versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.5 Porto Alegre set./out. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2014.01.015
Independentemente do peso ao nascer, as crianças e adolescentes de baixa estatura moderada/severa são mais propensos ao aumento de gordura corporal (principalmente gordura abdominal),1–4 baixa taxa de oxidação de gordura,5 gasto de energia reduzido no período pós-prandial e de descanso,1alta pressão arterial sistólica e diastólica (PAS e PAD, respectivamente)6–8e menor produção de insulina pelo pâncreas.9,10 As alterações nesses parâmetros também são agravadas pela presença da obesidade.5 Um estudo recente com pré-adolescentes e adolescentes de baixa estatura leve (−2 < HAZ < −1) apresentou um aumento semelhante na PAS em comparação a pares de estatura normal.11
Além disso, os adolescentes com sobrepeso e baixa estatura leve apresentaram concentrações significativamente maiores de insulina plasmática, glicemia elevada, alta resistência à insulina e produção pancreática de insulina reduzida em comparação a indivíduos com índice de massa corporal (IMC) normal.12 Nesses indivíduos, os valores de gordura abdominal e da circunferência da cintura (CC) foram significativamente maiores em um grupo de indivíduos de baixa estatura leve que no grupo de controle de estatura normal.13 Com base nesses achados, é evidente que os indivíduos de baixa estatura leve apresentam alterações fisiológicas muito semelhantes às descritas anteriormente para indivíduos de baixa estatura moderada ou severa.
É amplamente aceito que valores mais altos de CC estejam fortemente relacionados ao alto risco de doenças não transmissíveis (DNTs).14–16 O objetivo deste estudo é analisar as alterações fisiológicas, incluindo os níveis de PAS e PAD e as concentrações de glicose, insulina, lipoproteína de alta e baixa densidade-colesterol (HDL-C e LDL-C, respectivamente) e triglicerídeos, com relação aos valores de CC de crianças e adolescentes de baixa estatura leve em comparação a seus pares de estatura normal.
O estudo foi apresentado e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal de São Paulo (n° 0284/08). Um consentimento informado por escrito foi obtido de todos os participantes, seus pais ou responsáveis legais quando adequado, antes do início do estudo.
O estudo transversal envolveu 206 indivíduos (9 a 19 anos) que estavam frequentando escolas ou outras instituições localizadas em áreas empobrecidas no sul da cidade de São Paulo. Como o objetivo era detectar alterações iniciais ocasionadas por baixa estatura leve, a amostra da população foi dividida em dois grupos, de acordo com o HAZ, a saber: de baixa estatura (HAZ < −1 e ≥ −2) e de estatura normal (HAZ ≥ −1), com valores de referência padrão com base nas curvas de crescimento de 2000 do Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC) para crianças e adolescentes.17
Este estudo faz parte de uma pesquisa maior de saúde que investigou pré-adolescentes e adolescentes de baixa estatura, realizada na cidade de São Paulo, com aproximadamente 400 indivíduos. O tamanho da amostra foi calculado utilizando a razão de chance (RC), com nível de significância α de 0,05, poder de 0,80, índice de amostragem de 1:1 entre expostos e não expostos à variável preditora. Foi assumida uma RC na população-fonte igual a 2,5, e frequência esperada de estatura igual a 0,08 entre a população não exposta. Devido aos custos elevados e à dificuldade com relação às amostras de sangue, considerou-se que uma amostra ao redor de 50% da população de pesquisa era suficiente para testar a hipótese do estudo. O erro beta máximo aceitável foi de 0,20. Os indivíduos foram selecionados para o estudo de acordo com sua situação nutricional.
Antes do início do estudo, os participantes foram submetidos a exames clínicos, bem como a exames de sangue, urina e parasitológicos. Os indivíduos diagnosticados com síndromes genéticas ou neurológicas, demência ou disfunções cardiovasculares, respiratórias ou metabólicas foram excluídos do estudo, assim como aqueles que usavam medicamentos anti-inflamatórios e aqueles com limitações físicas. Os indivíduos que apresentaram doenças infecciosas ou parasitárias foram tratados de acordo com os protocolos normais e, posteriormente, incluídos no estudo. Os dados socioeconômicos e ambientais foram obtidos dos pais ou responsáveis legais por meio da aplicação de um questionário específico. O peso de cada participante (vestindo roupas leves e sem sapatos) foi obtido por uma única medição, em uma balança de plataforma modelo SD-150 da Country Technologies (Gays Mills, WI, EUA), com uma capacidade de 150 kg e uma precisão de 100 g. A estatura foi avaliada com o uso de um estadiômetro portátil AlturExata (TBW, São Paulo, Brasil), com precisão de 0,1 cm. Os valores de IMC foram calculados como peso (kg)/estatura (m2). Para a determinação da circunferência da cintura, os indivíduos foram colocados de pé com o abdômen e os braços relaxados junto ao corpo, e uma fita métrica flexível (precisão de 1 mm) foi mantida horizontalmente no ponto médio entre a borda inferior da última costela e a crista ilíaca. Os decis da circunferência da cintura foram calculados para toda a população e comparados com os valores da estatura (cm).
A pressão sanguínea foi mensurada em um esfigmomanômetro clínico padrão. Os indivíduos foram sentados e puderam descansar por 10 minutos, após o que foram realizadas três medições de pressão em um intervalo de 5 minutos. A PAS foi determinada no começo do primeiro som de Korotkoff, enquanto a PAD foi determinada após o desaparecimento do quinto som de Korotkoff.18 As concentrações de glicemia de jejum foram determinadas pelo espectrofotômetro UniCell DXI 800 da Beckman Coulter (CA, EUA), ao passo que os níveis específicos de insulina (sem o peptídeo C) foram avaliados por meio de um ensaio enzimático e um analisador Advia 2400/Kovalent da Medcorp (RN, Brasil). Os níveis séricos de colesterol total, LDL-C, HDL-C e triglicerídeos foram mensurados através de um analisador Advia 2400/Kovalent. As concentrações acima do 75° percentil da população estudada foram consideradas elevadas.
Os cálculos da situação nutricional foram realizados usando o software Epi-Info 2000, (Centers for Disease Control, GA, EUA). Os participantes foram distribuídos por percentis de IMC por idade de acordo com os valores de referência padrão das curvas de crescimento de 2000 do Centro de Controle e Prevenção de Doenças.17
Todos os participantes foram examinados por um médico treinado e classificados quanto ao desenvolvimento do sexo de acordo com as recomendações de Tanner.19 Os indivíduos que atingiram o estágio 2 de desenvolvimento mamário (sexo feminino) e o estágio 3 de desenvolvimento genital (sexo masculino), de acordo com os pontos de corte da OMS, foram considerados púberes.20 As análises estatísticas foram realizadas com o uso da versão 19 do software PASW Statistics (SPSS Inc., Chicago, IL, EUA), com o nível de relevância estatística estabelecido em p < 0,05. Os valores médios de idade, estatura, peso, HAZ, IMC e CC dos grupos de baixa estatura e de estatura normal, estratificados de acordo com o sexo, foram comparados através do teste t de Student, e as estimativas de homocedasticidade foram verificadas com o teste de Levene. A análise de covariância (ANCOVA) foi usada para estabelecer as diferenças significativas nos valores de insulina plasmática, colesterol total, HDL-C, LDL-C, triglicerídeos, PAS e PAD (ajustados de acordo com a idade e o peso) entre os grupos de baixa estatura e de estatura normal.
A análise de regressão logística (método forward de RL) foi empregada para comparar indivíduos com concentrações elevadas de insulina (> 75° percentil), usando o teste de Wald para determinar quais fatores devem ser empregados como variáveis preditoras no modelo final. O estágio puberal, sexo e a CC foram definidos como variáveis independentes no modelo de regressão. Uma curva de característica de operação do receptor (COR) foi construída a fim de estabelecer pontos de corte de CC para indivíduos nos grupos de baixa estatura e estatura normal que poderiam ser usados para prever concentrações de insulina acima do 75° percentil.
A população estudada incluiu 206 crianças e adolescentes (53,5% meninos e 46,5% meninas), e a maioria (74,8%) foi classificada como pré-púbere. As famílias da maioria dos participantes foram consideradas pobres, com uma média de 6,0 ± 3,6 indivíduos por família e uma renda familiar mensal de US$484 ± 328, equivalente a uma renda per capita diária de aproximadamente US$4 ± 2,7. A prevalência de analfabetismo era mais elevada entre as mães (10,6%) que entre os pais (5,6%), e 10% das residências eram barracos inadequados construídos com madeira ou com uma mistura de madeira e tijolo.
Os valores médios dos percentis de peso, altura, IMC e IMC por idade de meninos e meninas de baixa estatura foram significativamente menores e as idades médias significativamente maiores que as dos indivíduos correspondentes de estatura normal (tabela 1). Nenhuma diferença significativa foi encontrada nos estágios puberais entre os grupos de baixa estatura e estatura normal. O valor médio de CC para meninas de estatura normal foi significativamente superior ao de meninas de baixa estatura, porém não houve diferença expressiva entre os dois grupos a respeito da proporção entre CC e estatura e da proporção entre CC e IMC. As concentrações de insulina foram significativamente maiores em meninos e meninas de baixa estatura em comparação a seus pares de estatura normal, porém, as prevalências das concentrações elevadas (> 75° percentil) de insulina plasmática foram semelhantes em todos os grupos. As prevalências elevadas totais (> 75° percentil) de colesterol sérico, HDL-C, LDL-C, triglicerídeos, PAS e PAD nos grupos de baixa estatura e estatura normal de ambos os sexos foi semelhante. Houve uma prevalência significativamente maior de alta glicose plasmática entre meninas de estatura normal em comparação a seus pares de baixa estatura.
Tabela 1 Caraterísticas antropométricas e bioquímicas da população estudada e prevalências de alterações metabólicas observadas
Características e prevalências | Meninas | Meninos | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|
Baixa estaturaa(n = 35) | Estatura normalb(n = 67) | Valor de p | Baixa estaturaa(n = 36) | Estatura normalb(n = 68) | Valor de p | ||
Estágio puberal c | |||||||
Pré-púbere | 26 | 50 | 0,83 | 27 | 51 | 0,23 | |
Púbere | 9 | 17 | 9 | 17 | |||
Parâmetros antropométricos (média ± desvio-padrão)d | |||||||
Idade (anos) | 11,09 ± 2,19 | 10,49 ± 2,55 | 0,154 | 11,21 ± 2,45 | 10,26 ± 2,50 | 0,017 | |
Peso (Kg) | 36,63 ± 11,46 | 45,85 ± 17,56 | 0,001 | 33,45 ± 10,81 | 41,42 ± 16,65 | 0,001 | |
Estatura (cm) | 137,13 ± 11,07 | 145,75 ± 12,00 | < 0,001 | 138,25 ± 12,83 | 144,52 ± 14,95 | 0,006 | |
Escore z de estatura por idade | −1,50 ± 0,25 | 0,33 ± 0,72 | < 0,001 | −1,49 ± 0,28 | 0,18 ± 0,80 | < 0,001 | |
Índice de massa corporal (IMC; Kg•m−2) | 19,02 ± 3,65 | 20,94 ± 5,36 | 0,020 | 17,08 ± 2,88 | 19,22 ± 4,54 | 0,001 | |
Percentil de IMC por idade | 55,34 ± 30,06 | 67,98 ± 30,06 | 0,016 | 36,07 ± 30,26 | 61,24 ± 32,49 | < 0,001 | |
Circunferência da cintura (CC; cm) | 61,82 ± 10,66 | 66,75 ± 12,69 | 0,045 | 61,27 ± 9,71 | 64,53 ± 9,16 | 0,081 | |
Proporção CC/estatura | 0,45 ± 0,06 | 0,46 ± 0,07 | 0,750 | 0,43 ± 0,04 | 0,45 ± 0,07 | 0,242 | |
Proporção CC/IMC | 3,32 ± 0,27 | 3,35 ± 0,32 | 0,653 | 3,53 ± 0,28 3,48 ± 0,30 | 0,404 | ||
Parâmetros bioquímicos e hemodinâmicos (média ± erro-padrão)e | |||||||
Glicose (mg•L−1) | 85,36 ± 0,98 | 86,38 ± 0,74 | 0,435 | 89,32 ± 0,92 | 89,16 ± 0,67 | 0,895 | |
Insulina (pmol•L−1) | 10,70 ± 0,97 | 7,62 ± 0,73 | 0,018 | 7,68 ± 0,62 | 5,42 ± 0,45 | 0,006 | |
Colesterol total (mg•dL−1) | 163,18 ± 4,98 | 157,47 ± 3,73 | 0,387 | 159,01 ± 4,25 | 154,67 ± 3,10 | 0,440 | |
HDL-C (mg•dL−1) | 57,67 ± 2,00 | 54,10 ± 1,50 | 0,180 | 54,82 ± 1,65 | 54,04 ± 1,20 | 0,719 | |
LDL-C (mg•dL−1) | 91,92 ± 3,84 | 89,12 ± 2,88 | 0,582 | 91,54 ± 3,31 | 88,45 ± 2,41 | 0,480 | |
Triglicerídeos (mg•dL−1) | 75,85 ± 4,84 | 74,77 ± 3,63 | 0,866 | 68,95 ± 4,11 | 64,35 ± 2,99 | 0,397 | |
PAS (mmHg) | 105,23 ± 2,19 | 109,72 ± 1,68 | 0,126 | 106,85 ± 1,86 | 106,04 ± 1,42 | 0,746 | |
PAD (mmHg) | 64,37 ± 1,19 | 63,83 ± 0,82 | 0,794 | 64,33 ± 1,51 | 63,30 ± 1,16 | 0,617 | |
Prevalêndo de alterações metabólicas (%) f | |||||||
Glicose elevada (> 91 mmol•L−1) | 3,5 | 14,6 | 0,028 | 7,2 | 18,1 | 0,124 | |
Insulina elevada (> 8 U•mL−1) | 11,1 | 14,6 | 0,463 | 6,0 | 10,8 | 0,735 | |
Colesterol total elevado (> 176,75 mmol•L−1) | 10,4 | 63,2 | 0,416 | 7,8 | 12,0 | 0,912 | |
HDL-C elevado (> 61 mmol•L−1) | 11,1 | 16,7 | 0,782 | 9,0 | 8,4 | 0,109 | |
LDL-C elevado (> 104 mmol•L−1) | 9,7 | 14,6 | 0,801 | 7,2 | 12,0 | 0,892 | |
Triglicerídeos elevados (> 81,75 mmol•L−1) | 8,3 | 19,4 | 0,209 | 5,4 | 11,4 | 0,445 | |
PAS elevada (> 117 mmHg) | 9,0 | 18,8 | 0,383 | 7,2 | 15,7 | 0,314 | |
PAD elevada (> 70 mmHg) | 9,0 | 20,1 | 0,251 | 9,6 | 19,9 | 0,312 |
HDL-C, lipoproteína de alta densidade-colesterol; LDL-C, lipoproteína de baixa densidade-colesterol; PAS, pressão arterial sistólica; PAD, pressão arterial diastólica.
a Escore z de estatura por idade < −1 e ≥ −2.
b Escore z de estatura por idade ≥ −1.
c As diferenças significativas entre os grupos foram determinadas através do teste χ2(p< 0,05).
d As diferenças significativas entre os grupos foram determinadas através do teste t de Student (p< 0,05).
e As diferenças significativas entre os grupos foram determinadas através da análise de covariância ajustada por idade e peso (p< 0,05).
f As concentrações elevadas são aquelas acima do 75° percentil (mostrado entre parênteses para cada variável) ; as diferenças significativas entre os grupos foram determinadas através do teste χ2 (p< 0,05).
Houve correlações positivas significativas entre CC e as variáveis insulina, glicose e PAD para as meninas de baixa estatura e estatura normal, e entre CC e as variáveis HDL-C e triglicerídeos para meninas de estatura normal (tabela 2). Também foram observadas correlações positivas significativas entre CC e as variáveis insulina, PAS e PAD para meninos de baixa estatura e estatura normal, ao passo que a CC esteve correlacionada com a glicose apenas para os meninos.
Tabela 2 Correlações entre a circunferência da cintura (CC) e parâmetras bioquímicos e hemodinâmicos
Correlações | Meninas | Meninos | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
Baixa estaturaa(n = 35) | Estatura normala (n = 67) | Baixa estaturaa(n = 36) | Estatura normala (n = 68) | |||||
Teste de Spearman (r) | Valor de p | Teste de Spearman (r) | Valor de p | Teste de Spearman (r) | Valor de p | Teste de Spearman (r) | Valor de p | |
Insulinac x CC | 0,507 | 0,002 | 0,684 | < 0,001 | 0,565 | < 0,001 | 0,602 | < 0,001 |
Glicosed x CC | 0,375 | 0,027 | 0,262 | 0,032 | 0,270 | 0,111 | 0,289 | 0,017 |
Colesterol total x CC | 0,024 | 0,890 | 0,133 | 0,282 | 0,154 | 0,371 | 0,057 | 0,647 |
HDL-Ce x CC | 0,045 | 0,797 | 0,266 | 0,030 | 0,388 | 0,019 | 0,155 | 0,208 |
LDL-Cf x CC | 0,014 | 0,935 | 0,028 | 0,824 | 0,084 | 0,624 | 0,122 | 0,322 |
Triglicerídeosg x CC | 0,060 | 0,733 | 0,401 | 0,001 | 0,401 | 0,015 | 0,169 | 0,167 |
PASh x CC | 0,212 | 0,207 | 0,101 | 0,390 | 0,418 | 0,008 | 0,231 | 0,049 |
PADi x CC | 0,388 | 0,018 | 0,287 | 0,013 | 0,532 | < 0,001 | 0,450 | < 0,001 |
aEscore z de estatura por idade < −1 e ≥ −2.
bEscore z de estatura por idade ≥ −1.
cInsulina (pmol•L−1).
dGlicose (mg•L−1).
eHDL-C, lipoproteína de alta densidade-colesterol (mg•dL−1).
fLDL-C, lipoproteína de baixa densidade-colesterol (mg•dL−1).
gTriglicerídeos (mg•dL−1).
hPAS, pressão arterial sistólica (mmHG).
iPAD, pressão arterial diastólica (mmHg).
A figura 1 mostra as prevalências das concentrações elevadas (> 75° percentil) de insulina em indivíduos de baixa estatura (A) e de estatura normal (B), distribuídas de acordo com os decis de CC. No grupo de baixa estatura, as concentrações elevadas de insulina foram observadas com prevalências de 10% ou mais a partir do segundo decil de CC, ao passo que, no grupo de estatura normal, o aumento nas concentrações de insulina poderia ser detectado apenas a partir do quinto decil. Aproximadamente 70–80% dos indivíduos de baixa estatura mostraram altas concentrações de insulina a partir do oitavo decil de CC. Em contrapartida, a prevalência de concentrações elevadas de insulina entre indivíduos de estatura normal atingiu o máximo de 60% apenas no décimo decil de CC.
Figura 1 Distribuição de indivíduos de baixa estatura (A) e de estatura normal (B) de acordo com os decis de circunferência da cintura (CC) e suas respectivas prevalências de concentrações elevadas de insulina: (■) > 75° percentil; (■) ≤ 75° percentil. Os decis de CC correspondem aos seguintes valores absolutes de estatura da população estudada: 1) 53 cm; 2) 55,90 cm; 3) 57,50 cm; 4) 59,50 cm; 5) 62 cm; 6) 65 cm; 7) 68 cm; 8) 71 cm; 9) 76,74 cm.Os valores entre parênteses representam o número de indivíduos da amostra em cada decil de CC.
Na análise de regressão logística, a variável dependente preditora foi representada pelo nível elevado de insulina, ao passo que as variáveis independentes foram o sexo, o estágio de desenvolvimento puberal e a CC. De acordo com o modelo de regressão, as duas primeiras variáveis independentes mencionadas não tiveram influência sobre a probabilidade de apresentar concentrações elevadas de insulina, conforme indicado pelos valores p para os grupos de baixa estatura e de estatura normal de 0,518 e 0,491 para o sexo, e 0,541 e 0,752 para o estágio puberal, respectivamente. Em contrapartida, a variável CC foi, de forma significativa, relacionada às concentrações elevadas de insulina em ambos os grupos (grupo de baixa estatura – B = 0,271, X2wald (1)= 6,239, p = 0,012; grupo de estatura normal – B = 0,119, X2wald (1) 14,386, P < 0,001). Assim, o risco de os indivíduos de baixa estatura e de estatura normal apresentarem concentrações elevadas de insulina aumentou para 31,1 e 12,7%, respectivamente, para cada aumento adicional na CC de 1 cm.
A análise das curvas COR revelou pontos de corte de 58,25 cm para os indivíduos de baixa estatura e 67,20 cm para os indivíduos de estatura normal (fig. 2). Como a área na curva COR para o grupo de baixa estatura foi de 84,2 (p = 0,001) e para o grupo de estatura normal foi de 85,9% (p < 0,001), a diferença entre os respectivos pontos de corte de CC foi estatisticamente significativa.
Figura 2 Curva de característica de operação do receptor (COR) para identificação de alterações metabólicas com base na circunferência da cintura (CC) de crianças e adolescentes de estatura normal (—) e de baixa estatura (····). A área abaixo da COR do grupo de estatura normal era de 0,85 (intervalo de confiança de 95% = 0,79 – 0,92), ao passo que a do grupo de baixa estatura era de 0,84 (intervalo de confiança de 95% = 0,75 – 0,93). O ponto de corte de CC do grupo de estatura normal foi 67,2 cm (A), ao passo que o do grupo de baixa estatura foi 58,25 cm (B).
De acordo com as recomendações récentes,21as crianças e os adolescentes com WAZ e HAZ na faixa de −2 a −1, classificados anteriormente como "moderadamente desnutridos",22 estão agora incluídos no grupo com "situação nutricional normal". É provável que as preocupações anteriores sobre a desnutrição leve, que formou a base de estudos anteriores, tenham diminuído de certa forma por causa de um declínio na prevalência da desnutrição em todo o mundo, acompanhada por um aumento alarmante da obesidade entre o segmento mais novo da população. Contudo, a aplicação de pontos de corte específicos e sensíveis representa uma ferramenta simples para examinar o risco nutricional e monitorar crianças e adolescentes vulneráveis a fim de garantir sua saúde em longo prazo.
Esses resultados estão em linha de estudos anteriores.11–13 Estes confirmam a hipótese original de que indivíduos de baixa estatura leve demonstram alterações metabólicas semelhantes àqueles subnutridos moderada ou severamente. Esses indivíduos têm mais gordura no tronco, conforme descrito anteriormente, em comparação a adolescentes de baixa estatura moderada ou severa.3
É bem sabido que indivíduos com mais gordura abdominal são mais suscetíveis a disfunções metabólicas e que essas alterações se desenvolvem durante a infância.15,16–23 Com base nisso, a identificação de valores limites para CC em crianças e adolescentes é um componente fundamental no desenvolvimento de uma estratégia para a prevenção de DNTs em indivíduos com crescimento linear insuficiente, principalmente em países em desenvolvimento, onde a prevalência de baixa estatura é elevada.24 Contudo, poucos estudos focaram na composição corporal e na adiposidade abdominal em adolescentes com baixo crescimento linear e a possível relacão com risco de alterações metabólicas.3–13 O uso desse indicador em prática clínica seria muito valioso, já que as medições antropométricas são baratas e simples. A implementação de medidas preventivas entre populações vulneráveis garantirla uma melhor qualidade de vida e serviria para minimizar gastos futuros por parte de sistemas de assistência médica. Por esse motivo, este estudo examinou a hipótese de que, em comparação com seus pares de estatura normal, os indivíduos de baixa estatura leve com menor valor de CC estariam em risco de DNTs. Em amparo a essa hipótese, nossos resultados revelaram que os indivíduos de baixa estatura leve com menores valores de CC apresentavam concentrações elevadas de insulina se comparados a indivíduos de estatura normal.
Nenhuma diferença foi encontrada entre estágios puberais de indivíduos de estatura normal e baixa estatura. Os valores médios de peso, estatura e IMC de indivíduos de baixa estatura eram menores que os do grupo de estatura normal, apesar de as proporções de CC/estatura e CC/IMC serem semelhantes em ambos os grupos, independentemente de sexo. As concentrações de insulina de meninos e meninas de baixa estatura eram maiores em comparação a seus pares de estatura normal e, quando os grupos foram distribuídos de acordo com os decis de CC, uma maior prevalência de concentrações elevadas de insulina (> 75° percentil) foi observada no grupo de baixa estatura. Confirmando os relatórios anteriores,14–16–23 mostramos que as medições de CC fornecem um indicador simples e adequado de concentrações elevadas de insulina entre crianças e adolescentes de baixa estatura. O 75° corte de percentil com relacão ao aumento de insulina foi escolhido a fim de identificar alterações precoces nas concentrações hormonais, pois essa variável mostrou a melhor relacão com a CC nos grupos baseados na estatura e no sexo.
Dois critérios foram empregados no estabelecimento de pontos de corte de CC na população estudada: a maior sensibilidade e especificidade e a menor distância na curva COR. Os pontos de corte de CC encontrados (58,25 cm para o grupo de baixa estatura e 67,20 cm para o grupo de estatura normal) tiveram como base a combinação mais adequada de dois critérios e permitiram a classificação correta de 90,7% de indivíduos de baixa estatura e 88,7% do grupo de estatura normal. A energia estatística do modelo ajustado empregado foi excelente, conforme evidenciado pelos elevados valores de sensibilidade obtidos para os grupos de baixa estatura e de estatura normal (98,8 e 97,2%, respectivamente). Em contrapartida, a especificidade do modelo ajustado foi apenas pequena, ou seja, 57,1% para o grupo de baixa estatura e 41,2% para o grupo de estatura normal.
Em conclusão, descobrimos que o ponto de corte de CC para a previsão de alterações metabólicas em crianças e adolescentes de baixa estatura leve foi menor se comparado com os pares de estatura normal. Os resultados também sugerem que um aumento na insulina plasmática é um dos principais desvios metabólicos que ocorrem nos indivíduos de baixa estatura. Uma atenção especial deve então ser dispensada aos indivíduos de baixa estatura leve.