versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.114 no.4 São Paulo abr. 2020 Epub 14-Fev-2020
https://doi.org/10.36660/abc.20180378
A fibrilação atrial (FA) é conhecida por induzir o remodelamento atrial, que promove fibrose, provocando, por sua vez, mais arritmogênese. Dessa forma, visto que as cicatrizes induzidas pela ablação por cateter (AC) podem reduzir as áreas fibróticas, uma maior extensão de cicatrizes do átrio esquerdo (AE) pode estar associada a uma menor recorrência da FA após AC.
Por meio de revisão sistemática e metanálise, o presente estudo visa investigar se a extensão total de cicatriz do AE, visualizada na ressonância magnética com realce tardio de gadolínio após a ablação, está associada a uma menor recorrência de FA após AC.
Foram seguidas as recomendações das diretrizes MOOSE. A busca foi realizada nas bases de dados PubMed e Cochrane Central Register of Controlled Trials até Janeiro de 2019. Dois autores realizaram triagem, extração de dados e avaliação da qualidade dos estudos. Em relação à qualidade, todos os estudos foram classificados como bons. Foi gerado um gráfico de funil, o qual não mostrou viés de publicação. Foi adotado nível de significância p < 0,05.
Oito estudos observacionais foram incluídos na revisão sistemática, dos quais quatro foram incluídos na metanálise. Dos oito estudos incluídos na revisão, seis mostraram que maior extensão de cicatrização do AE está associada a uma menor recorrência de FA após AC. A metanálise também demonstrou que maior extensão de cicatrização do AE está associada a uma menor recorrência de FA (SMD = 0,52; IC 95% 0,27 - 0,76; p < 0,0001).
Uma maior extensão de cicatrização do AE está possivelmente associada a uma menor recorrência de FA após AC. Estudos randomizados que explorem métodos de ablação baseados nessa associação são fundamentais.
Palavras-chave: Fibrilação Atrial; Ablação por Cateter; Átrios do Coração/lesões; Metanálise como Assunto; Base de Dados Bibliográficos
Atrial fibrillation (AF) is known to induce atrial remodeling, which promotes fibrosis related to arrhythmogenesis. Accordingly, since scars induced by catheter ablation (CA) can reduce unablated fibrotic areas, greater extent of left atrial (LA) scarring may be associated with less AF recurrence after CA.
This study aims to investigate, through systematic review and meta-analysis, whether the amount of LA scarring, seen on late gadolinium enhancement magnetic resonance imaging, is associated with less AF recurrence after CA.
The recommendations of the MOOSE guideline were followed. Database search was conducted in PubMed and Cochrane Central Register of Controlled Trials (comentário 1) until January 2019 (comentário 2). Two authors performed screening, data extraction, and quality evaluation. All studies were graded as good quality. A funnel plot was generated, showing no publication bias. Statistical significance was defined as p value < 0.05.
Eight observational studies were included in the systematic review, four of which were included in the meta-analysis. Six of the eight studies included in the systematic review showed that greater extension of LA scarring is associated with less AF recurrence after CA. Meta-analysis showed that greater extension of LA scarring is associated with less AF recurrence (SMD = 0.52; 95% CI 0.27 - 0.76; p < 0.0001).
Greater extension of LA scarring is possibly associated with less AF recurrence after CA. Randomized studies that explore ablation methods based on this association are fundamental.
Keywords: Atrial Fibrillation; Catheter Ablation; Heart Atria/injuries; Meta-Analysis as Topic; Databases,Bibliographic
Ablação por cateter de radiofrequência (ACRF) é um procedimento padrão para correção de fibriliação atrial (FA) em pacientes que não responderam a terapias medicamentosas prévias.1 Porém, este procedimento está relacionado a altas taxas de recorrência de FA, mesmo nos melhores serviços.2 Nesse sentido, eletrofisiologistas e cardiologistas intervencionistas estão buscando técnicas que visem reduzir a recorrência da FA.
A fibrilação atrial (FA) é conhecida por induzir o remodelamento atrial, aumentando a quantidade de tecido fibrótico no miocárdio, o qual pode promover arritmogênese atrial, assim reforçando o ciclo vicioso de FA.3-5 Deste modo, visto que as cicatrizes induzidas pela ablação por cateter (AC) podem reduzir as áreas fibróticas não ablacionadas, a extensão da cicatrização do átrio esquerdo (AE) pode estar associada a uma menor recorrência de FA após AC. Atualmente, porém, não há revisões sistemáticas ou metanálises que investigaram esta relação, embora sejam a mais alta qualidade de evidência disponível.
Neste sentido, esta revisão sistemática e metanálise visa investigar se a extensão de cicatrização do AE, visualizada pela ressonância magnética com realce tardio de gadolínio (RM-RTG), pode estar associada a uma menor recorrência de FA após CA, o que pode fornecer uma base sólida para desenhar novas estratégias de ablação que melhorem os desfechos dos pacientes.
Foi realizada uma revisão sistemática de acordo com os critérios estabelecidos pelo grupo Meta-analysis of Observacional Studies in Epidemiology (MOOSE).6
Dois investigadores (ETOC e ETM) buscaram nos bancos de dados PubMed e Cochrane Central Register of Controlled Trials, até janeiro de 2019. A estratégia de busca foi composta por uma combinação de termos em inglês e descritores de Medical Subject Headings (MeSH), compreendendo nove palavras-chave [(left atrial OU left atrium) E (scar OU scarring OU remodelling OU fibrosis OU enhancement) E (ablation OU pulmonary vein isolation)]. Também foi utilizada uma busca manual de referências para identificar possíveis estudos para inclusão. Os dois pesquisadores analisaram os títulos e resumos independentemente, e selecionaram os artigos que poderiam ser relevantes à revisão. Subsequentemente, os textos dos artigos foram revisados para selecionar quais seriam incluídos nas análises qualitativa e quantitativa. Em caso de discordância, a decisão era tomada por meio de discussão até os autores chegarem a um consenso.
Foram incluídos estudos observacionais (com desenho prospectivo ou retrospectivo) em humanos, cujo objetivo foi estudar a associação entre cicatrização pós-ablação do AE e a recorrência de FA após AC. Foram incluídos os estudos que atenderam aos seguintes critérios: 1) O estudo avaliava a recorrência de FA ou arritmia total após AC em humanos; 2) A publicação era um estudo original; 3) O período médio de acompanhamento era igual ou superior a três meses; 4) O estudo incluía mais de 20 sujeitos; 5) O estudo avaliava cicatrização do AE usando RM-RTG após AC.
A metanálise incluiu estudos que atenderam aos critérios prévios de análise qualitativa e que relataram médios e intervalos de confiança (IC) de 95% para cicatrização total do AE em pacientes com e sem recorrência de FA após AC.
Foi avaliado o risco de viés dos estudos com o Instrumento de Avaliação de Qualidade para Estudos de Séries de Caso do Instituto Nacional do Coração, Pulmão e Sangue.7 Dois avaliadores (ETOC e LMSB) realizaram a avaliação de maneira independente, e em caso de discordância, uma decisão foi tomada por meio de consenso entre os avaliadores. Foram avaliadas as seguintes características: 1) A pergunta ou objetivo do estudo estava claramente apresentado? 2) A população do estudo estava descrita de maneira clara e completa, incluindo uma definição do caso? 3) Os casos eram consecutivos? 4) Os sujeitos eram comparáveis? 5) A intervenção estava claramente descrita? 6) As medidas dos desfechos estavam claramente definidas, válidas, confiáveis e implementadas de maneira consistente para todos os participantes do estudo? 7) O tempo de acompanhamento foi adequado? 8) Os métodos estatísticos estavam bem descritos? 9) Os resultados estavam bem descritos?
Após avaliação dessas características, os autores atribuíram uma classificação de qualidade (boa, razoável ou ruim) para cada estudo. Foram classificados como de qualidade ‘ruim’ os estudos que atendiam a menos de três critérios; ‘razoável’ os que atendiam de três a cinco critérios; e ‘boa’ os que atendiam a mais de cinco. Todos os estudos selecionados atendiam a quase todos os critérios e foram classificados com qualidade boa pelos dois avaliadores. A avaliação de qualidade dos estudos incluídos está apresentada na Tabela 1.
Tabela 1 Características dos estudos incluídos e avaliação de qualidade
Estudo, ano | Região | Tipo de estudo | N | Paroxística, N (%) | Método de detectar FA | Acompanhamento | Qualidade | Limite de p |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
McGann et al., 2008 9 | América do Norte | Unicêntrico, prospectivo, observacional |
46 | 22 (48%) | Relatos dos pacientes, monitorização de eventos, monitor Holter e dados de ECG. | 3 meses | Boa | 0,05 |
Peters et al., 2009 10 | América do Norte | Unicêntrico, prospectivo, observacional |
35 | 19 (54%) | Monitor de eventos de 7 dias em vários intervalos. | 6,7 ± 3,6 meses | Boa | 0,05 |
Badger et al., 2010 11 | América do Norte | Unicêntrico, prospectivo, observacional |
144 | 57 (40%) | Monitor Holter de 8 dias e ECG aos 3 meses, 6 meses e 1 ano. | 10,23 ± 5,14 meses (variando de 6 a 20 meses) |
Boa | 0,05 |
Akoum et al., 2011 12 | América do Norte | Unicêntrico, prospectivo, observacional |
120 | 50 (42%) | ECG de 12 derivações e monitor Holter de 8 dias a 3 meses após ablação e em intervalos de 3 meses após isso. Foram obtidos ECG adicionais quando os pacientes relataram sintomas. | 283 ± 167 dias | Boa | 0,05 |
McGann et al., 2011 13 | América do Norte | Unicêntrico, prospectivo, observacional |
37 | NR | NR | 1 ano | Boa | 0,05 |
Hunter et al., 2013 16 | Europa | Multicenter, prospectivo, observacional |
50 | 50 (100%) | 7 dias de monitorização ambulatorial de ECG aos 3 e 6 meses | 6 meses | Boa | 0,05 |
Akoum et al., 2015 14 | América do Norte, Europa e Oceania | Multicenter, prospectivo, observacional |
177 | 116 (66%) | ECG ou registros de monitorização ambulatorial | No mínimo 1 ano | Boa | 0,05 |
Parmar et al., 2015 15 |
América do Norte | Unicêntrico, prospectivo, observacional |
94 | 45 (48%) | ECG de 12 derivações e monitor de eventos de 30 dias, 3 e 6 meses e 1 ano e a cada 6 meses após isso. Os pacientes que tiveram sintomas receberam ECG e monitores Holter adicionais. | Acompanhamento médio de 336 dias | Boa | 0,05 |
AE: átrio esquerdo; ECG: eletrocardiograma; EIC: ecocardiografia intracardíaca; FA: fibrilação atrial; NR: não relatado; RM-RTG: ressonância magnética com realce tardio de gadolínio.
Utilizando um formulário padrão para extração de dados, os dois pesquisadores (ETOC e LMSB) realizaram a extração dos dados, o qual foi verificado por um terceiro pesquisador (ETM). A extração dos dados incluiu os seguintes itens: 1) O sobrenome do primeiro autor e o ano de publicação; 2) Características dos estudos incluídos: número de pacientes, região do estudo, desenho do estudo, estratégia de ablação, método de medida de cicatrização do AE, método de detecção da FA, duração do período de acompanhamento e achados principais; 3) Resultados: médios e IC de 95% da cicatrização total do AE total em pacientes com e sem recorrência de FA após CA.
A associação entre a recorrência da FA e a cicatrização total do AE após a ACRF foi medida pela diferença média padronizada (DMP) com IC de 95%, e os erros-padrão foram determinados a partir do IC de 95% correspondentes. Foi utilizado o método do inverso da variância para pesar os estudos para análise estatística combinada análise estatística global. A significância estatística foi definida com o valor de p < 0,05. A heterogeneidade entre os estudos foi avaliada pelo teste Q de Cochran e a estatística I2 e subsequentemente avaliada pelos valores de I2. Foram definidos como de baixa heterogeneidade os valores de I2 inferiores a 30%; de moderada heterogeneidade os valores entre 30% e 60%; e alta heterogeneidade os valores superiores a 60%.8 Foi escolhido o modelo de efeitos fixos, devido ao número pequeno de estudos incluídos e à baixa heterogeneidade. Não foi realizada a meta-regressão, devido ao número pequeno de estudos incluídos. Os resultados estão apresentados em um gráfico de floresta com IC de 95%. Foi verificado o viés de publicação utilizando um gráfico de funil. Todas as análises foram realizadas utilizando software Review Manager 5.3.
Inicialmente, um total de 790 estudos foram identificados pela busca nos bancos de dados, 695 no PubMed e 95 no Cochrane Central Register of Controlled Trials. Identificação de duplicatas revelou 28 estudos em duplicata, os quais foram subsequentemente eliminados. Após leitura cuidadosa do título e resumo, foram excluídos 742 dos 762, por não estarem relacionados à presente revisão. Foram analisados os textos integrais de 20 estudos, 12 dos quais foram excluídos, por não estarem relacionados à presente revisão. Finalmente, foram incluídos 8 estudos9-16 na análise qualitativa, dos quais 4 foram incluídos na metanálise.9-11,15 O fluxograma da seleção dos estudos está apresentado na Figura 1.
Oito estudos foram incluídos nesta revisão,9-16 dos quais seis estudos eram observacionais unicêntricos prospectivos e dois estudos eram observacionais multicêntricos prospectivos (Tabela 1). A revisão sistemática incluiu um total de 70 pacientes, e a metanálise incluiu 295. O período de acompanhamento variou de três a doze meses. Todos os estudos utilizaram RM-RTG para identificar cicatrização do AE após CA. O isolamento das veias pulmonares (IVP) foi a estratégia de ablação em todos os estudos. Os estudos de Akoum et al.14 e Hunter et al.16 utilizaram ablação por cateter e criobalão. As características de todos os estudos incluídos estão resumidos na Tabela 1 e a Tabela 2.
Tabela 2 Características dos estudos incluídos e achados principais
Estudo, ano | Método de ablação | Estratégia de ablação | Cateter utilizado | Tempo de RM-RTG | Achados principais |
---|---|---|---|---|---|
McGann et al., 20089 | ACRF | IVP em adição a debulking septal e da parede posterior do AE. | Cateter de ablação irrigado externamente | 3 meses após ablação | Pacientes com relação de cicatriz > 13% são 18,5 vezes mais prováveis a terem um desfecho favorável e ausência de FA aos 3 meses. |
Peters et al., 200910 | ACRF | IVP sem adição rotina de linhas de ablação empíricas no AE. | Ponta padrão de 8 mm: N = 29 (83%); cateter de ablação de ponta irrigado de 3,5 mm: N = 6 (17%) | 46 ± 28 dias após ablação | Recorrência de FA durante o primeiro ano está associado a um grau menor de cicatrização da VP e do AE após ablação. |
Badger et al., 201011 | ACRF | Isolamento do AVP com debulking septal e da parede posterior. | Cateter de ablação de ponta irrigado Thermocool de 3.5 mm | 3 meses após ablação | Nos pacientes com terminação bem‑sucedida da FA, a cicatriz média da parede AE total era mais alta após ablação, de 16,4 ± 9,8% (p = 0,004) e percentagem da cicatriz AVP de 66,2 ± 25,4 (p = 0,01) |
Akoum et al., 201112 | ACRF | IVP de modo circular no AVP e debulking adicional e na parede posterior do AE e no septo | Cateter decapolar de mapeamento circular: N = NR; Cateter de ablação Thermocool de 3,5 mm: N = NR | 3 meses após ablação | Cicatrização geral do AE após ablação prediz a recorrência em etapas moderadas de fibrose. |
McGann et al., 201113 | ACRF | IVP, em adição a debulking septal e da parede posterior. | Cateter de ablação Thermocool de 3,5 mm | Imediatamente após ablação e 3 meses após ablação | Com 1 ano de acompanhamento, os pacientes com formação moderada de cicatriz 3 meses após ablação não tinham recorrência de FA. Em comparação, todas as recorrências ocorreram em pacientes com formação leve de cicatriz 3 meses após ablação (p = 0,02). |
Hunter et al., 201316 | ACRF e criobalão | IVP por WACA ou ablação ostial com criobalão. | Cateter de ablação irrigado de 3,5 mm: N = NR Para ablação por criobalão uma bainha FlexCath 11F aplicou um criobalão de 23 ou 28 mm: N = NR |
Pré-ablação e 3 meses após ablação | A proporção de pacientes livres de FA não foi afetada por lesões de ablação identificadas na imagem: 16 de 30 pacientes (53%) com lesões de ablação identificadas permaceram livres de FA, em comparação com 13 dos 20 pacientes (65%) sem lesões identificadas (p = 0,560). |
Akoum et al., 201514 | ACRF e criobalão | IVP com ablação por CFAE, ablação linear das linhas do ICT e outras ablações no AE (linha do teto, istmo mitral, parede posterior) | Criobalão: N = 12 (6,7 %); Ablação por radiofrequência em fase de ciclo com vários eletrodos: N = 8 (4,5 %); Cateter de radiofrequência não irrigado e de irrigação aberta: N = 157 (88,7 %) | 3 meses após ablação | Quanto mais cicatrização está sobreposta a fibrose, melhor a sobrevida sem arritmias. |
Parmar et al., 201515 | ACRF | IVP e debulking adicional da parede posterior do AE | Cateter de ablação de 3,5 mm | 3 meses após ablação | A má formação de cicatrizes na RM-RTG foi associada a taxas mais altas de recorrência de FA. |
ACRF: ablação por cateter de radiofrequência; AE: átrio esquerdo; AVP: antro da veia pulmonar; EAFC: eletrograma atrial fracionado complexo; ECG: eletrocardiograma; EIC: ecocardiografia intracardíaca; FA: fibrilação atrial; ICT: istmo cavo-tricúspide IVP: isolamento das veias pulmonares; NR: não relatado; RM-RTG: ressonância magnética com realce tardio de gadolínio; VP: veia pulmonar; WACA: ablação circunferencial de área ampla
Seis dos oito estudos incluídos8-12,14 acharam que a extensão da cicatrização do AE foi associada a uma menor recorrência de FA após AC.
No estudo de Hunter et al.,16 não houve associação significativa entre a identificação de lesões de ablação e a ausência de FA (53% dos pacientes com lesões de ablação identificadas apresentaram ausência de FA vs. 65% dos pacientes sem lesões identificadas, p = 0,560). O estudo também realizou a regressão logística binária, a qual confirmou que não houve associação significativa entre a identificação de lesões de ablação e a ausência de FA.16
O estudo de Akoum et al.,14 achou que cicatrização induzida por ablação não foi um preditor estatisticamente significativo de menos recorrência de FA (razão de riscos = 0,95; p = 0,097). Porém, de acordo com o mesmo estudo, ao realizar homogeneização da cicatriz, induzir lesões de ablação em tecido fibrótico prévio resulta em uma taxa menor de recorrência, porque permanece menos tecido fibrótico heterogêneo.14
A presente metanálise demonstra que a cicatrização total do AE após ablação está associada a uma menor recorrência de FA após CA (SMD = 0,52; IC 95% 0,27 - 0,76; p < 0,0001), conforme apresentado na Figura 2. O teste de heterogeneidade demonstrou que não houve diferenças significativas entre os estudos (p = 0,4, I2 = 0%). O gráfico de funil (Figura 3) foi utilizado para verificar a existência de viés de publicação. Não houve assimetria óbvia, sugerindo que não houve viés de publicação.
A importância da AC para correção da FA tem aumentado desde a sua introdução. Uma metanálise recente de Kheiri et al., que incluiu sete ensaios controlados randomizados, demonstrou que AC foi associada a desfechos melhores em pacientes com FA e insuficiência cardíaca, em comparação com o tratamento medicamentoso.17 Portanto, estratégias de ablação que reduzem a recorrência de FA e os riscos procedurais precisam ser buscadas por cardiologistas intervencionais. Esta revisão sistemática e metanálise demonstrou que a extensão de cicatrização do AE após ablação está possivelmente associada com menor recorrência de FA após CA, abrindo caminhos para pesquisas futuras sobre métodos de ablação com menores chances de recorrência pós-procedimento.
Estudos prévios em modelos animais têm estabelecido o conceito que “FA gera FA” por meio de remodelamento atrial.18 Desta maneira, FA estimula alterações fibróticas atriais que mantêm e aumentam a carga de FA, resultando no ciclo vicioso.19 Além disso, apesar de algumas limitações, estudos em humanos têm demonstrado que pacientes com FA paroxística apresentam um aumento na rigidez do AE, possivelmente devido a um aumento na fibrose do AE.20,21
Em adição a isso, estudos em animais têm demonstrado que 80% dos gatilhos da FA localizam-se na parede posterior, incluindo a região das veias pulmonares (VP).22 Uma metanálise prévia demonstrou que o isolamento de uma parte do AE posterior reduz a recorrência de FA após CA.23 Portanto, um aumento na extensão da ablação do AE pode proporcionar mais modificação do substrato, diminuindo a quantidade do tecido do AE viável capaz de abrigar FA pela sobreposição de gatilhos VP e não-VP com lesões de ablação.
A aplicação clínica da RM em tempo real pode tornar possível a visualização da cicatrização do AE durante o procedimento, tornando cicatrização mais fácil de realizar.24 Porém, visto que a RM em tempo real ainda é um método de imagem dispendioso e novo, alternativas como CA guiada por mapeamento eletroanatômico para visualizar cicatrizes do AE podem ser uma opção para otimizar os desfechos. Uma metanálise recente de Ramirez et al.,25 relatou uma associação entre a CA guiada para FA e o aumento no número de pacientes livres de FA, em comparação com as estratégias convencionais. Porém, essa metanálise incluiu principalmente estudos não randomizados de qualidade moderada. Futuros estudos observacionais podem ajudar a construir evidências para comprovar se o mapeamento eletroanatômico pode assistir na criação de lesões de cicatrização contíguas ao redor da VP.
Embora esta metanálise demonstre que a maior extensão de ablação reduz o risco de recorrência de FA, esta estratégia não está livre de riscos, considerando que o procedimento pode diminuir a complacência atrial esquerda, o volume do AE e a função sistólica do AE, que pode induzir o desenvolvimento da síndrome do átrio esquerdo rígido (SAER).26 O SAER, que foi descrito em 1988 por Pilote et al.,27 caracteriza-se por uma redução na função diastólica do AE e hipertensão pulmonar.28 Embora isto possa representar uma consequência grave de ACRF, em um estudo de série de caso de Gibson et al., a condição foi relatada em apenas 1,4% dos pacientes que foram submetidos a ACRF.28
Além disso, os estudos prévios acharam que o volume das cicatrizes do AE após AC estava associado à função sistólica deprimida do AE.26,29 Cicatrizes de ablação na parede posterior do AE, porém, tiveram menos efeito na função sistólica do AE.26
Outro risco de AC que pode ser aumentado por ablação extensiva é a possibilidade de lesão esofágica, devido à relação anatômica entre o esôfago e a parede posterior do AE.29 O esôfago está separado do AE posterior por uma camada fina de gordura, sendo propenso a lesões durante ablação de FA.30 Possíveis lesões do esôfago incluem perfuração, formação de fístula átrio-esofágica e lesão do nervo periesofágico.30 Para minimizar os riscos potenciais das lesões esofágicas, devem ser adotadas algumas estratégias, por exemplo, reduzir a potência na parede posterior do AE, monitorar a temperatura do esôfago, irrigar o esôfago com água fria e utilizar imagem pré-procedimento.31-33
Um estudo prévio de Chubb et al.,34 o qual investigou RM-RTG da cicatriz atrial após ablação em 50 indivíduos submetidos a ablação de FA pela primeira vez, demonstrou que visualização pós-ablação das cicatrizes induzidas no AE é reprodutível. Além disso, os autores concluíram que a imagem deve ser realizada pelo menos 20 minutos após a administração do contraste à base de gadolínio para melhor reprodutibilidade.34 Porém, o estudo de Hunter et al. analisado na presente revisão, o qual incluiu 50 pacientes, concluiu que imagem com realce tardio de gadolínio da cicatriz atrial ainda não está suficientemente precisa para identificar lesões de ablação ou determinar distribuição de lesões de maneira confiável. Um consenso publicado pela Associação Europeia de Ritmo Cardíaco afirmou que ainda não há recomendação nem consenso de especialistas em relação ao papel de RM-RTG para auxiliar procedimentos de ablação de FA. No entanto, o consenso afirma que os dados disponíveis são interessantes o suficiente para justificar pesquisas futuras.35
Embora estudos prévios tenham demonstrado o impacto positivo de buscar estratégias de ablação além do isolamento circunferencial de veias pulmonares (ICVP), o ensaio STAR FA II demonstrou um cenário diferente.23,36 O STAR AF II foi um estudo multicêntrico randomizado, que comparou apenas ICVP, ICVP mais ablação linear pelo teto do átrio esquerdo e o istmo mitral e ICVP mais ablação de eletrogramas fracionados complexos. Não foi encontrada redução na recorrência de FA, quando estratégias adicionais à ICVP foram realizadas.36
O estudo DECAAF demonstrou que a fibrose do AE visualizada por meio de RM-RTG foi um forte preditor dos desfechos de ablação, e quanto mais a cicatrização induzida por ablação foi sobreposta ao tecido fibrótico, melhor o desfecho.37 Dessa maneira, o estudo DECAAF II irá randomizar pacientes com FA persistente para receberem ablação convencional por IVP ou IVP guiado por RM-RTG.38
O uso aumentado de AC para correção da FA na prática clínica requer estratégias melhores para reduzir falhas após o procedimento. É necessário realizar ensaios controlados randomizados que comparem AC guiada por mapeamento eletroanatômico e métodos de ablação tradicionais. Além disso, é importante padronizar RM-RTG para detectar cicatrizes no AE com a finalidade de garantir a sua reprodutibilidade. Além disso, o desenvolvimento de RM em tempo real pode reduzir os seus custos, assim tornando possível o seu uso no futuro.
Embora a presente revisão sistemática e metanálise forneça um aumento significativo no número de pacientes analisados, o número de pacientes incluídos continua limitado. Além disso, apenas quatro estudos foram incluídos na análise quantitativa, todos os quais eram observacionais. Embora RM-RTG seja viável para detectar cicatrização atrial após ablação, a sua reprodutibilidade ainda precisa ser estudada.
A presente revisão demonstra que a extensão de cicatrização atrial após ablação está possivelmente associada a menos recorrência de FA após AC (SMD = 0,52; IC 95% 0.27 - 0,76; p < 0,0001), o qual abre o caminho para estratégias de ablação guiadas por cicatrização. Porém, a reprodutibilidade deste método de imagem precisa ser estudada mais e melhorada. É necessário realizar ensaios controlados randomizados, como o ensaio DECAAF II, que investiguem os métodos de ablação baseados nesta associação com a finalidade de proporcionar aos pacientes a melhor opção de tratamento, com risco mínimo de recorrência de FA e complicações.