versão On-line ISSN 2317-1782
CoDAS vol.30 no.5 São Paulo 2018 Epub 08-Out-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20182017286
O processamento auditivo central está relacionado à habilidade que o indivíduo apresenta na detecção, análise e interpretação de padrões sonoros. Essas habilidades auditivas em situações de escuta desfavoráveis podem ser analisadas por meio de testes auditivos comportamentais.
Os testes auditivos especiais podem ser classificados de acordo com o modo de apresentação dos estímulos em dióticos, monóticos e dicóticos. Os testes dicóticos são realizados com fones auriculares e têm como princípio a apresentação de diferentes estímulos em ambas as orelhas de maneira simultânea ou sequencial. Dentre os testes dicóticos disponíveis em português brasileiro, há o Dichotic Sentence Identificacion Test – DSI(1,2).
As pesquisas com testes de escuta dicótica demonstraram que os resultados são influenciados pela variável idade(3,4) e escolaridade(5-7), sem diferenças de resultados para a análise da variável gênero(3,6,8).
Após análise desses estudos, surgiu um questionamento: se o tempo para a realização de um teste em tarefa dicótica também sofreria influência dessas variáveis. Diante de tal questionamento, aventa-se a hipótese de que quanto maior a idade, maior o tempo para realizar a tarefa proposta. Já, para a escolaridade, seria inversamente proporcional, ou seja, quanto maior o grau de escolaridade, menor o tempo para responder à atividade proposta, sem diferenças significativas entre os gêneros masculino e feminino.
Sendo assim, os objetivos do presente estudo são: avaliar a influência das variáveis idade, escolaridade e gênero na ocorrência de pausas, após o tempo padrão, no teste de identificação de sentenças dicóticas (DSI).
O presente estudo foi analisado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa sob o n° 0322/07. Os participantes foram convidados pelo pesquisador e terceiros, por meio de anúncios na web, distribuição de folhetos, exposição de cartazes em locais públicos com grande número de pessoas e convite verbal pelos pesquisadores e terceiros. Todos os indivíduos foram comunicados sobre a natureza da pesquisa e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, o qual foi produzido de acordo com a resolução n° 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Para os indivíduos menores de 18 anos de idade, além da assinatura do Termo de Consentimento pelos pais e/ou responsáveis, houve a assinatura do termo de assentimento pelo participante.
Para a composição da amostra, foram elencados os seguintes critérios de inclusão: idade entre treze e quarenta e nove anos (ambos os gêneros); português brasileiro como língua materna; pontuação ≥ a + 50 na versão reduzida do teste de dominância manual de Edinburgh(9,10), leitura fluente, independentemente do grau de escolaridade; ausência de queixa e/ou alteração neurológica evidente e/ou transtorno psíquico evidente; ausência de alteração audiológica (limiares auditivos inferiores a 25 dB NA entre 250 Hz e 8000 Hz, curvas timpanométricas tipo A e presença de reflexos acústicos com estimulação contralateral); configuração audiométrica simétrica (diferença entre os limiares auditivos da orelha direita e esquerda inferior a 10 dB NA em todas as frequências pesquisadas); resultados de acordo com os padrões de normalidade nos testes auditivos especiais de localização sonora, teste de memória para sons verbais e não verbais em sequência e teste dicótico de dígitos (etapa de integração binaural) (11).
A amostra foi constituída por 200 sujeitos, 100 do gênero feminino e 100 do gênero masculino com idades entre 13 e 49 anos, distribuídos em quatro grupos de acordo com a faixa etária: Grupo I: 50 indivíduos pareados por gênero (25 femininos e 25 masculinos) na faixa entre 13 e 19 anos de idade; Grupo II: 50 indivíduos pareados por gênero (25 femininos e 25 masculinos) na faixa entre 20 e 29 anos de idade; Grupo III: 50 indivíduos pareados por gênero (25 femininos e 25 masculinos) na faixa entre 30 e 39 anos de idade; Grupo IV: 50 indivíduos pareados por gênero (25 femininos e 25 masculinos) na faixa entre 40 e 49 anos de idade.
Os indivíduos informaram o nível de escolaridade em anos concluídos durante a anamnese e foram separados em grupo de acordo com o grau de escolaridade. A divisão foi realizada segundo os critérios estabelecidos pelo IBGE(12), a saber: três a sete anos de escolaridade (ensino fundamental incompleto); oito anos de escolaridade (ensino fundamental completo); nove a dez anos de escolaridade (ensino médio incompleto); 11 anos de escolaridade (ensino médio completo); 12 a 15 anos de escolaridade (ensino superior incompleto); 16 anos de escolaridade (ensino superior completo, tendo como referência a graduação em cinco anos); 17 anos ou mais de escolaridade (pós-graduação).
Todos os indivíduos foram avaliados, por meio do teste DSI em português brasileiro apresentado a 50 dBNS nas etapas de integração binaural e escuta direcionada à direita e à esquerda. Os estímulos foram apresentados por meio de Compact Disc e reproduzidos em discman com formato MP3 modelo Expanium da empresa Philips. Para a avaliação, utilizou-se cabina acústica, fones supra-aurais modelo TDH-39 acoplados ao audiômetro de dois canais de modelo GSI-61, marca Grason-Stadler. Durante a aplicação do teste, foi anotada a necessidade de pausas, além do tempo padrão do teste, ou seja, previsto na gravação. Os indivíduos foram distribuídos de acordo com a ocorrência de pausas (sim ou não) em cada etapa do teste DSI, segundo a amostra total e as variáveis idade, escolaridade e gênero.
Foram realizadas análises descritivas e inferenciais. A análise inferencial foi realizada com os softwares Minitab versão 15 e SPSS versão 11. Foi adotado um nível de significância de 0,05 e utilizados os testes estatísticos t-Student, teste Exato de Fisher, Análise de Variância com medidas repetidas, Modelos de regressão logística múltiplos e Estatística Kappa.
Participaram do estudo 200 sujeitos de 13 a 49 anos de idade, média de idade de 29,7 anos, e entre três e 24 anos de escolaridade, escolaridade média de 13,1 anos.
Os resultados foram classificados de acordo com as ocorrências de pausas (Sim ou Não) em todas as etapas do teste DSI, considerando a amostra total ( Tabela 1 ).
Tabela 1 Frequências e porcentagem de ocorrência de Pausa em cada etapa do teste DSI
Teste | Pausa | Total | |
---|---|---|---|
Não | Sim | ||
Treino | 97 | 103 | 200 |
48,50% | 51,50% | 100% | |
Integração | 105 | 95 | 200 |
52,50% | 47,50% | 100% | |
EDD | 195 | 5 | 200 |
97,50% | 2,50% | 100% | |
EDE | 196 | 4 | 200 |
98% | 2% | 100% |
Legenda: EDD = Escuta direcionada à direita; EDE = Escuta direcionada à esquerda
Após a ilustração dos resultados na amostra total, a ocorrência de pausas foi analisada segundo faixa etária e grau de escolaridade ( Tabela 2 ).
Tabela 2 Porcentagem de ocorrência de pausas nas quatro etapas do teste DSI segundo a faixa etária e grau de escolaridade
Grupo (n) | Treino | Integração | EDD | EDE |
---|---|---|---|---|
13 a 19 anos de idade (n=50) | 36% | 30% | 2% | 2% |
20 a 29 anos de idade (n=50) | 38% | 30% | 0% | 0% |
30 a 39 anos de idade (n=50) | 52% | 52% | 4% | 4% |
40 a 49 anos de idade (n=50) | 80% | 78% | 4% | 2% |
3 a 7 anos de escolaridade (n=14) | 100% | 86% | 14% | 7% |
8 anos de escolaridade (n=10) | 100% | 100% | 10% | 10% |
9 a 10 anos de escolaridade (n=10) | 80% | 70% | 0% | 0% |
11 anos de escolaridade (n=42) | 60% | 60% | 5% | 5% |
12 a 15 anos de escolaridade (n=64) | 33% | 30% | 0% | 0% |
16 anos de escolaridade (n=36) | 53% | 47% | 0% | 0% |
17 ou + anos de escolaridade (n=24) | 25% | 21% | 0% | 0% |
Legenda: EDD = Escuta direcionada à direita; EDE = Escuta direcionada à esquerda
Considerando a variável gênero, 59% dos homens e 44% das mulheres necessitaram de pausas para a etapa de treino. Para a etapa de integração binaural, 54% dos homens e 41% das mulheres tiveram necessidade de obter o teste pausado para identificar corretamente a resposta. Para as etapas de escuta direcionada, apenas 1% dos homens necessitou de pausas no teste. Em relação às mulheres, 4% da amostra necessitou de pausas na etapa de escuta direcionada à direita e 3% para a etapa de escuta direcionada à esquerda.
Após a análise descritiva inicial, as médias de idade e escolaridade foram comparadas nos grupos definidos pela ocorrência de pausa (Sim ou Não) em cada etapa do teste, e também foi realizado o teste de associação entre gênero e ocorrência de pausas ( Tabela 3 ).
Tabela 3 P-valores obtidos na comparação das médias da Idade e Escolaridade nas categorias de Pausa e no teste de associação entre Pausa e Gênero
Etapa do Teste | Idade 1 | Escolaridade 1 | Gênero 2 |
---|---|---|---|
Treino | 0,000 * | 0,000 * | 0,047 * |
Integração | 0,000 * | 0,000 * | 0,089 |
Escuta Direcionada à Direita | 0,294 | 0,001 * | 0,369 |
Escuta Direcionada à Esquerda | 0,680 | 0,007 * | 0,621 |
1Teste T Student
2Teste Exato de Fischer
*p-valor estatisticamente significante
Os resultados apresentados na Tabela 3 referem-se ao estudo da associação de cada uma das variáveis: idade, escolaridade e gênero isoladamente com a ocorrência de Pausa. Variáveis que, isoladamente, apresentaram valor de p menor do que 0,25 foram selecionadas para o ajuste de modelos de regressão logística. Após essa análise, verificou-se que, no treino, houve associação entre ocorrência de pausas e a idade (p=0,000) e a escolaridade (p=0,000). A razão de chances para a idade foi 1,10 (Intervalo de confiança de 95%: [1,06; 1,13]) e para escolaridade foi de 0,79 (IC 95%: [0,71; 0,88]). Não foi detectada associação com gênero (p=0,123).
Para a integração binaural, também há associação entre ocorrência de pausa e a idade (p=0,000) e a escolaridade (p=0,000). A razão de chances para a idade foi 1,11 (Intervalo de confiança de 95%: [1,07; 1,15]) e para a escolaridade a razão de chances foi de 0,78 (IC 95%: [0,70; 0,87]). Não houve associação com gênero (p=0,174).
Para as etapas de escuta direcionada, foram ajustados modelos de regressão logística incluindo apenas a escolaridade. Na etapa de escuta direcionada à direita, a escolaridade mostrou associação com a ocorrência de pausa (p=0,002). A razão de chances foi de 0,57 (IC 95%: [0,40; 0,82]). Para a etapa de escuta direcionada à esquerda, a escolaridade mostrou associação com a ocorrência de pausa (p=0,009). A razão de chances foi de 0,62 (IC 95%: [0,43; 0,89]).
Observando os resultados, nota-se comportamentos semelhantes para a ocorrência de pausas nas etapas de escuta direcionada. Verificou-se assim a concordância dos resultados entre as duas etapas do teste. Os resultados demonstraram que 195 indivíduos (97,5% da amostra) não necessitaram de pausas nas duas etapas de escuta direcionada e quatro indivíduos (2% da amostra) necessitaram de pausas nas duas etapas de escuta direcionada. O valor da estatística Kappa (medida de concordância) foi 0,89 (p=0,11), o qual indica forte concordância entre as etapas de escuta direcionada quanto à ocorrência de pausa.
Pela técnica de Análise de Variância com medidas repetidas para dados ordinais, obteve-se que as diferenças entre as porcentagens de ocorrência de pausa nos testes dependem da faixa etária (p=0,000) e do grau de escolaridade (p=0,000). No modelo de regressão logística múltiplo para as etapas de treino e integração binaural, não foi detectada associação com gênero. Como a ocorrência de pausa apresentou associação com a idade e a escolaridade, as porcentagens de ocorrência de pausas nos testes foram comparadas segundo as variáveis faixa etária e grau de escolaridade nas etapas de treino, integração e escuta direcionada à direita ( Tabelas 4 e 5 ). A etapa de escuta direcionada à esquerda não foi considerada devido à forte concordância entre os resultados das etapas de escuta direcionada.
Tabela 4 P-valores obtidos na comparação das porcentagem de ocorrência de pausa nas etapas de treino, integração e escuta direcionada segundo a variável faixa etária
Faixa etária | Comparação | p-valor |
---|---|---|
13 a 19 anos | Treino × Integração | 0,000 * |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 * | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 * | |
20 a 29 anos | Treino × Integração | 0,039 * |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 * | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 * | |
30 a 39 anos | Treino × Integração | 1,000 |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,004 * | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 * | |
40 a 49 anos | Treino × Integração | 0,317 |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 * | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 * |
*p-valor estatisticamente significante
Análise de Variância com medidas repetidas para dados ordinais
Tabela 5 P-valores obtidos na comparação das porcentagens de ocorrências de pausa nas etapas de treino, integração e escuta direcionada segundo a variável grau de escolaridade
Grau de Escolaridade | Comparação | p-valor |
---|---|---|
3 a 7 anos de escolaridade | Treino × Integração | 0,154 |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
8 anos de escolaridade | Treino × Integração | 1,000 |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
9 a 10 anos de escolaridade | Treino × Integração | 0,317 |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
11 anos de escolaridade | Treino × Integração | 0,141 |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
12 a 15 anos de escolaridade | Treino × Integração | 1,000 |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
16 anos de escolaridade | Treino × Integração | 0,153 |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,000 | |
17 ou + anos de escolaridade | Treino × Integração | 0,317 |
Treino × Escuta Direcionada à Direita | 0,006 | |
Integração × Escuta Direcionada à Direita | 0,014 |
Análise de Variância com medidas repetidas para dados ordinais
No presente estudo, analisou-se a influência das variáveis idade, escolaridade e gênero sobre as ocorrências de pausa do teste DSI.
O teste DSI possui uma etapa de treino, realizada com integração binaural, na qual o indivíduo ouve duas frases simultaneamente, uma em cada orelha e deve apontar as duas frases ouvidas em um quadro com respostas. O treino foi a etapa que apresentou maior ocorrência de pausas, 51,5% da amostra necessitou de pausa para responder adequadamente a tarefa solicitada. Devido à complexidade da tarefa de integração binaural, 47,5% da amostra também necessitou de pausa para responder; já para as etapas de escuta direcionada, apenas 2,5% e 2% da amostra necessitaram de pausas além do tempo padrão ( Tabela 1 ). Quando uma nova atividade é apresentada, é necessário um tempo para o entendimento da tarefa e apresentação adequada da resposta. Esse tempo, nos testes auditivos, seria a etapa de treino, na qual o indivíduo aprende a atividade que será solicitada e programa uma resposta, justificando a maior porcentagem de pausa na etapa de treino e as diferenças estatisticamente significantes quando comparadas às demais etapas do teste DSI ( Tabela 4 ).
Nos testes de escuta dicótica, os estímulos apresentados em uma orelha vão para o hemisfério contralateral e as entradas das informações ipsilaterais são inibidas automaticamente(13). O sucesso para a realização de uma atividade de tarefa de escuta dicótica deve-se à atenção e à inibição realizada pelo indivíduo para manter a atenção no som alvo(14). Os estudos realizados com treino das habilidades auditivas em processo de atenção sustentada refletem melhoras no desempenho em testes de escuta dicótica em tarefas de atenção seletiva(13). Como no momento de avaliação não é possível realizar atividades extensas de treinamento para manter o foco atencional, faz-se necessário o treino na situação de escuta mais difícil do teste, tal qual ocorre no teste DSI, no qual o treino é apresentado em tarefa de integração binaural.
A aprendizagem é extremamente importante para a plasticidade neural. Os estímulos recebidos do meio exterior excitam os órgãos dos sentidos e produzem sensações. Após a repetição desses estímulos, há uma mudança no padrão de interpretação das sensações devido a uma percepção mais elaborada e reflexiva, a qual vai culminar na análise e interpretação da sensação, recrutando um grande número de neurônios para desempenhar essa tarefa quando há modificação de um padrão; tem-se,então, a plasticidade(15). Conforme o teste DSI foi apresentado, a ocorrência de pausas diminuiu, demonstrando assim o efeito de aprendizagem. A plasticidade do sistema nervoso pode ser resultante da manutenção do dinamismo morfológico e funcional dos neurônios que são utilizados em uma determinada tarefa, da modificação na produção de neurotransmissores e/ou na formação de novas sinapses(15).
A importância da realização de uma etapa de treino pode ser justificada pela plasticidade auditiva que ocorre com a repetição do estímulo e da aprendizagem de um processo auditivo(16). A plasticidade é menor com o avanço da idade, pois depende também da interação com o tronco encefálico, pode ser medida por meio de testes eletrofisiológicos(16) e verificada com melhora dos resultados após a sua realização. Sendo assim, a etapa de treino é de extrema importância e não deve ser omitida, pois fornece ao indivíduo a oportunidade de entender e praticar o teste, antes de iniciar a avaliação propriamente dita. Assim, os resultados obtidos são mais fidedignos e é possível localizar uma dificuldade real na avaliação das habilidades auditivas.
Analisando a variável idade, observa-se que a ocorrência de pausas aumenta com o avanço da faixa etária. Apenas 36% dos indivíduos da faixa etária de 13 a 19 anos de idade necessitaram de pausas no teste para o treino e 30% para a integração binaural. Conforme a idade avançou, a necessidade de pausa também aumentou. A faixa etária de 40 a 49 anos de idade apresentou 80% de ocorrência de pausas para o treino e 78% para a etapa de integração binaural ( Tabela 2 ). Houve associação entre a ocorrência de pausas e a idade ( Tabela 3 ) e, a cada aumento de um ano na idade, a chance de pausa aumentou em 10% para a etapa de treino e em 11% para a etapa de integração binaural.
A medida que crescemos, também envelhecemos. O envelhecimento é um processo contínuo de transformações que afeta as estruturas físicas, cognitivas e a percepção subjetiva do indivíduo sobre esse fenômeno (17). Essa transformação inicia-se precocemente, desde o nascimento, e fica mais evidente para indivíduos de meia idade(18). Os efeitos do envelhecimento sobre as habilidades auditivas(19) e em outras dimensões ocorre de forma individualizada e é influenciado pelo estilo de vida, por fatores genéticos e ambientais.
O efeito do envelhecimento sobre os testes de escuta dicótica já foi reportado por vários autores(3,4,20), mesmo quando não há grande variação em uma faixa etária ou quando utilizada uma população jovem, observaram-se diferenças entre o desempenho dos indivíduos mais novos e mais velhos, com melhores resultados para os mais jovens(3,4,20). Esse fato decorre das alterações estruturais e morfológicas decorrentes do processo de envelhecimento(19) e da diminuição de outras capacidades relacionadas às funções mentais superiores tais como memória, linguagem, capacidade de planejamento e sequencialização(21,22).
Os processos cognitivos de atenção, memória(23,24), emoção e motivação influenciam diretamente os resultados obtidos nos testes auditivos comportamentais(24). Dentre as influências ambientais, temos a escolaridade como um fator importante(6,7,18,20,25). A análise descritiva da variável grau de escolaridade demonstrou que houve diminuição da ocorrência de pausa em todas as etapas do teste conforme a escolaridade aumentou. Todos os indivíduos com até oito anos de escolaridade necessitaram de pausa no treino e mais de 80% na etapa de integração binaural. Quando analisados os indivíduos com alto grau de letramento, ou seja, 17 anos ou mais de escolaridade, verificou-se que apenas 25% da amostra necessitou de pausa para o treino e nenhum indivíduo precisou de pausas na etapa de integração binaural ( Tabela 2 ).
Houve associação entre a ocorrência de pausas e o grau de escolaridade ( Tabela 3 ) e verificou-se que para cada aumento de um ano na escolaridade a chance de ocorrência de pausa diminuiu em 21% na etapa de treino, 22% na etapa de integração binaural, 43% para a etapa de escuta direcionada à direita e 38% para a etapa de escuta direcionada à esquerda.
Na comparação entre a ocorrência de pausas nas três etapas do teste DSI (treino, integração binaural e escuta direcionada) segundo a idade e escolaridade ( Tabelas 4 e 5 ), observou-se que, para as faixas etárias de 13 a 19 de idade e de 20 a 29 idade, houve uma diferença entre a ocorrência de pausas nas três etapas do teste DSI. Para as demais faixas etárias e em todos os graus de escolaridade, não foram detectadas diferenças estatisticamente significantes entre a ocorrência de pausas no treino e na integração, mas observaram-se diferenças entre as etapas de integração binaural e escuta direcionada, com maior ocorrência de pausas para as etapas de integração binaural ( Tabela 5 ).
A influência da escolaridade sobre o tempo para realizar a atividade solicitada já era esperada, pois as habilidades auditivas e linguísticas estão associadas a processamentos neurais e recursos cognitivos subjacentes comuns(14). Os estudos com testes de escuta dicótica relataram melhor desempenho para indivíduos com maior escolaridade quando comparados a sujeitos de mesma idade e nível de escolaridade menor(6,7,14,18,20,25). A maior incidência de pausa na população com baixa escolaridade decorreu da associação direta entre a escolaridade e habilidades linguísticas-cognitivas (26).
Sujeitos com baixa escolaridade apresentam dificuldade acentuada para inibir informações verbais que chegam ao hemisfério esquerdo pela via dominante, fazendo assim com que não consigam dirigir a atenção para a orelha que vincula a informação para o hemisfério linguístico. Isso já não acontece em indivíduos mais escolarizados, que possuem melhor controle de orientação da atenção e têm melhor capacidade de seguir instruções para atender a ambas as orelhas(25).
Outras explicações podem ser levantadas a partir do ponto de vista cognitivo. A alta escolaridade faz com que o indivíduo use mas eficientemente as habilidades cognitivas que permeiam os processos auditivos. Entre essas habilidades estão a participação ativa das redes cognitivas no processamento de um estímulo sonoro, a precisão da interação entre as habilidades cognitivas, tais como atenção e memória de trabalho, para o processamento automático de um som e a modificação da seletividade dos aspectos de um som que são relevantes para um determinado comportamento (24).
No presente estudo, homens e mulheres apresentaram comportamentos semelhantes em relação à necessidade de pausas no teste DSI e não houve associação estatisticamente significante entre a variável gênero e a ocorrência de pausas para nenhuma das etapas do teste DSI. Diversos estudos buscaram correlacionar as diferenças anatômicas e funcionais entre os cérebros masculinos e femininos ao desempenho obtido em testes de escuta dicótica, porém a maioria dos achados não demonstrou diferenças robustas entre os gêneros nas tarefas de escuta dicótica(6,8,27) ( Tabela 3 ).
Ao longo do tempo, as diferenças cognitivas entre os gêneros modificaram-se, algumas diferenças mantiveram-se estáveis e outras aumentaram com a evolução da sociedade. De forma geral as maiores diferenças cognitivas entre os gêneros foram detectadas na infância, porém essas diferenças dependem das características da tarefa solicitada(28).
As principais diferenças encontradas na comparação entre os gêneros, utilizando avaliação auditiva comportamental, estão relacionadas à maior vantagem da orelha direita(3,18,29). Essa vantagem acentua-se com o avanço da idade, independentemente da preferência manual, e é mais precoce em mulheres(3). Na comparação entre os jovens de 16 a 49 anos de idade, os homens apresentaram maior assimetria perceptual, com melhores resultados para a orelha direita, quando comparados às mulheres(3).
Com esses resultados, ressalta-se a importância da utilização de uma etapa de treino antes da aplicação de qualquer teste auditivo comportamental e a necessidade de realizar pausas, quando necessário, para a obtenção de respostas de indivíduos com maior idade e menor escolaridade, visando assim minimizar a influência de fatores não auditivos sobre os resultados dos testes auditivos comportamentais. À semelhança desse estudo, outros devem ser desenvolvidos considerando esses fatores tanto para a elaboração de instrumentos de avaliação quanto para a análise de resultados obtidos.
As variáveis idade e escolaridade influenciam a ocorrência de pausa no teste DSI. Com o aumento da idade, há um aumento na incidência de pausas nas etapas de treino e integração binaural do teste DSI. Quanto mais anos de estudo, menor a chance de o indivíduo necessitar de pausa para realizar o teste DSI em todas as etapas de apresentação. A variável gênero não influencia a ocorrência de pausa.