versão impressa ISSN 2359-4802versão On-line ISSN 2359-5647
Int. J. Cardiovasc. Sci. vol.30 no.4 Rio de Janeiro jul./ago. 2017
http://dx.doi.org/10.5935/2359-4802.20170055
A Hipertensão Arterial Sistêmica (HAS) é diagnosticada, por definição, pela detecção de níveis elevados e sustentados de Pressão Arterial (PA) obtidos pela medida casual.1 Além disto, grande parte do conhecimento sobre tão prevalente condição deriva de dados observacionais e/ou intervenção na abordagem do paciente hipertenso adquiridos com a utilização da medida casual da PA.2
Apesar de algumas diretrizes que abordam o tema HAS sugerirem a superioridade da Medida Ambulatorial da PA (MAPA) em relação às medidas ambulatoriais para diagnóstico da enfermidade,1-4 a medida casual da PA é recomendada em toda avaliação médica, independente da especialidade.1,2,4 Consiste em procedimento simples e de fácil realização, mas frequentemente realizada de forma inadequada.1
As técnicas de medida manual indireta em ambulatório, disponíveis e difundidas em nosso meio, são as auscultatórias (por esfigmomanômetro de coluna de mercúrio ou aneroide) e oscilométricas por aparelhos semiautomáticos.
Os problemas das medidas manuais em consultório decorrem de fatores como uso de aparelhos inadequados ou não calibrados,5-7 medidas que não seguem adequadamente o protocolo, aplicando técnicas inadequadas,8 efeito do avental branco,9,10 arredondamento dos valores encontrados11 e variações intraobservadores.12
Além destas situações, existe também a crescente preocupação com a não realização rotineira da medida da PA pelos profissionais de saúde. Tal fato implica graves problemas de diagnóstico da HAS, uma vez que se trata de uma condição oligo ou assintomática, cuja medida da PA é a única ferramenta disponível para o estabelecimento do diagnóstico.1-4
Diante disto, torna-se cada vez mais importante estudar as técnicas de medida da PA utilizadas rotineiramente em nossos serviços de saúde, enfocando tanto o aspecto técnico da medida, quanto a própria realização da mesma. Com este objetivo, analisamos se a medida da PA em ambulatórios de um hospital escola estava sendo medida rotineiramente. Além disto, comparamos os valores da pressão aferida na sala de espera, utilizando a técnica correta conforme recomendações de diretrizes,1-4 por pesquisadores treinados, com os valores obtidos pelas aferições realizadas dentro dos consultórios pelos profissionais responsáveis pelos atendimentos.
Estudo transversal, observacional e sem intervenção cuja população foi composta por pacientes adultos (> 18 anos) atendidos nos ambulatórios de especialidades clínicas (medicina interna, cardiologia, pneumologia, reumatologia, gastrenterologia, nefrologia, hematologia e endocrinologia) e cirúrgicas (cirurgia geral, coloproctologia, urologia, vascular e cirurgia torácica) de um hospital terciário universitário.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da instituição e seguiu as diretrizes da Resolução 466/2012 do Conselho Nacional de Saúde. Antes da assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e da coleta de dados, todos os sujeitos foram devidamente informados do objetivo do estudo e dos procedimentos a que seriam submetidos, além de eventuais riscos.
O cálculo amostral levando em consideração publicação anterior13 sobre o tema, em que cerca de 60% dos pacientes não tiveram suas pressões aferidas, e considerando uma precisão absoluta de 10, com nível de significância de 5%, foi de pelo menos 92 pacientes.
Foram incluídos consecutivamente pacientes atendidos nos ambulatórios citados que preencheram o TCLE, sendo excluídos os que não foram capazes de responder às questões formuladas e/ou os que não quiseram se submeter às medidas de PA.
Os dados foram coletados entre outubro e dezembro de 2015 por três equipes compostas por dois pesquisadores previamente treinados. A obtenção dos dados ocorreu durante o período das consultas nos ambulatórios das especialidades clínicas e cirúrgicas, no período da manhã ou da tarde.
Elaborou-se um questionário próprio, com o qual foram coletados diretamente dos pacientes dados antropométricos e clínicos, como idade (em anos completos), sexo, etnia autorreferida, e presença ou ausência de diagnóstico prévio de HAS (conforme autorreferência do paciente, sem confirmação em prontuário).
Os sujeitos de pesquisa foram submetidos imediatamente antes da entrada no consultório para o atendimento a três medidas de PA com aparelho semiautomático validado e calibrado da Marca Omron (Kyoto, Japan), modelo Hem 7200, com intervalo de pelo menos 1 minuto entre elas, conforme recomendação das VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão.1 Após o atendimento, foi verificado em prontuário se a PA foi aferida e, em caso positivo, foi anotado o valor desta aferição, conforme registro no prontuário.
Os dados foram armazenados em banco de dados próprio, estruturado no programa Excel (Microsoft) e analisados comparativamente. A análise estatística foi realizada através do software Statistical Package of Social Science (SPSS), versão 21.0 ( Chicago, IL, USA). O teste de Kolmogorov-Smirnov foi utilizado para verificar a normalidade dos dados e confirmou que as variáveis contínuas apresentavam distribuição normal. O teste t de Student para amostras pareadas foi usado para comparar as variáveis contínuas do estudo, expressas em média e desvio padrão. A análise comparativa entre a variável categórica aferição ou não da PA foi realizada com o teste qui quadrado. Foram considerados significativos valores de p < 0,05
Foram selecionados consecutivamente 129 pacientes atendidos em ambulatórios locais, sendo 91 (70,5%) em especialidades clínicas e 38 (29,5%) em especialidades cirúrgicas. A idade variou de 18 a 88 anos, sendo a média de 53 anos (± 15,92). A maioria dos indivíduos (61,2%) era do sexo feminino e 49,6% referiram diagnóstico prévio de HAS (Tabela 1).
Tabela 1 Características gerais dos pacientes
Característica | n (%) |
---|---|
Sexo feminino | 79 (61,2) |
Etnia | |
Negro | 12 (9,3) |
Branco | 63 (48,8) |
Pardo | 54 (41,9) |
Hipertensão arterial sistêmica prévia | |
Sim | 64 (49,6) |
Não | 65 (50,4) |
Especialidade do ambulatório | |
Clínica | 91 (70,5) |
Cirúrgica | 38 (29,5) |
O número de pacientes em que a medida da PA não foi realizada foi bastante significativo (38,8%), com porcentual ainda maior de não aferição da PA nos ambulatórios de especialidades cirúrgicas (Tabela 2).
Tabela 2 Descrição dos pacientes quanto à aferição da pressão arterial (PA) em consultas de especialidades clínicas e cirúrgicas
Ambulatório | Medida de PA | Valor de p* | |
---|---|---|---|
Sim n (%) |
Não n (%) |
||
Clínica | 66 (72,5) | 25 (27,5) | < 0,001 |
Cirúrgica | 13 (34,2) | 25 (65,8) |
*Teste qui quadrado significativo em p < 0,05.
Quando comparou-se o diagnóstico prévio de HAS com a realização da medida da PA, não houve diferença estatisticamente significativa (Tabela 3).
Tabela 3 Distribuição dos pacientes quanto ao diagnóstico prévio de hipertensão arterial sistêmica (HAS) e o registro da pressão arterial (PA) em prontuário
HAS prévia | Registro da PA em prontuário | Valor de p* | Total | |
---|---|---|---|---|
Sim n (%) |
Não n (%) |
|||
Sim | 44 (68,8) | 20 (31,2) | 0,082 | 64 |
Não | 35 (53,8) | 30 (46,2) | 65 |
*Teste qui quadrado significativo em p < 0,05.
Como estratégia de se avaliar a real necessidade de recomendar-se que a pressão seja aferida três vezes na consulta e considerar a média das duas últimas como a medida final, comparou-se a PA da primeira medida com a média da PA das duas últimas medidas (Tabela 4).
Tabela 4 Comparação entre a primeira medida da pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD) com a média aritmética das duas últimas medidas
Variável | Primeira medida (mmHg) | Média das duas últimas medidas (mmHg) | Valor de p* |
---|---|---|---|
PAS, média (DP) | 121,56 (± 18,99) | 119,04 (± 18,03) | < 0,001 |
PAD, média (DP) | 73,64 (± 12,12) | 73,11 (± 11,55) | 0,269 |
*Teste t de Student - significativo em p < 0,05. DP: desvio padrão.
Compararam-se ainda os valores da média das duas últimas medidas da PA com a PA medida na consulta e anotada no prontuário, com o objetivo de se avaliar a qualidade das aferições realizadas nos ambulatórios. (Tabela 5).
Tabela 5 Comparação entre a média aritmética das duas últimas medidas da pressão arterial sistólica (PAS) e pressão arterial diastólica (PAD) com os valores registrados nos prontuários
Variável | Média das duas últimas medidas | Pressão arterial registrada | Valor de p* |
---|---|---|---|
PAS, média (DP) | 118,70 (± 18,57) | 117,89 (± 16,72) | 0,651 |
PAD, média (DP) | 72,76 (± 11,16) | 75,20 (± 10,80) | 0,055 |
*Teste t de Student - significativo em p < 0,05. DP: desvio padrão.
A medida da PA em todas as consultas, independente da especialidade, é uma recomendação vigente da maioria das diretrizes nacionais1 e internacionais2-4 que abordam o tema HAS. Apesar disto, os dados encontrados no presente estudo demonstram que, mesmo em um serviço terciário de referência e com a característica especial por se tratar de um hospital-escola, tal recomendação não tem sido seguida pelos profissionais em 38,8% dos atendimentos.
Tal dado se torna ainda mais alarmante quando comparamos as especialidade clínicas e cirúrgicas. Neste caso, houve diferença estatisticamente significativa entre o número de pacientes nos quais a pressão não foi medida nos ambulatórios de especialidades cirúrgicas quando comparados às especialidades clínicas.
Apesar de existirem inúmeros dados avaliando a técnica de aferição da PA,14-20 poucos estudos abordaram se a aferição estava efetivamente sendo realizada.13,21,22 Há ainda uma diferença marcante entre os estudos publicados sobre o tema. A maioria deles utilizou a informação de medida de PA referida pelo médico, encontrando, com esta metodologia, porcentuais de medida de PA entre 85 e 97%.21,22 Entretanto, apenas um estudo13 verificou efetivamente se a PA estava sendo medida, com dados mais próximos dos encontrados no presente estudo. Tal trabalho13 analisou 500 prontuários e encontrou anotação de valores de PA em somente 39% das consultas. Tal valor é ainda menor que os 61,2% de registros de medida que encontramos, entretanto mais próximo se considerarmos apenas as especialidades cirúrgicas em que somente 34,2% dos atendimentos traziam os resultados de valores de PA.
Outro achado que merece destaque é o fato de que o diagnóstico prévio de HAS não influenciou positivamente na medida da PA no consultório médico. No estudo de Alavarce,13 previamente citado, o diagnóstico prévio de HAS pareceu influenciar no ato de medir a PA (79% dos hipertensos com PA medida em consulta vs. 46% dentre os não hipertensos), fato não reproduzido com significância estatística em nossos achados. Tais dados indicam uma maior necessidade de publicações sobre o tema, o que possibilitaria o aprimoramento do conhecimento, definindo se o fato de o indivíduo ser previamente hipertenso aumenta ou não a chance de ter sua PA aferida em uma consulta médica.
Houve ainda uma diferença estatisticamente significativa quando se comparou a média das duas últimas medidas realizadas pelos investigadores com a primeira medida isoladamente em seu componente sistólico, mas não no componente diastólico. Esta diferença, mesmo que significativa apenas no componente sistólico, vai ao encontro da recomendação das VI Diretrizes Brasileiras de Hipertensão,1 bem como da maioria das diretrizes internacionais sobre HAS,2-4 para a realização de ao menos três medidas de PA em cada consulta, considerando a média das duas últimas medidas como valor final. Esta estratégia já foi amplamente estudada,17,23-25 mostrando-se eficiente na determinação mais precisa da PA dos pacientes em atendimento ambulatorial e devendo sempre ser reforçada.
Os valores de PA coletados pelos pesquisadores seguiram a técnica correta de aferição e consideraram como valor final a média das duas últimas medidas. Mesmo assim, quando comparados aos do ambiente de consulta, não diferiram nem em seu componente sistólico nem no diastólico. Uma possível explicação está no fato de que o atendimento foi realizado em um hospital-escola, hipoteticamente favorecendo a realização da aferição correta da PA. Além disto, não podemos afirmar, uma vez que não houve participação na consulta por parte dos pesquisadores, que os valores registrados no prontuário foram fruto de uma medida isolada ou de mais de uma medida, sendo anotados os valores médios das mesmas.
Uma das limitações do estudo que merece ser destacada está na realização das aferições antes das consultas, nas salas de espera dos consultórios, e consequentemente menos sujeitas ao efeito do jaleco branco.26 Entretanto, tal fato não gerou diferenças significativas entre a PA aferida pelos pesquisadores quando comparada a aferida pelos médicos responsáveis pelos atendimentos.
Outra potencial limitação reside no fato de que o estudo foi conduzido em um hospital-escola. Tais instituições, nas quais a maioria dos atendimentos é realizada com um propósito acadêmico por profissionais envolvidos diretamente com ensino médico, teoricamente ofereceriam um atendimento mais qualificado.27,28 Assim, a chance de que a recomendação de se aferir a pressão não é seguida acaba menor do que em outros ambientes de atendimento. Tal raciocínio aumenta a preocupação em relação aos dados obtidos neste estudo, uma vez que podem estar subestimados em relação aos atendimentos ambulatoriais de um modo geral, fora do ambiente acadêmico.
Os dados apresentados neste estudo mostram claramente que a recomendação de se aferir a PA dos pacientes em todas as avaliações médicas independente da especialidade não está sendo seguida. Além disso, sugerem que a recomendação de se aferir a pressão pelo menos três vezes e de usar a média das duas últimas medidas como o valor da PA é uma abordagem desejável. Medidas de conscientização da classe médica neste sentido devem ser adotadas imediatamente e da forma mais abrangente possível. Talvez, desta forma, consigamos oferecer a todos os pacientes, nos consultórios médicos, uma ferramenta de triagem e acompanhamento da PA com baixo custo e de fácil realização.
A pressão arterial não foi aferida em um grande número de atendimentos, principalmente nos ambulatórios de especialidades cirúrgicas. Não houve diferença entre os valores de pressão obtidos seguindo-se a técnica correta em relação aos registrados nos pontuários dos pacientes.