versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.9 Rio de Janeiro set. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014199.12272013
Mindfulness is a practice and a form of consciousness which has been the basis for innovative interventions in care and health promotion. This study presents mindfulness, describes and discusses the process of cultural adaptation of The Freiburg Mindfulness Inventory (FMI) to Brazilian Portuguese. From the original version of this pioneering instrument for assessing mindfulness two translations and two back-translations were made. These were evaluated by a committee of 14 experts (Buddhists, linguists, health professionals), who helped to create two versions for the first pre-test, based on which suggestions were made by a sample of 41 people of the population through interviews. Considering the difficulties in understanding the concepts that are unfamiliar to the Brazilian culture, a new version was prepared with additional explanations, which underwent a further evaluation of the experts and a second pre-test with 72 people. This process aimed at addressing the limitations and challenges of evaluating mindfulness in a country of western culture through a self-report instrument based on Buddhist psychology. With appropriate levels of clarity and equivalence with the original instrument, the Freiburg Mindfulness Inventory adapted for Brazil is presented.
Key words: Translating; State of consciousness; Mind-body therapies; Meditation; Buddhism
Mindfulness é um tema ainda pouco familiar tanto para a população em geral quanto para a comunidade acadêmica brasileira. Ainda não há uma tradução consensual para este termo na língua portuguesa. Com isso, geralmente a própria palavra inglesa é utilizada ou ela é referida por meio das expressões "atenção plena", "observação vigilante", "mente alerta" e "consciência plena" dentre outras.
A palavra mindfulness é originária principalmente da tradução de "sati" (palavra proveniente do dialeto indiano denominado Pali). Sati literalmente significa lembrança ou lembrar. Dentro das escrituras budistas este termo remete à atividade da mente, à constante presença da mente e à lembrança de manter a consciência1.
Historicamente, mindfulness é um dos pontos centrais dos ensinamentos budistas2. Segundo esta tradição, a mente humana tende a se comportar de modo a avaliar e reagir emocionalmente fazendo com que o indivíduo se afaste do ato de sustentar sua consciência de momento a momento. Neste contexto, dimensões afetivas, éticas e o ato da vigilância (lembrar de manter a consciência) se integram em mindfulness, não como um estado fixo ou uma função mental, mas como uma prática, um processo dinâmico que pode estar inserido na vida como um todo, como uma forma de vida1,3.
Mindfulness também é visto como um construto que compartilha semelhanças conceituais com uma variedade de ideias provenientes da filosofia grega antiga, do pensamento da Europa ocidental (fenomenologia, existencialismo, naturalismo) e da América (transcendentalismo e humanismo)4. Assim, pode ser considerado algo não estritamente religioso, oriental ou pertencente a uma determinada filosofia ou tradição3.
Alguns pesquisadores contemporâneos têm descrito mindfulness em dois componentes: um mais relacionado a processos cognitivos, a autorregulação da atenção mantida para a experiência imediata; e outro a processos emocionais, a adoção de uma postura de curiosidade, abertura e aceitação às experiências do momento presente5.
Ensinamentos tradicionais2 e uma recente meta-análise6 apontam que mindfulness pode ser desenvolvido por meio do hábito sistemático da meditação. Segundo a psicologia budista, a prática regular e contínua da meditação pode oferecer ao indivíduo um novo entendimento dos conceitos de si, de outro, do mundo, da sociedade e da natureza da experiência7. No contexto da terapia cognitiva, isso significa uma mudança de segunda ordem, na qual o objetivo não é mudar conteúdos (primeira ordem) e sim revisar ou transformar a perspectiva em que são vivenciados estes conteúdos, e os significados produzidos em relação a uma crença ou sentimento8.
A prática da meditação tem sido oferecida como uma estratégia de intervenção em diversos setores da sociedade9. Jon Kabat-Zinn (pesquisador americano e estudante do zen, vipassana e yoga) é considerado um dos pioneiros na expansão da utilização de mindfulness nos serviços de saúde atuais.
Em setembro de 1979, no centro médico da Universidade de Massachusetts, ele iniciou um programa que hoje é denominado Mindfulness based stress reduction (Redução do estresse baseado na atenção plena)10. Este programa é realizado em grupo, tem a duração de dois meses, é composto por uma sessão de duas horas por semana, um encontro de um dia inteiro e orientações de práticas diárias a serem realizadas tanto em algum momento específico (inclusive com conduções por áudio) como durante as atividades cotidianas. Dentre os seus conteúdos ele oferece aos participantes atividades como: meditação sentada com atenção à respiração, às sensações do corpo, aos estados e conteúdos mentais, atenção em varredura com conscientização de cada parte do corpo (body scan), exercícios motores com plena consciência do corpo (posturas de yoga) e questionamentos com reflexões em grupo sobre as experiências 9,11.
Desde a criação deste programa, inúmeras outras intervenções baseadas em mindfulness estão sendo utilizadas, investigadas e desenvolvidas para diferentes faixas etárias e populações específicas na área da saúde9,12,13. Algumas dessas intervenções têm mostrado grande efeito em diferentes populações6,14,15.
Neste movimento, a aplicação de mindfulness tem alcançado áreas como a formação profissional16, a educação de cuidadores17, a formação de professores18 e a gestão de serviços de saúde19. Na área clínica, sua utilização tem mostrado efeitos benéficos para uma ampla variedade de afecções, como depressão20, ansiedade20, dependência química21, distúrbios alimentares22, insônia23, dor crônica10,24, câncer25, fibromialgia, psoríases, artrite reumatoide, déficit de atenção e hiperatividade, HIV positivo, doenças cardíacas, dentre outras9.
Apesar do crescente interesse na sua aplicação e na descrição de seus efeitos, alguns autores26enfatizam que as ideias do que é, e como mindfulness opera, são facilmente mal-entendidas. Incluir mindfulness nos serviços oferecidos desafia os conceitos de cuidado e as práticas usuais dos profissionais de saúde. Assim, para a sua melhor compreensão eles propõem uma descrição na qual mindfulness apresenta características: ativas (observação das experiências internas e externas); passivas (não reação a estímulos atrativos ou aversivos); de não querer (não aspirar algo diferente, aceitar); de querer (não com desejo ávido, mas, por exemplo, querer com gentileza voltar a atenção ao presente); de não mudança (mindfulness não tem necessariamente o objetivo de reduzir os sintomas ou curar a doença); de mudança (do impacto do sintoma ou da doença pela modificação das percepções e atitude emocional do indivíduo); de não julgar e não reagir (inclui o julgamento cognitivo, como a identificação de categorias, mas não há julgamento emocional e motivacional, ou seja, a reação pode possuir calma mesmo diante de uma experiência triste ou desfavorável); e de aceitação passiva (não simplesmente aceitar tudo o que acontece, mas no sentido de suspender ou amenizar as reações emocionais e cognitivas em uma dada situação).
Com a expansão da utilização de mindfulness muitos questionários têm sido criados para a sua avaliação. Estes instrumentos têm sido objeto de debates27,28, de estudos de revisão29-31 e têm auxiliado investigações sobre os seus possíveis mecanismos de ação e benefícios29.
Dentre mais de uma dezena de instrumentos disponíveis na literatura internacional31, até o momento apenas a Escala Filadélfia de Mindfulness (EFM) foi encontrada publicada e adaptada para brasileiros32. Outros dois questionários, os mais frequentemente citados na literatura, o Mindfulness Attention Awareness Scale e o Five Facets Mindfulness Questionnaire também foram adaptados para o português e estão em processo de publicação33. Incluindo esses três instrumentos, grande parte das medidas de autorrelato tiveram seus itens criados a partir de uma operacionalização de mindfulness inseridas em contextos da psicologia clínica ocidental com uma abordagem eclética e pragmática31,34.
Com uma abordagem diferente, o Freiburg Mindfulness Inventory (FMI)35,36é um dos únicos que recebeu claras contribuições de especialistas da tradicional meditação mindfulness da psicologia budista no seu desenvolvimento31,34. Este instrumento foi criado em alemão35 e inglês36 e posteriormente adaptado para o francês37 e chinês38. Tem sido utilizado em países da Europa35,39-41, América do Norte42-44e Austrália45. A adaptação cultural do FMI para o português poderá instrumentalizar e incentivar o avanço da aplicação e investigações cuja base teórica esteja alinhada às raízes do conceito de mindfulness 31. Este artigo tem o objetivo de descrever o processo de adaptação cultural do FMI realizado no Brasil.
O processo metodológico de adaptação cultural do Freiburg Mindfulness Inventory foi realizado segundo as recomendações publicadas na literatura internacional atual46-48. Conforme ilustrado na Figura 1, as etapas seguidas para este estudo foram: a) duas traduções do instrumento original; b) síntese das traduções; c) duas retrotraduções para a língua original do instrumento; d) revisão pelo comitê de especialistas-1; e) pré-teste-1; f) revisão pelo comitê de especialistas-2; e g) pré-teste-2. Foram realizadas também a retrotradução da versão final e a sua apreciação pelo autor do instrumento original, Prof. Dr. Harald Walach, Institute of Transcultural Health Studies, Europa Universitat Viadrina, Frankfurt, Alemanha.
O Freiburg Mindfulness Inventory (FMI), no formato com 30 itens35, foi um dos primeiros instrumentos de autoavaliação de mindfulness criado. Após cinco anos, foi publicada uma versão abreviada com 14 itens36, a qual tem sido a mais utilizada.
O FMI tem como objetivo identificar, por meio da autopercepção do indivíduo, a frequência com que este vivencia comportamentos relacionados à mindfulness. Para cada item, o indivíduo deve assinalar sua resposta em uma escala tipo Likert de 4 níveis de frequência (1 = Raramente, 2 = De vez em quando, 3 = Com alguma frequência ou 4 = Quase sempre). A pontuação total pode variar de 14 a 56 pontos. O resultado é obtido a partir da soma da pontuação de todos os itens, invertendo-se apenas a pontuação do item número 13. Quanto maior a pontuação obtida, maior é a percepção de mindfulness do indivíduo.
Apesar do estudo de criação36 e de outros42-45terem utilizado o FMI como um instrumento unidimensional, recentes pesquisas39,40 têm identificado e dividido os itens do questionário em dois fatores: presença (itens 1, 2, 3, 5, 7 e 10) e aceitação (itens 4, 6, 8, 9, 11, 12, 13 e 14).
O FMI tem mostrado adequados níveis de consistência interna com alfa de Cronbach de 0,74 a 0,8337-39,42,45. Além disso, correlações significativas têm sido apresentadas com construtos avaliados por outros instrumentos como Questionário de Estado e Traço de Ansiedade38,39, Questionário de autoconsciência36, de experiências dissociativas36, Escalas de depressão autorrelatada38, depressão de Beck39, autoestima38, estresse percebido37, autoeficácia37 e de afeto negativo e positivo37. O FMI também tem apresentado adequados níveis de confiabilidade por meio do teste reteste com coeficiente de correlação intraclasse de 0,8037.
A partir da versão original do instrumento com 14 itens na língua inglesa, foram realizadas duas traduções para a língua portuguesa. Estas foram feitas de forma independente por dois tradutores profissionais brasileiros.
Um dos tradutores possuía experiência com mindfulness e estava ciente dos aspectos a serem avaliados pelo questionário e seus objetivos. O segundo tradutor não foi informado sobre os conceitos abordados pelo instrumento e não tinha experiência na área do estudo45.
Os pesquisadores, acompanhados por outros pesquisadores bilíngues e experientes na área de adaptação cultural de instrumentos, realizaram comparações, análise de concordâncias e discrepâncias das duas traduções para produzir a versão-1 do instrumento.
A versão-1 foi traduzida de volta para a língua do instrumento original (inglês) com o objetivo de verificar possíveis erros, discrepâncias no conteúdo e/ou de significado entre o instrumento original e a versão traduzida.
A retrotradução foi realizada de forma independente por dois tradutores cuja língua materna é o inglês. Ambos não participaram da primeira etapa do estudo, não tinham experiência com mindfulness, não foram informados sobre os conceitos abordados pelo instrumento e não tinham conhecimento da versão original do instrumento45.
O comitê de especialistas foi constituído por 14 pessoas fluentes na língua portuguesa e inglesa e com experiência em adaptação cultural ou em orientação de práticas meditativas e mindfulness (três médicos, três linguistas, dois budistas ordenados, um enfermeiro, um fisioterapeuta, um biólogo, um cientista social, um dentista e um psicólogo).
Cada membro do comitê recebeu: um convite com as orientações para a participação no estudo, a versão original do instrumento, as duas traduções para o português, a versão síntese da tradução para o português, as duas versões das retrotraduções e um instrumento para avaliação das equivalências conceitual, idiomática, cultural e semântica das versões.
Devido a não familiaridade da população brasileira em geral com os conceitos abordados pelo questionário, os especialistas sugeriram a construção de duas versões (2 e 3), sendo que uma delas teria um texto ilustrativo adicional a cada um dos itens.
O pré-teste é considerado um dos estágios finais de um processo de adaptação cultural. Esta fase avalia se a compreensão dos itens da versão adaptada mantém a sua equivalência com o original durante a aplicação do questionário. Para isto, recomenda-se aplicar o questionário em uma amostra de 30 a 40 pessoas com o objetivo de investigar a facilidade de compreensão e o que foi pensado para escolher as respostas46.
As amostras para o pré-teste foram por conveniência, inicialmente compostas pela comunidade que frequenta o campus de uma universidade pública paulista, a qual foi abordada nos saguões de entrada dos prédios. As amostras foram ampliadas pelo método bola de neve, no qual os próprios participantes puderam divulgar a pesquisa para outras pessoas.
Os critérios de inclusão para participação foram: nacionalidade brasileira, idade superior a 18 anos e habilidade suficiente para ler e responder sozinho o questionário no papel (pré-teste 1) ou no formato eletrônico (pré-teste 2).
Buscando-se variabilidade quanto ao gênero, idade, escolaridade e nível socioeconômico foram recrutados 41 indivíduos (Tabela 1). Cada participante preencheu duas versões (2 e 3) do questionário e logo após respondeu uma entrevista individual cujo roteiro foi composto por perguntas abertas e de múltipla escolha, dentre as quais destacam-se: Você acha que as 14 afirmações foram suficientemente claras para você compreender o que cada item estava perguntando? Caso algum item não esteja claro para você, quais são? Porque eles não estão claros? O que você pensou na hora de respondê-los? Qual das duas versões (com ou sem texto ilustrativo) você achou mais fácil entender as perguntas? Justifique a sua resposta. O tempo dispendido para o preenchimento de cada uma das versões foi medido.
Tabela 1 Características gerais da amostra do pré-teste-1 e do pré-teste-2 do Freiburg Mindfulness Inventory adaptado para o Brasil.
Pré-teste-1 | Pré-teste-2 | |||||||
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Entrevistas | Questionários eletrônicos | |||||||
Característica | n | % | n | % | ||||
Total | 41 | 100 | 72 | 100 | ||||
Gênero | ||||||||
Feminino | 23 | 56,0 | 57 | 79,2 | ||||
Masculino | 18 | 44,0 | 15 | 20,8 | ||||
Faixa etária | ||||||||
18 a 35 anos | 24 | 58,0 | 47 | 65,3 | ||||
36 a 59 anos | 11 | 27,0 | 22 | 30,6 | ||||
60 anos ou mais | 6 | 15,0 | 3 | 4,2 | ||||
Estado civil | ||||||||
Solteiro | 25 | 61,0 | 36 | 50,0 | ||||
Casado | 10 | 24,4 | 29 | 40,3 | ||||
Viúvo | 1 | 2,4 | 1 | 1,4 | ||||
Divorciado/Separado | 5 | 12,2 | 6 | 8,3 | ||||
Escolaridade | ||||||||
Fundamental incompleto | 2 | 4,8 | 2 | 2,8 | ||||
Fundamental completo | 2 | 4,9 | 1 | 1,4 | ||||
Médio completo | 15 | 36,6 | 5 | 6,9 | ||||
Superior completo | 11 | 26,8 | 17 | 23,6 | ||||
Pós-graduação | 11 | 26,8 | 47 | 65,3 | ||||
Renda familiar | ||||||||
< 2 SM | 4 | 9,8 | 3 | 4,2 | ||||
2 a 4 SM | 14 | 34,1 | 10 | 13,9 | ||||
5 a 6 SM | 8 | 19,5 | 14 | 19,4 | ||||
> 6 SM | 15 | 36,6 | 45 | 62,5 | ||||
Religião* | ||||||||
Nenhuma | 12 | 29,3 | 14 | 19,4 | ||||
Católica | 19 | 46,3 | 34 | 47,2 | ||||
Evangélica | 4 | 9,8 | 5 | 6,9 | ||||
Outros | 7 | 17,1 | 25 | 34,7 | ||||
Prática da meditação | ||||||||
Não | 30 | 73,2 | 54 | 75,0 | ||||
Sim | 11 | 26,8 | 18 | 25,0 |
*Alguns participantes apontaram ter mais de uma crença ou religião; SM: salários-mínimos.
No primeiro pré-teste os indivíduos apresentaram inúmeras dificuldades para o entendimento do questionário o que indicou a necessidade de aprimorar a versão do instrumento. Esta nova versão foi avaliada e revisada novamente pelo comitê de especialistas e submetida a um novo pré-teste (pré-teste 2). Sugere-se que o pré-teste seja realizado em contextos semelhantes de usos futuros do questionário. Considerando o planejamento de investigar a consistência interna, reprodutibilidade teste reteste e outras propriedades psicométricas do instrumento quando aplicado em pessoas com experiência na prática meditativa e seus pares da população em geral por meio de questionários eletrônicos, optou-se por realizar o pré-teste-2 utilizando este mesmo ambiente virtual.
Nesta fase, o tamanho da amostra excedeu a orientação de 40 sujeitos46 com o intuito de ampliar a variabilidade da amostra no que se refere ao nível de escolaridade, com a inclusão de pelo menos 10% de participantes com ensino médio completo ou escolaridade inferior. Dessa forma, a amostra foi composta por 72 participantes com predomínio de mulheres, adultas jovens (idade média de 36 anos), com elevada escolaridade e renda familiar (Tabela 1).
Após preencher o questionário, os indivíduos responderam às perguntas relacionadas à clareza, dificuldade de entendimento dos itens e puderam fazer sugestões ou comentários. Para criação do questionário eletrônico e arquivamento sigiloso das respostas utilizou-se o software livre Lime Survey 1.92 e o servidor Lime Service (www.limeservice.com).
Para análise das respostas e comentários obtidos nas fases de pré-testes realizou-se análise temática para as questões abertas e análise estatística descritiva para as questões fechadas.
Esta pesquisa está de acordo com a Resolução 196/199649 do Conselho Nacional de Saúde e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição. Após esclarecimento dos objetivos e procedimentos da pesquisa cada voluntário assinou um termo de consentimento livre e esclarecido ou o assinalou no formulário eletrônico.
Os pesquisadores deste estudo receberam autorização formal do autor do Freiburg Mindfulness Inventory original36 para realizarem o processo de tradução e adaptação cultural do instrumento no Brasil.
As duas primeiras traduções em português do FMI mostraram diferenças em algumas palavras. Por exemplo, o verbo "sense" foi traduzido como "sinto" ou "percebo" (item 2, Tabela 2) e "hectic" como "confusas" ou "agitadas" (item 12, Tabela 2), dentre outras pequenas diferenças.
Tabela 2 Os 14 itens e a escala de respostas do Freiburg Mindfulness Inventory: versão original, versão- 2, comentários mais comuns no pré-teste-1, número de pessoas que relataram falta de clareza no pré-teste-1 e versão-4.
versão original | versão-2 | Exemplos de comentários mais comuns ou relevantes para a Versão-2 | Falta de clareza para a Versão-2 | versão-4 |
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Inglês | Pré-teste-1 | |||
Pré-teste 1 | Pré-teste 1 | |||
Rarely, Occasionally, Fairly often, Almost always | Quase nunca, De vez em quando, Frequentemente, Quase sempre | "muito parecido 'de vez em quando' com 'quase nunca' e também 'frequentemente' com 'quase sempre"; | 17 (41%) | Quase nunca, Poucas vezes, Algumas vezes, Quase sempre |
1. Estamos abertos para a experiência do momento presente quando estamos dispostos a viver as coisas desconhecidas, agradáveis ou desagradáveis que surgem a cada instante. | ||||
1. I am open to the experience of the present moment. | 1. Estou aberto para viver a experiência do momento presente. | "O que é estar aberto?"; "O que é experiência?"; "Que tipo de experiência?" "Momento presente, esse agora, ou cada momento?" | 6 (15%) | |
- Com que frequência você esteve aberto para a experiência do momento presente? | ||||
2. I sense my body, whether eating, cooking, cleaning or talking. | 2. Eu presto atenção às sensações do meu corpo enquanto estou comendo, cozinhando, fazendo limpeza ou conversando. | "Não entendi, acho que nunca pensei e não estou acostumada a fazer." | 5 (12%) | 2. Quando estamos concentrados para realizar e terminar uma atividade, podemos não prestar atenção às sensações do nosso corpo. Também acabamos não sentindo o nosso corpo quando fazemos uma coisa, mas estamos pensando em outras. |
- Com que frequência você sentiu o seu corpo quando estava comendo, cozinhando, fazendo limpeza ou conversando? | ||||
3. When I notice an absence of mind, I gently return to the experience of the here and now. | 3. Quando percebo que estou disperso ou desatento, calmamente retomo a minha atenção ao que estou vivenciando no momento presente. | "Desatento?"; "O que seria calmamente retornar, e a quê?" | 4 (10%) | 3. Estamos dispersos quando ficamos imaginando o futuro, relembrando o passado ou pensando em coisas que não tem a ver com o local e atividade que realizamos no momento presente. |
-Com que frequência você notou que estava disperso e retornou calmamente ao que estava vivendo no aqui e agora? | ||||
4. I am able to appreciate myself. | 4. Eu consigo perceber e apreciar as minhas próprias qualidades. | "Pergunta aberta, pensei também nos meus defeitos" | 2 (5%) | 4. Ficamos nos cobrando ou nos criticando. Podemos também reconhecer as nossas qualidades e apreciar a nós mesmos. |
- Com que frequência você conseguiu apreciar a si mesmo? | ||||
5. I pay attention to what's behind my actions. | 5. Presto atenção ao que está por trás de minhas ações. | "Esse "por trás das minhas ações" seria alguma coisa ruim que pode acontecer, um lado negativo por trás do que estou fazendo ou bons também?" "O que minhas ações interferem nos outros?" "planejamento da ação? O que eu quero gerar?" | 5 (12%) | 5. Prestamos atenção ao que está por trás das nossas ações quando olhamos para dentro de nós e identificamos o que nos levou a ter tomado certa atitude ou ter dito isso ou aquilo. |
- Com que frequência você prestou atenção ao que está por trás de suas ações? | ||||
6. I see my mistakes and difficulties without judging them. | 6. Eu vejo meus erros e dificuldades sem ficar me julgando. | "erro como moral e nao como tarefa errada?" | 2 (5%) | 6. Podemos ficar criticando, cobrando e viver nos julgando por nossos erros e dificuldades. Podemos também reconhecer e conviver com eles. |
- Com que frequência você olhou para os seus erros e dificuldades sem ficar se julgando? | ||||
7. I feel connected to my experience in the here-and-now. | 7. Eu me sinto conectado com a minha experiência do aqui-e-agora. | "conectado?" "o que seria conectado com o presente?"; "o que quer dizer com experiência?"; "precisa ter calma pra entender o que está perguntando" | 12 (29%) | 7. Nos sentimos concentrados na experiência do aqui e agora quando nossa atenção está completamente no local onde estamos e na atividade que estamos realizando. |
- Com que frequência você se sentiu concentrado na sua experiência do aqui e agora? | ||||
8. I accept unpleasant experiences. | 8. Eu aceito experiências desagradáveis. | "que tipo de experiência desagradável?"; "como assim se eu aceito uma coisa desagradável, pela lógica ninguém quer fazer algo desagradável"; "eu aceito, é eu me conformo com?; "não é uma questão de aceitar, elas existem, senão a vida da gente é um horror"; "aceitar é diferente de reconhecer" | 11 (27%) | 8. Aceitamos experiências desagradáveis quando conseguimos conviver com uma notícia ou situação que não gostamos, sem querer mudá-las ou fugir delas. |
- Com que frequência você aceitou experiências desagradáveis? | ||||
9. I am friendly to myself when things go wrong. | 9. Quando as coisas dão errado, sou compreensivo e me dou bem comigo mesmo. | "como é que quando as coisas dão errado eu posso ser compreensivo e me dar bem comigo mesmo? como isso é possível? Fica meio contraditório. quando dá errado, fica nervoso, se não fica, é um disfarce, máscara." | 4 (10%) | 9. Quando alguma coisa dá errado, existem inúmeras formas de tratarmos a nós mesmos. Podemos nos chatear e ficar nos condenando; ou, podemos tentar incentivar e apoiar a nós mesmos. |
- Quando as coisas deram erradas, com que frequência você apoiou a si mesmo? | ||||
10. I watch my feelings without getting lost in them. | 10. Eu observo minhas emoções, sem eu me perder nelas. | "se perder?"; "não entendi muito bem, as emoções que eu sinto nas tarefas, o que seria eu me perder nelas?"; "seria pirar?" "Se deixar levar, não conseguir entender o que está acontecendo?" | 7 (17%) | 10. Observamos nossas emoções sem nos perder nelas quando olhamos as nossas próprias emoções e conseguimos ter clareza para pensar e fazer as coisas com consciência. |
- Com que frequência você observou suas emoções sem se perder nelas? | ||||
11. In difficult situations, I can pause without immediately reacting. | 11. Em situações difíceis, eu consigo parar um pouco sem reagir de imediato. | Sem comentários específicos. "Na verdade todas as perguntas são difíceis, não são fáceis." | 1 (2%) | 11. Em situações complicadas, podemos agir impulsivamente ou, conseguimos parar um pouco e responder com mais consciência do que estamos sentindo e fazendo. |
- Em situações difíceis, com que frequência você conseguiu parar um pouco sem reagir de imediato? | ||||
12. I experience moments of inner peace and ease, even when things get hectic and stressful. | 12. Experimento momentos de calma e paz interior, mesmo quando a situação parece ter muitas tarefas e estresse. | "paz interior?"; "seria reflexivo, centralizado, equilibrado?" | 5 (12%) | 12. Vivemos momentos de calma e paz interior quando nos sentimos equilibrados e quando estamos confiantes e abertos para o que pode acontecer. |
- Com que frequência você experimentou momentos de calma e paz interior, mesmo quando a situação tinha muitas tarefas e parecia estressante? | ||||
13. I am impatient with myself and with others. | 13. Eu me sinto impaciente comigo mesmo e com os outros. | "eu me sinto impaciente com relação a quê, em que situação?" | 1 (2%) | 13. Somos impacientes quando demonstramos inquietação, nos queixamos à toa e não nos conformamos em esperar. |
- Com que frequência você foi impaciente consigo mesmo e com os outros? | ||||
14. I am able to smile when I notice how I sometimes make life difficult. | 14. Eu consigo sorrir e achar graça quando percebo que, às vezes eu torno a minha vida mais difícil. | "não entendi"; "o que é tornar a vida mais difícil?"; "sorrir quando torna a vida difícil? Não entendi" | 6 (15%) | 14. Tornamos a vida mais difícil quando nossas escolhas e atitudes criam situações mais duras e pesadas para nós mesmos. Nessa situação, podemos ficar nos criticando, ou podemos também achar graça disso. |
- Com que frequência você conseguiu achar graça quando percebeu que você mesmo estava tornando a sua vida mais difícil? |
Estas variações foram discutidas para a criação da versão-1. Na etapa seguinte, as duas retrotraduções desta versão-1 foram muito semelhantes entre si e com a versão original do instrumento. Dentre as poucas diferenças observadas "notice" e "gently" da versão original (item 3, Tabela 2) foram respectivamente expressas por "realize" ou "become aware" e "calmly" nas retrotraduções.
A versão-1, em conjunto com as traduções e retrotraduções foram avaliadas pelo comitê de especialistas que expressou suas opiniões por meio de comunicações eletrônicas e encontros presenciais.
Além de mudanças de palavras, alguns membros do comitê apontaram: que não havia em português uma boa tradução para mindfulness; que havia necessidade de definir atenção plena em linguagem mais simples possível; que embora as palavras fossem simples, os conteúdos abordados pelo questionário não eram familiares; e que se houvesse uma maior explicação em cada item, estes seriam mais facilmente compreendidos pela população brasileira em geral.
Esses apontamentos do comitê direcionaram a criação de duas versões. A versão-2 (Tabela 2) que é semelhante à versão síntese da etapa anterior e a versão-3 (exemplos no Quadro 1) a qual possui um texto ilustrativo para cada item.
Quadro 1 Os itens 1, 7, 8 e 10 como exemplo da versão-3 utilizada no pré-teste-1 do processo de adaptação cultural do Freiburg Mindfulness Inventory para o português no Brasil.
Considere os últimos 30 dias. | |||||
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Texto ilustrativo | Afirmação | Quase nunca | De vez em quando | Frequentemente | Quase sempre |
A cada momento, talvez não saibamos exatamente o que está para acontecer. Nossa atitude pode ser de querer receber, estar disposto e aberto para o que venha a acontecer, ou, de querer evitar, resistir, não querer viver o que está acontecendo. | 1. Eu estou aberto para experimentar o momento presente. | □ | □ | □ | □ |
No dia a dia, quando estamos em um lugar fazendo uma atividade, às vezes podemos nos pegar pensando, imaginando viver ou revivendo uma situação na qual fazíamos outra coisa em outro lugar. Outras vezes, podemos perceber que estamos com a atenção presente exatamente no lugar em que estamos e na atividade que estamos fazendo, ou seja, nos sentimos conectados com a experiência do aqui-e-agora. | 7. Eu me sinto conectado com a minha experiência do aqui-e-agora. | □ | □ | □ | □ |
No dia-a-dia, acontecem coisas que eu posso perceber como erradas ou desagradáveis e outras como corretas e prazerosas. Quando acontecem coisas desagradáveis, podemos reconhecer e aceitar, ou seja, nos colocar dispostos a receber o fato de que elas aconteceram. Outras vezes, resistimos, lutamos contra, nos condenamos e nos comportamos como querendo achar que isso não fosse verdade. | 8. Eu aceito experiências desagradáveis. | □ | □ | □ | □ |
No dia-a-dia, podem acontecer muitas coisas que geram emoções. Algumas vezes, conseguimos identificar estas emoções e perceber o que está acontecendo. Outras vezes, vivemos estas emoções como se elas nos dominassem, como se estivéssemos perdidos nelas. | 10. Eu observo minhas emoções, sem me perder nelas. | □ | □ | □ | □ |
O tempo médio de preenchimento da versão-2 foi de 5 minutos e meio (variou de 1 a 16 minutos) e da versão-3 (que possuía o texto ilustrativo) foi de 10 minutos (variou de 6 a 23 minutos).
Ao analisar a frequência de relato de falta de clareza para a versão-2 (Tabela 2), constatou-se que 41% dos participantes do pré-teste-1 apontaram que a escala de resposta era confusa por possuir categorias muito semelhantes. Além disso, dez dos quatorze itens foram apontados como não claros por pelo menos 10% dos sujeitos. Os itens mais frequentemente citados como pouco claros foram os de número 1, 7, 8, 10 e 14.
Alguns comentários e questionamentos realizados pelos participantes do pré-teste-1 podem ser observados na Tabela 2. Estes ilustram a dificuldade de entendimento das ideias e de comportamentos abordados em cada item da versão-2. Diante disso, foi identificada a necessidade de mudanças na escala de resposta e de uma melhor explicação em cada item do questionário.
Com relação à versão-3 (que continha o texto ilustrativo), 74% dos indivíduos relatou que os itens podiam ser entendidos mais facilmente do que a versão-2. No entanto, algumas pessoas relataram dificuldade em sustentar a atenção devido aos textos ilustrativos serem muito longos. Alguns sujeitos também apontaram que os textos traziam ideias e palavras que podiam mudar a interpretação da questão ou que os direcionavam a considerar todo o texto ilustrativo, em vez de somente a afirmação correspondente ao item questionado.
Dentre os relatos e comentários realizados pelos indivíduos quando compararam a versão-2 (mais curta) com a versão-3 (com texto ilustrativo) estão: "a versão curta fica uma questão genérica, só joga, e as perguntas são muito parecidas"; "a versão curta é mais direta, objetiva, você não perde a atenção"; "na versão curta, fico confuso no que pensar pra responder"; "na versão curta a gente entende, mas ainda fica um pouco confuso, com o texto fica mais claro"; "o texto ilustrativo facilitou eu entender o que a questão estava querendo dizer, mas tomou mais tempo para reflexão"; "com o texto ilustrativo respondo com mais segurança"; "os textos ilustrativos são longos e eu fui me perdendo"; "no texto ilustrativo tem coisas que leva a raciocinar de outra forma, às vezes é questão de uma palavra e dá outro sentido"; "o texto te faz pensar em outras possibilidades e isso requer uma resposta mais elaborada".
Devido aos diversos relatos, opiniões e dificuldades de entendimento de vários itens do instrumento, considerou-se que nenhuma das versões (versão-2 ou versão-3) estava adequada para a população brasileira em geral.
Considerando as informações levantadas no pré-teste-1 criou-se a versão-4 (Tabela 2). Esta apresentou mudanças de palavras na escala de respostas, utilizou um texto ilustrativo mais curto comparado à versão-3 e continha uma pergunta em vez de uma afirmação em primeira pessoa. Esta versão foi novamente submetida ao comitê de especialistas para avaliação da clareza e equivalências com a versão original.
Apesar da versão-4 ter sido avaliada como clara, foi considerada pouco equivalente à original pelo comitê, principalmente em razão da grande diferença do formato dos itens com relação ao instrumento original. Deste modo, criou-se a versão-5, na qual os itens foram elaborados em primeira pessoa. Na versão 5 os detalhes explicativos sobre o comportamento a ser avaliado foram incluídos no próprio item. Desta forma, ao mesmo tempo em que o formato se aproximou ao original, foi possível trazer clareza às ideias apresentadas. O título do instrumento foi mantido em inglês e se adicionou um subtítulo explicativo "Questionário de percepção de comportamentos relacionados à atenção plena". O comitê de especialistas avaliou a versão-5 como clara e equivalente à versão original, e esta então seguiu para ser avaliada pela população em geral por meio do pré-teste-2.
O texto de orientação do questionário da versão-5 foi compreendido de forma clara por 100% da amostra, enquanto a escala de respostas foi por 93%. Com relação aos itens, 96 a 100% dos participantes entenderam claramente 10 das 14 afirmações. A menor frequência de claro entendimento foi apresentada no item 1 (92%), seguido pelos itens 9 e 11 (93%) e 14 (94%).
Apesar de poucos participantes apontarem ainda dúvidas com relação a alguns itens, a maioria dos comentários expressou o fácil entendimento das ideias apresentadas. Por exemplo: "É fácil de entender, embora questione algo que não seja cotidiano para mim"; "a expressão a cada momento me pareceu um pouco confusa"; "precisei ler mais de uma vez"; "muito subjetivo, mas é possível entender"; "questões práticas e objetivas de autorreflexão". Assim, incorporaram-se alguns pequenos ajustes na versão-5 para que fosse criado o Freiburg Mindfulness Inventory adaptado para o Brasil (FMI-Br) (Quadro 2). Esta versão brasileira foi retrotraduzida para o inglês e recebeu apreciação positiva pelo autor do instrumento original.
Quadro 2 Freiburg Mindfulness Inventory adaptado para o Brasil (FMI-Br).
O objetivo desse questionário é identificar como você acha que está a sua atenção e o seu comportamento em diferentes situações. Considere os últimos____dias para você se avaliar em cada item. Responda cada item da melhor forma que você puder. Seja honesto(a) e espontâneo(a). Não há respostas 'certas' ou 'erradas', nem respostas 'boas' ou 'ruins'. O que é importante para nós é a sua própria experiência pessoal. Agradecemos o seu empenho e a sua disponibilidade! | ||||
Raramente | De vez em quando | Com alguma frequência | Quase sempre | |
1. Eu estou aberto(a), disposto(a) pra viver as coisas que podem acontecer a cada instante. | □ | □ | □ | □ |
2. Eu presto atenção às sensações do meu corpo (pela pele, sabores na boca, minha postura, etc.) quando estou comendo, cozinhando, fazendo limpeza ou conversando. | □ | □ | □ | □ |
3. Quando eu noto que estou pensando no futuro, no passado ou em coisas que me deixam disperso(a), calmamente trago a minha atenção para o que estou vivendo aqui e agora. | □ | □ | □ | □ |
4. Eu consigo reconhecer as minhas qualidades e admirar a mim mesmo(a). | □ | □ | □ | □ |
5. Eu olho pra dentro de mim mesmo(a) e presto atenção ao que está me levando a fazer determinada coisa. | □ | □ | □ | □ |
6. Eu olho pros meus erros e dificuldades sem ficar me julgando. | □ | □ | □ | □ |
7. A minha atenção está voltada para o local onde estou e para a atividade que estou realizando a cada momento. | □ | □ | □ | □ |
8. Eu consigo conviver com uma notícia, situação, emoção ou sensação que não gosto, sem querer mudá-la ou fugir dela. | □ | □ | □ | □ |
9. Mesmo quando as coisas não ocorrem como eu planejei ou parecem dar errado, eu procuro dar apoio a mim mesmo(a). | □ | □ | □ | □ |
10. Eu presto atenção às minhas próprias emoções e consigo agir sem que elas tomem conta de mim. | □ | □ | □ | □ |
11. Em situações difíceis, eu consigo parar um pouco e não reagir de imediato. | □ | □ | □ | □ |
12. Mesmo quando eu fico cheio(a) de tarefas e estressado, eu lido com esta situação e consigo me sentir bem. | □ | □ | □ | □ |
13. Eu me sinto impaciente comigo mesmo e com os outros. | □ | □ | □ | □ |
14. Quando eu faço algo que complicou a minha própria vida, eu não fico só me criticando, mas consigo achar graça disso. | □ | □ | □ | □ |
O FMI-Br é um dos primeiros instrumentos de autorrelato culturalmente adaptado para brasileiros que aborda mindfulness com base teórica alinhada à psicologia budista. Durante cada etapa deste estudo, além de serem consideradas as equivalências conceituais e semânticas com o instrumento original, procurou-se criar uma versão que também pudesse responder às limitações e desafios próprios de se avaliar mindfulness por meio de um instrumento de autorrelato.
Alguns autores identificam essas limitações e desafios como: (a) a não familiaridade do conceito para a maioria da população; (b) a definição não consensual entre pesquisadores, praticantes, literatura acadêmica e literatura da psicologia budista; (c) a modesta experiência pessoal com a prática da meditação dos próprios pesquisadores; (d) a operacionalização do conceito de mindfulness nos instrumentos que parece corresponder mais aos interesses de cada pesquisador do que a um profundo conhecimento do conceito proveniente de antigas tradições; (e) o diferente entendimento dos itens das escalas por praticantes e não praticantes de meditação1,27,34.
Mindfulness, nos últimos 30 anos, tem sido recontextualizado a um ambiente laico. Em seu cenário original histórico, esta prática envolve, além da atenção e cognição, também a ação recíproca de uma rede dinâmica e complexa de dimensões afetivas (bondade, paciência, tolerância, gentileza, empatia, aceitação-sem fuga, abertura) e éticas (não ferir a si e outros, não mentir, não roubar)7.
Apesar disso, a maioria dos instrumentos disponíveis na literatura se baseou em uma operacionalização contemporânea de mindfulness, o que simplifica a sua mensuração. A adaptação da Escala Filadelfia de Mindfulness para adultos brasileiros parece não ter apresentado maiores complicações32.
De forma diferenciada, o FMI foi criado explicitamente com base teórica da psicologia budista31,34,35. Isto contribuiu para alguns participantes terem julgado as questões como contraditórias ou mesmo como ações que jamais haviam feito ou pensado antes. Isso não é algo que acontece exclusivamente com brasileiros, mas pode acontecer com qualquer indivíduo que não teve nenhuma experiência anterior com mindfulness 27.
Um estudo qualitativo apontou que alemães sem experiência meditativa apresentaram uma interpretação variada e diferente do propósito da questão, em sua maioria nos itens relacionados ao fator presença (1, 2, 3, 5, 7, 8, 10 e 12) do FMI. Os autores sugerem que a ambiguidade de palavras como "awareness" (consciência), "to notice" (perceber),"to judge" (julgar) e "experience" (experiência) utilizadas nos itens do questionário podem ter ajudado para esta ocorrência41.
O presente estudo apresentou achados muito semelhantes na amostra de brasileiros. Para responder à dificuldade de compreensão e aos outros desafios da própria ação de avaliar mindfulness pelo autorrelato, o presente estudo contou com a participação de ordenados budistas, profissionais da saúde, professores de meditação, linguistas e entrevistas com a população leiga para criar uma versão final que fosse ao mesmo tempo equivalente ao original, conceitualmente rigorosa e que possuísse frases e ideias sucintas, ilustrativas e de fácil entendimento pelos brasileiros.
A opção pela inclusão do subtítulo explicativo ao nome do instrumento original ("Questionário de percepção de comportamentos relacionados à atenção plena") deu-se pelos seguintes motivos: (a) a sugestão do comitê de especialistas para manter na versão adaptada o nome do instrumento original; (b) o não entendimento pela população brasileira do termo mindfulness; (c) o argumento de que os instrumentos de autorrelato não deveriam declarar que mensuram diretamente mindfulness e sim comportamentos relacionados a este construto/prática34,50; (d) a possível diferença entre mindfulness autorrelatado e a prática de fato cotidiana de mindfulness 34.
Além disso, para se evitar o uso dessas duas palavras não familiares na cultura brasileira, mindfulness e atenção plena, no texto de orientação do instrumento, optou-se por descrever o objetivo do questionário de forma geral como sendo "identificar como você acha que está a sua atenção e o seu comportamento em diferentes situações".
Este estudo utilizou importantes elementos em sua metodologia para a adaptação de um instrumento de medida cujos resultados possam ser comparados entre populações de diferentes locais e culturas. Porém, uma de suas limitações é a sua amostra predominantemente de mulheres, adultas jovens e de alta renda e escolaridade. Outros estudos serão necessários para avaliar a sua adequação em populações brasileiras específicas e as características da sua estrutura fatorial, confiabilidade e validade. Sugere-se que tais estudos abordem a uniformidade da interpretação dos itens em diferentes grupos30,31, característica particularmente importante ao investigar a autopercepção de mindfulness.
Uma recente análise do FMI utilizando a Teoria da resposta ao item identificou uma diferença de compreensão entre jovens e idosos e sugeriu outros aperfeiçoamentos como uma versão alternativa de 13 itens com maior validade interna segundo o modelo Rasch40.
A abordagem de mindfulness por meio de instrumentos de autorrelato tem pouco mais de uma década. Neste contexto, existem ainda muitas investigações a serem realizadas sobre o emprego destes questionários. Mesmo diante do presente estudo parece ser pertinente questionar se é possível expressar mindfulness em uma linguagem que não seja facilmente mal interpretada e que não pressuponha a experiência prévia com a sua prática. Desta forma, sugere-se ainda cautela na interpretação dos resultados provenientes de pesquisas que utilizam tais instrumentos41.
Futuros estudos na população brasileira deverão investigar os possíveis aperfeiçoamentos necessários na versão brasileira adaptada do Freiburg Mindfulness Inventory. Por abordar novos conceitos e práticas, outra questão a ser avaliada é se o FMI-Br pode também servir como uma ferramenta auxiliar no desenvolvimento de mindfulness.
Dentre os grandes desafios presentes no campo da saúde está a interação de práticas de saúde convencionais, complementares e alternativas, incluindo relações de continuidade, ruptura, hibridização e negociação entre diferentes sistemas do desenvolvimento cultural51. Este instrumento poderá contribuir com os profissionais e pesquisadores brasileiros para a produção de legitimidade teórica das intervenções baseadas em mindfulness. Além do diálogo com a ciência moderna, que este estudo inicial sobre mindfulness possa também apoiar uma compreensão que ultrapasse a racionalidade biológica na saúde e incentive a integralidade do cuidado, a humanização das relações e mudanças na educação em saúde51,52.
A adaptação cultural do Freiburg Mindfulness Inventory foi realizada em múltiplas fases com a participação de especialistas e da população em geral. Destaca-se a inclusão de explicações adicionais em cada item para lidar com a não familiaridade dos brasileiros com os comportamentos abordados pelo instrumento. Esta estratégia possibilitou a criação de uma versão brasileira que se mostrou de fácil entendimento e de adequada equivalência com a versão original. Este é um dos primeiros instrumentos de autorrelato existentes na língua portuguesa que aborda mindfulness com base teórica alinhada à psicologia budista.
Futuros estudos são necessários para analisar as propriedades psicométricas do FMI na cultura brasileira. O FMI-Br poderá ter relevante aplicação na avaliação da população em geral e na avaliação do efeito e de mecanismos das intervenções baseadas em mindfulness, em implantação e expansão nos serviços de saúde, educação, gestão e outros setores da sociedade no mundo e no Brasil.