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A influência da proporcionalidade corporal em crianças nascidas pequenas para a idade gestacional: estudo da maturação da via auditiva

A influência da proporcionalidade corporal em crianças nascidas pequenas para a idade gestacional: estudo da maturação da via auditiva

Autores:

Rosanna Giaffredo Angrisani,
Edna Maria Albuquerque Diniz,
Marisa Frasson de Azevedo,
Carla Gentile Matas

ARTIGO ORIGINAL

Audiology - Communication Research

versão On-line ISSN 2317-6431

Audiol., Commun. Res. vol.20 no.1 São Paulo jan./mar. 2015

http://dx.doi.org/10.1590/S2317-64312015000100001524

INTRODUÇÃO

A classificação de crescimento fetal adequado se baseia na comparação de dados antropométricos do recém-nascido (RN) a curvas de referência que relacionam o peso com a idade gestacional. Assim, de acordo com a classificação de Alexander et al.(1996)(1), a criança classificada como pequena para idade gestacional (PIG), é aquela cujo peso situou-se abaixo do percentil 10.

O nascimento de uma criança PIG pode indicar que ela sofreu alguma Restrição de Crescimento Intrauterino (RCIU), processo patológico que não permitiu ao feto alcançar seu potencial crescimento genético intrauterino. A RCIU pode ter ocorrido em diferentes momentos da gestação, com duração e intensidade diferentes e, por conseguinte, prognósticos de crescimento e desenvolvimento diferentes. Pode ser decorrente de uma desordem cromossômica, infecção intrauterina, disfunção placentária, gestação múltipla, baixa estatura materna, tabagismo, entre outras(2).

Os PIG podem ser classificados como sendo de padrão assimétrico ou desproporcionado, no qual o peso está reduzido, com estatura e perímetro cefálico normais, cujo provável agravo ocorreu no final da gestação, por insuficiência placentária. Por outro lado, os PIG simétricos ou proporcionados são aqueles nos quais o peso, perímetro cefálico e estatura estão reduzidos, indicando agravos no inicio da gestação, estendendo-se durante todo o período pré-natal, podendo acarretar maiores comprometimentos ao feto(3,4).

A classificação da proporcionalidade corpórea dos RN PIG pode ser obtida pelo índice ponderal de Rohrer (IP), cujos parâmetros são definidos pelo peso (em gramas) dividido pela estatura ao cubo (cm3), multiplicado por 100. Se o IP for maior ou igual a 2,49, classifica-se o PIG como sendo de padrão simétrico ou proporcionado; se IP for menor que 2,49, classifica-se o PIG como sendo de padrão assimétrico ou desproporcionado(5).

Há consenso na literatura de que o maior risco de morbidade neurológica pode estar associado à inadequação do peso ao nascimento, em relação à idade gestacional, acarretando desde formas sutis de atrasos de desenvolvimento, até danos cerebrais permanentes. Nesse contexto, recém-nascidos com baixo peso e/ou PIG, são considerados de risco para alterações globais ou específicas de linguagem, audição, aprendizagem, entre outras(4,6,7), já que representam exemplo de desnutrição em idade precoce, estando, possivelmente, sujeitos às sequelas desta desnutrição, mesmo que tardiamente(4,8).

O monitoramento auditivo, portanto, torna-se fundamental, pois os primeiros dois anos e, em especial, os seis primeiros meses de vida são primordiais para o desenvolvimento da linguagem oral(9).

O Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico (PEATE) tem sido o exame de escolha para avaliação e monitoramento da integridade das vias auditivas na população neonatal de risco, pois permite acompanhar a maturação do sistema auditivo central, por meio das mudanças na latência e amplitude das respostas(10).

O objetivo do presente estudo foi o de comparar os resultados do PEATE em lactentes PIG com padrão simétrico e assimétrico, no período neonatal e aos 6 meses de vida, a fim de verificar se uma condição representa maior risco auditivo em relação à outra.

Nossa hipótese é que os lactentes nascidos PIG com padrão simétrico teriam comportamento auditivo diferente, quando comparado ao de lactentes PIG com padrão assimétrico, atingindo, porém, os mesmos parâmetros estabelecidos como normais após seis meses de vida.

MÉTODOS

O presente estudo foi multicêntrico, iniciado após aprovação pelos Comitês de Ética em Pesquisa da Universidade de São Paulo (USP) (CAPPesq HCFMUSP), sob o nº 372/10, do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo, sob o registro CEP-HU/USP nº 1009-10-SISNEP CAEE 0037.0.198.000-10 e da Universidade Federal de São Paulo sob o nº 1235/11. As mães e/ou responsáveis assinaram o Termo de Consentimento Livre Esclarecido, concordando com a participação dos lactentes na pesquisa.

A população estudada consistiu de nascidos nos serviços de dois hospitais universitários (Hospital Universitário da Universidade de São Paulo e Hospital São Paulo da Universidade Federal de São Paulo), escolhidos de forma aleatória, por meio da leitura de prontuário, do qual constavam as medidas antropométricas (perímetro cefálico, peso e altura ao nascer), para posterior aplicação do índice ponderal de Rohrer (IP).

Todos os lactentes foram avaliados no período de dezembro de 2010 a junho de 2012.

A amostra foi de conveniência; fixou-se o intervalo de confiança de 95% e nível de significância de 5% e foi composta por seis grupos, a saber:

Três grupos de lactentes nascidos a termo: 16 PIG com padrão assimétrico (T/PIG-A), 19 PIG simétricos (T/PIG-S) e 35 nascidos AIG; três grupos de lactentes nascidos pré-termo: 19 PIG com padrão assimétrico (PT/PIG-A), cinco PIG considerados simétricos (PT/PIG-S) e 24 AIG nascidos com peso adequado.

A faixa etária no período neonatal dos RN a termo variou de 37 a 41 semanas de idade gestacional. A faixa etária dos RN pré - termo variou de 27 semanas e seis dias a 36 semanas e seis dias. A idade corrigida, no momento do exame, variou de 33 semanas e dois dias a 40 semanas e três dias.

Os critérios de elegibilidade foram os seguintes:

  1. Presença dos indicadores “pequeno para idade gestacional” nos grupos de crianças a termo e pré-termo, objeto do presente estudo, e “adequado para idade gestacional” para os grupos de crianças controle, ambos segundo a curva de referência de crescimento fetal adotada nas duas instituições(1). O dado da adequação do peso ao nascimento foi extraído do prontuário médico do RN;

  2. Presença bilateral de emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente (EOAT) e curva timpanométrica tipo A, segundo modelo de Margolis (1975)(11), para todos os grupos avaliados.

Foram excluídas do estudo, crianças que apresentaram risco infeccioso para TORCHS (Toxoplasmose, Rubéola, Citomegalovírus, Herpes e Sífilis), encefalopatia, malformações craniofaciais e alterações condutivas e/ou cocleares.

Os procedimentos adotados incluíram leitura do prontuário médico do RN para a coleta de dados sobre critérios de inclusão, medidas antropométricas e idade gestacional, confirmada por ultrassonografia.

Após a seleção, os RN foram convocados para a realização dos testes, que obedeceram à seguinte ordem: inspeção do meato acústico externo para visualização da membrana timpânica, por meio de otoscópio marca Welch Allyn®; teste de emissões otoacústicas evocadas por estímulo transiente (EOAT) e medidas de imitância acústica (timpanometria), para garantir a integridade da função coclear (células ciliadas externas) e ausência de comprometimento de orelha média, respectivamente. Os mesmos procedimentos foram repetidos nas duas avaliações subsequentes (aos seis 6 meses de idade).

No Hospital Universitário da USP, utilizou-se o equipamento Analisador de Emissões Cocleares ILO 92 (Otodynamics®, London), com dois canais, que incorpora os recursos ILO88-Versão 5.61, possibilitando o registro das EOAT. A sonda utilizada para transmitir o estímulo foi a B-Type ILO OAE Probe (descrito por Kemp, Ryan e Bray, 1990), envolta por uma oliva macia. O estímulo eliciador foi o do tipo click não linear, numa intensidade entre ٧٨ e ٨٣ dBNPS, no modo Quickscreen. A presença de respostas foi considerada mediante a relação sinal-ruído de 3 dB em 1 KHz, ou 1,5 KHz e 6 dB em 2 KHz, 3 KHz e 4 KHz, com reprodutibilidade maior de 50% e a estabilidade maior de 70%. No caso da presença de respostas, o exame foi interrompido após 80 estímulos aceitos; no caso de ausência, o exame prosseguiu até os 260 estímulos (propostos pelo equipamento), sendo o RN excluído da amostra e encaminhado ao médico ORL para avaliação e posterior seguimento audiológico ambulatorial.

No Hospital São Paulo, foi utilizado o equipamento automático portátil AccuscreenPRO, marca GN Otometrics®. Para a obtenção de “passa” no registro das EOAT, o equipamento foi calibrado pelo fabricante para a análise automática das respostas, com os seguintes parâmetros: método de avaliação por estatística binomial; estímulos tipo click não linear, numa sequência com velocidade de 60 Hz e intensidade de 70-84 dBSPL (45-60 dBHL, com auto calibração dependendo do volume no canal auricular); espectro de frequências de 1,4 KHz a 4 KHz; artefato menor que 20%. Quando estes parâmetros foram obtidos, o equipamento registrou “passa”.

As medidas de imitância acústica abrangeram a timpanometria com tom de sonda de 1 KHz, realizada pelo analisador de orelha média marca Interacoustics®, modelo AT 235-H, nas duas instituições participantes do estudo.

Para a realização do PEATE, a criança permaneceu no berço ou no colo da mãe, em sono natural.

Para a captação do PEATE, utilizou-se o equipamento clínico/diagnóstico modelo Smart-EP, marca Intelligent Hearing Systems®, nas duas instituições. O preparo de todos os RN para a realização do PEATE deu-se da seguinte forma: limpeza prévia da pele com pasta abrasiva e fixação dos eletrodos pediátricos descartáveis Meditrace-200, marca Kendal®, na região frontal (Fpz) e nas mastoides direita e esquerda (M2 e M1), obedecendo à norma IES 10-20 (International Electrode System). O estímulo acústico foi apresentado por um par de fones de inserção modelo ER-3A, eliciando as respostas. A impedância dos eletrodos foi mantida menor que 3 kΩ.

O estímulo acústico utilizado foi o click de polaridade rarefeita, apresentado monoauralmente, a 80 dBnNA, para avaliação da integridade da via auditiva, numa velocidade de apresentação de 27,7 clicks por segundo, duração de 0,1 ms, filtros passa alto de 100 Hz e passa baixo de 1500 Hz, sendo empregado um total de 2048 estímulos. A janela de gravação usada foi de 12 ms. O PEATE foi captado duas vezes em cada orelha, a fim de se obter a reprodutibilidade das ondas e garantir, desta maneira, a presença de resposta.

Para a análise das respostas do PEATE, foram medidas as latências absolutas das ondas I, III, V e intervalos interpicos I-III, III-V, I-V a 80 dBnNA, nas duas avaliações realizadas (período neonatal e 6 meses de idade pós-conceptual). Considerou-se como PEATE normal, quando as latências absolutas e os intervalos interpicos apresentaram-se dentro dos parâmetros descritos na tabela normativa do equipamento, de acordo com a faixa etária. Considerou-se como PEATE alterado, quando as latências absolutas e/ou os intervalos interpicos mostraram-se aumentados em relação aos parâmetros da normalidade do equipamento.

A análise estatística foi composta, inicialmente, pela descrição dos dados por meio das médias e desvios padrão de cada grupo estudado. Em seguida, foram comparadas todas as medidas das orelhas direita e esquerda de cada indivíduo, por meio do teste t Student pareado. A comparação das médias entre os grupos foi feita por meio do teste de ANOVA.

Todos os testes foram bicaudados e toda a análise foi calculada segundo o software estatístico STATA ®, versão 10.0.

RESULTADOS

Cabe ressaltar que, no relato dos resultados, assim como discussão e conclusão, a população PIG foi nomeada como PIG-S para os PIG de padrão simétrico e PIG-A para os de padrão assimétrico.

Os dados obtidos nos PIG-S, PIG-A e AIG, para cada parâmetro do PEATE, foram analisados preliminarmente, de forma isolada para cada orelha.

No período neonatal, sete crianças (37%) do grupo a termo PIG-S apresentaram PEATE alterado, sendo que apenas uma (5,2%) o manteve alterado aos 6 meses (intervalo interpico I-V aumentado na orelha direita); no grupo PIG-A a termo, cinco crianças (31,2%) apresentaram PEATE alterado em ambas as orelhas, sendo que apenas uma (6,2%) o manteve alterado aos 6 meses (aumento da latência da onda V e interpico I-V na orelha esquerda). Apenas uma criança (2,9%) do grupo AIG a termo apresentou PEATE alterado no período neonatal, enquanto que aos 6 meses, todos os exames resultaram normais.

Nos grupos de lactentes nascidos prematuros, observou-se que, dos dez RN PIG-A (52,6%) que apresentaram alteração no PEATE, apenas uma criança (5,26%) manteve o exame alterado aos 6 meses (intervalo interpico I-V aumentado nas duas orelhas); no grupo de PIG-S, apenas uma criança (20%) apresentou PEATE alterado ao nascer, normalizando aos 6 meses. No grupo AIG, de 11 RN (45,8%) que apresentaram PEATE alterado ao nascer, todos os lactentes apresentaram PEATE adequado aos 6 meses. A análise comparativa dos resultados descritos permitiu verificar a inexistência de diferenças relevantes entre as orelhas direita e esquerda nos grupos PIG, o mesmo ocorrendo nos grupos AIG.

Dessa forma, optou-se pelos valores obtidos na orelha direita para as análises subsequentes, mantendo-se a comparação entre os grupos PIG-S e PIG-A e destes, com os grupos AIG.

Na análise do comportamento maturacional das latências das ondas do PEATE no período neonatal e aos 6 meses de idade, verificou-se que todos os grupos avaliados evidenciaram diferenças relevantes do ponto de vista estatístico. Os resultados obtidos encontram-se resumidos na Figura 1.

Figura 1 Estudo comparativo das latências do PEATE no período neonatal e aos seis meses nos grupos AIG e PIG assimétricos e simétricos, nascidos a termo e pré-termo 

Posteriormente, procurou-se verificar se o processo maturacional ocorre de forma diferente nos PIG, em relação ao tempo de permanência no agravo intrauterino (simétrico X assimétrico) e comparados aos nascidos com peso adequado.

A análise dos resultados dos grupos de nascidos pré-termo PIG-S, PIG-A e AIG no período neonatal, permitiu verificar que, exceto para a onda I, que foi estatisticamente mais precoce nos AIG (p=0,02), não houve diferença nas latências das demais ondas do PEATE, o mesmo ocorrendo nos grupos PIG-S, PIG-A e AIG de nascidos a termo (Tabelas 1 e 2).

Tabela 1 Estudo comparativo das latências do PEATE no período neonatal nos grupos AIG e PIG assimétricos e simétricos, nascidos pré-termo 

RN PT/PIG (n=19) Assimétricos PT/PIG (n=5) Simétricos PT/AIG (n=24) Valor de p

PEATE Média DP Média DP Média DP
Onda I 1,86 0,22 1,84 0,08 1,73 0,09 0,021
Onda III 4,81 0,27 4,68 0,25 4,67 0,23 0,164
Onda V 7,27 0,51 7,08 0,36 7,33 0,45 0,575
Itp I-III 2,93 0,26 2,99 0,35 2,86 0,25 0,478
Itp III-V 2,51 0,28 2,41 0,17 2,66 0,37 0,146
Itp I-V 5,46 0,50 5,25 0,28 5,51 0,52 0,575

Teste de ANOVA (p<0,05)

Legenda: PEATE = Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico; AIG = adequado para a idade gestacional; PIG = pequeno para a idade gestacional; RN = recém-nascido; DP = desvio padrão; PT/PIG = pré-termo e pequeno para a idade gestacional; PT/AIG = pré-termo e adequado para a idade gestacional; Itp = interpico

Tabela 2 Estudo comparativo das latências do PEATE no período neonatal nos grupos AIG e PIG assimétricos e simétricos, nascidos a termo 

RN T/PIG (n=16) Assimétricos T/PIG (n=19) Simétricos T/AIG (n=35) Valor de p

PEATE Média DP Média DP Média DP
Onda I 1,80 0,13 1,83 0,23 1,81 0,15 0,914
Onda III 4,59 0,24 4,61 0,25 4,58 0,27 0,951
Onda V 7,04 0,39 6,92 0,33 6,95 0,34 0,574
Itp I-III 2,78 0,17 2,78 0,23 2,77 0,25 0,980
Itp III-V 2,45 0,26 2,31 0,31 2,34 0,28 0,285
Itp I-V 5,24 0,34 5,09 0,39 5,00 0,60 0,296

Teste de ANOVA (p<0,05)

Legenda: PEATE = Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico; AIG = adequado para a idade gestacional; PIG = pequeno para a idade gestacional; RN = recém-nascido; T/PIG = a termo e pequeno para a idade gestacional; T/AIG = a termo e adequado para a idade gestacional; Itp = interpico; DP = desvio padrão

Comparou-se, também, as latências absolutas e intervalos interpicos do PEATE dos grupos PIG-S, PIG-A e AIG nascidos pré-termo, aos 6 meses, verificando-se a não diferenciação entre os grupos em todos os parâmetros do PEATE (Tabela 3).

Tabela 3 Estudo comparativo das latências do PEATE em lactentes nascidos pré-termo aos seis meses, nos grupos AIG e PIG assimétricos e simétricos 

6 meses PT/PIG (n=19) Assimétricos PT/PIG (n=5) Simétricos PT/AIG (n=24) Valor de p

PEATE Média DP Média DP Média DP
Onda I 1,72 0,11 1,7 0,13 1,73 0,09 0,861
Onda III 4,34 0,28 4,28 0,16 4,28 0,18 0,686
Onda V 6,40 0,30 6,19 0,21 6,36 0,28 0,335
Itp I-III 2,61 0,30 2,58 0,14 2,54 0,20 0,616
Itp III-V 2,06 0,14 1,96 0,16 2,10 0,20 0,277
Itp I-V 4,69 0,29 4,49 0,28 4,64 0,23 0,320

Teste de ANOVA (p<0,05)

Legenda: PEATE = Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico; AIG = adequado para a idade gestacional; PIG = pequeno para a idade gestacional; PT/PIG = pré-termo e pequeno para a idade gestacional; PT/AIG = pré-termo e adequado para a idade gestacional; Itp = interpico; DP = desvio padrão

A mesma comparação foi feita aos 6 meses entre os grupos PIG-S, PIG-A e AIG nascidos a termo, igualmente evidenciando a inexistência de diferenças entre os grupos (Tabela 4).

Tabela 4 Estudo comparativo das latências do PEATE de lactentes nascidos a termo aos seis meses, nos grupos AIG e PIG assimétricos e simétricos 

6 meses T/PIG (n=16) Assimétricos T/PIG (n=19) Simétricos T/AIG (n=35) Valor de p

PEATE Média DP Média DP Média DP
Onda I 1,71 0,15 1,72 0,11 1,68 0,11 0,440
Onda III 4,34 0,27 4,30 0,17 4,21 0,17 0,063
Onda V 6,39 0,35 6,29 0,36 6,29 0,26 0,525
Itp I-III 2,63 0,18 2,57 0,17 2,54 0,19 0,249
Itp III-V 1,09 0,21 2,06 0,20 2,06 0,15 0,787
Itp I-V 4,69 0,29 4,64 0,25 4,60 0,23 0,530

Teste de ANOVA (p<0,05)

Legenda: PEATE = Potencial Evocado Auditivo de Tronco Encefálico; AIG = adequado para a idade gestacional; PIG = pequeno para a idade gestacional; T/PIG = a termo e pequeno para a idade gestacional; T/AIG = a termo e adequado para a idade gestacional; Itp = interpico; DP = desvio padrão

DISCUSSÃO

As crianças que nascem PIG compõem uma população heterogênea, por apresentarem diferentes respostas frente às agressões sofridas na vida intrauterina e, por conseguinte, representam um desafio em Saúde Pública.

A escassez de estudos sobre o processo maturacional da via auditiva na população PIG e, em especial, estudos que levem em conta a classificação, de acordo com a permanência no agravo nutricional intrauterino, foco do presente estudo, dificultou muito a discussão sobre o tema.

No período neonatal, houve alteração do PEATE em mais de 30% nos grupos PIG tanto simétricos, quanto assimétricos, podendo sugerir alterações retrococleares transitórias, uma vez que esse número reduziu-se consideravelmente aos 6 meses. Desta forma, o presente estudo concorda com pesquisadores que avaliaram 47 PIG e 39 AIG, a fim de verificar se a condição de PIG seria indicador de risco para alteração auditiva retrococlear. Os resultados evidenciaram PEATE alterado em 38% do grupo PIG. Os autores concluíram que neonatos a termo, independente da adequação ou não do peso, poderiam apresentar alterações auditivas retrococleares, transitórias ou permanentes(12).

Outro estudo avaliou 72 RNPT (35 PIG e 37 AIG) de ambos os gêneros, a fim de verificar se a condição de PIG seria indicador de risco para alteração auditiva retrococlear. Os resultados evidenciaram alterações em 32 crianças (44,4% do total), sendo 15 RN PIG (43%) e 17 AIG (46%), não havendo diferença entre os grupos. Os autores concluíram que a condição PIG não se revelou risco para alteração retrococlear(13).

Aos 6 meses de vida, entretanto, 3,39% da população total de PIG do presente estudo, mantiveram alterações retrococleares, sugerindo alguma disfunção neural permanente. Tal fato pode ser decorrente de um desenvolvimento cerebral inadequado, pois a carência de elementos nutricionais fundamentais provocada pela restrição intrauterina pode culminar em prejuízo no número de sinapses, mudança na estrutura da junção sináptica ou afetar a mielinização das fibras nervosas(14).

Os resultados do presente estudo mostraram a inexistência de assimetria entre as orelhas nos grupos avaliados, discordando de estudo que encontrou maior amplitude da onda V e latência menor das ondas do PEATE na orelha direita, sugerindo haver o favorecimento da orelha direita no processamento auditivo ao longo da via auditiva(15).

Os resultados do presente estudo estão de acordo com os da literatura atual, que concluíram que o processo maturacional ao longo das vias auditivas centrais ocorre simultaneamente nas duas orelhas(16-19).

No período neonatal, a comparação dos grupos AIG e PIG (Tabela 1) não evidenciou diferenças entre os grupos, exceto para a onda I, que se mostrou significativamente mais precoce no grupo AIG. Alguns autores sugeriram a existência de uma relação entre o peso ao nascer e a maturação coclear em sua região basal e atribuíram o prolongamento da onda I a uma provável imaturidade da região basal da cóclea(20), hipótese esta compartilhada pelo presente estudo.

Os demais parâmetros do PEATE não se diferenciaram entre os grupos, levando a concluir que eles se comportam da mesma maneira do ponto de vista auditivo, fato este que concorda com outro estudo, que comparou PIG e AIG sem encontrar diferenças relevantes nesse período(21). Estudo recente observou o comportamento auditivo de prematuros PIG, comparando-os a AIG no período neonatal, não encontrando diferenças relevantes nas respostas do PEATE. Os autores concluíram que a condição PIG não se revelou risco para alteração retrococlear(13).

Aos 6 meses de idade, os grupos de lactentes nascidos pré-termo AIG, PIG-S e PIG-A (Tabela 3) não se diferenciaram em relação às respostas do PEATE, o mesmo ocorrendo com os grupos de nascidos a termo (Tabela 4).

Dessa forma, considerando o comportamento evolutivo em relação à audição, o presente estudo sugere não haver a influência do tempo de permanência no agravo, em relação ao desenvolvimento das vias auditivas centrais, até os 6 meses de vida.

Tais achados contrariam dados da literatura, que refere que o grau de acometimento neurológico no lactente PIG depende do tempo e gravidade do insulto e que as fases de maior vulnerabilidade para lesões neurológicas ocorrem entre 15 e 20 semanas de gestação e entre 30 semanas de gestação e 2 anos de idade, coincidindo com a mielinização das fibras nervosas. Assim, parece lógico pensar que o PIG termo e simétrico poderia manifestar prejuízos maiores em relação aos PIG assimétricos, por ter sofrido o insulto no início da gestação, assim como os PIG nascidos pré-termo manifestariam características diferentes por terem permanecido no insulto por um período mais curto(4,5).

Se considerarmos, ainda, que o amadurecimento do tronco encefálico é decorrente da mielinização e plasticidade sináptica em função da experiência auditiva, a restrição intrauterina, impreterivelmente, levaria a eventuais danos para o neurodesenvolvimento; uma lesão nas vias auditivas nesta região poderia ser responsável por dificuldades na compreensão da fala(4,5,22).

Vários estudos concordam com o fato de que a desnutrição imposta em um período crítico do desenvolvimento cerebral pode acarretar um efeito neuropsicomotor irreversível, incluindo a via auditiva central, enquanto outros enfatizam a presença de disfunções cerebrais na população desnutrida, podendo acarretar disfunções cognitivas(4,5,23,24).

A pesquisa sobre os potenciais evocados auditivos de longa latência (PEALL) em crianças é um tema recente. Alguns estudos já os consideram como medidores de desenvolvimento cognitivo, principalmente em crianças que apresentaram riscos para os distúrbios do processamento auditivo. Além disso, estudo recente concluiu que crianças desnutridas apresentam alterações nos PEALL, principalmente nos componentes N1, P1 e P300, sugerindo deficit na via auditiva central e alteração no processamento da informação acústica.

Essas evidências levam-nos a ponderar que o presente estudo avaliou o comportamento auditivo de acordo com a proporcionalidade corporal até os 6 meses de vida no nível do tronco encefálico, porção inicial da via auditiva central. Talvez as maiores diferenças decorrentes do grau e duração do agravo sofrido intraútero se manifestem em áreas mais centrais da via, porquanto seu processo maturacional continua até estruturas subcorticais e corticais, responsáveis pelo desenvolvimento de habilidades auditivas essenciais para a aquisição da linguagem. Sendo assim, acredita-se que os PEALL sejam uma boa ferramenta de avaliação dessas condições(25,26).

Salienta-se, portanto, a necessidade de investigar e aprofundar o estudo desse processo por maior tempo, a fim de verificar se o tempo de restrição intrauterino influencia a aquisição e o desenvolvimento de linguagem.

CONCLUSÃO

Os lactentes PIG com padrão simétrico e assimétrico evidenciaram maturação auditiva, sugerindo que o tempo de permanência e intensidade do agravo intrauterino não representou maior risco auditivo. Tanto os lactentes nascidos PIG com padrão simétrico, bem como os de padrão assimétrico têm comportamento auditivo semelhante, quando comparados ao comportamento de lactentes AIG, atingindo os mesmos parâmetros estabelecidos como normais após 6 meses de vida.

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