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A implementação de redes de atenção e os desafios da governança regional em saúde na Amazônia Legal: uma análise do Projeto QualiSUS-Rede

A implementação de redes de atenção e os desafios da governança regional em saúde na Amazônia Legal: uma análise do Projeto QualiSUS-Rede

Autores:

Angela Oliveira Casanova,
Marly Marques Cruz,
Ligia Giovanella,
Glaydes dos Reis Alves,
Gisela Cordeiro Pereira Cardoso

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.22 no.4 Rio de Janeiro abr. 2017

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232017224.26562016

Introdução

As implicações da adoção da descentralização como diretriz na implementação de sistemas de saúde e sua relação com movimentos de reforma do setor têm sido apontadas na literatura nacional e internacional1-4. Análises sobre a dimensão municipalista do sistema de saúde brasileiro demonstram resultados diversificados e fortemente condicionados pelo contexto da implementação refletindo as realidades dos municípios e a disposição política dos atores governamentais1,5,6. Este cenário colocou no centro do debate a necessidade de compatibilizar a descentralização da política de saúde com estratégias de regionalização, a fim de promover relações intergovernamentais mais complementares, equilibrar a autonomia e a interdependência entre os entes governamentais, incentivar a formalização das pactuações e organizar em nível regional um sistema de saúde integrado5,7-9.

Normativas e diretrizes foram então editadas com vistas a dar materialidade à regionalização2,5,7,8. Nesse processo, foram estabelecidos parâmetros para a definição de recortes territoriais (regiões de saúde) e instituídos colegiados de gestão inter-regionais, com representação das distintas esferas de governo, responsáveis pela condução da política de saúde no nível regional8. Também foram formulados diversos instrumentos para o planejamento regional9. Contudo, observam-se descontinuidades e mudanças no seu escopo, vis a vis os distintos matizes teóricos e políticos que nortearam as estratégias adotadas para a regionalização no Brasil: a conformação de regiões e de redes de atenção à saúde (RAS)9.

Desde 2011, a implementação das RAS no país tem sido induzida por meio de financiamento federal em torno de prioridades estabelecidas de acordo com diretrizes clínicas ou organizativas, como materno-infantil, atenção psicossocial, doenças crônicas, ou de serviços de urgência e emergência, denominadas redes temáticas10,11. Um dos dispositivos para essa estratégia é a governança das redes de atenção, compreendida como um arranjo institucional organizativo que favorece a gestão dos componentes das redes (serviços de atenção e de apoio diagnóstico e ou logístico) e busca fortalecer relações de cooperação e solidariedade entre os distintos responsáveis, para obter resultados mais satisfatórios para a região11,12. O sistema de governança tem como objetivo fomentar uma missão e visão para a região de saúde, definir metas e objetivos, promover a articulação de políticas institucionais e intersetoriais e fortalecer a própria capacidade de gestão regional por meio do planejamento, monitoramento e avaliação10-12. Esse arranjo abrange três aspectos: o institucional, por meio do fortalecimento das instancias gestoras do SUS; o gerencial, com organização de grupos condutores das regiões de acordo com a rede temática, responsáveis pela elaboração dos diagnósticos regionais e desenho dos planos de ação; e o financiamento10.

Não obstante a existência de um escopo de orientações, normativas e diretrizes, a implementação das RAS e a própria regionalização enfrentam dificuldades não superadas2,8,13,14. A regionalização da saúde ocorre por meio de relações com atores diversos, com orientações e interesses distintos, não necessariamente convergentes envolvendo diversos processos de negociação. Essa dinâmica relacional, base do processo político da regionalização, tem sido caracterizada por interesses de teor municipalista, político-partidário, econômico, privatista, entre outros, dificultando sua institucionalidade nas regiões de saúde. Além disso, são vários os estágios de institucionalidade da regionalização no país, processo fortemente condicionado por aspectos de natureza histórico-estrutural, político-institucional e conjuntural2,13. Acrescenta-se a diversidade de estratégias de operacionalização, fragilidade dos instrumentos de gestão, pouca cultura de planejamento, dificuldade na regulação do setor privado contratado, subfinanciamento, além de ausência de mecanismos de coordenação regional que garantam juridicamente as pactuações2,13-15.

Este artigo tem como objetivo analisar a implementação de redes de atenção com destaque para os aspectos da governança regional, em três regiões do país pertencentes à Amazônia Legal. Estas regiões receberam investimentos oriundos do Projeto de Formação e Melhoria da Qualidade da Rede de Atenção à Saúde (Projeto QualiSUS-Rede) que teve por finalidade apoiar a implementação de redes em quinze regiões do país e propiciar inovações institucionais, num contexto de poucas experiências consolidadas. Os projetos foram financiados com recursos obtidos por meio de empréstimo do Banco Mundial e do Ministério da Saúde (MS). Cada região selecionada elaborou um projeto priorizando investimentos nos eixos: fortalecimento da atenção básica, redes temáticas, apoio logístico e/ou diagnóstico e governança regional16.

Para avaliar o grau de implementação das intervenções dos projetos regionais, foi realizada uma pesquisa avaliativa, concluída em dezembro/201516. A governança regional, foco deste artigo, considerou as estratégias de fortalecimento desenhadas em cada projeto e o processo de coordenação regional na implementação das redes.

Em virtude dos investimentos realizados nessas regiões para a implementação das redes busca-se compreender em que medida tais iniciativas contribuíram para o fortalecimento da governança regional e os obstáculos para que esta adquira maior institucionalidade. Considera-se que a análise do efeito de intervenções direcionadas ao fortalecimento da governança regional pode ampliar a capacidade de compreensão em contextos diversificados e, ao mesmo tempo, identificar elementos mais gerais que facilitam ou dificultam a regionalização.

Procedimentos metodológicos

A estratégia metodológica adotada foi de estudo de casos múltiplos com método qualitativo e plano de análise regional16. As informações foram analisadas a partir de dados coletados no âmbito da Pesquisa Avaliativa do QualiSUS-Rede referentes às três regiões selecionadas: documentos oficiais e entrevistas semiestruturadas. A pesquisa de campo foi realizada entre julho e dezembro de 2014.

Contexto do estudo – seleção e caracterização das regiões

Os critérios que subsidiaram a escolha das três regiões consideraram a participação no Projeto QualiSUS-Rede e a situação geográfica das regiões: região de fronteira internacional (Alto Solimões), região metropolitana (Belém) e região de fronteira interestadual que engloba os estados do Tocantins, Pará e Maranhão (Topama), com regiões que se caracterizam como espaços opacos ou de uso coorporativo do território17,18. As três regiões integram a Amazônia Legal, espaços em que se observam importantes dificuldades de logística e infraestrutura e que precisam lidar com interesses relacionados à manutenção de sua biodiversidade, qualificação de atividades econômicas tradicionais, e expansão de atividades agroeconômicas19. Características das regiões selecionadas são sintetizadas na Tabela 1.

Tabela 1 Características das regiões caso selecionadas. 

Características Alto Solimões Metropolitana de Belém Topama
UF Amazonas Pará Tocantins, Pará e Maranhão
Nº Municípios 9 5 110
Características populacionais Composta por 3 microrregiões (Tabatinga, Santo Antônio do Içá e Fonte Boa). Área de segurança nacional e fronteira internacional com dois países (Peru e Colômbia), concentração de população indígena (várias etnias), ribeirinha e extrativista. O principal elemento de conexão e acessibilidade aos municípios é o Rio Solimões. Insular e com contingentes importantes de população ribeirinha. Ocupações desordenadas, fruto do processo migratório, essencialmente de pessoas/famílias oriundas dos municípios mais distantes dos centros urbanizados. Os municípios de Belém e Santa Bárbara do Pará contam com áreas de assentamento rural. Abrange 03 macrorregiões (norte do Estado de Tocantins, sudeste do Pará e sudoeste do Maranhão) com 110 municípios - 65 no TO, 22 no PA e 23 no MA – distribuídos em 07 regiões de saúde.
População total 248.118 2.162.223 2.394.901
Densidade demográfica 1,05 hab/km2 1122,68/km2 12,05/km2
CIR 1 1 7
Situação geográfica Fronteira Internacional Metropolização Espaços opacos e Uso Corporativo do Território
Tipo de Região de saúde a Baixo desenvolvimento socioeconômico e baixa oferta de serviços Alto desenvolvimento socioeconômico e média oferta de serviços 3 regiões - uma em cada UF: Médio/alto desenvolvimento socioeconômico e baixa oferta de serviços 1 Região - TO - Médio desenvolvimento socioeconômico e média/alta oferta de serviços
Institucionalidade da regionalização no Estado b Amazonas: Incipiente Pará: Intermediária Pará - intermediária
(estados TO e MA não foram investigados)
Dinâmica de funcionamento da CIB - Conteúdo das negociações b Diversificado. Aderência a questões regionais (endemias e prestação de serviços). Assimetria de poder. Maior peso do Estado. Diversificado. Aderência a realidade estadual, mas com maior peso da agenda federal. Relação de poder equilibrada. (TO e MA não foram investigados)
Dinâmica de funcionamento da CIB - Processo político Cooperativa-conflitiva e restrita Cooperativa-formalista (TO e MA não foram investigados)

Fontes: População: Para as regiões do Alto Solimões e Metropolitana de Belém (Projeção 2016. Http://www.resbr.net.br/indicadores/view). Para a região de Topama (Projeto QualiSUS-Topama). Situação Geográfica. Machado et al.20. Tipologia nacional das regiões de saúde. http://www.resbr.net.br/indicadores/view/. Caracterização das Comissões Intergestores Bipartites (CIB) em saúde, nos estados do Brasil. Machado et al.21.

Fontes de informação e tratamento dos dados

As entrevistas foram realizadas com o grupo condutor responsável pela formulação e implementação do QualiSUS-Rede nas regiões. Para a análise documental foram utilizadas atas de reuniões de colegiados gestores e de conselhos de saúde e instrumentos de planejamento estadual e regional, que foram organizados e analisados, por região, e estão apresentados na Tabela 2.

Tabela 2 Fontes de dados por região caso. 

Fontes de dados Alto Solimões Metropolitana de Belém Topama
Entrevistas realizadas Gestor estadual 1 1 3
Apoiador 1 2 3
Gestor Municipal 9 6 9
SES 5 3 8
COSEMS 0 1 3
DSEI 3 0 4
Total 19 13 30
Documentos analisados CIR sim sim sim
CES sim sim sim
CMS sim sim sim
PEREP não sim não
PDR Indisponível sim Apenas das regiões do PA e TO
PES sim sim Apenas das regiões do PA e TO
Coap Não assinado

Fonte: Brasil, Fiocruz, ENSP, DENSP/LASER16.

Para os propósitos deste artigo, a análise da governança nas regiões articulou as informações provenientes da pesquisa avaliativa e estabeleceu três componentes principais:

  1. Atores: Para coordenar e implantar os projetos foi instituído um grupo condutor do QualiSUS-Rede, em cada região, tendo como atribuições mobilizar atores estratégicos, formular os projetos, apoiar e monitorar sua implantação. Sua composição deveria contemplar representantes da gestão estadual, dos municípios, do COSEMS, e de instituições parceiras de ensino e pesquisa, caso necessário, além de contar com um apoiador institucional do MS, designado para apoio local ao grupo condutor. A coordenação e a execução financeira do projeto foram atribuídas ao gestor estadual. Esse componente considerou a composição dos grupos, o papel dos atores envolvidos e a capacidade de articulação intersetorial.

  2. Estratégias: Refere-se à análise lógica das ações propostas para o fortalecimento da governança regional. A modelização dessas intervenções buscou identificar e expressar a coerência entre a situação problema apresentada pelas regiões quanto ao processo de governança regional, com as ações pretendidas e os resultados esperados.

  3. Implementação das Redes de Atenção: O grau de implementação do QualiSUS foi avaliado de acordo com uma matriz de análise e julgamento que agregou seis dimensões avaliativas: conformidade, mecanismos de coordenação, governança, participação social, qualidade técnica de recursos humanos e sustentabilidade. A implementação foi compreendida em termos dos aspectos técnicos e políticos da governança regional. Foram estabelecidos os seguintes subcomponentes de análise:

  • Coordenação regional: conteúdo das discussões e negociações; relação entre os entes; orientação para as questões regionais, articulação regional;

  • Organização das redes de atenção: articulação de redes e regionalização; integração intrasetorial (saúde indígena), adoção de instrumentos de planejamento e gestão;

  • Cofinanciamento e sustentabilidade: definição de responsabilidades entre os entes, formalização de acordos e pactuações.

Resultados

Atores

Nas três regiões analisadas, a composição dos grupos de condução seguiu a orientação sugerida no edital do projeto. Como elemento comum a predominância de atores governamentais e baixa articulação com outros segmentos do governo ou da sociedade, conforme Quadro 1.

Quadro 1 Atores envolvidos na governança regional das regiões do Alto Solimões, Metropolitana de Belém e Topama, 2014. 

Atores Alto Solimões Metropolitana de Belém Topama
TO PA MA
Componentes do Grupo Condutor SMS - Gestores representantes das 3 Microrregiões SMS - Todos os gestores da região 02 SMS 02 SMS 02 SMS
SES - Gestão e áreas técnicas (Sec.Exec. Adj.de Assis. Saúde Interior-SEAASI), Departamento de Planejamento/SUSAM, Coordenação do Proderam SES - Gestão, Colegiado Gestor e Coordenação Centro Regional de Saúde Gestão e Áreas técnicas (Planejamento e Atenção e Promoção) Gestão e Áreas técnicas (QualiSUS-Rede e Controle e Avaliação, Auditoria e Regulação da Regional de Marabá) Gestão e Áreas técnicas (Planejamento e Gestor Regional da SES pelos municípios de referência)
Subsistema Saúde Indígena - DSEI Vale do Javari, DSEI Alto Rio Solimões, DSEI Médio Solimões e afluentes - Apoiador QualiSUS SESAI
MS - apoiador institucional local MS - apoiador institucional local e apoiador estadual MS - apoiador institucional local e apoiador estadual - -
- COSEMS COSEMS TO - 02 representantes COSEMS PA -02 representantes COSEMS MA -02 representantes
Outros atores Hospital de Guarnição - Ministério do Exército (descontinuado) Não referido Não referido
Universidade Federal do Amazonas (descontinuado)
MS - apoiador estadual
Conselhos municipais de saúde
Unaids
Parcerias Companhia do Estado do Amazonas (CIAMA) - Projeto de Desenvolvimento Regional do Estado do Amazonas para o Zona Franca Verde (Proderam) Universidade Estadual do Pará (UEPA) Não referido

Fonte: Brasil, Fiocruz, ENSP, DENSP/LASER16.

Na região do Alto Solimões o grupo condutor foi formado antes que a Comissão Intergestores Regional (CIR) estivesse instituída. No momento inicial, esse grupo contou com a participação da direção do Hospital de Guarnição (do Ministério do Exército), importante retaguarda na região, e também com representante da Universidade Federal do Amazonas. Contudo, posteriormente essa composição foi modificada, mantendo-se apenas gestores e técnicos das secretarias de saúde. A escolha dessa região para o projeto pautou-se na existência de forte componente indígena na composição populacional. A incorporação do subsistema de saúde indígena, por intermédio da participação dos três distritos sanitários indígenas (DSEI) da região no grupo condutor, favoreceu a articulação de demandas e algum grau de compartilhamento de recursos, apesar de haver divergências quanto às prioridades regionais. A região conseguiu estabelecer parceria com o Projeto de Desenvolvimento Regional do Amazonas para o Zona Franca Verde (Proderam), coordenado pela Companhia de Desenvolvimento do Amazonas (Ciama), em parceria com o Banco Mundial, e que tem a saúde como uma das linhas de atuação na região.

Igualmente, na região metropolitana de Belém, no momento de elaboração do projeto QualiSus-Rede, a CIR ainda não havia sido instituída. No decorrer da implementação, a participação dos representantes no grupo condutor (GC) não foi consistente nem uniforme. Não obstante, foi possível formalizar parcerias, com a universidade estadual para fins de formação profissional e educação permanente bem como para viabilizar apoio diagnóstico, por meio do Telesaúde. Foi citada também a participação no GC de unidade de saúde filantrópica, responsável por retaguarda em urgência e emergência na região.

A região Topama, dada a impossibilidade de envolver os gestores de todos os municípios, teve como representantes os daqueles de referência das regiões de saúde que a integram. O grupo condutor contou com a participação de distintas áreas técnicas e da gestão das secretarias estaduais, do COSEMS e dos apoiadores locais. Um representante da saúde indígena foi posteriormente incorporado mediante a integração de demandas dessa área ao projeto.

Nos três casos analisados, a descontinuidade política decorrente das eleições municipais com rotatividade dos gestores municipais, implicou etapas adicionais de envolvimento, negociação e repactuação de prioridades. Na região de Topama, além desse aspecto, ocorreram mudanças na composição das equipes dos departamentos em uma das secretarias de estado, incluindo a área de planejamento, responsável pela condução do Coap e do Projeto. Tais aspectos, em conjunto, apontam dificuldades enfrentadas pelas regiões em garantir institucionalidade às decisões e acordos realizados.

A definição do gestor estadual na coordenação do projeto parece ter tido como efeito o reconhecimento do seu papel nas regiões na indução da regionalização e implantação das RAS. No Amazonas e no Pará, a atuação da gestão estadual foi considerada fundamental ao assumir a coordenação dos projetos, inseri-lo em sua ordem de prioridades e criar as condições organizacionais necessárias para facilitar sua implementação. A região de Belém destacou a redefinição das regiões de saúde e o impulso para a implementação das redes articulada à regionalização, processos que até então ocorriam de forma lenta e gradativa. Em Topama, a capacidade de integração entre os estados foi uma preocupação constante, dada a insuficiência dos recursos humanos disponíveis, dificuldades de conciliação da agenda de gestores e técnicos dos três estados e na definição de financiamento de custeio para a região.

Os apoiadores institucionais foram mencionados como importantes articuladores nas regiões e com papel essencial como mediadores de conflitos e interesses. Contudo, esse apoio enfrenta dificuldades para se institucionalizar e garantir a permanência desses profissionais nas regiões, face aos tipos de contratos de trabalho estabelecidos, com decorrente inconstância dos apoiadores nas regiões.

A inclusão de outros segmentos foi bastante tímida e, no caso de Topama, sequer ocorreu. A representação da sociedade, em todas as regiões, foi buscada por intermédio dos conselhos municipais e/ou estaduais de saúde, mas a análise das atas demonstrou que, quando existente alguma pauta relacionada ao Projeto e seus desdobramentos para a região, foi discutido de forma pontual, com destaque para os investimentos feitos em reformas e aquisição de equipamentos, entre outros.

Estratégias para o fortalecimento da governança

Foram analisadas as intervenções propostas no âmbito do Projeto, de acordo com a identificação da situação-problema por cada Região, conforme o Quadro 2.

Quadro 2 Estratégias de fortalecimento da governança regional nas regiões do Alto Solimões, Metropolitana de Belém e Topama, 2014. 

Regiões QualiSUS-Rede Alto Solimões Belém Topama
Situação Problema Os instrumentos de gestão do SUS são utilizados de forma infrequente, precária e com pouco grau de atualização. A presença necessária dos DSEIs e do Ministério do Exército configura um Conselho Tripartite e não um Bipartite como demanda a legislação vigente Fragilidade na qualificação dos gestores, gerentes e técnicos no que se refere ao planejamento das ações voltadas para a concepção de Redes de Atenção à Saúde Necessidade de qualificar e instrumentalizar gestores e técnicos para desenvolver e planejar ações partindo da concepção de redes e estruturas do processo de regionalização, como as relações federativas, as relações público-privadas, as capacidades internas de gestão, a sustentabilidade financeira, a regulação da atenção e o estabelecimento de padrões de qualidade para a provisão de serviços (públicos e privados), bem como os padrões de gestão e desempenho das unidades de saúde, entre outros.
Estratégias Orientar os municípios na construção dos instrumentos de planejamento; Realização de uma oficina para a construção do Coap na região Capacitação de profissionais de saúde e representantes da sociedade civil, em conceitos de redes, instrumentos legais e projetos vigentes Elaborar as diretrizes interestaduais envolvendo as CIR da região de Topama e instituir o Colegiado Regional Interestadual.
Instituir sistema de avaliação da qualidade nos hospitais dos municípios sede das microrregionais e construir instrumento de avaliação de pesquisa de satisfação do usuário Capacitar profissionais das SMS e SES na elaboração de instrumentos de planejamento do SUS
Aquisição de equipamentos e mobiliário para estruturação da Secretaria Executiva da CIR Realizar reuniões periódicas do GC com discussões prévias nas CIR e fóruns regionais para organização das RAS e implementação dos dispositivos do Decreto 7.508/11.
Apoiar o funcionamento das reuniões da CIR E GC DO QSR, através de liberação de passagens aéreas e hospedagem para os seus membros.

Fonte: Brasil, Fiocruz, ENSP, DENSP/LASER16.

Na região do Alto Solimões, o grupo reconheceu a falta de cultura de planejamento regional, com pouco uso e desatualização dos instrumentos de planejamento. Na ocasião de formulação do projeto, dois municípios encontravam-se em gestão plena, nenhum havia aderido ao pacto de gestão e apenas quatro apresentaram Plano Municipal de Saúde para o Quadriênio 2010-2013. Desse modo, um dos principais objetivos dessa região foi fortalecer os processos de planejamento e construção dos instrumentos de gestão, por meio de orientação aos municípios. Outro objetivo foi fortalecer a CIR como instância de governança regional, o que foi buscado por meio de ações voltadas para sua estruturação e funcionamento.

A região Topama também orientou suas ações em torno do planejamento regional. Buscou formular e integrar os planos e os instrumentos de gestão municipais e estaduais, além de prever fóruns regionais para organização das RAS. Uma das suas principais estratégias foi definir diretrizes para a criação de um colegiado interestadual por meio de termo de compromisso assinado pelos estados. Foi estabelecida agenda interna para definir como institucionalizar esse espaço de governança, sem desconsiderar os aspectos e os limites dos dispositivos legais (ou normativos), como o Decreto 7.508.

A região metropolitana de Belém priorizou ações de capacitação de gestores, profissionais, conselheiros municipais de saúde e representantes da sociedade civil, especialmente no que se refere às RAS (Quadro 2).

Na elaboração dos projetos QualiSUS-Rede, havia a expectativa de formulação do contrato organizativo de ação pública (Coap). Esta seria inclusive uma meta obrigatória a ser alcançada por todas as regiões. Contudo, no decorrer do processo considerou-se que tal não poderia ser exigido, em face dos momentos distintos das regiões em relação a essa discussão. Alguns entrevistados reconheceram que a priorização da implementação das RAS nas regiões, colocou em segundo plano os debates relativos ao Coap, de forma que apenas na região de Belém observou-se um esforço inicial nesse sentido.

Implementação das redes de atenção

Coordenação Regional

O momento inicial de elaboração do projeto caracterizou-se por maior articulação intergestores. Nas três regiões buscou-se promover a qualificação do grupo condutor em relação às diretrizes da regionalização e das redes de atenção para a definição das prioridades dos projetos. Esses momentos foram caracterizados pela disputa por recursos, entre os gestores municipais (e ou estaduais), que por realidades e necessidades distintas, tinham diferentes prioridades. Após várias rodadas de negociação e pactuação, os grupos conseguiram avançar em direção a propostas mais alinhadas com as necessidades regionais.

No Alto Solimões, o projeto funcionou como um dispositivo de articulação regional, propiciando encontros e discussões entre todos os gestores municipais e maior papel de liderança na coordenação do processo pelo gestor estadual em torno de objetivos regionais, apesar das dificuldades de conciliação de distintas demandas das áreas técnicas, como o subsistema indígena, e interesses municipalistas. Inicialmente foram consideradas as demandas dos municípios, a partir de seus respectivos planos de saúde. Foi elaborado mapa de saúde da região, buscando-se identificar lacunas e dificuldades comuns, o que resultou na elaboração de um plano regional de saúde. O grupo também procurou identificar outras possíveis fontes de financiamento, no âmbito estadual ou federal, de modo a priorizar no projeto ações sem recursos previstos, para estruturação das redes.

Em Topama, cada Estado escolheu linhas de cuidado específicas para a organização de redes, de acordo com seus próprios interesses. Os recursos foram divididos igualmente e cada estado assinou um termo de compromisso e elaborou um plano de aquisição específico. Identificou-se distintos movimentos para implementação das ações entre os estados, a depender da importância conferida na agenda da gestão estadual e com sua capacidade institucional. O diagnóstico situacional foi considerado uma etapa importante para mobilização e sensibilização dos gestores quanto às questões regionais desse recorte territorial, que ultrapassa as fronteiras dos municípios, dos estados ou mesmo das regiões de saúde definidas dentro de cada estado. Realizado nos três estados, possibilitou a visão dos principais entraves, sobretudo na identificação dos vazios assistenciais existentes, e o estabelecimento de objetivos regionais, subsidiando o processo de negociação entre estados e municípios para a alocação dos recursos financeiros nos eixos do projeto. Contudo, tais momentos foram caracterizados por diversos embates e divergências, entre as áreas técnicas e as relacionadas à defesa de interesses municipais. A relação entre os três estados era distinta e nem sempre amistosa, do ponto de vista político, com disputas dos recursos a serem designados para cada estado.

A gente trabalha com três estados e cada um tem avançado de forma diferente na estruturação, no planejamento das ações. Eu acho que pela questão política de cada estado mesmo [...]. Acho que avança quando a gente se junta e procura resolver as condições dentro da Região.... quando a gente, mesmo tendo processos diferentes nos estados, tenta procurar soluções para a Região de Topama (GC-Topama-2105).

Na região de Belém foi realizado o diagnóstico com mapeamento de necessidades dos municípios e da região. Alguns entrevistados destacaram que as dificuldades de acesso da população, decorrentes do déficit de serviços locais, dificultaram a definição inicial da abrangência das redes. Como nas demais regiões, apesar das discordâncias iniciais, o grupo estabeleceu um consenso acerca das necessidades regionais. Os entrevistados consideraram que o projeto constituiu uma oportunidade adicional para o fortalecimento da regionalização e das redes, face aos debates que promoveu. Tais reflexões somaram-se ao conjunto de outras iniciativas, em curso na região.

As principais características da coordenação regional nos três casos são sintetizadas no Quadro 3.

Quadro 3 Implementação das redes de atenção à saúde nas regiões do Alto Solimões, Metropolitana de Belém e Topama, 2014. 

Coordenação Regional
Alto Solimões Belém Topama
CIR – Importante espaço de mobilização e articulação regional. Buscou-se estruturar seu funcionamento por meio do Projeto. Discussões e acordos não necessariamente articulados à atuação da gestão no nível local. CIR – em processo de conformação. Elaboração de regimento. CIR Interestadual – mobilização para sua conformação com base em experiências prévias (Região do PEBA). Criação de colegiado interestadual, por termos de compromisso entre os Estados. Agenda interna para definir como institucionalizar esse espaço considerando-se as definições do Decreto 7.508.
Planejamento inicial com base nos planos municipais e diagnóstico de necessidades. Conflitos iniciais (disputas por recursos, áreas técnicas, necessidades distintas / diferentes prioridades) Planejamento: conteúdo inicial de discussão mais estratégico, com reforço para o planejamento regional, apesar de conflitos quanto às prioridades. Desmobilização no decorrer da implementação Planejamento com base nas prioridades de cada Estado. Grande esforço para estabelecimento de objetivos regionais (perspectiva interestadual)
Relações intergovernamentais: caracterizadas inicialmente por disputa de recursos, visão local em detrimento de objetivos regionais. Mais fortalecidas no processo, principalmente na relação do Estado com os municípios. Maior integração entre gestores e fortalecimento da discussão sobre questões regionais e Rede de atenção. Relações intergovernamentais: caracterizadas inicialmente por disputa de recursos, visão local em detrimento de objetivos regionais. Papel forte do Estado na coordenação. Prioridade na agenda e reforço da capacidade institucional Relações intergovernamentais: dificuldades iniciais de pactuação, caracterizadas por interesses divergentes e disputa de recursos, entre os Estados. Predominância de visão local em detrimento da regional, também entre os municípios. Estados com diferentes prioridades na coordenação e distintas capacidades institucionais. No processo, foi possível avançar e pactuar prioridades para a região interestadual, com maior amadurecimento dos gestores quanto à perspectiva regional
SMS - pouco conhecimento e uso de instrumentos de planejamento e gestão. Rotatividade – descontinuidade da gestão com implicações para a governança regional SMS – pouco conhecimento e uso de instrumentos de planejamento e gestão. Alta rotatividade – descontinuidade da gestão com implicações para a governança regional SMS – pouco conhecimento e uso de instrumentos de planejamento e gestão. Rotatividade – descontinuidade da gestão com implicações para atuação do GC e governança regional.
Contexto local com problemas estruturantes de logística (transporte e conectividade) e insuficiente rede de serviços. Contexto local com precária rede de serviços e problemas logísticos. Contexto político institucional anterior favorável a regionalização, com processo iniciado de redefinição das regiões de saúde e qualificação. Contexto local com características que dificultam a regionalização na perspectiva interestadual (aspectos geográficos, logísticos, estrutura da rede de serviços, fluxos, conectividade e distintos sistemas de informação municipais).
Coordenação Regional
Alto Solimões Belém Topama
Avanços no planejamento regional: Janela de oportunidade criada para a região para apoio ao seu processo de regionalização. Esforços para sinergia entre as diversas propostas que começaram a se voltar para a região Elaboração de plano regional, mas ainda não validado na CIB. Avanços no planejamento regional: Reforço do planejamento para questões regionais. Participação ativa de unidade regional estadual nos espaços de discussão (GC e CIR). Ênfase na discussão com os conselhos locais. Elaboração de plano regional. Avanços no planejamento regional: Reforço do planejamento e da perspectiva regional interestadual. Intensificação da articulação e integração entre os estados. Maior conhecimento da região e alinhamento quanto às estratégias necessárias. Qualificação dos gestores municipais. Dificuldades de conferir maior capilaridade às definições - múltiplos espaços (CIR, CES, CMS) considerando-se os 3 estados Elaboração do documento “Diretrizes, objetivos e metas” e proposta de regimento para CIR interestadual. Aguardando aprovação das CIB e orientação da CIT
Organização das Redes de Atenção
Redes temáticas priorizadas: RUE e Cegonha Redes temáticas priorizadas: RUE e Rede de atenção ao câncer Redes temáticas priorizadas: RAPS, Cegonha, RUE e Rede de atenção ao câncer
Esforço em articular diretrizes da regionalização e implementação de RAS (Decreto e portarias) ao desenho do projeto. QualiSUS como impulsionador e mobilizador da discussão de RAS, propiciando fortalecimento da capacidade institucional. Esforço em articular diretrizes da regionalização e implementação de RAS (Decreto e portarias) para refletir a região e o planejamento necessário. QualiSUS como facilitador e mobilizador dessas discussões, visão regional e relação de interdependência entre os entes. Região envolvendo três administrações públicas estaduais – Diferentes tempos e movimento na implementação, de acordo com a ordem de prioridade conferida pelo gestão estadual e sua capacidade institucional
Iniciativas: Conformação de complexo regulador e SAMU - organização de fluxos, incluindo a APS, entre os pontos de atenção de acordo com as RAS. Pactuação de referências. Estruturação de apoio diagnóstico. Iniciativas: Avanços na RUE, articulada ao papel da APS nessa rede, Rede do Câncer e apoio diagnóstico terapêutico. Atualização de protocolos. Complexo regulador Articulação entre os planos das RAS e propósitos do Projeto – complementaridade de ações. Iniciativas: Avanços na Rede do Câncer que junto com a Regulação impulsionou a discussão da organização das redes: integração dos sistemas de acordo com as linhas de cuidado – protocolo, organização de serviços. A organização prévia de duas RAS nos municípios de referência favoreceu a sinergia de esforços de integração com os objetivos do projeto
Instrumentos de planejamento e gestão: Diagnóstico situacional, a partir das prioridades municipais. Mapa da região de saúde, identificação de necessidades regionais. Plano Regional. Planos de ação das RAS. Definição de fluxos, Pacto de gestão, Relatórios de gestão, Planos municipais de saúde Instrumentos de planejamento e gestão: Diagnóstico: perfil epidemiológico e lacunas na oferta de serviços. Planos de ação, Plano Plurianual, relatórios de gestão e PDR, PDI e Sistema de monitoramento do Estado com base no SISPACTO. Instrumentos de planejamento e gestão: Diagnóstico (perfil da população, infraestrutura de serviços, logística e fluxo de pacientes). Mapeamento da rede regional de serviços e suas lacunas. Busca de interseção de problemas e necessidades de saúde na região
Organização das Redes de Atenção
Alto Solimões Belém Topama
Saúde Indígena - Integração da atenção primária e da RUE (com a definição de fluxos entre os pontos de atenção) com os Distritos Indígenas. Compartilhamento de recursos. Não se aplica Saúde Indígena. Colocou em pauta a responsabilidade dos gestores com esse subsistema. Contudo, a fragmentação permanece.
Cofinanciamento e sustentabilidade
Definição de responsabilidades na organização das RAS – Planos de ação e termos de adesão. Definição de responsabilidades na organização de RAS – Planos de ação, termos de adesão, articulação entre instrumentos como Pactos de Gestão, Relatórios de Gestão e Programação Plurianual. Destaque para revisão do PDR E PES. Definição de responsabilidades na organização de RAS – Pactos de gestão, Termos de adesão, protocolos e fluxos definidos, regimento interestadual e acordos da CIR.
Cofinanciamento da SES e SMS, previstos nos termos de adesão às redes e pactuacões na CIR Cofinanciamento: previstos nos termos de adesão às redes e pactuacões na CIR SES – financiamento de média e alta complexidade – estrutura própria e cofinanciamento de outros níveis/estrutura. Cofinanciamento: previstos nos termos de adesão às redes e pactuacões nas CIR. Dificuldades em concretizar os acordos e decisões definidos nas reuniões do GC.
Estratégias: criação do consórcio público - ASAVIDA com objetivo de viabilizar a gestão regional em saúde, reduzir custos e expandir a assistência. Estratégias: Portaria de cofinanciamento da SES para atenção básica. Negociações para central de regulação estadual integrada. Pactuações intergestores com plano de metas e indicadores – avaliações quadrimestrais. Planejamento para APS com oficinas e formação para técnicos e gestores Inclusão das ações nos planos de ação. Negociação para inclusão nos orçamentos municipais da sua contrapartida Indicação de responsáveis técnicos para acompanhamento dos processos Estratégias: Colegiado Interestadual que garanta as discussões propiciadas com o Projeto e as Diretrizes para a região. Validação do Regimento Interestadual Continuidade do grupo condutor, com definição de cronograma de reuniões. Manter a integração entre as áreas técnicas. O esvaziamento da discussão do Coap foi sinalizado como um elemento que indica a dificuldade de compartilhamento de recursos e responsabilidades e garantir sustentabilidade às decisões.
Articulação intersetorial: Projeto de Desenvolvimento Regional (PRODERAM) Articulação intersetorial: incipiente Articulação intersetorial: dificuldades.

Fonte: Elaboração própria.

A centralização da execução integral do Projeto nas secretarias de saúde dos estados teve como prerrogativa o fortalecimento do seu papel na coordenação da regionalização e das redes. Contudo, para alguns entrevistados isso constituiu um problema tendo em vista o volume de projetos que a gestão estadual lida diariamente. Considerou-se que uma parte da execução financeira poderia ter ficado sob a responsabilidade dos municípios, o que daria maior agilidade aos processos licitatórios. Também foi apontado que essa centralização parece ter tido como efeito uma menor implicação dos municípios no acompanhamento mais sistemático da implementação das intervenções. Considerou-se que ao longo da implementação do projeto ocorreu certo “esfriamento” no teor das discussões, constituindo uma fase mais ritualística da governança regional.

Organização das Redes

Em todas três regiões integrou-se as diretrizes e normativas da Portaria 4.279 e do Decreto 7.508 ao desenho dos projetos e na medida do possível, buscou-se um alinhamento entre este e os planos regionais para as redes temáticas. As redes de atenção priorizadas nas regiões foram as redes de Urgência e Emergência (RUE), Cegonha, e Atenção às Pessoas com Doenças Crônicas com foco no câncer (Quadro 3). Dentre os componentes das redes de atenção, a regulação foi considerada fundamental para sua organização nas três regiões.

A conformação de um Complexo Regulador regional foi identificada pelos entrevistados do Alto Solimões como um importante avanço, com a definição e a organização de fluxos e a pactuação de unidades de referência, processo confirmado em análise documental. A aquisição de equipamentos, ampliação e qualificação de laboratório de referência, no apoio diagnóstico e a estruturação das Redes de Urgência e Emergência e Cegonha foram, no conjunto, considerados as principais conquistas da região.

O fortalecimento da atenção básica, através da Rede Cegonha, é uma das prioridades. A Rede de Urgências enfrenta grandes dificuldades por ser a primeira vez que está se desenvolvendo, mas que começam a ser sanadas e vão servir de exemplo para outras regiões. Também a implantação da regulação, a implantação do SAMU (GC-AS-15).

Em Belém, as intervenções que mais tinham avançado foram em relação às redes oncológica, de urgência-emergência, o apoio diagnóstico e terapêutico e a atenção básica. Boa parte das ações esteve relacionada à aquisição de equipamentos e capacitações. Um aspecto problemático que precisou ser resolvido foi a dificuldade de instalação de equipamentos adquiridos mediante a falta de estrutura das unidades para recebê-los. Foi referido a conformação de um complexo regulador na região e a realização de seminários e oficinas promovidos pela gestão estadual com vistas à revisão e atualização de protocolos de regulação assistencial para acesso às consultas, exames e internações em serviços de média e alta complexidade.

Em Topama, foi mencionado que os principais resultados alcançados constituíram a intensificação da articulação e a integração entre os estados; maior conhecimento da realidade da região, qualificação dos gestores e técnicos e avanços na definição de fluxos, regulação e integração dos serviços, iniciando-se pela rede de atenção oncológica.

Várias reuniões que nós tivemos tiveram como pauta a questão da regulação, para que essa Rede de Crônicas pudesse funcionar. Tanto é que ela puxou a regulação, puxou as discussões de protocolo, puxou as discussões de organização de serviços (GC -Topama-21022).

O transporte sanitário, concebido como uma das principais contribuições do projeto nas três regiões, não conseguiu se efetivar. As propostas foram consideradas inviáveis ao se concentrarem na aquisição de transporte (terrestres e ou fluvial) e/ou na contratação de serviços de passagens, sem que um plano estruturante (plano de rotas, organização de fluxo, regulação, definição de responsabilidades, custeio) fosse estabelecido. A falta de experiências regionais e de um modelo de projeto executivo no âmbito do próprio MS foram aspectos referidos que contribuíram para o não avanço em uma proposta consistente. O tempo de execução do projeto também era insuficiente frente à complexidade que envolveria seu desenho e implementação.

Com relação à saúde indígena, prioridade nas regiões Alto Solimões e Topama, buscou-se promover a articulação de demandas dessa população específica nos projetos. Ao colocar na agenda a responsabilidade dos gestores com a saúde da população indígena, ambas as regiões consideraram que o projeto propiciou avanços na integração ainda que não tenha ocorrido conforme o desejado:

[...] Um dos grandes avanços do Projeto QualiSUS-Rede... além de integrar a discussão com município, com o estado, no caso, três estados de abrangência, sobre a saúde indígena, foi dar um conhecimento aos gestores municipais e de estado da sua responsabilidade sobre essa população. Esse foi um grande ganho para nós, da saúde indígena (GC-Topama-15103).

Nós fizemos a integração da Rede de Atenção Primária dos Municípios com os Distritos de Saúde Indígena. Nós conseguimos, hoje, falar uma linguagem mais aproximada, apesar de não ser a ideal ainda. E conseguimos definir alguns fluxos da atenção primária para atenção secundária, tratando atenção primária pra Rede de Urgência e Emergência, talvez esse seja o principal (GC-AS-5).

Quanto aos instrumentos de planejamento e gestão para a organização das redes, houve uma diversidade de respostas entre as regiões, englobando tanto aqueles indicados no Pacto pela Saúde quanto os designados na Portaria 4.279.

Nas três regiões foram referidos alternadamente: a definição de fluxos das redes, o pacto de gestão, os planos municipais de saúde, os planos regionais, os relatórios de gestão e, principalmente, os planos de ação e termos de adesão, formulados no âmbito das redes temáticas. Também foram mencionados sistemas gerenciais de regulação e um sistema de monitoramento com base nos indicadores do SisPacto.

Cofinanciamento e sustentabilidade

Uma das principais estratégias de continuidade e sustentabilidade no Alto Solimões foi a instituição de um consórcio público de saúde, criado com a finalidade de viabilizar a gestão regional em saúde, reduzir custos e expandir a assistência. A associação com o Proderam contribuiu para sua formalização.

Em Belém, poucos entrevistados souberam mencionar estratégias para a continuidade e a sustentabilidade das intervenções. Aludiram a importância do cofinanciamento por parte do Estado, na atenção básica, na média e alta complexidade, assim como os investimentos feitos na qualificação da central de regulação estadual e integração com os sistemas municipais. Esforços realizados para a instituição da CIR e para a elaboração do seu regimento interno, também foram considerados importantes para o fortalecimento da governança regional.

Em Topama, alguns entrevistados destacaram haver conflitos na definição de responsabilidade entre os entes. Para alguns atores essa definição não estava formalizada considerando-se que o Coap não foi assinado. A maior parte respondeu desconhecer estratégias ou propostas de cofinanciamento para a sustentabilidade das ações implementadas. Aqueles que as identificaram descreveram a continuidade do colegiado interestadual, o financiamento federal e o cofinanciamento dos estados e municípios.

Estratégias e recomendações para a sustentabilidade das redes e o fortalecimento da governança regional são sintetizadas no Quadro 3.

Reflexões foram feitas sobre o compromisso real dos gestores com os acordos feitos e sobre certa compreensão de que a governança regional se restringiria aos encontros que ocorrem nos colegiados regionais, desconsiderando que sua efetivação depende da operação e articulação efetiva do conjunto das ações pactuadas.

governança não é só participar de reunião da CIR, e sim, ter atitudes, realizar ações para que o fluxo aconteça. [...] É esse entendimento que os gestores e até muitos técnicos ainda não entenderam. Governança não é só reunião de CIR, não é só ir lá discutir papéis, é você ter uma ação, é você fazer, entrepor, construir uma realidade. É você fazer uma mudança, quebrar paradigmas... (GC-AS-3)

Discussão

As diferentes realidades regionais, em termos do uso e ocupação dos territórios condicionaram de forma importante a implementação dos Projetos QualiSUS-Rede nas regiões de saúde8,18,20. No Alto Solimões e em Belém, os entrevistados destacaram que, se por um lado, o Projeto teve por objetivo qualificar as RAS, por outro, observaram-se constrangimentos com relação aos seus objetivos iniciais face à insuficiência da rede de serviços existentes, sobretudo na média complexidade. Dificuldades de acessibilidade, transporte, comunicação e conectividade, implicaram investimentos iniciais no apoio diagnóstico e logístico.

Albuquerque22 sinaliza, em estudo realizado na Amazônia, que o objeto do processo de regionalização nos estados direcionou-se para a organização de redes e fluxos, o que ocorreu também nas regiões aqui estudadas, acrescentando-se a ampliação da capacidade instalada.

Tal como encontrado em outros estudos, a CIR foi a principal estratégia da governança15,23. Cabe destacar que as três regiões iniciaram os Projetos sem que as CIR já estivessem constituídas. O Projeto QualiSUS-Rede contribuiu para impulsionar a formalização desses espaços de articulação. Contudo, a necessidade de uma composição diferenciada no Alto Solimões e em Topama reflete as dificuldades que especificidades regionais encontram face à necessidade de adequação às normativas vigentes. No caso do Alto Solimões havia o interesse de que fosse constituída por uma participação tripartite, incluindo o Ministério do Exército, em função do Hospital de Guarnição. Em Topama, região interestadual havia a limitação de participação gestora em mais de uma região de saúde formalizada. A inexistência de regras e instrumentos que possibilitem a formalização de acordos em regiões interestaduais também merece atenção23. As regras do desenho federativo são acopladas ao processo de regionalização, desconsiderando-se que as regiões podem ter recortes territoriais diferenciados. Como garantir a participação de um ente em mais de um espaço de gestão regional: o da região de saúde do estado e o da região interestadual? São questões que necessitam ser ponderadas.

No período e regiões analisados, a dimensão técnica de conformação das redes pareceu ganhar destaque e prioridade em relação à dimensão política, que ficou comprometida por algumas razões: primeiro porque o acordo de colaboração entre os entes federativos por meio do Coap não se concretizou; segundo, porque em duas regiões (Alto Solimões e Topama), embora os planos regionais tenham sido elaborados, não foram firmados nas respectivas CIB. Ademais, em termos de financiamento, não existem definições quanto aos arranjos financeiros possíveis, especialmente em área de fronteira (internacional e ou interestadual)14,22. Outro aspecto importante é que a forte indução federal para a conformação de redes temáticas pode ter sido um limitante à ordem de prioridades regionais.

Estudos recentes indicam que a governança regional tem se caracterizado por predomínio de interesses de teor municipalista, político-partidário, econômico e privatista, em contexto desfavorável de baixa formalização e institucionalidade14,15. Os resultados apontam que tais aspectos também estiveram presentes nas regiões deste estudo, durante a implementação do Projeto. Em todas as regiões reconheceu-se que o QualiSUS e a implementação de redes contribuíram para o fortalecimento da governança regional com diferenciação entre os casos, a depender da capacidade de direção e produção de consenso entre os atores sobre as prioridades regionais e políticas.

Contudo, a regionalização e sua governança são processos em construção que precisam ser amadurecidos. A prioridade conferida aos aspectos políticos, eleitorais, municipais e dos estados, em detrimento aos aspectos técnicos, problemas em coadunar a diversidade de interesses de inúmeros atores, as distintas capacidades institucionais, as mudanças na gestão e no corpo técnico decorrentes de processos eleitorais, as dificuldades na definição de responsabilidades entre os diferentes entes e em estabelecer a transparência dos processos decisórios e a diversidade de instrumentos de planejamento e gestão com superposições e, às vezes, falta de articulação, são fatores que dificultam o planejamento regional e limitam de forma importante os avanços e a consolidação da regionalização.

A baixa participação de outros atores nas discussões e definições da agenda regional continua a indicar as dificuldades de articulação intersetorial nas regiões14. Como resultado, torna-se mais difícil o fortalecimento de uma regionalização em saúde articulada com projetos de desenvolvimento econômico e social, fundamentais para superação dos limites impostos pelas desigualdades regionais estruturantes que caracterizam a região da Amazônia Legal19,20. Em territórios caracterizados por menor densidade técnica e normativa, fluidez territorial rarefeita, à margem dos interesses da economia hegemônica moderna, é importante fortalecer parcerias com outras instituições, ampliar sua escala de atuação e interação, mesmo com outras regiões, de modo a viabilizar processos, ampliar a capacidade de governança no território e reduzir sua relação de dependência20.

O esforço empreendido pelos distintos atores para refletir a realidade regional e definir suas prioridades deve não apenas ser mantido, mas potencializado, com vistas a ampliar a capacidade de governança, de modo a ultrapassar uma perspectiva procedimental, ritualista, e alcançar uma constitutiva, cujos processos envolvam formulação, formalização de acordos e planejamento regional com base em suas prioridades.

Alguns limites deste estudo apontam para a necessidade de pesquisas futuras: identificar como outros projetos em curso nas regiões interagem ou poderiam interagir para potencializar a articulação intersetorial e o desenvolvimento regional, com vistas a fomentar propostas mais estruturantes de desenvolvimento; como garantir maior transparência e acesso à população local sobre as decisões e definições para a região; e, ainda, elucidar o papel e a influência do setor privado nos espaços de governança regional em saúde.

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