versão impressa ISSN 1808-8694
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.80 no.1 São Paulo jan./fev. 2014
http://dx.doi.org/10.5935/1808-8694.20140014
O implante coclear (IC) é mundialmente reconhecido como o tratamento padrão de escolha para a perda auditiva severa e profunda sensório neural bilateral.1 Esse dispositivo é formado por componentes externos e internos. Os componentes externos são o microfone, o processador de fala e a antena transmissora. Dentre os componentes internos está o receptor estimulador, o qual inclui a antena interna, colocado cirurgicamente junto ao osso do crânio. O IC é um dispositivo que substitui parcialmente as funções da cóclea, transformando a energia sonora em sinais elétricos.2
Nesse tipo de dispositivo, cada eletrodo estimula diretamente o nervo auditivo, e a quantidade de corrente elétrica necessária para desencadear uma sensação auditiva é diferente para cada indivíduo e para cada canal de estimulação. Por esse motivo, o processador de fala de cada usuário deve ser ajustado individualmente. Esse processo é chamado de programação ou mapeamento. A área dinâmica é a região compreendida entre a quantidade de corrente que primeiramente induz uma sensação auditiva, isto é, o limiar para a estimulação elétrica (nível T) e o nível de sensação de intensidade máxima que o paciente irá aceitar para a estimulação elétrica sem que tenha desconforto (nível C). Em adultos, a determinação dos níveis de energia é efetuada por meio de medidas psicofísicas (método comportamental). Em bebês, crianças pequenas ou indivíduos com múltiplos comprometimentos, tal procedimento requer técnicas que podem gerar respostas inconsistentes e assistemáticas, devido à inexperiência auditiva ou à idade da criança. Assim, a utilização apenas do método comportamental para a programação do processador de fala pode prolongar o processo de adaptação ao IC pela dificuldade no estabelecimento dos níveis adequados de estimulação.3-5
O uso de medidas objetivas no processo de IC tem contribuído bastante para a definição do campo dinâmico, pois estas fornecem valores específicos que servem como base para o início do processo de mapeamento do IC, especialmente em casos de bebês e crianças mais jovens. Alguns exemplos dessas medidas são a pesquisa do limiar do reflexo estapédico evocado eletricamente (LREEE), a neurotelemetria (NRT), o potencial evocado elétrico auditivo de tronco encefálico (PEEATE), o P300, entre outros.6-9
O reflexo estapédico é definido como uma contração dos músculos da orelha média induzida por um estímulo acústico intenso. Isso se transformou em um valioso instrumento clínico e de pesquisa da audição em seres humanos.10-12 O limiar do reflexo acústico, considerada a menor intensidade de som que faz a mudança mínima mensurável no ouvido médio, é normal entre 70 e 90 dBSPL.13
A correlação entre os valores obtidos objetivamente e os valores pesquisados pelo método comportamental vem sendo bastante estudada. Contudo, na prática clínica, ainda não há um consenso e uma padronização quanto ao uso dessas medidas no tratamento de usuários de IC.14 O LREEE caracteriza-se com um dado promissor, uma vez que diversos estudos apontam a relação entre esses limiares e a pesquisa do nível de máximo conforto em adultos e crianças usuárias de implante coclear.15 Por meio do aprofundamento de estudos, essa medida pode ser incluída nos procedimentos padrão, pois suas contribuições são evidentes e os ganhos para o paciente e para os profissionais são inegáveis.
O objetivo do estudo é verificar, por meio de uma revisão integrativa, a utilização do LREEE durante o processo de ativação e mapeamento do IC, assim como o seu valor associado à avaliação comportamental.
O processo metodológico caracterizou o presente estudo em uma revisão integrativa, orientada a partir de buscas eletrônicas nas plataformas Pubmed e Bireme e nas seguintes bases de dados: MedLine, LILACS e SciELO (regional). A busca dos dados ocorreu nos meses de agosto e setembro de 2012. Foram selecionados para a análise os estudos publicados nos idiomas inglês, espanhol ou português. Não houve restrição quanto ao ano de publicação, ou seja, foram analisados os estudos publicados até outubro de 2012, sendo os artigos selecionados posteriormente por critérios de inclusão e de exclusão.
Para cada uma dessas referidas bases de dados foi elaborada uma estratégia específica para o cruzamento dos descritores (DeCS e MeSH), assim como para os termos livres, que são os termos não encontrados no DeCS e MeSH, mas que têm relevância para a pesquisa. Os descritores utilizados para localização dos estudos foram implante coclear, reflexo acústico, perda auditiva, cochlear implants/cochlear implantation, reflex acoustic e hearing loss.
A estratégia de busca é a sintaxe da estratégia usada para o levantamento bibliográfico nas bases de dados. Esta foi direcionada mediante uma questão específica: "Qual a importância e a aplicabilidade do LREEE durante o processo de ativação e mapeamento do IC?" Visando identificar os artigos pertinentes com a questão proposta, foi elaborada uma estratégia de busca que empregou os descritores em grupos com, no mínimo, duas palavras-chave. Na Pubmed os cruzamentos foram: cochlear implantation/cochlear implants AND hearing loss e cochlear implantation/cochlear implants AND reflex acoustic. Na Bireme, os cruzamentos foram: implante coclear AND perda auditiva, implante coclear AND deficiência auditiva, implante coclear AND perda de audição e implante coclear AND reflexo acústico. Os termos livres utilizados foram perda de audição e deficiência auditiva.
Os critérios de inclusão adotados para os artigos encontrados foram: serem artigos originais; terem como sujeitos de pesquisa indivíduos submetidos à cirurgia de IC; terem como procedimento a pesquisa do LREEE no processo do IC (cirurgia e/ou programação e/ou reabilitação) e estarem publicado nos idiomas português, inglês ou espanhol. Foram excluídos os estudos que não eram artigos originais e os que não referiram o IC no título do manuscrito.
A pesquisa foi realizada por dois pesquisadores de forma independente e os pontos de conflito foram discutidos em reuniões específicas. A partir da aplicação da estratégia de busca contendo os descritores definidos, a seleção dos artigos encontrados foi realizada em três etapas:
• Identificação e leitura dos títulos nas diferentes bases eletrônicas de dados. Foram excluídos aqueles que claramente não se enquadravam em qualquer um dos critérios de inclusão deste estudo.
• Leitura dos resumos dos estudos selecionados na primeira etapa. Da mesma forma, foram excluídos aqueles que claramente não se adequavam a qualquer um dos critérios de inclusão preestabelecidos.
• Todos os estudos que não foram excluídos nas duas primeiras etapas foram lidos na íntegra para seleção dos que seriam incluídos nesta revisão.
Todos os estudos utilizados atenderam os critérios de inclusão definidos no início do protocolo metodológico do presente estudo, no sentido de responderem à pergunta que norteia esta revisão integrativa. Os principais dados de cada artigo foram detalhadamente coletados e inseridos em um banco de dados no programa Microsoft Office Excel 2011.
Para uma melhor apresentação dos resultados, optou-se por considerar as seguintes variáveis dos artigos selecionados: autor, ano/local, grau de recomendação/nível de evidência científica, objetivo, amostra, faixa etária, média de idade em anos, testes avaliativos, resultados e conclusão.
Quanto ao nível de evidência científica, foi utilizada a Classificação de Oxford Centre for Evidence-Based Medicine.16
De acordo com os cruzamentos realizados, foram encontrados um total de 7.304 artigos nas buscas eletrônicas nas plataformas Pubmed e Bireme e nas bases de dados MedLine, LILACS e SciELO (regional). Seguindo os critérios de exclusão e de inclusão definidos no método e subtraídas as referências repetidas constantes em mais de uma base de dados, foi selecionado um total de 12 artigos.
Na base de dados MedLine, via PubMed, cruzando-se as palavras-chave e os termos livres, foram encontrados 7.106 artigos, dos quais 6.893 trabalhos foram excluídos pelo título, 213 resumos foram lidos e 69 artigos foram selecionados para leitura na íntegra. Destes 69, 43 eram artigos repetidos e 14 foram excluídos. Nas bases de dados LILACS foram encontrados 183 artigos, dos quais 172 foram excluídos pelo título, 3 resumos foram lidos e estes 3 foram excluídos. Já na base de dados SciELO foram encontrados 15 artigos e os 15 foram excluídos pelo título. O fluxograma a seguir (fig. 1) apresenta uma síntese do processo de obtenção dos artigos selecionados para a revisão integrativa.
Entre os 12 artigos selecionados, um trabalho apresentou força de evidência B (2B)17 e onze apresentaram força de evidência C (4).18-28 Não foram encontradas publicações com força de evidência categoria A. Entre os desenhos de estudos analisados na revisão, um é do tipo coorte e os demais são relatos de casos (tabela 1).
Tabela 1 Características dos estudos incluídos na revisão integrativa
Autor | Ano/local | Tipo de estudo | Grau de recomendação/ Nível de evidência científica | Objetivo | Amostra | Faixa etária em anos | Média de idade em anos | Testes avaliativos | Resultados | Conclusão | |
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
1. | Stephan et al.18 | 1988/ Áustria | Relato de casos | C/4 | Encontrar um método que forneça informações sobre a área dinâmica para a eletroestimulação | 12 usuários de IC | Não informado | Não informado | LREEE e nível C | O LREEE foi observado, em sua maioria, acima da área dinâmica de estimulação elétrica dos eletrodos | O método demonstrou que o LREEE pode fornecer assistência adequada no ajuste do processador de fala de IC em pacientes inconsistentes |
2. | Battmer et al.19 | 1990/ Alemanha | Relato de casos | C/4 | Avaliar o uso do LREEE para a definição de dados objetivos no processador de fala | 25 usuários de IC | 19-68 | 42,8 | LREEE | 76% apresentaram LREEE e uma saturação de amplitude do reflexo foi observada em 56% da amostra | O LREEE pode ser utilizado na programação inicial dos níveis C dos processadores de fala no IC |
3. | Stephan et al.20 | 1991/ Áustria | Relato de casos | C/4 | Analisar a utilidade e os valores limites do LREEE no processo de IC | 21 usuários de IC | Não informado | Não informado | LREEE, níveis C e níveis T | O LREEE foi observado em 11 pacientes e não houve correlação entre o limiar do reflexo e o limiar de sensibilidade | O LREEE pode estimar o limite superior da área dinâmica do IC |
4. | Spivak & Chute21 | 1994/Estados Unidos | Relato de casos | C/4 | Examinar a relação entre os níveis C e LREEE em adultos e crianças usuárias de IC | 35 usuários de IC | 05-70 | Não informado | LREEE e nível C | Os LREEEs diferiam dos níveis C em testes comportamentais em média 19,4 unidades de nível de estímulo para adultos e em 9,6 unidades de nível de estímulo para crianças | O uso de dados a partir do LREEE pode ser bastante útil na programação do IC de adultos e crianças que apresentam respostas inconsistentes |
5. | Van den Borne et al.22 | 1996/ Nederland | Relato de casos | C/4 | Comparar o LREEE no intra e no pós-operatório, assim como com o nível C | 19 usuários de IC | Não informado | Não informado | LREEE e nível C | Os LREEEs no intraoperatório foram maiores que os do pós-operatório e maiores que os níveis C | O LREEE, principalmente para crianças com etiologia de meningite, no intraoperatório, é um fraco preditor dos níveis de estimulação C |
6. | Bresnihan et al.23 | 2001/ Irlanda | Relato de casos | C/4 | Avaliar o uso do LREEE para medir os níveis C em crianças usuárias de IC e comparar estes resultados com os métodos comportamentais | 26 usuários de IC | 02-09 | 4,9 | LREEE,timpanometria e medidas comportamentais | Os níveis C obtidos a partir do LREEE foram considerados mais baixos do que os obtidos com as técnicas comportamentais | A estimativa do nível C por meio do LREEE é confiável e objetiva e, portanto, este é uma ferramenta de programação valiosa na população pediátrica |
7. | Gordon et al.24 | 2004/ Canadá | Relato de casos | C/4 | Relatar as respostas comportamentais e eletrofisiológicas em crianças candidatas ao IC | 68 candidatos ao IC | 0,7-17 | 4,6 | LREEE, PEEATE, ECAP e níveis C | Limiares do PEEATE e ECAP não mudaram significativamente ao longo do 1º ao 12° mês de uso do IC, enquanto o LREEE e os níveis C aumentaram | Medidas não comportamentais, intra ou pós-operatórias, podem auxiliar na determinação de níveis de estimulação no IC, particularmente em crianças pequenas |
8. | Mason25 | 2004/Reino Unido | Relato de casos | C/4 | Fazer um estudo retrospectivo da implementação das medidas eletrofisiológicas e objetivas e o seu valor na conduta com crianças no IC | 29 usuários de IC | Não informado | Não informado | PEEATE, ECAP e LREEE | O LREEE foi observado em 28 pacientes, o PEEATE em 27 e o ECAP em 29 | As medidas eletrofisiológicas objetivas não só auxiliam na instalação inicial do IC como também fornecem dados valiosos para a programação futura do dispositivo |
9 | Caner et al.26 | 2007/ Turquia | Relato de casos | C/4 | Investigar a relação entre a NRT, LREEE e os resultados comportamentais | 16 usuários de IC | Não informado | Não informado | LREEE, NRT e medidas comportamentais | O NRT foi obtido em 91,7% dos pacientes no intraoperatório e em 94,2% no pós-operatório. O LREEE, em 80% no intraoperatório. Os níveis do LREEE foram mais elevados do que os níveis NRT | As duas medidas objetivas, juntamente com as respostas comportamentais, devem ser incluídas no processo de programação do IC, a fim de evitar fixação de níveis C muito altos |
10. | Pauet al.27 | 2011/ Alemanha | Relato de casos | C/4 | Comparar os resultados do LREEEe da timpanometria intraoperatória e pós-operatória | 6 usuários de IC | Não informado | Não informado | Observação visual e timpanometria | Não há grandes diferenças entre as duas técnicas utilizadas no intraoperatório, mas sim se comparando o intra e o pós-operatório | Os valores do LREEE obtidos no intraoperatório não são adequados para definições exatas durante a programação doprocessador de fala do IC |
11. | Cinar et al.17 | 2011/ Turquia | Coorte | B/2B | Investigar a eficácia das técnicas objetivas na programação dos processadores de fala de usuários de IC com malformações cocleares | 35 usuários de IC | Não informado | Não informado | PEEATE, ECAP e LREEE | Os limiares do ECAP, PEEATE e LREEE diferem um dos outros em ambos os grupos | O PEEATE é uma medida mais confiável que o ECAP ou LREEE |
12. | Walkowiak et al.28 | 2011/ Polônia | Relato de casos | C/4 | Avaliar aviabilidade do uso do LREEE e ECAP na programação de processadores de fala de IC de marca Medel | 30 usuários de IC | 18-66 | 45 | LREEE, ECAP e nível C | Na população adulta, a correlação entre o LREEE e o nível C foi melhor para eletrodos apicais, mediais e basais do que entre o ECAP e o nível C. Não houve diferença significativa nas médias obtidas para ECAP e os LREEE em crianças e adultos em qualquer dos eletrodos testados | Embora o LREEE tenha uma melhor relação com os níveis C, tanto o LREEE quanto o ECAP são úteis na criação de mapas de IC para crianças |
Em virtude do crescimento recente de estudos na área de IC, destacam-se nesta revisão pesquisas entre os anos de 1988 e 2011. Todos os artigos selecionados trazem o LREEE e outros testes objetivos, sejam eles realizados no intraoperatório ou no pós-operatório, com o objetivo de comparação aos testes comportamentais, amplamente utilizados na definição da área dinâmica no processo de IC.
Foi justamente na época do primeiro artigo selecionado,12 entre as décadas de 1980 e 1990, que ocorreu uma grande revolução na área dos ICs, devido ao maior investimento em pesquisas. No início dos procedimentos de IC, nos anos 80, os pacientes indicados para a cirurgia de IC eram aqueles classificados com perda auditiva sensório neural profunda bilateral. Contudo, com o passar dos anos, a observação dos resultados e o avanço tecnológico, as indicações foram ampliadas, passando a ter critérios mais amplos. Atualmente não só os indivíduos com perda de audição profunda bilateral, mas também aqueles com perda de audição severa e profunda sem benefício de aparelho de amplificação sonora individual (AASI), além de outras indicações menos clássicas como para os implantes híbridos (estimulação elétrica acústica), são considerados possíveis candidatos ao IC.15 Essa abrangência maior levou a um aumento significativo dos possíveis candidatos à cirurgia do IC e, em consequência disso, resultados de pesquisas envolvendo a temática tem crescido bastante.
A evolução e a rapidez no diagnóstico de perdas auditivas também é um ponto esclarecedor no que diz respeito ao aumento no número de cirurgias, principalmente em crianças mais jovens. De acordo com o protocolo de triagem auditiva neonatal, sugerido pelo Joint Committee on Infant Hearing em 2000,29 o diagnóstico deve ser feito até os três meses de idade e a intervenção iniciada até os seis meses. Essa mudança de perfil dos candidatos ao IC, exemplificada pelos artigos que trazem a faixa etária infantil em sua amostra,23,24 explica a crescente necessidade da inclusão de testes objetivos nos procedimentos de ativação e mapeamento do IC. Ao contrário dos adultos, que tem a determinação dos níveis de energia de cada eletrodo do IC efetuadas por meio de medidas psicofísicas, os bebês necessitam de procedimentos mais específicos, os quais requerem técnicas que podem ser inconsistentes e assistemáticas, devido à inexperiência auditiva ou à idade da criança, caracterizando-se como um processo muito mais trabalhoso e que exige uma maior colaboração da família do paciente. Principalmente para aquelas crianças com perdas auditivas pré-linguais, visto que não têm nenhuma experiência auditiva, as mudanças no comportamento e os reflexos devem ser utilizados na criação dos mapas de ativação individuais.5
Sabendo-se que uma adequada definição da área dinâmica, região compreendida entre a quantidade de corrente que primeiramente induz uma sensação auditiva (nível T) e o nível de sensação de intensidade máxima que o paciente irá aceitar para a estimulação elétrica sem que tenha desconforto (nível C),4,24 é o ponto chave para o sucesso do IC, a maioria dos artigos trouxe o LREEE e as medidas comportamentais como testes avaliativos únicos.18-23 Todos os estudos referidos mostraram que o LREEE pode auxiliar de maneira bastante eficiente no mapeamento do IC, principalmente quando o objetivo é definir com segurança o nível máximo de conforto, ou seja, o nível C.
Outro ponto relevante diz respeito aos outros testes avaliativos estudados além do LREEE, dos quais se destaca o ECAP, que consiste no potencial de ação da porção distal do nervo auditivo, que pode ser registrado durante o intraoperatório diretamente da cóclea, utilizando os eletrodos do IC como geradores do estímulo e registradores da resposta por meio de um software específico.30 A comparação entre o LREEE e o ECAP, observada em um estudo,28 foi realizada justamente porque o ECAP é a medida da atividade do nervo auditivo mais utilizada em usuários de IC, uma vez que os seus limiares podem ser úteis para predizer os níveis mínimos e máximos que deverão ser utilizados na programação do processador de fala31, enquanto o LREEE é útil para a pesquisa do nível de máximo conforto em adultos e crianças usuárias de IC.15
Já outros três estudos17,24,25 utilizaram, além do LREEE e do ECAP, o PEEATE, medida objetiva de grande auxilio nos procedimentos de IC, porém com maior susceptibilidade a artefatos de ruídos elétricos.32 De acordo com um desses estudos,26 o PEEATE mostrou-se uma medida mais confiável que o ECAP e o LREEE. Contudo, como o objetivo deste estudo foi analisar a eficácia dessas técnicas objetivas na programação dos processadores de fala de usuários de IC em uma amostra total de 35 pessoas (sendo 20 do grupo de estudo, com malformações cocleares e 15 do grupo controle, sem malformações cocleares) a conclusão mostrando o PEE-ATE como medida mais confiável é justificada pela amostra diferente dos demais estudos.
Outro teste avaliativo utilizado em um dos estudos,26 a NRT, é utilizada na rotina clínica para a programação do IC com o intuito de predizer os melhores níveis de estimulação elétrica.9,23,32,33 A importância da inclusão dessa medida nos estudos se dá porque praticamente todos os métodos de programação disponíveis e recomendados pelos fabricantes atualmente utilizam as medidas da NRT para o mapeamento do IC. Isso possivelmente se deve ao fato de que a NRT pode ser ajustada a métodos totalmente objetivos ou combinada, como os de programação pelo fator de correção, com mapas progressivos pré-ajustados ou por ajuste à viva voz. O próprio software de programação permite a importação dos limiares obtidos pela NRT e automaticamente os combinam com os níveis psicoacústicos obtidos pelo teste comportamental em pelo menos um dos eletrodos.
Alguns estudiosos afirmam que a NRT pode ser usada de forma confiável como um ponto de partida para definir níveis iniciais de conexão, uma vez que é encontrada entre os níveis T e C.34 De fato, a experiência clínica sugere que a NRT, no pós-operatório, é mais facilmente encontrada que o LREEE. Contudo, quando possível, a combinação entre a NRT e o LREEE, assim como com outras medidas objetivas, tende a acrescentar informações valiosas à equipe responsável pela programação dos processadores de fala do IC, uma vez que as medidas de conforto podem estar muito altas ou muito baixas em crianças quando a determinação do campo dinâmico se baseia apenas em respostas comportamentais.
Alguns estudos apresentam importantes limitações metodológicas, uma vez que dados importantes como a faixa etária e a média de idade da amostra estudada não foram identificados em alguns dos artigos.17,18,20,21,25-27 Considerando que algumas respostas auditivas são peculiares a determinadas faixas etárias, a ausência desses dados torna os referidos estudos deficientes e limita algumas inferências, visto que os procedimentos adotados durante o mapeamento do IC diferem principalmente quanto à idade do paciente e ao tempo de privação da audição até a ativação do dispositivo.
Os métodos avaliativos descritos nos estudos desta revisão utilizaram técnicas intraoperatórias, pós-operatórias ou ambas.22,27 A avaliação intraoperatória visual do reflexo estapédico é passível de dificuldades, uma vez que sangramentos e tecidos cicatriciais em orelha média tentem a tornar a observação das contrações musculares mais imprecisas. Em um dos estudos,27 apesar dos aspectos visuais e da timpanometria mostrarem limiares quase idênticos no intraoperatório, os LREEE encontraram-se mais elevados neste do que no pós-operatório, fato possivelmente explicado pela ação dos agentes anestésicos, os quais podem enfraquecer o reflexo do músculo estapédio durante a cirurgia.35-37
Os resultados dos 12 artigos selecionados para a presente revisão sugerem que os testes objetivos, em especial o LREEE, sejam eles realizados no intraoperatório ou no pós-operatório, auxiliam de maneira significativa a equipe responsável pela cirurgia e reabilitação de pacientes submetidos ao IC. A comparação dos métodos de aferição permite que a equipe tenha mais confiança nos resultados e que o processo torne-se mais rápido e seguro, uma vez que a avaliação comportamental estará assistida por medidas objetivas.
A partir do levantamento destes dados, observamos que a pesquisa do LREEE pode ser incluída como uma informação válida para ser utilizada como parâmetro nos procedimentos padrão do processo de IC, pois suas contribuições são positivas tanto na ativação como no mapeamento desse dispositivo.
A partir dos estudos incluídos nesta revisão de literatura, é possível concluir que:
• A pesquisa do LREEE, seja ele observado no intraoperatório ou no pós-operatório, é uma medida objetiva capaz de auxiliar na programação do dispositivo de IC, principalmente em pacientes que apresentam respostas inconsistentes.
• A combinação entre os testes objetivos e o teste comportamental durante a programação do processador de fala do IC devem ser utilizadas a fim de evitar fixação de níveis de sensação de intensidade máxima muito alta.
• Essa combinação torna o processo mais rápido e seguro, mesmo para bebês, crianças pequenas ou indivíduos com múltiplos comprometimentos.