versão impressa ISSN 0066-782Xversão On-line ISSN 1678-4170
Arq. Bras. Cardiol. vol.111 no.6 São Paulo dez. 2018
https://doi.org/10.5935/abc.20180238
O remodelamento cardíaco devido à sobrecarga pelo treinamento físico (o assim chamado "coração do atleta") tem sido amplamente investigado desde os anos 70 pela comunidade acadêmica e é tema de pesquisa até os dias de hoje. Diferenciar as respostas adaptativas normais ("benignas") das anormais continua sendo um desafio. Aqui abordamos algumas questões importantes relacionadas à discussão sobre remodelamento cardíaco induzido por exercício, recentemente revisitada por Vidaletti-Silva et al.1 nesta edição.
Em termos de adaptações morfológicas, a hipertrofia atrial e ventricular esquerda chama a atenção devido à sua possível associação com o aparecimento de taquiarritmias supraventriculares2 e também de arritmias ventriculares,3 que podem resultar em eventos indesejáveis.4
Entretanto, evidências ao longo do tempo têm sugerido que a resposta de remodelamento devida à carga de treinamento físico (por exemplo, tempo de exposição, intensidade, modalidade, etc.) pode não configurar um estado de doença - isto é, o chamado remodelamento "fisiológico, mas não patológico.5"
Especialmente em relação às câmaras cardíacas esquerdas, está bem estabelecido que a pressão arterial e a sobrecarga volumétrica podem causar as alterações observadas, resultando em duas características morfológicas clássicas definindo a hipótese de Morganroth6 - um aumento do volume das cavidades esquerdas para aquelas sobrecarregadas pelo débito cardíaco (isto é, atletas de resistência); ou a hipertrofia do septo do ventrículo esquerdo (VE) para aqueles sobrecarregados pelos níveis de pressão arterial (isto é, atletas de treinamento de força). Apenas a saber, a hipótese de Morganroth foi recentemente revisita, ao ser observada hipertrofia septal também em atletas de resistência.7
Embora esteja razoavelmente bem estabelecido na literatura científica, Vidaletti-Silva et al.1 abordaram a questão das diferenças no remodelamento cardíaco devido à modalidades esportivas através de um estudo transversal com grupo comparador - atletas de resistência (isto é, corredores) e atletas de força (isto é, levantadores de peso) - duas modalidades esportivas apropriadas para essa comparação. Em seus achados, não foram observadas diferenças entre os grupos em relação à massa do VE, quando ajustada para a área de superfície corporal. Como esperado, as espessuras septal e posterior do VE foram diferentes entre os atletas de resistência e força, mas não o volume diastólico final do VE. A função vascular (isto é, dilatação mediada por fluxo e resistência vascular periférica) foi também avaliada e não foram encontradas diferenças. A mensagem deste estudo, pelo menos à luz de nossa interpretação, é que atletas de duas modalidades distintas em uma faixa de 5 a 7 anos de treinamento apresentam adaptações que não são maiores do que os limites estabelecidos para normalidade em relação às dimensões8 e espessura da parede do VE.9
É preciso destacar que, mesmo dentro de valores limítrofes, não houve comprometimento da função sistólica e diastólica do miocárdio em nenhum dos grupos, retratando a natureza adaptativa normal da morfologia cardíaca. Apesar de simples, este estudo transversal corrobora a hipótese de diferentes adaptações cardíacas induzidas por diferentes modalidades de exercício. Finalmente, a detecção de uma adaptação morfológica anormal em atletas (e potencialmente configurando o estado de entidade clínica) ainda é um desafio, especialmente para aqueles que estão dentro de valores limítrofes. Nós apreciaremos mais estudos como esse - que lançam luz sobre esta área cinzenta.