versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.82 no.4 São Paulo jul./ago. 2016
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2015.08.026
Os distúrbios de aprendizagem podem ocorrer por razões multifatoriais, dentre elas a alteração em processar informações auditivas,1,2 o déficit de atenção, a dificuldade de relacionamento interpessoal, o distúrbio de conduta, o déficit cognitivo, o contexto socioeconômico menos favorecido,3 o histórico familiar de dificuldades e distúrbios de aprendizagem,4 entre outras, como a respiração oral - que pode comprometer o aprendizado.5
Em relação à respiração, quando realizada exclusivamente pela boca, pode ser considerada como uma adaptação patológica, em virtude da dificuldade de se respirar pelo nariz,6 favorecendo a inspiração de um ar mais seco, não filtrado, com temperatura mais fria ou mais quente do que o esperado, que acaba por sobrecarregar as tonsilas e a laringe, podendo provocar processos inflamatórios crônicos e, se tal adaptação patológica ocorrer por tempo prolongado, poderá acarretar hipertrofia tonsilar e, consequentemente, obstrução de via aérea superior de grau variado. Dessa forma, haverá resistência ao fluxo de gases, aumento permanente no gasto energético e adaptações estruturais (palato ogival e má oclusão dental) e funcionais (flacidez na musculatura orofacial, disfonias e apneia do sono, por exemplo) que podem prejudicar a qualidade do sono, o humor, o comportamento e o rendimento escolar,7 embora não haja evidências científicas significativas que comprovem a associação entre o modo respiratório alterado e as dificuldades de aprendizagem.
Considerando a alta prevalência da respiração oral na infância8 e a possibilidade de seu impacto na aprendizagem, este estudo foi construído com o objetivo de verificar, por meio de uma revisão sistemática da literatura, se o modo respiratório influencia no processo de aprendizagem infantil.
A seguir, será descrito o percurso metodológico adotado, com a estratégia de busca dos artigos e os critérios de elegibilidade adotados, a fase de coleta de dados e como foram analisados. Esta revisão sistemática foi realizada seguindo as instruções PRISMA (Preferred Reporting Items for Systematic Reviews and Meta-Analyses).9
A presente pesquisa de revisão sistemática foi realizada sem a restrição de ano e idioma de publicação. Foi utilizada a estratégia PICO, considerando escolares respiradores orais entre 7 e 11 anos de idade (P = paciente), avaliados quanto aos aspectos relacionados à aprendizagem (I = intervenção) e comparados com escolares respiradores nasais (C = comparação de intervenções ou controle), para que pudesse ser verificada a possibilidade de distúrbio de aprendizagem naqueles que apresentavam modo respiratório alterado (O = outcome ou desfecho), tendo sido construída a seguinte pergunta norteadora: "A criança respiradora oral tem mais chances de apresentar dificuldades de aprendizagem quando comparada à respiradora nasal?".
O desenho do estudo está elucidado na figura 1, com os critérios de elegibilidade do estudo. Para os estudos elegíveis preliminarmente, o texto completo foi obtido e avaliado a fim de verificar se contemplavam todos os critérios de inclusão. Foram utilizados como critério de inclusão: estudos observacionais (controlados, transversais, longitudinais prospectivos ou retrospectivos) sobre o tema e escolares entre sete e 11 anos de idade.
Os critérios de exclusão foram: ambiguidade dos resultados, apresentação insuficiente de resultados, duplicidade de estudos a partir da busca em bancos de dados, estudos de revisão, comunicações, relatos de casos, resumos de eventos científicos, monografias, comentários ou editoriais. Foram também excluídos estudos realizados com pacientes sindrômicos e com deficiência intelectual, bem como registros sem relação direta com o desfecho final do presente estudo (fig. 1).
As palavras-chave foram selecionadas no DeCS (Descritores em Ciências da Saúde da BVS) e no MeSH (PubMed), a fim de identificar os estudos relevantes das bases de dados eletrônicas PubMed, SciELO, LILACS e Scopus. Os descritores controlados foram "learning" e "mouth breathing", "aprendizagem" e "respiração bucal". Foram utilizados os operadores booleanos (OR e AND) para a combinação dos descritores. Esta pesquisa foi realizada em 15 de julho de 2015. A literatura cinza foi identificada pela busca no Google Scholar, consultando os cem primeiros registros de cada combinação.
A partir da obtenção da lista das pesquisas realizadas com os descritores escolhidos, foi aplicado do Teste de Relevância, e cada estudo foi analisado criteriosamente por dois revisores de elegibilidade (não cegos para os autores e revistas), que realizaram o levantamento de forma independente e, mediante reunião, verificaram quais estudos foram ou não selecionados. Na eminência de divergência de resultados, um terceiro avaliador foi consultado, a fim de solucionar a dúvida quanto à inclusão ou não do estudo, como sugerido na literatura.10
Inicialmente, foram identificados os títulos, os descritores e os resumos dos artigos, sendo esta a primeira aplicação de filtro na pesquisa, para seleção dos artigos. Posteriormente, a partir dos resultados obtidos, aplicou-se o segundo filtro, a partir da leitura da introdução e da conclusão do estudo. Caso o artigo fosse considerado elegível, procedia-se leitura do texto científico na íntegra, aplicando-se, portanto, o terceiro filtro de seleção.
Os textos elegíveis nesta fase preliminar foram avaliados quanto a sua força metodológica, sendo esta fase o quarto e último filtro do teste de relevância adotado. Para essa avaliação, foi utilizado o protocolo para pontuação qualitativa da metodologia, modificado de Pithon et al.,11 que possibilita pontuação máxima de 13 pontos (tabela 1). Neste momento, a revisão foi cega para os autores, com posterior revisão, evitando, assim, qualquer viés de seleção e possíveis conflitos de interesses.
Tabela 1 Protocolo para pontuação qualitativa da metodologia modificado de Pithon et al.,11 com escore máximo de 13 pontosa
a Alta qualidade: entre 13 e 11 pontos; moderada qualidade entre 10 e 6 pontos; e baixa qualidade abaixo de 6 pontos.
b Itens B, D, E, F, G, H, I, J, K: 1 ponto quando foi considerado adequado e 0 pontos quando não foi.
Cabe salientar que a adaptação ocorreu apenas no estabelecimento do número de sujeitos que deveriam participar dos estudos (n), como base para o cálculo amostral relacionado ao assunto, adotando-se n de 147 sujeitos, tendo como base o estudo de Menezes et al.,12 que utilizou este valor como o mínimo para a condução de estudo com respiradores orais com idades entre 8 e 10 anos, ou seja, dentro da idade média dos estudos incluídos nesta pesquisa.
Os estudos foram sintetizados e distribuídos em quadro próprio, contendo as seguintes informações: ano de publicação, tipo de estudo, diagnóstico e instrumentos utilizados para a coleta de dados, caracterização da amostra, principais resultados e conclusão do estudo, descritos na sessão dos resultados.
A análise foi realizada de forma qualitativa, uma vez que os métodos adotados nas pesquisas foram heterogêneos.
Com os unitermos "respiração bucal" AND "aprendizagem", foram obtidos sete artigos da base de dados LILACS, 2.440 artigos da base de dados Google Scholar (destes, foram analisados os 100 primeiros), seis artigos no Scopus, e um na SciELO. Com os unitermos "mouth breathing" AND "learning", foram obtidos oito artigos na LILACS, 147.000 no Google Scholar (tendo sido analisados os 100 primeiros), cinco na SciELO, e 30 na base de dados PubMed. Dessa forma, a amostra inicial totalizou 357 artigos.
A partir da aplicação dos filtros desenhados no método, 43 artigos foram excluídos no primeiro filtro por apresentarem duplicidade nas bases de dados, e 304 por abordarem outros temas (233 no segundo filtro e 71 no terceiro), como prevalência, avaliação comportamental, postura, habilidades auditivas, má oclusão, estudos em adultos, em animais e em tratamento, como pode ser observado na figura 1. Assim, a amostra foi composta por 10 artigos.
Quanto à força metodológica, todos13-22 (100%) os estudos da amostra apresentaram força metodológica moderada (tabela 2).
Tabela 2 Escores obtidos a partir da aplicação do Protocolo para Pontuação Qualitativa da Metodologia, adaptado de Pithon et al.11
Autor (es/ano) | A | B | C | D | E | F | G | H | I | J | K | Total | Qualidade |
Abreu; Morales; Ballo (2003)13 | 0 | 1 | 2 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 6 | Moderada |
Goodwin et al. (2003)14 | 2 | 1 | 2 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 1 | 0 | 7 | Moderada |
Di Francesco et al. (2004)15 | 2 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 0 | 0 | 0 | 6 | Moderada |
Vera et al. (2006)16 | 2 | 1 | 0 | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 7 | Moderada |
Uema et al. (2007)17 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 7 | Moderada |
Petry et al. (2008)18 | 1 | 0 | 2 | 0 | 0 | 0 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 7 | Moderada |
Kajihara e Nishimura (2012)19 | 2 | 0 | 0 | 1 | 0 | 0 | 0 | 1 | 0 | 1 | 1 | 6 | Moderada |
Fensterseifer et al. (2013)20 | 2 | 1 | 0 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0a | 7 | Moderada |
Perilo et al. (2013)21 | 1 | 1 | 1 | 0 | 0 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 8 | Moderada |
Kuroishi et al. (2015)22 | 1 | 1 | 0 | 1 | 0 | 1 | 1 | 1 | 0 | 1 | 1 | 8 | Moderada |
ap valor declarado de 0,5.
Dos dez estudos incluídos, a metade (50%) utilizou grupo controle.13,17,19,20,22 As publicações foram divulgadas entre 2003 e 2015, com picos de concentração em 2003 (dois estudos, 20%)13,14 e em 2013 (dois estudos, 20%).20,21 O uso de cálculo amostral foi efetivado em um estudo (10%).22 A tabela 3 mostra as principais características dos estudos selecionados.
Tabela 3 Síntese dos dez artigos que compuseram a amostra do estudo sobre o tema "respiração oral e aprendizagem"
Autoria, ano e local do estudo | Diagnóstico e instrumento para coleta de dados | Caracterização da amostra | Principais resultados | Conclusão do estudo |
Abreu; Morales; Ballo (2003),13 São Paulo, São Paulo, Brasil | Questionários dirigidos aos: professores sobre o desempenho escolar (2º semestre de 2001) e aos responsáveis; - Avaliação médica e clínica (não foram citados os procedimentos utilizados); e - Análise estatística: Teste Qui-quadrado, com significância de 5% | - 330 escolares (não foram citadas as idades, médias e a distribuição quanto ao sexo); - 30 respiradores orais com obstruções de vias aéreas superiores - 300 respiradores nasais (controle); - Estudantes do Ensino Fundamental (2ª a 4ª séries) e - Escolares deveriam estar no período escolar apropriado para a idade | As alterações no desempenho escolar foram citadas em 20% (n = 6) escolares do grupo de estudo e em 14% (n = 42) do controle revelando p valor maior que 5% | A respiração oral não influenciou o desempenho escolar das crianças investigadas |
Goodwin et al. (2003),14 Tucson, Arizona, Estados Unidos da América | - Questionário padronizado, não validado, aos responsáveis sobre os hábitos do sono (TuCASA); - Polissonografia no domicílio; e - Análise estatística: Qui-quadrado (significância de 5%), Regressão Logística Simples e Cálculo do Odds Ratio (não declarado o intervalo de confiança) | - 1.494 crianças brancas e hispânicas; - 613 do sexo masculino e 601 do feminino (280 formulários sem a identificação dosexo); - Grupos divididos por faixa etária: 1) Entre 4 e 7 anos (n = 763, 53,9%) e entre 8 e 11 anos (n = 653; 46,1%) - 78 formulários sem a identificação da idade. Não foi citada a média de idade dos grupos | - Não houve diferença significativa entre os grupos quanto à presença de ronco, sonolência excessiva diurna e apneia presenciada, porém, houve diferenças significativas dessas características com o distúrbio de aprendizagem relatado; - Prevalência significativa de distúrbio de aprendizagem no grupo das crianças maiores; - Não foram encontrados resultados significativos na comparação do distúrbio de aprendizagem com a variável sexo | - Crianças hispânicas apresentaram maior frequência de sintomas de distúrbios respiratórios do sono, ronco, sonolência excessiva diurna, apneia presenciada e distúrbio de aprendizagem do que as crianças brancas; - Crianças com queixas de distúrbios de aprendizagem tiveram chances maiores de apresentarem ronco (2,4×), sonolência excessiva diurna (2,5×) e de estarem na faixa entre 8 e 11 anos de idade (2,1×) |
Di Francesco et al. (2004),15 São Paulo, São Paulo, Brasil | - Histórico e exame físico característicos de rinite alérgica (sinais e sintomas); - Questionário padronizado aos responsáveis sobre os sintomas noturnos; - Exame físico; - Teste de hipersensibilidade positiva (rinite alérgica); - Telerradiografia de perfil para verificar obstrução nasofaringeana; e - Análise estatística não descrita no método, porém especificada nas tabelas dos resultados, sendo utilizados ANOVA (não declarado o valor de significância estatística), Kruskal-Wallis, Mann-Whitney e Spearman (todos com significância de 5%) | - 142 pacientes; - Idades entre 2 e 16 anos (média: 7,2); - 92 do sexo masculino e 50 do feminino; - Grupos de estudo subdivididos em três: 1) Rinite alérgica (n = 51); 2) Hipertrofia de tonsila faríngea isolada (n = 25) e 3) Hipertrofia de tonsilas (n = 66) | - Ronco, apneia, agitação noturna, bruxismo e enurese foram mais frequentes no grupo com hiperplasia de tonsilas; - Déficit de atenção e mau desempenho escolar foram mais prevalentes no grupo com hipertrofia de tonsilas | A investigação da apneia do sono na criança respiradora oral é fundamental, assim como a determinação do fator etiológico da alteração do modo respiratório |
Vera et al. (2006),16 São Bernardo do Campo, São Paulo, Brasil | - Levantamento de 77 prontuários de sujeitos com diagnóstico de Transtornos de Aprendizagem efetuados por equipe multidisciplinar; - Aplicado questionário tendo-se como base os critérios do DSM-IV para classificação dos subtipos de Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH); - Avaliação da respiração: entrevista dirigida com os familiares e avaliação clínica do paciente, observando-se a respiração entre demais aspectos como postura corporal, análise das estruturas e demais funções do sistema estomatognático; e - Análise estatística: Teste de Igualdade de Duas Proporções, ANOVA, Técnica de Intervalo de Confiança para Proporção e Média (significância ≤ 5%) | - 77 sujeitos do Serviço Ambulatorial de Neurodificuldades com diagnóstico de transtorno do déficit de atenção e hiperatividade pela equipe multidisciplinar; - Idades entre 7 e 17 anos (média: não citada), sendo 63 do sexo masculino (81,8%) e 14 do feminino (18,2%); - Maioria frequentadora de ensino público (64-83%); - Repetências (39%), queixas escolares (87%) e respiratórias (51%) | - Houve prevalência de TDAH no gênero masculino, faixa etária entre 7 e 11 anos e Ensino Fundamental escolar; - Observou-se alta ocorrência de transtorno de aprendizagem (62,3%) com queixa de dificuldade escolar (87%); - Houve significância estatística para presença de transtorno de aprendizagem, dificuldade escolar e nenhuma repetência (61%); - Houve alta ocorrência de modo respiratório alterado (71,4%), que em associação ao transtorno de atenção a ocorrência foi em 41,6% da amostra; - Houve predominância de transtorno de atenção e respiração oronasal para gêneros e tipos de TDAH | Houve associação entre TDAH, baixo rendimento escolar e o modo respiratório alterado em crianças e adolescentes devido à alta presença de comorbidade com os Transtornos de Aprendizagem, independente do gênero, idade ou diagnóstico de TDAH |
Uema et al. (2007),17 São Paulo, São Paulo, Brasil | - Entrevista; - Exame físico geral; - Avaliação otorrinolaringológica: exame clínico e instrumental (nasofibrolaringoscopia e polissonografia); - Testes: de aprendizagem (Rey) e cognitivos (WISC-III, de cancelamento de símbolos e letras (de Mesulam, já validado no Brasil), sendo que este último envolve o reconhecimento gráfico de letras); e - Análise estatística: Kruskal-Wallis, adotando-se significância de 5% | - 81 crianças; - Idades entre 6 e 12 anos (não foi declarada a média); - 41 do sexo masculino e 36 do feminino (4 sujeitos não citados), divididos em três grupos: um controle (20), um com síndrome da apneia obstrutiva do sono (24) e outro com ronco primário (37) | - Prova de aprendizagem (Teste de Rey) demonstrou piores resultados na memória imediata e no nível atencional nos pacientes com distúrbios obstrutivos do sono | Crianças respiradoras orais com distúrbios obstrutivos do sono apresentaram pior desempenho no teste de aprendizagem do que o grupo controle |
Petry et al. (2008),18 Uruguaiana, Rio Grande do Sul, Brasil | - Uso de questionários sobre os sintomas de distúrbio respiratório do sono; asma (da base de dados do International Study of Asthma and Allergies in Childhood), os aspectos educacionais e socioeconômicos; - Testes cutâneos com alérgenos ambientais comuns no ano de 2004; e - Análise estatística: teste do Qui-quadrado e o de regressão logística multivariada, com nível de significância de 5% | - 1.011 escolares de escola púbica; - Idade entre 9 e 14 anos (média: 11,2); - 507 do sexo masculino e 504 do feminino; - Queixa de mau desempenho escolar: 8 (0,8%) | - Presença de ronco habitual: 27,6%; - Presença de respiração oral diurna: 15%; - Presença de sonolência diurna excessiva: 7,8%; - Escolares com respiração oral apresentaram um risco 13× maior de manifestarem sintomas de sonolência excessiva diurna em relação aos controles | - Grande prevalência de distúrbios respiratórios - As crianças com sonolência diurna excessiva parecem ter quase 10× mais risco de problemas de aprendizado que aquelas que não a apresentam |
Kajihara e Nishimura (2012),19 Maringá, Paraná, Brasil | - Avaliação otorrinolaringológica a partir da análise de fichas médicas; - Análise dos sinais e sintomas da respiração oral, por meio de entrevista; - Resolução de operações e problemas matemáticos (não validado); e - Análise estatística: Modelo de Regressão Logística Simples e Cálculo do Odds Ratio (intervalo de confiança de 95%) | - 63 escolares (30 respiradores orais e 33 nasais); - Respiradores orais com diagnóstico de rinite alérgica e hipertrofia de tonsila faríngea; - Idades entre 8 e 10 anos (não foi citada a média); - Não citaram a distribuição do grupo amostral quanto ao sexo; - Entre a terceira e a quarta série do Ensino Fundamental de escolas públicas | Erros matemáticos: - do grupo respirador oral: 334 (65,49%); - do controle: 173 (30,84%) Pela Regressão Logística Simples os respiradores orais apresentaram chances maiores de dificuldades, quando comparados ao controle, nas tarefas de: 1) operações matemáticas (4 vezes), principalmente envolvendo os erros de atenção (4×), de algoritmo (4×) e combinados (18×); 2) resoluções de problemas matemáticos (8×), com chances de erros de atenção (10×) e de interpretação de problemas (9×) | O modo respiratório oral prejudica o aprendizado da matemática |
Fensterseifer et al. (2013),20 Porto Alegre, Rio Grande do Sul, Brasil | - Avaliação clínica neuropediátrica, psicológica e social; - Avaliação clínica otorrinolaringológica, instrumental e de imagem (oroscopia, rinoscopia anterior, Rx de cavum e ecorrinometria); - Dificuldade de aprendizagem definida pelo histórico de, no mínimo, dois anos consecutivos de repetência escolar para o Grupo Experimental; e - Análise Estatística: teste de Mann-Whitney e teste t, com critério de significância p < 0,5 | - 48 escolares; - Idades entre 8 e 12 anos (média: 9,1); - Grupo I - 24 escolares com dificuldades de aprendizagem; - Grupo II (Controle) - 24 escolares sem dificuldades de aprendizagem; - 18 (37,5%) do sexo feminino e 30 do masculino (62,5%); - Todos de escola pública | A obstrução nasal apresentou tendência a ser maior no grupo com dificuldades de aprendizado Houve relação estatisticamente significante entre deficiência de aprendizado e hipertrofia de tonsilas faríngeas e palatinas | Escolares com hipertrofia tonsilar, respiradores orais, possuem maiores dificuldades no aprendizado quando comparadas com crianças sem hipertrofia |
Perilo et al. (2013),21 Belo Horizonte, Minas Gerais, Brasil | - Questionário de Avaliação das Características Respiratórias; - Observação da posição habitual dos lábios, mediante observação da criança por 5 minutos (por dois avaliadores); - Protocolo de Avaliação de Habilidades Cognitivo-Linguísticas - versão coletiva, adaptação brasileira: reconhecimento do alfabeto em sequencia, cópia de formas, escrita sob ditado, aritmética e memória de curta duração; e - Análise Estatística: Mann-Whitney e Kruskal Wallis, com valor de p < 0,01 para as correlações estatisticamente significantes | - 131 escolares (66 da 4ª série e 65 da 3ª série do ensino fundamental); - Ambos os sexos (não foi citada a distribuição); - Idades entre 9 e 10 anos (média não citada); - Todos provenientes de escola pública municipal | Não foi encontrada relação significante entre o desempenho de habilidades cognitivo-linguísticas e a presença de características respiratórias alteradas nos escolares da amostra | Não houve relação entre respiração oral e distúrbio de aprendizagem |
Kuroishi et al. (2015),22 Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil | - Entrevista clínica; - Audiometria tonal liminar; - Avaliação otorrinolaringológica por exame clínico e imagens (oroscopia, rinoscopia anterior e nasoendoscopia); - Teste de competência de leitura de sentenças, para avaliar a compreensão da leitura; Teste de Desempenho Escolar (subteste Aritmética); Teste Illinois de habilidades psicolinguísticas com adaptação brasileira (subteste de memória sequencial auditiva - repetição de números) e de repetição de pseudopalavras; e - Análise Estatística: Mann-Whitney, com significância de 5% | - 55 escolares (42 respiradores orais e 11 nasais); - Sexo: 29 do feminino e 26 do masculino; - Foi realizado cálculo amostral (determinado mínimo de 13 participantes por grupo); - Idades entre 7 e 10 anos (média de idade: 8,7 anos para o grupo de respiradores orais e 8,4 para o controle); - Respiradores orais com uma ou mais das seguintes características: obstrução ou irritação nasal (> 3 meses), hipertrofias (tonsilares ou de corneto inferior) e desvio de septo; - Escolaridade: 2º e 3º anos do Ensino Fundamental de escolas públicas | Escolares com respiração oral tiveram desempenho significativamente inferior aos dos respiradores nasais em compreensão de leitura, aritmética e memória operacional para pseudopalavras, mas não para números | Os respiradores orais apresentaram piores resultados para as provas de leitura, escrita, habilidades matemáticas e memória de pseudopalavras |
A idade das amostras variou entre 2 e 16 anos, obtendo-se média de 9,28 anos. Com relação ao sexo (a partir dos estudos que declararam a divisão dos grupos em relação a essa variável), a maioria foi do masculino (52,28%).
Os procedimentos adotados para a avaliação dos sujeitos participantes foram: análise de fichas/prontuários, duas (20%)16,20; entrevista, quatro (40%)16,17,19,22; questionários, seis (60%)13-16,18,21; avaliação ou observação clínica, seis (60%)13,15-17,20,21; avaliação otorrinolaringológica comprovando a respiração oral, cinco (50%)15,17,19,20,22; testes específicos, seis (60%)15,17-19,21,22; e audiometria tonal liminar, duas (20%).17,22
Em relação aos instrumentos de coleta de dados, o uso de protocolos validados foi efetivado por duas pesquisas17,22 (20% da amostra), sendo que Uema et al.17 utilizaram, dentre várias provas, uma prova de reconhecimento de grafemas, por meio do teste de cancelamento de letras, e Kuroishi et al.,22 o Teste de Desempenho Escolar, de forma parcial.
Os respiradores orais apresentaram maior dificuldade na realização de operações matemáticas que os respiradores predominantemente nasais.19,22 Em contrapartida, há pesquisadores21 que não encontraram dificuldades nestas operações.
A compreensão de leitura foi considerada pior nos respiradores orais,22 bem como a escrita.21
De forma geral, oito estudos (80%)14-20,22 relataram dificuldades de aprendizagem em respiradores orais, sendo três (30%) relacionados às hipertrofias tonsilares ou de corneto inferior15,19,22; três (30%) aos distúrbios respiratórios do sono14,17,18; dois (20%) à obstrução nasal20,22 e à rinite alérgica (20%)15,19; um (10%) associado ao transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH)16; um (10%) à asma18; e um (10%) ao desvio de septo.22 Dos estudos que não constataram relação entre respiração oral e distúrbio de aprendizagem (n = 2; 20%),13,21 um esteve relacionado à obstrução nasal13 e outro21 não dividiu os grupos entre respiradores orais e nasais, classificando os participantes com características de comprometimento respiratório, sem indicar a causa.
As reprovações escolares ocorrem por diversos motivos, e o último censo realizado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira23 (INEP, BRASIL, 2013), em 2013, evidenciou que 6,1% dos escolares não conseguem avançar de série, sendo que um dos motivos se dá pela presença dos distúrbios de aprendizagem. A literatura descreveu diversos fatores para o seu surgimento, como as de ordem auditiva,1,2 de atenção, de relacionamento interpessoal, de conduta, de cognição, socioeconômico,3 histórico familiar,4 e também a respiração oral.5
Este modo respiratório é considerado uma adaptação patológica6 que pode prejudicar a qualidade do sono, o humor, o comportamento e o rendimento escolar,7 porém, poucas são as pesquisas que comprovam tal inter-relação. Além disso, é considerada alta a prevalência da respiração oral na infância8 e, por esse motivo, foi realizada a presente revisão sistemática.
Como pode ser observado pela composição da amostra, pouco ainda se investiga sobre o tema (2,8% de uma possibilidade de 357 pesquisas), evidenciando-se a necessidade de mais estudos na área.
Metade dos estudos da amostra utilizou grupo controle,13,17,19,20,22 sendo interessante ressaltar que Kajihara, Nishimura19 compararam seus resultados com grupo controle formado por outro estudo, porém, do mesmo grupo de pesquisa. Dessa forma, sugere-se que pesquisas sobre o tema com grupos controle sejam efetivadas para maior fidedignidade dos resultados. Ademais, para a prática baseada em evidências, ou seja, para que profissionalmente possa ser tomada uma decisão pautada nos resultados científicos obtidos, o ideal, segundo Muir Gray,24 é que tais pesquisas apresentem alta força de evidência, que são, em geral, estudos controlados e com randomização, sendo que este último não foi encontrado nas pesquisas que compuseram esta amostra.
Quanto ao diagnóstico nosológico confirmando o fator etiológico do modo respiratório oral, a metade da amostra do estudo15,17,19,20,22 submeteu seu grupo a avaliação otorrinolaringológica, comprovando respiração oral do tipo obstrutiva, porém, de diferentes etiologias. Cabe salientar, ainda, que Abreu, Moralese Ballo13 declararam que o grupo do estudo foi submetido a avaliação médica, porém, não citaram por qual especialidade nem tampouco quais procedimentos foram realizados.
Perilo et al.21 enviaram aos pais/responsáveis um Questionário de Avaliação das Características Respiratórias, composto por 22 perguntas fechadas, cuja resposta poderia ser afirmativa ou negativa. Porém, no procedimento de pesquisa dos autores, em virtude da inexistência de avaliação otorrinolaringológica que confirmasse o fator etiológico do modo respiratório alterado, não foi citada a quantidade de perguntas afirmativas que deveriam ter sido assinaladas para que o sujeito fosse considerado um possível respirador oral. Tal viés foi minimizado pela observação do vedamento labial por cinco minutos, observado por dois avaliadores, em tarefa distratora. Sendo assim, não dividiram a amostra em grupo de respiradores orais e nasais, analisando as características respiratórias da amostra e as compararam com as habilidades cognitivo-linguísticas.
Os estudos consultados e que compuseram a amostra fizeram uso de amostras não probabilísticas, compondo-as intencionalmente ou por conveniência, o que pode produzir viés na interpretação dos dados, por depender do julgamento do pesquisador. Apesar de o exposto, Kuroishi et al.22 realizaram estudo de cálculo amostral para conceber o tamanho da amostra, propiciando que seus resultados gerassem representatividade da população e maior precisão nos resultados obtidos.25
Apesar de a reprovação escolar ser uma variável de análise de ordem complexa, já que outros aspectos podem ocasionar retenção escolar, infere-se que escolares com distúrbios de aprendizagem apresentam maior chance para reprovação. Assim sendo, seria interessante que os estudos anunciassem se a amostra foi composta por estudantes que apresentaram ou não reprovação escolar. A pesquisa de Fensterseifer et al.20 estabeleceu mínimo de dois anos, e o estudo de Vera et al.16 relatou queixa (da maioria dos familiares de respiradores orais) de dificuldades escolares, embora 39% tenham sido reprovados (de uma a três vezes), com maior frequência, no Ensino Fundamental. Demais estudos14,15,17-19,21,22 não citaram sobre reprovações e, para a composição da amostra do estudo de Abreu, Morales e Ballo,13 os estudantes deveriam estar no período escolar apropriado para a idade, ou seja, os com reprovação não foram incluídos na pesquisa, podendo ser esta uma fragilidade a ser considerada.
Outro fator importante para a análise diz respeito ao local e ao período em que os estudos selecionados ocorreram, pois a mudança climática é um fator a ser levado em consideração.26 A maioria dos estudos que compôs a amostra é de pesquisadores brasileiros,13,15-22 evidenciando interesse sobre o assunto. Apenas quatro estudos (40%)13,15,17,20 indicaram o período (em meses ou anos) em que a seleção da amostra foi obtida.
Pesquisadores27 destacaram o impacto das mudanças climáticas sobre afecções das vias aéreas superiores (AVAS) em crianças menores que 13 anos na região metropolitana da cidade de São Paulo, nos meses que correspondem à entrada do inverno. Acrescentaram que o pico de morbidade por doenças respiratórias ocorre no mês de maio, possivelmente devido ao problema de termorregulação em indivíduos adaptados ao clima/tempo mais ameno de abril, justificando que pessoas com problemas de termorregulação são as mais sensíveis, com doenças respiratórias e cardiovasculares, sendo a população infantil uma das mais susceptíveis.
Há, neste período, um aumento às consultas hospitalares27 e, consequentemente, uma maior probabilidade de faltas escolares, o que pode dificultar o rendimento escolar, dependendo da cronicidade do quadro.
No Brasil, as doenças respiratórias representavam 5% dos anos de vida perdidos por morte prematura,28 revelando a importância das medidas públicas para a diminuição deste percentual.
Outra variável de análise diz respeito ao impacto da urbanização nas condições de vida e saúde da população brasileira. Pode-se observar que, dos dez artigos consultados, metade foi realizada em capitais,13,15,17,20,21 e a outra metade14,16,18,19,22 em cidades bem desenvolvidas. Nos grandes centros, de acordo com Maricato,29 tem havido, no Brasil, um aumento ecológico da desigualdade, situação em que há o crescimento desordenado das cidades, com aumento de população na periferia. Geralmente, a população que reside na periferia de cidades brasileiras pertence à classe socioeconômica baixa (como observado em pesquisa)30 e, assim, apresentam-se mais vulneráveis a fatores que podem comprometer a qualidade de vida e a saúde.
Além de o exposto, há ainda a observação de que o fracasso escolar seja maior em meninos do que em meninas, predominantemente na raça negra e/ou escolares provenientes de famílias de baixa renda.30 A amostra deste estudo foi composta por meninos, em sua maioria, ratificando o exposto pela literatura, tanto em relação ao fracasso escolar, quanto à possibilidade da presença de fator de comorbidade como o TDAH.16
Dessa forma, pode-se depreender que a compreensão dos determinantes da aprendizagem e de seu fracasso é multifatorial e complexa, e poucos são os instrumentos validados para investigação dos distúrbios de aprendizagem, o que dificulta a comparação dos procedimentos utilizados. Apenas duas pesquisas17,22 utilizaram instrumentos validados; outra21 utilizou protocolo publicado e adaptado a estudantes brasileiros; outra19 fez a aplicação de prova de avaliação utilizada em outro estudo, porém não validada; e os demais estudos13-16,18,20 não utilizaram de protocolos de avaliação dos escolares, fazendo uso de histórico escolar de reprovação ou de questionários aplicados aos familiares ou a educadores, aumentando o viés de análise.
O teste de desempenho escolar (TDE) (desenvolvido por Lilian Stein)31 foi utilizado em uma pesquisa (10%), porém, de forma parcial.22 Neste estudo, houve comparação de um grupo experimental com um controle, e os sujeitos foram pareados por idade e escolaridade, sendo que parte da amostra apresentava respiração oral. Foi possível verificar que tais escolares apresentaram desempenho escolar menor que o grupo controle nas tarefas de compreensão de leitura, aritmética e memória de trabalho (exceto para números).
Em relação à avaliação das habilidades matemáticas, dos estudos que aplicaram provas neste sentido, dois19,22 encontraram resultados indicativos de dificuldades em respiradores orais, enquanto outro não encontrou.21 Já a compreensão de leitura foi considerada pior nos respiradores orais,22 bem como a escrita foi pior nos sujeitos com características de problemas respiratórios, diferentemente daqueles que não as apresentavam.21
No geral, a maioria dos pesquisadores consultados relatou dificuldades na aprendizagem em sujeitos com alteração no modo respiratório.
Sendo assim, pesquisas envolvendo respiradores orais e aprendizagem carecem de maior investimento na área, visto que o número de estudos para análise foi reduzido e os procedimentos avaliativos diversificados. Estudos interdisciplinares controlados, incluindo avaliações padronizadas, com uso de instrumentos validados e grupos amostrais uniformes, necessitam ser realizados, para que estudo de revisão sistemática de meta-análise possa ser realizado e, assim, haja maior evidência científica, tanto para a prática clínica quanto para a implantação de Políticas Públicas em Saúde e Educação.
Existem evidências de que o modo respiratório pode influenciar o processo de aprendizagem. Esta revisão sistemática demonstrou que indivíduos com respiração oral apresentam maior tendência de dificuldades na aprendizagem do que os nasais. Mais estudos devem ser realizados para que cresçam as evidências científicas para a prática clínica e para a implantação de Políticas Públicas em Saúde e Educação.