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A oferta da terapia fonoaudiológica em locais de assistência a indivíduos com Transtornos do Espectro do Autista (TEA)

A oferta da terapia fonoaudiológica em locais de assistência a indivíduos com Transtornos do Espectro do Autista (TEA)

Autores:

Danielle Azarias Defense-Netrval,
Fernanda Dreux Miranda Fernandes

ARTIGO ORIGINAL

CoDAS

versão On-line ISSN 2317-1782

CoDAS vol.28 no.4 São Paulo jul./ago. 2016 Epub 04-Ago-2016

http://dx.doi.org/10.1590/2317-1782/20162015094

INTRODUÇÃO

A literatura tem indicado aumento na prevalência dos Transtornos do Espectro Autista (TEA) nos últimos anos(1,2), o que coloca o tema como centro das preocupações em saúde pública. Aparentemente há situações em que essa prevalência é menor porque os critérios diagnósticos são diferentes ou o diagnóstico não é feito.

No Brasil não há estudos epidemiológicos referentes a essa prevalência, havendo apenas estimativas. Em pesquisa de 2010(3) divulgou-se uma estimativa de cerca de um milhão de casos de TEA no Brasil. Em 2012, estimou-se que haveria 100 mil autistas apenas na cidade de São Paulo, dos quais a maioria ainda se encontraria sem diagnóstico e/ou tratamento(4).

Dados disponíveis na rede global de comunicação indicam que apenas sete estados brasileiros apresentavam políticas públicas destinadas aos TEA. Isso revela a dificuldade na implantação das recomendações do Relatório Mundial sobre a Deficiência devido à diversidade geográfica, demográfica e socioeconômica(5) e ao fato de que a inclusão do autismo como uma deficiência(6) é recente no país.

Também não há dados referentes aos custos da assistência a crianças com TEA no Brasil. O impacto financeiro e social dos TEA nas famílias e no sistema público de saúde brasileiro também é um fator importante(7). Uma organização não governamental revela que os gastos do tratamento em instituição especializada na cidade de São Paulo ficam em torno de R$20.000,00/ano(7).

O Estado de São Paulo é o mais rico do país e o que tem demonstrado maior preocupação em relação às políticas públicas relacionadas aos TEA, provavelmente devido à mobilização de famílias, que conseguiram a aprovação da Lei de Proteção à Pessoa Portadora do Autismo(8); do Projeto de Lei(9); da Lei nº 15.409, de Política Municipal de Atendimento às Pessoas com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento – Autismo(10).

Os TEA constituem um transtorno permanente em que os indivíduos necessitam de tratamento interdisciplinar e especializado contínuo, independentemente da gravidade do quadro(6,11). A prioridade no tratamento do TEA é a realização do diagnóstico o mais precocemente possível e o início da terapêutica imediatamente, possibilitando, assim, um melhor prognóstico.

A importância da terapia fonoaudiológica com indivíduos com TEA é destacada em vários estudos(12).

Diante da importância da terapia fonoaudiológica para os indivíduos com TEA este estudo buscou investigar a oferta desta terapia e as limitações desta nos diversos locais de assistência a população com TEA.

MÉTODO

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo com o protocolo n° 131/12.

Para coletar as informações sobre os locais de assistência como do serviço fonoaudiológico oferecido, a pesquisadora elaborou um questionário a partir de uma proposta inicial sobre painel de indicadores de desempenho para gestão de um Serviço de Fonoaudiologia inserido em locais para assistência a indivíduos com TEA. A proposta desses indicadores foi baseada nas quatro fases do instrumento Balanced Scorecard(13).

Na Fase 1, a de identificação de processos, a pesquisadora selecionou as variáveis: número total de indivíduos com TEA, presença do profissional de Fonoaudiologia, indicação de terapia fonoaudiológica e número de sessões de terapia fonoaudiológica por mês. Em relação aos resultados, as variáveis selecionadas foram: número de indivíduos com TEA atendidos por fonoaudiólogos, presença de fala nos indivíduos com TEA, duração do tratamento e permanência no tratamento.

A pesquisadora escolheu variáveis que pudessem caracterizar a população e os locais de assistência e, a partir disso, contribuir para o entendimento do que ocorre no tratamento desses indivíduos, nesses locais, em relação à Fonoaudiologia.

Na Fase 2, a pesquisadora definiu os indicadores; sendo os de processos: o número de indivíduos com autismo puro, o número de indivíduos com autismo de alto funcionamento, o número de indivíduos com autismo associado a outras patologias, o número de fonoaudiólogos que atuam no local, o número de indivíduos com TEA que receberam indicação para terapia fonoaudiológica, o número médio de sessões de terapia fonoaudiológica por mês. Os indicadores de resultados foram: o número de indivíduos com TEA atendidos no setor de Fonoaudiologia, o número de indivíduos falantes e não falantes; o tempo médio de tratamento fonoaudiológico; o tempo médio de assistência ao indivíduo; o número de indivíduos que abandonaram o tratamento; o número de indivíduos reinseridos e o número de indivíduos desligados do local.

Na Fase 3, ocorreu a padronização da obtenção dos dados por meio da elaboração de um questionário aberto contendo perguntas envolvendo os dados necessários.

O questionário final apresentou 23 perguntas objetivas, sendo apenas 13 destas obrigatórias e cinco questões para caracterização dos entrevistados. E a pesquisa se limitou a apenas um momento de coleta de dados e a busca dos locais da amostra ocorreu por meio de trabalho de campo em redes. Os critérios de inclusão dos locais foram: oferecer tratamento especializado para pessoas com TEA e estar localizado no município de São Paulo. O questionário desenvolvido foi aplicado em entrevistas presenciais nos serviços de atendimento a pessoas com TEA.

A amostra inicial teve 62 locais selecionados, porém apenas 25 destes concordaram em participar da pesquisa. O total de indivíduos com TEA participantes foi de 854.

Os dados obtidos foram tabulados e receberam análise estatística descritiva e de agrupamentos significativos

RESULTADOS

Os 25 locais da amostra da pesquisa se localizam geograficamente da seguinte forma no município de São Paulo: 11 na região Sul, quatro na região Centro-Oeste, quatro na região Leste e seis na região Norte.

No Quadro 1, apresentam-se as informações sobre a oferta ou não da terapia fonoaudiológica e a duração desta. E de acordo com esse Quadro, o tipo de local predominante de assistência a esta população é a escola, sendo incluídas neste item tanto as escolas especiais como as regulares com inclusão. Do total da amostra, apenas 16 locais oferecem a terapia fonoaudiológica. O local com maior número de fonoaudiólogos foi uma organização não governamental e a duração do tratamento em geral é indeterminada, sendo em média 4 sessões mensais. É importante acrescentar que não foi informado se as sessões eram realizadas individualmente e/ou em grupo.

Quadro 1 Caracterização dos serviços 

Tipos de Locais N Duração do Tratamento Número de Fonoaudiólogos Duração do Tratamento Fonoaudiológico Indicação de Acompanhamento Fonoaudiológico N de sessões de Terapia Fonoaudiológica/mês
Escola 10 De 24 meses a indeterminado 9 36 meses a indeterminado 161 De 4 a 16
Associação 5 De 30 meses a indeterminado 8 Indeterminado 276 De 3 a 20
Clinica 4 De 11 meses a Indeterminado 1 De 36 meses a indeterminado 17 4
Instituição 4 De 60 meses a não ter alta 2 De 60 a 120 meses 50 De 4 a 8
Escola e Clinica 1 60 meses 1 48 meses 8 8
ONG 1 Indeterminado 5 Indeterminado 41 8
Total 25 - 26 - 565 111
Média Indeterminado 1 Indeterminado 23 4 sessões

Outra questão importante é que, do total de 854 indivíduos com TEA, apenas 565 apresentam indicação para acompanhamento fonoaudiológico, porém não foi informado o critério utilizado para a indicação. E dentre os nove locais que informam não oferecer acompanhamento fonoaudiológico, cinco informam às famílias a respeito da necessidade deste acompanhamento.

Na Tabela 1, estão sintetizados os dados coletados referentes aos diferentes diagnósticos nos TEA nas diferentes faixas etárias. Observa-se que, dos 854 indivíduos com TEA, predomina o diagnóstico de Autismo Puro, seguido de Autismo Associado a Comorbidades, sendo a de maior predominância a deficiência mental. Menos da metade do total dos indivíduos assistidos apresentam linguagem verbal e apenas 428 são acompanhados em terapia fonoaudiológica apesar da indicação a 565 indivíduos. A assistência ainda é mais direcionada à população infantil.

Tabela 1 Caracterização dos Sujeitos com TEA Assistidos 

Diagnóstico Falantes Indivíduos em Atendimento Fonoaudiológico
AP AAF AC
Crianças 258 31 71 212 235
Adolescentes 129 18 70 123 98
Adultos 103 5 70 78 95
Total 490 54 211 413 428

Legenda: AP = autismo puro; AAF = Autismo de Alto Funcionamento; AC = Autismo com Comorbidades

DISCUSSÃO

A distribuição geográfica dos locais da amostra sugere uma distribuição irregular dos recursos de intervenção aos TEA com a predominância na região Sul que é a de maior renda do município de São Paulo.

A respeito do perfil dos locais da amostra, verifica-se que quase metade dos locais (40%) foi constituído de escolas, categoria que incluiu escolas especiais e escolares regulares com inclusão. Isso provavelmente reflete o maior número de escolas como local de intervenção ou acolhimento dessa população. A maior predominância de escolas deu-se provavelmente porque o número de escolas é superior ao de instituições. Em relação às escolas especiais, muitas não possuem registro no Ministério da Educação (MEC) e funcionam como instituição com tratamento e assistência pedagógica. É importante comentar que muito se discute ainda sobre as diferenças e os papéis do tratamento multidisciplinar e da escola. Por outro lado, a exposição de crianças em situação vulnerável, como as que apresentam TEA, a instituições não credenciadas e com funcionamento irregular é um indicador importante da qualidade do serviço oferecido a populações com necessidades especiais. A alternativa de oferecer “algum atendimento” a populações carentes foi mencionada por Fernandes e Behlau(5) como uma forma de mascarar a falta de oferta de atendimento apropriado.

De acordo com as informações coletadas, a faixa etária infantil, de 0 a 11 anos e 11 meses é melhor assistida, seguida pelos adolescentes. O grupo de adultos com TEA ainda é muito negligenciado em relação a locais de assistência e propostas mais compatíveis com essa faixa etária

Dentre os 25 serviços estudados apenas 64% dos locais oferecem terapia fonoaudiológica e, portanto, seguem as recomendações feitas tanto pelo Protocolo do Estado de São Paulo para o Diagnóstico, Tratamento e Encaminhamento de Pacientes com Transtorno do Espectro Autista – TEA(11) como das Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica no Brasil(14) que determinam a presença do fonoaudiólogo na equipe. Logo, apesar da importância já comprovada cientificamente da terapia fonoaudiológica para indivíduos com TEA como das recomendações feitas, a assistência fonoaudiológica ainda é negligenciada a muitos destes indivíduos. O mesmo também ocorreu em relação à média de indivíduos com indicação para o acompanhamento fonoaudiológico, ela está aquém do esperado, visto que a linguagem é um dos elementos principais do quadro de TEA(12).

A duração do tratamento ser indeterminada se adéqua aos quadros de TEA pois, apesar das características comuns dos TEA, há variações individuais quanto à severidade dos sintomas e o tratamento dever ser baseado num projeto terapêutico singular individualizado que promova melhora na qualidade de vida, independência e inserção social, escolar e laboral.

Em relação ao tratamento fonoaudiológico é importante ressaltar que estudo anterior revelou que a média mensal de sessões oferecidas parece não interferir no desempenho dos indivíduos quando são comparados esquemas de uma ou duas sessões semanais, mas sim a frequência de comparecimento do indivíduo(15).

CONCLUSÃO

Conclui-se que há necessidade do gerenciamento de qualidade no tratamento oferecido aos indivíduos com TEA, principalmente em relação à oferta de serviços de Fonoaudiologia. Os resultados apontaram para o fato de muitos locais ainda negligenciarem a importância da atuação desse profissional junto aos quadros de TEA. Alguns locais, inclusive, não orientam os responsáveis pelos indivíduos com TEA sobre a necessidade de acompanhamento fonoaudiológico ou até possuem profissionais de outras áreas realizando avaliações e intervenções relacionadas à comunicação e à linguagem.

Acrescenta-se também a dificuldade para a obtenção de informações parece estar na base da falta de dados a respeito das necessidades das pessoas com TEA e dos serviços oferecidos a elas.

REFERÊNCIAS

1 Deutsch SI, Urbano MR. Preface. In: Deutsch SI, Urbano MR. Autism spectrum disorders: the role of genetics in diagnosis and treatment. Croácia: Intech; 2011 [citado em 2012 Out 10]. p. IX. Disponível em: . .
2 Bower BUS. autism rate continues to rise: prevalence estimate hits new high at 1 in 88 children. Sci News. 2012;181(9):14. .
3 Junior P, Ribeiro S. Pesquisa do CDC revela número alto de prevalência de autismo nos EUA em crianças de oito anos, além de grande aumento em relação a pesquisa anterior. Revista Autismo: Informação Gerando Ação. 2010;0(1):29. [citado em 2012 Out 10]. Disponível em:
4 Petição Pública Brasil. Abaixo-assinado pela aprovação projeto dos cinco Centros de Referência em Autismo em São Paulo. São Paulo: Petição Pública Brasil; 2012 [citado em 2012 Out 10]. Disponível em:
5 Fernandes FDM, Behlau M. Implications of the World Report on Disability for responding to communication disorders in Brazil. Int J Speech-Language Pathol. 2013;15(1):113-7. . Disponível em: . PMid:23215452.
6 Brasil. Lei nº 12.764, de 27 de dezembro de 2012. Institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista. Diário Oficial da União; Brasília; 20 dez 2012 [citado em 2013 Jan 13]. Seção 1, p. 2. Disponível em:
7 Autismo e Realidade [Internet]. Autismo e epidemiologia. São Paulo: Autismo e Realidade; 2015 [citado em 2015 Jan 13]. Disponível em:
8 São Paulo. Ministério Público do Estado. Ação civil pública: processos nº 053.00.027139-2 (1679/00) da 6ª Vara da Fazenda Pública do Ministério Público do Estado de Estado de São Paulo, de 28 de Dezembro de 2001. São Paulo: MPSP; 2011 [citado em 2011 Fev 20]. Disponível em:
9 São Paulo. Governo do Estado. Projeto de Lei nº 549/2008, de 19 de agosto de 2008. Institui a Lei de Proteção à Pessoa Portadora do Autismo. Diário Oficial do Estado de São Paulo; São Paulo; 19 ago 2008; 154, p. 42 [citado em 2011 Fev 20]. Disponível em:
10 São Paulo. Câmara Municipal de São Paulo. Lei nº 15.409 de 11 de julho de 2011. Estabelece diretrizes a serem observadas na formulação da Política Municipal de Atendimento às Pessoas com Transtorno Invasivo do Desenvolvimento: autismo. Diário Oficial da Cidade de São Paulo; São Paulo; 12 jul 2011, 128, p. 1 [citado em 2012 Out 10]. Disponível em: ftp://ftp.saude.sp.gov.br/ftpsessp/bibliote/informe_eletronico/2011/iels.jul.11/Iels129/M_LE-15409_110711.pdf
11 São Paulo. Secretaria da Saúde do Estado de São Paulo. Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Protocolo do Estado de São Paulo de Diagnóstico, Tratamento e Encaminhamento de Pacientes com Transtorno do Espectro Autista (TEA). São Paulo; 2013 [citado em 2013 Out 9]. Disponível em:
12 Fernandes FDM, Amato CAH, Molini-Avejonas DR. Language assessment in autism. In: Mohammad MR. A comprehensive book on autism spectrum disorders. Croácia: Intech; 2011 [citado em 2012 Out 10]. p. 3-22. Disponível em:
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15 Nascimento LA. Correlação entre frequência e evolução terapêutica em fonoaudiologia nos distúrbios do espectro autístico [dissertação]. São Paulo: Universidade de São Paulo, Faculdade de Medicina; 2013 [citado em 2014 Mar 12]. Disponível em: