquisa com a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e, após seu consentimento, participaram da etapa evidência de validade baseada no conteúdo do instrumento, verificando se o instrumento contemplava os objetivos propostos e se os critérios relevantes para esta avaliação foram abordados de maneira adequada.

Dessa maneira, foram enviados aos julgadores a lista com os pares mínimos selecionados, as figuras organizadas com espaços para marcações pelos julgadores. Por meio de um protocolo, eles poderiam avaliar se o par mínimo estava adequado ou inadequado quanto à variação de somente um parâmetro e poderiam ressaltar observações com o motivo pelo qual sugeririam a retirada deste item do instrumento. Além disso, o julgador, poderia realizar observações referentes às figuras, se estavam claras e/ou pertenciam ao vocabulário das crianças.

Evidência de validade baseada no conteúdo do instrumento por julgadores

Inicialmente, foram levantados 41 pares de figuras, que foram enviados aos julgadores para análise. O instrumento continha 17 pares que variavam quanto ao parâmetro configuração de mão, 14 se distinguiam quanto à locação e 10 se distinguiam por apresentarem movimentos diferentes.

Juntamente com a lista dos pares mínimos, foram enviadas aos julgadores as figuras elaboradas pelo profissional contratado das artes visuais, bem como o vídeo para a apresentação dos sinais. Os julgadores poderiam solicitar ajustes nas figuras, no movimento do vídeo realizado, solicitar a realização do sinal de forma mais neutra/suave, solicitar a retirada do par mínimo do instrumento por não ser adequado ou, ainda, aceitá-lo sem nenhuma alteração.

Cada item ‘par mínimo’ foi considerado como aprovado quando ocorreu o consenso entre os juízes acima de 80%. Além disso, após a avaliação dos julgadores, foi realizada uma análise de concordância, utilizando o coeficiente Kappa com nível de significância adotado de 5%, ou seja, P<0.05. O valor de kappa entre 0 e 1, podendo ser interpretado da seguinte forma: K<0,4 é fraco; 0,4 ≤ K <0,75 é satisfatório a bom; K ≥ 0,75 é excelente.

Estudo piloto

Ressalta-se que o instrumento foi aplicado em dois grupos, um grupo de sujeitos surdos e um grupo de Codas (abreviatura utilizada para crianças ouvintes, filhas de adultos surdos traduzido do inglês children of deaf adults). No entanto, esses trabalhos fazem parte da pesquisa da tese de doutorado da pesquisadora e estão sendo publicados em outros artigos. Ressalta-se ainda, que as respostas em crianças a partir de 5 anos foram mais fidedignas.

RESULTADOS

Depois da análise dos julgadores, foram excluídos 13 pares por serem pares análogos, que variavam em mais de um parâmetro. Além disso, após uma análise inicial do presente trabalho, foram acrescentados sete pares mínimos que variavam quanto ao parâmetro orientação de mão, que inicialmente não haviam sido incluídos. Posteriormente à análise dos julgadores, as modificações e ajustes passaram por uma análise de concordância realizada estatisticamente, os resultados obtidos encontram-se na Tabela 1.

Tabela 1 Resultados da análise de concordância entre os avaliadores para cada par mínimo analisado 

Categoria Kappa; Valor P
Aceito sem orientações Kappa=0,012
P=0,400
Solicitação de ajuste nas figuras Kappa=0,045
P=0,176
Solicitação de ajuste no vídeo - movimento do sinal Kappa=0,049
P=0,156
Solicitação de ajuste no vídeo - suavizar produção do sinal Kappa=0,054
P=0,132
Não considerado como par mínimo - Sugestão de retirar do instrumento Kappa=0,183
P<0,001*

*Valor-P referente ao Coeficiente Kappa de Concordância com nível de significância de 5% (p<0,05)

Os resultados apresentados na Tabela 1 foram estatisticamente significativos para o item ‘não considerado como par mínimo’. Apesar de ser um valor de correlação muito fraco, a correlação para o item ‘não considerado como par mínimo’ com Coeficiente de Kappa = 0,183 foi um resultado estatisticamente significativo, por isso, atentou-se para que esses pares fossem retirados do instrumento.

Na versão final, o instrumento ficou composto por 35 pares, sendo que 14 contrastam pelo parâmetro configuração de mão, seis de locação, oito variam quanto ao movimento e sete quanto à orientação.

A seguir, será apresentada uma síntese descritiva da análise dos julgadores, foram expostos somente os sinais que apresentaram alguma contribuição ou sugestão de mudanças (Quadro 1).

Quadro 1 Lista de pares que foram retirados do instrumento por não serem considerados pares mínimos 

Número de aplicação do instrumento Lista de Pares Julgamento (pareceristas)
4. Perto - encontrar Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J1/C1)
5. Perto - descobrir Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J2/C1)
6. Encontrar - descobrir Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J1/C1)
23. Ignorar - preguiçoso Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J1/J2)
25. Aprender - amar Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J1/J2)
27. Aprender - ouvir Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J2/C1)
28. Amar - laranja Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J1/J2)
29. Amar - ouvir Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J1/J2)
30. Ouvir - laranja Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J2/C1)
31. Televisão - trabalhar Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J2/C1)
32. Mentira - sexta Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J2/C1)
38. Salto alto - eletricidade Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J1/J2)
42. Cuidar - Procurar Não configura par mínimo, modifica em mais de um parâmetro (J1/J2)

As siglas J1, J2 e C1 correspondem ao parecerista que sugeriu a modificação

Os sinais 4 (perto - encontrar), 5 (perto - descobrir), 6 (encontrar - descobrir), 23 (ignorar - preguiçoso), 25 (aprender - amar), 27 (aprender - ouvir), 28 (amar - laranja), 29 (amar - ouvir), 30 (ouvir - laranja), 31 (televisão - trabalhar), 32 (mentira - sexta), 38 (salto alto - eletricidade) e 42 (cuidar - procurar) foram excluídos por não formarem pares mínimos, sendo excluídos do trabalho, restando somente os sinais que foram aprovados pelos avaliadores. Esses sinais foram excluídos quando dois dos julgadores (J1, J2 ou C1) salientaram que os sinais modificavam em mais de um parâmetro, não constituindo assim um par mínimo.

Com relação aos pares que variam no parâmetro configuração de mão, 5 dos 14 pares (Quadro 2) sofreram modificações solicitadas pelos julgadores. Os pares 3, 9, 12, 17 e 18 foram filmados novamente para serem considerados pares mínimos. Os sinais devem variar somente em um parâmetro, assim, esses sinais expostos anteriormente, deveriam ter movimentos precisamente iguais.

Quadro 2 Lista de pares mínimos que variam quanto à configuração de mão: com modificações sugeridas pelos julgadores 

Par mínimo - antes da análise pelos avaliadores Par mínimo - após a análise dos pareceristas Julgamento (parecerista)
3. Cinza - bege 3. Cinza - bege Realizar os dois sinais com movimento retilíneo (J3)
9. Família - povo 6. Família - povo Filmar novamente, cuidando da locação, para que sejam realizados em locais equivalentes (J2)
12. Frio - triste 9. Frio - triste Realizar ‘frio’ sem o sinal composto, para ser considerado par mínimo (J1)
13. Ajudar - esperar 10. Ajudar - esperar Retirar o uso do pronome ‘eu’ utilizado na realização dos dois sinais / Realizar novamente de forma mais neutra (J2)
17. Luz - sol 13. Luz - sol Adequar o padrão de movimento na filmagem (J2)
18. Verde - roxo 14. Verde - roxo Realizar os dois sinais com movimento circular (J2)

As siglas J1, J2, J3 correspondem ao Julgador que sugeriu a modificação

No item 3, o sinal para “bege” deveria ser realizado também com o movimento retilíneo, assim como o elemento contrastante do par mínimo correspondente “cinza”. O item número 9, que também difere quanto ao parâmetro configuração de mão, teve que ser modificado devido à locação, pois o par mínimo não foi realizado no mesmo local e, dessa forma, não estava diferindo em somente um parâmetro.

No par mínimo de número 12, ambos os sinais deveriam ser realizados com movimento simples, sem repetição. Já os sinais para “luz” e “sol” (item 17) deveriam adequar o padrão de movimento, sendo realizados com o mesmo movimento. No par 18, os dois sinais deveriam ser realizados com movimento circular.

O item 13 também difere somente no parâmetro configuração de mão, no entanto, sofreu modificações extras por sugestão do avaliador J2, referente à flexão do pronome ‘eu’ utilizado juntamente com a produção do sinal realizado na primeira gravação pela intérprete. Além disso, foi sugerido por um dos avaliadores que o sinal 13 fosse realizado de forma mais neutra, sem enfatizar tanto a expressão facial, pois isso poderia comprometer a escolha da criança. Nesse caso, ela poderia deduzir qual era o sinal, pois a expressão facial auxiliaria na decisão.

No que se refere aos pares que variam quanto à Locação (Quadro 3), os julgadores solicitaram que o movimento do item 19 fosse realizado de maneira circular e o item 21 fosse realizado novamente de maneira mais precisa para que, dessa forma, variassem em somente um parâmetro.

Quadro 3 Lista de pares mínimos que variam quanto à locação e foram solicitadas adequações pelos avaliadores 

Par mínimo - antes da análise pelos avaliadores Par mínimo - após a análise dos pareceristas Sugestão (julgador)
19. Rosa - roxo 19. Rosa - roxo Realizar os dois sinais com movimento circular (J2)
21. Sábado - Aprender 21. Sábado - Aprender Realizar novamente com o mesmo movimento (J1/J2)
24. Azar - desculpa 19. Azar - desculpa Realizar novamente de forma mais neutra (J2)
26. Aprender - laranja 20. Aprender - laranja Realizar novamente de forma mais neutra (J2)

As siglas J1 e J2 correspondem ao Julgador que sugeriu a modificação

Novamente foram sugeridas algumas modificações extras pelos avaliadores que não se referem aos parâmetros avaliados, porém são importantes na realização do sinal, de maneira que poderiam influenciar a escolha da criança. Assim, o item 24 e 26 deveriam ser realizados de maneira neutra, não enfatizando a expressão facial, pois poderia auxiliar na decisão tomada pelo sujeito em avaliação, como podemos observar nas duas últimas linhas do Quadro 3.

Com relação aos pares que variam quanto ao movimento, as modificações solicitadas pelos avaliadores foram somente adequações extras, que não se referiam ao parâmetro de movimento em análise, mas que poderiam influenciar a percepção da criança. Dessa maneira, os sinais 33, 36, 37, 39, 40 e 42 foram filmados novamente utilizando expressões faciais menos enfáticas, conforme podemos visualizar no Quadro 4.

Quadro 4 Lista de pares mínimos que variam quanto ao movimento e sofreram adequações por solicitações extras realizadas pelos avaliadores 

Par mínimo - antes da análise pelos avaliadores Par mínimo - após a análise dos pareceristas Sugestão (julgador)
32. Emprestar - procurar 21. Emprestar - procurar Realizar novamente de forma mais neutra (J2)
34. Perigoso - mãe 23. Perigoso - mãe Realizar novamente de forma mais neutra (J2)
35. Perigoso - amarelo 24. Perigoso - amarelo Realizar novamente de forma mais neutra (J2)
37. Brincadeira - salto alto 25. Brincadeira - salto alto Realizar novamente de forma mais neutra (J2)
39. Quente - rápido 27.. Quente - rápido Realizar novamente de forma mais neutra (J2)
41. Esperar - parar 28. Esperar - parar Realizar novamente de forma mais neutra (J2)

A sigla J2 corresponde ao Julgador que sugeriu a modificação

Ressalta-se que os pares que se distinguem quanto à orientação foram inseridos somente após sugestão do colaborador, por isso, não sofreram modificações nas análises realizadas pelos julgadores.

DISCUSSÃO

Para a elaboração do instrumento proposto no presente artigo, os pares selecionados foram enviados aos juízes para analisarem evidência de validade baseada no conteúdo do instrumento e sua forma de apresentação no vídeo, se eram pertinentes e se foram realizados adequadamente, respectivamente.

Dessa maneira, cada item ‘par mínimo’ foi considerado como aprovado quando ocorreu o consenso entre os juízes acima de 80%, percentual acima do utilizado em estudos de validação de protocolo, em que o recomendável é pelo menos 70% de concordância(13-16). Assim, quando mais de dois juízes analisaram que determinado item não estava adequado, esse foi retirado do instrumento.

Depois de verificar o consenso entre os juízes, realizou-se ainda uma análise a fim de verificar a concordância estatística e os resultados encontrados apontaram para o item ‘não considerado par mínimo’ como estatisticamente significativo. Apesar de o valor de concordância ter sido considerado fraco (Coeficiente de Kappa = 0,183), esse resultado foi estatisticamente significativo, o que reforçou que os sinais que foram julgados como ‘não considerado par mínimo’ deveriam ser retirados do instrumento, pois variavam em mais de um parâmetro. Ressalta-se que o parâmetro orientação de mão foi acrescentado posteriormente à análise de juízes, sendo essa uma limitação do presente estudo, que posteriormente poderá ser sanada.

Para ser considerado par mínimo em língua de sinais, os estudos referem que esses sinais podem variar em somente um parâmetro, mantendo os demais traços distintivos, mas mudando o conceito e significado entre si(2,7). Assim, algumas alterações foram sugeridas pelos juízes, conforme podemos visualizar no Quadro 1, pois, no que se refere aos pares que modificam quanto ao parâmetro ‘configuração de mão’, por exemplo, as demais características de execução deveriam ser iguais. Dessa forma, para que o item “Cinza - bege” fosse considerado par mínimo, ambos os sinais deveriam ser realizados com movimento retilíneo, pois o parâmetro configuração de mão já era o parâmetro que variava. A mesma análise foi realizada para os itens do Quadro 3, que variavam quanto à locação, portanto os demais traços distintivos – como a configuração de mão, movimento e orientação – deveriam ser equivalentes.

Além das alterações referentes aos parâmetros, foram solicitadas algumas modificações extras, como realizar os sinais de forma mais neutra, não evidenciando tanto as marcações não manuais, como as expressões faciais. Essas marcações não manuais poderiam influenciar a percepção do sujeito que está sendo avaliado. Por vezes, se utiliza desse recurso como parte da comunicação e para se expressar até mesmo em línguas orais. Assim, se esse item fosse muito enfatizado durante a realização dos sinais, poderia facilitar a percepção dos sujeitos ao distinguir quais sinais estavam sendo abordados mediante o contexto dessas marcações não manuais(2).

Uma bateria de instrumentos que avaliam a competência de leitura e escrita da população surda brasileira foi elaborada, os pesquisadores ressaltam a carência de instrumentos validados e normatizados no Brasil que avaliem a população surda(16). Os instrumentos que compõem essa bateria investigam principalmente aspectos referentes à leitura, escrita, compreensão de leitura de frases, consciência fonológica, no entanto não investigaram os parâmetros da LIBRAS que pudessem servir de comparação para o presente estudo(10,17,18).

Nesta pesquisa, atentou-se para que a distribuição de pares entre os parâmetros fosse o mais uniforme possível. Contudo, deve-se ressaltar que o vocabulário das crianças também foi considerado ao escolher cada sinal, não ocorrendo uma distribuição completamente uniforme. O instrumento contém mais pares que variam quanto à configuração de mão. Ressalta-se que a configuração de mão permite mais opções diferentes do que a locação, orientação e movimento, pois estão presentes na LIBRAS 46 tipos de configurações de mãos(7). Além disso, provavelmente, são sinais que estão presentes no vocabulário das crianças.

Torna-se válido ressaltar que o presente trabalho vem acrescentar tanto na prática clínica quanto na científica, uma vez que é importante a elaboração de instrumentos voltados para avaliar o desempenho individual dos sujeitos na sua própria língua, a LIBRAS. Sabe-se que os instrumentos de avaliação possuem o enfoque na língua oral e, dessa maneira, o potencial da criança surda quando comparado aos ouvintes torna-se defasado(2,10).

Em um estudo que realizou a adaptação de um instrumento sobre qualidade de vida para a LIBRAS, os pesquisadores encontraram dificuldades ao realizar esse ajuste. Os autores relataram limitações encontradas, uma vez que são línguas diferentes, com expressões e estruturas linguísticas distintas(19). Assim como os autores da bateria de instrumentos realizada para avaliar a leitura escrita de sujeitos surdos, ressaltam a escassez de instrumentos que avaliem a língua de sinais(10,17,18).

Assim, de acordo com os resultados encontrados durante a elaboração deste instrumento, verificou-se que os objetivos iniciais de elaborar um instrumento que possibilite verificar a aquisição perceptiva dos contrastes mínimos foram contemplados na execução deste trabalho.

CONCLUSÃO

Com base nos resultados apresentados no presente estudo, elaborou-se um instrumento para avaliar a percepção dos contrastes mínimos mediante a utilização de pares mínimos na LIBRAS. Esses pares variavam somente em um parâmetro: configuração de mão, locação de mão, movimento de mão ou orientação de mão.

Depois da análise dos juízes, foram realizados os ajustes necessários quanto aos movimentos durante a execução dos sinais, bem como a realização neutra desses itens, ajustes com relação às figuras. Alguns itens foram retirados, pois houve concordância entre os julgadores de que determinados pares não estavam adequados por modificarem em mais de um parâmetro, resultando em um instrumento final composto por 35 pares mínimos.

REFERÊNCIAS

1 Barbosa FV, Lichtig I. Protocolo do perfil das habilidades de comunicação de crianças surdas. Rev Est Ling. 2014;22(1):95-118.
2 Quadros RM, Karnopp LB. Língua de Sinais Brasileira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artes Médicas; 2004.
3 Newman AJ, Supalla T, Hauser P, Newport E, Bavelier D. Prosodic and narrative processing in American Sign Language: an fMRI study. Neuroimage. 2010;52(2):669-76. PMid:20347996. .
4 Melo TM, Yamaguti EH, Moret ALM, Bevilacqua MC. Audição e linguagem em crianças deficientes auditivas implantadas inseridas em ambiente bilíngue: um estudo de casos. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2012;17(4):476-81. .
5 Magalhães ATM, Paolucci JF, Ávila CRB. Estudo fonológico e da percepção auditiva de crianças com ensurdecimento de consoantes. Fono Atual. 2006;8(35):22-9.
6 Santos-Carvalho B, Mota HB, Keske-soares M. Teste de Figuras para Discriminação Fonêmica: uma proposta. Rev Soc Bras Fonoaudiol. 2008;13(3):207-17. .
7 Ferreira-Brito L. Por uma gramática da língua de sinais. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro; 2010.
8 Quadros RM. Estudos de línguas de sinais: uma entrevista com Ronice Müller de Quadros. ReVEL. 2012;10(19):363-73. PMid:25110473.
9 Savoldi A, Ceron MI, Keske-soares M. Quais são as melhores palavras para compor um instrumento de avaliação fonológica? Audiol. Communic Res. 2013;18(3):194-202.
10 Capovilla FC, Capovilla GS, Viggiano KQ, Bidá MCPR. Avaliando Compreensão de Sinais da Libras em Escolares Surdos do Ensino Fundamental. Interação Psicol. 2004;8(2):159-69.
11 Capovilla FC, Raphael WD. Dicionário enciclopédico ilustrado trilíngue da língua de sinais brasileira. 2. ed. São Paulo: USP/Imprensa Oficial do Estado; 2001. vol. I: sinais de A a L; vol. II: sinais de M a Z.
12 Kaplan E, Goodglass H, Weintraub S. The Boston naming test. Philadelphia: Lippincott Williams & Wilkins; 2001.
13 Akins RB, Tolson H, Cole BR. Stability of response characteristics of a Delphi panel: application of bootstrap data expansion. BMC Med Res Methodol. 2005;5(37):1-12. PMid:16321161.
14 Dini AP, Guirardello EB. Construção e validação de um instrumento de classificação de pacientes pediátricos. Acta Paul Enferm. 2013;26(2):144-9. .
15 Grant JS, Kinney MR. Using the Delphi tecnique to examine the content validity of nursing diagnosis. Nurs Diagn. 1992;3(1):12-22. PMid:1562392. .
16 Palmer MM. Identification and management of the transitional suck pattern in premature infants. J Perinat Neonatal Nurs. 1993;7(1):66-75. PMid:8336292. .
17 Capovilla FC, Capovilla AGS, Mazza CZ, Ameni R, Neves V. Quando alunos surdos escolhem palavras escritas para nomear figuras: paralexias ortográficas, semânticas e quirêmicas. Rev Bras de Edu Especial. 2006;12(2):203-20. .
18 Capovilla FC, Prudêncio ER. Teste de Vocabulário Auditivo por Figuras: normatização e validação preliminares. Aval Psicol. 2006;5(2):189-203.
19 Chaveiro N, Duarte SBR, Freitas ARD, Barbosa MA, Porto CC, Fleck MPDA. Instrumentos em Língua Brasileira de Sinais para avaliação da qualidade de vida da população surda. Rev Saude Publica. 2013;47(3):616-23. PMid:24346575. .