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A prevalência de complicações orbitárias entre crianças e adultos com rinossinusite aguda

A prevalência de complicações orbitárias entre crianças e adultos com rinossinusite aguda

Autores:

Mousa Victor Al-Madani,
Ahmed Essa Khatatbeh,
Rania Zaid Rawashdeh,
Nemer Falah Al-Khtoum,
Nabil Radwan  Shawagfeh

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.79 no.6 São Paulo nov./dez. 2013

http://dx.doi.org/10.5935/1808-8694.20130131

INTRODUÇÃO

Sinusite está geralmente associada à rinite, e rinossinusite é o termo preferido para esta condição1,2, que muitas vezes é diagnosticada clinicamente. Exames de imagem podem ser necessários quando se suspeita de complicações relacionadas à disseminação local da doença, tais como formação de abscesso ou quando o paciente não responde ao tratamento clínico3.

Rinossinusite aguda ocorre tanto em crianças quanto em adultos, sendo mais comum em crianças4. O prognóstico é favorável e sem complicações na maioria dos casos5. Complicações orbitárias são relatadas em 5% a 7% dos pacientes1,2,6. Acometimento orbitário é relatado mais em crianças do que em adultos7. Segundo relatos, o seio etmoidal é o mais comumente afetado em crianças; o que é atribuído à estreita relação entre a órbita e seio etmoidal em crianças com delgada parede de separação entre eles8,9. O desenvolvimento do seio frontal em adultos torna este uma causa frequente de acometimento orbitário junto com o seio maxilar10. O acometimento do seio esfenoidal é raro e pode envolver o nervo óptico11. Há controvérsias na literatura com relação ao prognóstico de complicações orbitárias secundárias a rinossinusite aguda em crianças e em adultos e sua resposta ao tratamento5,6,12. Alguns estudos demonstraram que não há nenhuma diferença prognóstica entre crianças e adultos, ao passo que outros mostraram prognóstico pior em adultos.

Não conseguimos encontrar estudo algum em nossa área investigando o prognóstico de celulite orbitária entre crianças e adultos com rinossinusite aguda. O objetivo deste estudo é investigar a frequência de complicações orbitárias em crianças e adultos com sinusite. Foram avaliados apresentação, tratamento e desfecho.

MÉTODO

Os pacientes que procuraram a clínica de otorrinolaringologia e foram diagnosticados com sinusite durante o período entre janeiro de 2010 e janeiro de 2012 foram incluídos no estudo. Os pacientes foram selecionados entre as pessoas que procuraram diretamente o otorrinolaringologista, sem terem sido encaminhadas do pronto-socorro ou de outra clínica. Foram incluídos apenas os casos de sinusite aguda secundária à infecção. Na maioria dos casos o diagnóstico foi clínico. O paciente foi considerado como portador de rinossinusite aguda quando queixou de pelo menos quatro semanas de secreção nasal purulenta e obstrução associada à dor facial, pressão ou plenitude. Foi feita tomografia computadorizada quando suspeitamos de abscesso ou quando o paciente não respondeu ao tratamento clínico. Os pacientes com complicações orbitárias foram encaminhados para o serviço de oftalmologia. O exame oftalmológico incluiu avaliação da melhor acuidade visual corrigida, exame dos segmentos anterior e posterior e exame de motilidade ocular.

Os pacientes foram classificados em dois grupos, de acordo a faixa etária. O primeiro grupo incluiu crianças com idade inferior a 16 anos e o segundo grupo incluiu adultos com mais de 16 anos. Escolhemos a idade de 16 anos para separar os dois grupos, pois os pacientes com idade inferior a 16 anos em nosso hospital são avaliados em clínicas pediátricas e aqueles com mais de 16 são avaliados em clínicas de adultos. Quadro clínico, seio da face acometido, tratamento e desfechos foram comparados entre os dois grupos. O protocolo de tratamento incluiu antibióticos tópicos e orais para pacientes com celulite periorbitária, antibióticos endovenosos de amplo espectro para pacientes com celulite orbitária e abscesso. Medicamentos para alívio da dor e descongestionantes nasais foram usados em todos os pacientes.

Foi considerada a drenagem cirúrgica do abscesso quando este não respondesse ao tratamento clínico ou quando localizado posterior ao globo ocular. O valor de p foi utilizado para determinar a significância estatística entre a frequência de complicações orbitárias em crianças e em pacientes adultos; e foi considerado significativo quando inferior a 0,05. Obtivemos aprovação do Comitê de Ética antes do início do estudo (protocolo número: 272013).

RESULTADOS

Tivemos um total de 616 pacientes incluídos no estudo. Complicações orbitárias foram observadas em 36 pacientes (5,8%). Vinte e seis pacientes eram crianças (72,2%) e dez (27,8%) eram adultos. A complicação orbitária mais comum foi a celulite pré-septal, encontrada em 72,2% dos pacientes acompanhados, celulite orbitária e abscesso foram encontrados em 22,2% e 5,6%, respectivamente. Em crianças, 21 dos 26 pacientes (80,8%) tiveram celulite pré-septal e cinco pacientes (19,2%) tiveram celulite orbitária. Em adultos, 50% dos pacientes tiveram celulite pré-septal, 30% tiveram celulite orbitária e 20% tiveram abcesso. As incidências de celulite orbitária e abscesso em adultos (30% e 20% por cento, respectivamente) foram mais estatisticamente significativas do que nas crianças (19,2% e zero), com valor de p < 0,05 (Tabela 1).

Tabela 1 Distribuição dos pacientes de acordo com complicações orbitárias em crianças e adultos. 

Complicação Número de crianças Número de adultos Total Valor de p
Celulite pré-septal 21 5 26 > 0,05
Celulite orbitária 5 3 8 < 0,05
Abcesso - 2 2 < 0,05
Total 26 10 36 -

O seio mais acometido foi o etmoidal em crianças e sinusopatia mista em adultos. Em crianças, os seios mais acometidos foram os etmoidais, seguidos de sinusopatia mista. O seio maxilar esteve acometido em quatro pacientes. Nos adultos, a sinusopatia mista foi o quadro mais comum (quatro pacientes). Os seios frontais e maxilares foram afetados em três pacientes. Não encontramos qualquer caso de acometimento esfenoidal tanto nas crianças quanto nos adultos. A maioria dos pacientes respondeu ao tratamento clínico. Dez pacientes foram internados e somente um paciente foi submetido à cirurgia (Tabela 2).

Tabela 2 Distribuição dos pacientes de acordo com o seio da face acometido. 

Seio da face acometido Número de crianças Número de adultos Total
Frontal - 3 3
Maxilar 4 3 7
Etmoidal 16 - 16
Misto 6 4 10
Total 26 10 36

DISCUSSÃO

A infecção aguda dos seios paranasais é uma doença bastante frequente em crianças. Por outro lado, a incidência de complicações orbitárias por sinusite é baixa2. Complicações orbitárias, bem como intracranianas de sinusites etmoidais e maxilares são mais frequentemente encontradas na infância13. A maioria dos casos pediátricos respondeu ao tratamento clínico. Por outro lado, morbidade grave e mortalidade podem ocorrer caso estas complicações não sejam adequadamente tratadas. Tais morbidade e mortalidade tendem a ocorrer em adultos4.

Na maioria dos casos, a sinusite é uma afecção de diagnóstico clínico, sendo exames de imagem raramente necessários. Estes podem ser indicados em casos de oftalmoplegia, proptose, diminuição da acuidade visual, falha do tratamento conservador e quando se suspeita de extensões intraorbitárias e intracranianas4,14,15. Os exames de imagem de escolha são a tomografia computadorizada e a ressonância magnética, esta última sendo preferível se houver suspeita de trombose do seio cavernoso.

Complicações orbitárias incluem celulite pré-septal, celulite orbitária e desenvolvimento de abscesso. A celulite pré-septal pode ser diagnosticada clinicamente. É uma infecção da pálpebra e da pele adjacente anterior ao septo orbitário que não penetra a periórbita. Celulite orbitária ocorre quando a infecção se espalha posteriormente ao septo orbitário e pode originar abcesso se não for tratada de forma adequada. O exame radiológico é necessário quando se suspeita de abscesso orbitário16. Sinais que indicam a formação de abscesso incluem diminuição da acuidade visual, proptose, oftalmoplegia e dor associada ao movimento ocular. Às vezes, pode ser difícil distinguir entre o acometimento pré-septal e o orbitário com base em observações clínicas apenas, especialmente em casos de acometimento bilateral. Estes pacientes devem ser submetidos a exames de imagem (TC ou RM) e tratados agressivamente3,17,18.

A prevalência de celulite orbitária foi baixa em nos-so estudo (5,8%). A maioria dos casos envolveu crianças (72,2%). A maioria dos casos em crianças foi de celulite pré-septal (21 de 26 pacientes). Cinco pacientes (19,2% das crianças) desenvolveram celulite orbitária e nenhum apresentou abscesso. Dez pacientes eram adultos. Metade deles teve celulite pré-septal, três pacientes (30%) tiveram celulite orbitária e dois pacientes (20%) tiveram abscesso. Estes resultados corroboram relatos de que as complicações relacionadas com sinusite tendem a ocorrer em crianças, mas acometimentos mais graves são mais comuns em adultos4,7,13. A Tabela 1 mostra que a celulite orbitária e a formação de abcessos foram mais estatisticamente significativas em adultos, quando comparados às crianças (p < 0,05).

A distinção entre celulite pré-septal, orbitária e abscesso é importante porque afeta a estratégia de tratamento. A celulite pré-septal pode ser tratada em regime ambulatorial com antibióticos orais e tópicos. A celulite orbitária já requer hospitalização e antibióticos endovenosos; e o abscesso orbitário pode exigir drenagem cirúrgica. O objetivo da cirurgia é descomprimir a órbita, drenar o abscesso ou abrir seios da face infectados. A demora no atendimento pode resultar em complicações que ameaçam a visão do paciente19. Mortalidade e morbidade grave podem resultar de complicações intracranianas, incluindo meningite, trombose do seio cavernoso e abscesso cerebral. Em nossa casuística, todos os pacientes apresentaram recuperação completa com o tratamento. Todos os pacientes com celulite pré-septal responderam ao tratamento local e oral e nenhum deles foi hospitalizado. Internação e antibióticos endovenosos foram necessários em 10 pacientes (aqueles que tinham celulite orbitária ou abscesso). Somente um paciente foi submetido à cirurgia por necessitar drenagem de um abscesso subperiosteal.

CONCLUSÃO

Complicações orbitárias não são frequentes em pacientes com sinusite. Elas são mais comuns em crianças do que em adultos. O prognóstico é favorável; no entanto, podem levar a complicações devastadoras se não tratadas adequadamente.

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