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A prevalência de doença renal crônica em pacientes recentemente diagnosticados com o vírus da imunodeficiência humana em llorin, Nigéria

A prevalência de doença renal crônica em pacientes recentemente diagnosticados com o vírus da imunodeficiência humana em llorin, Nigéria

Autores:

Dada Samuel Ayokunle,
Olanrewaju Timothy Olusegun,
Aderibigbe Ademola,
Chijioke Adindu,
Rafiu Mojeed Olaitan,
Ajayi Akande Oladimeji

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Nephrology

versão impressa ISSN 0101-2800versão On-line ISSN 2175-8239

J. Bras. Nefrol. vol.37 no.2 São Paulo abr./jun. 2015

http://dx.doi.org/10.5935/0101-2800.20150029

Introdução

Vírus da imunodeficiência humana (HIV), o agente causador da síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) é um grande problema de saúde pública a nível mundial. A carga da doença é mais grave na África, onde as taxas de pobreza, ignorância e analfabetismo são ainda muito altas.1,2 O rim é um dos órgãos que é comumente afetado por HIV/AIDS e diferentes tipos de doenças renais são encontradas em todas as fases da doença.

A contribuição de HIV/AIDS para a prevalência da DRC na África e, particularmente, na África subsaariana é bastante grande, principalmente porque esta região tem escassos e limitados recursos para adequadamente tratar ou controlar esta doença. Na Nigéria, os relatórios dos parcos estudos disponíveis sobre o envolvimento renal nos pacientes com infecção pelo HIV ainda sugerem uma escassez de dados, apesar da prevalência da infecção pelo HIV/AIDS na população nigeriana. Anormalidades hídricas, eletrolíticas e do metabolismo ácido-base em pacientes infectados pelo HIV também têm sido consideradas.3,4

Vários padrões histológicos que caracterizam a doença renal em infecções por HIV, incluindo nefropatia associada a HIV/AIDS (HIVAN) têm sido descritos e documentados por poucos autores.3,5-8 Na maioria desses estudos, a doença renal foi definida com base na presença de albuminúria e/ou baixa taxa estimada de filtração glomerular (eTFG).9-11 Muitos desses estudos têm demonstrado que a nefropatia associada ao HIV é particularmente prevalente entre a população negra.10,12

Este estudo foi realizado para determinar a prevalência e as manifestações clínicas da doença renal crônica em pacientes recém-diagnosticados com HIV/AIDS na região Centro-Norte da Nigéria, no Hospital Universitário da Universidade de Ilorin (UITH).

Materiais e métodos

Este é um estudo transversal envolvendo 227 pacientes com HIV/AIDS e 108 indivíduos pareados por sexo e idade do grupo controle. O estudo foi realizado durante um período de seis meses (junho a novembro de 2010), na clínica de HIV do ambulatório médico da UITH. A aprovação ética foi obtida a partir da comissão de ética e pesquisa do hospital.

A UITH está localizada em Ilorin, capital do Estado de Kwara, na zona geopolítica Centro-Norte da Nigéria. A população da cidade de Ilorin foi estimada em 847.582 habitantes, correspondendo a 36% da população do estado de Kwara (2.365.353).13 Há cinco outros estados adjacentes, sendo todos atendidos parcialmente pelo hospital de Ilorin, com uma população estimada em cerca de 20 milhões.13 A maioria da população de Ilorin é formada de tribos indígenas Iorubá e Fulani. Os grupos minoritários incluem Hausa, Igbos e outros grupos étnicos. As pessoas são principalmente comerciantes, funcionários públicos, empresários, estudantes e artesãos.

Os critérios para inclusão no estudo foram: indivíduos com 18 anos de idade ou mais. Pacientes recém-diagnosticados com HIV/AIDS virgens de tratamento com antirretrovirais (HAART), encaminhados ao Ambulatório de HIV da unidade de doenças infecciosas do hospital, que foram recrutados consecutivamente. Os indivíduos com fatores de risco para doença renal crônica, como o diabetes mellitus (DM), hipertensão arterial sistêmica, doença renal préexistente, doença falciforme e pacientes com HIV que estavam em terapia antirretroviral ativa ou em uso de qualquer outra medicação que pudesse interferir com as funções renais foram excluídos do estudo. Também foram excluídos os seguintes: pacientes com infecção do trato urinário, vírus da hepatite B ou C, história de exposição a agentes nefrotóxicos, como o uso habitual de drogas anti-inflamatórios não-esteroides (AINE), medicamentos caseiros ou ervas nativas e uso de sabonetes ou cremes contendo mercúrio/hidroquinona. O grupo de controle foi composto por indivíduos saudáveis que se apresentaram na clínica do hospital para check-up médico de rotina e doadores voluntários de sangue da população em geral cadastrada no banco de sangue do hospital. O grupo controle foi submetido a exames clínicos e exames laboratoriais.

Termo de consentimento informado foi assinado por todos os participantes. Aconselhamento pré-teste foi realizado e triagem para HIV foi feita para o grupo controle com duplo ELISA (Determine® Inverse medical Japan Co. Ltd e Uni-GoldTM Trinity Biotech plc. Irlanda).

Um questionário estruturado pré-testado e administrado por um entrevistador foi utilizado para coletar informações clínicas relevantes, sóciodemográficas e medidas antropométricas.

As investigações laboratoriais foram realizadas nos laboratórios da UITH, incluindo hemograma completo, eletrólitos (Na +, K +), creatinina sérica e concentração de ureia (por reação de Jaffe e diacetilmonoxime, respectivamente).14,15

O valor de creatinina no soro obtido foi utilizado para calcular a taxa de filtração glomerular (TFG) de cada indivíduo, utilizando a fórmula MDRD modificada:

TFG = 186 x (CR) - 1,154 x (IDADE) - 0,203 x 0,742 (se do sexo feminino) x 1.210 (se negro).16

Amostras de urina - jato médio - foram coletadas para microscopia de urina para fins de excluir infecção do trato urinário.

Exame de urina por dipstick (fita reagente) (Multistix ® 10SG da Bayer) foi feito para detectar a presença de proteínas, hemácias, pH, densidade específica, leucócitos, glicose, e nitrito. Glicemia de jejum foi também feita para excluir diabetes mellitus.17 Além disso, a contagem de linfócitos T CD4 + foi feita por citometria de fluxo usando o método CyFlow® (Partec GmbH, Munster, Alemanha).

Amostras de urina foram coletadas para determinação de albuminúria com o analisador HemoCue point of care, usando o método imuno-turbidimétrico. A creatinina urinária foi estimada a partir da mesma amostra por meio da reação de Jaffe.14

A relação albumina e creatinina (RAC) em mg/g foi obtida dividindo-se a concentração de albumina na urina (mg/l) pela concentração da creatinina na urina (g/l).

Definições operacionais:

Foram usadas as seguintes definições para as variáveis deste estudo:

  1. Microalbuminúria foi definida como relação albumina/creatinina entre 30-299 mg/g.18

  2. A macroalbuminúria, ou albuminúria evidente foi definida como RAC da amostra de urina ≥ 300 mg/g.18

  3. Doença renal crônica foi definida como dano renal com base na constatação de albuminúria ≥ 30 mg/g e/ou eTFG abaixo de 60 ml/ml/1,73 m2.

  4. Proteinúria medida pelo Dipstick de 1+ ou superior foi considerada significativa.

Baseado na National Kidney Foundation e usando as diretrizes do Kidney Disease Outcomes Quality Initiative (K/DOQI),19 os pacientes foram classificados em cinco estágios com base na eTFG, da seguinte forma:

Estágio 1 (eTFG normal ou aumentada) ≥ = 90 ml/min/1,73 m2; Estágio 2 (eTFG levemente reduzida) = 60-89 ml/min/1,73 m2; Estágio 3 (eTFG moderadamente reduzida) = 30-59 ml/min/1,73 m2; Estágio 4 (eTFG Severamente reduzida) = 15-29 ml/min/1,73 m2 e Estágio 5 (insuficiência renal) = < 15 ml/min/1,73 m2.

Análise de dados

Os dados foram analisados usando-se o SPSS® versão 16 (SPSS Inc, Chicago Il.) - pacote de software para computador. Foram geradas as frequências e média + desvio padrão. O teste-t de Student foi utilizado para determinar as diferenças entre médias de variáveis numéricas, enquanto o teste do qui-quadrado foi utilizado para variáveis categóricas. No entanto, variáveis com distribuições não-paramétricas foram transformadas em logaritmos e foi feita a correlação de Pearson para determinar a associação entre a contagem de linfócitos T CD4, eTFG e RAC. Um valor p ≤ 0,05 foi considerado estatisticamente significativo.

Resultados

Características sócio-demográficas dos participantes

Entre os 438 indivíduos que participaram do estudo, trezentos e trinta e cinco (335) tinham dados completos e analisáveis. Destes 335 indivíduos, 227 eram pacientes HIV-positivos e 108 eram do grupo controle, pareados por idade e gênero.

Havia 100 (44%) indivíduos do sexo masculino e 127 (56%) do sexo feminino com coeficiente M:F de 0,8:1 entre os casos; enquanto o grupo controle teve 47 (43,5%) do sexo masculino e 61 (56,5%) do sexo feminino. As médias de idade dos pacientes e controles foram de 40,3 ± 10,3 anos e 41,8 ± 9,5 anos, respectivamente. Não houve diferença significativa entre as médias de idade, p = 0,19. A maioria dos pacientes no grupo etário 30-39 anos (35,7%) estavam infectados. A maioria dos entrevistados entre os casos - 187 (82,4%) e 92 indivíduos do grupo controle (85,2%) eram casados. As razões de solteiros, divorciados e separados foram de 11,9% versus 9,3%; 2,2% versus 1,9% e 1,3 versus 0,9% entre os pacientes e os indivíduos do grupo controle, respectivamente.

Entre os indivíduos HIV-positivos, sintomas comuns incluíram edema de membros inferiores (8,4%), edema facial (6,2%), oligúria (1,3%) e espuma na urina (0,9%). Sinais observados com frequência incluem emagrecimento intenso (57,7%), palidez (33,5%), edema periorbitário e podal em 4,4% e 3,1%, respectivamente. A maior parte de pacientes HIV-positivos - 75 (33%), teve várias exposições sexuais em comparação com controles HIV-negativos - 4 (3,7%) p = 0,01. Todos os participantes se definiram como heterossexuais e nenhum admitiu uso de drogas injetáveis.

História familiar de doença renal estava presente em 2 (0,9%) e 1 (0,9%) entre os pacientes e indivíduos do grupo controle, respectivamente, p = 0,97.

Cinco indivíduos tinham história familiar de hipertensão (2,2%), comparados a 11 (10,2%) p = 0,01; 4 tinham diabetes (1,8%) versus 6 (5,6%) p = 0,06, entre os pacientes e os controles, respectivamente. As alterações eletrolíticas comuns observadas entre os pacientes foram hiponatremia em 89 (39,2%) e hipercalemia em 10 (4,4%).

A DRC foi diagnosticada em 108 (47,6%) indivíduos entre os pacientes e em 18 (16,7%) dos controles, com p = 0,001. A Tabela 1 mostra que houve diferença significativa no peso médio, índice de massa corporal (IMC), pressão arterial sistólica e diastólica entre os pacientes com HIV com e sem DRC.

Tabela 1 Comparação de características clínicas entre os pacientes e indivíduos do grupo controle 

Características Pacientes HIV com DRC (n = 108) Pacientes HIV com DRC (n = 119) Valor de p Todos os pacientes com HIV (n = 227) Indivíduos do grupo controle (n = 108) Valor de p
Idade (anos, média ± DP) 41,1 ± 11,1 39,6 ± 9,4 0,29 40,3 ± 10,3 41,8 ± 9,5 0,19
Peso (kg média ± DP) 53,6 ± 10,2 56,4 ± 1 0,09 55,1 ± 12,7 74,8 ± 15,7 0,01
Índice de massa corporal (kg/m2, média ± DP) 20,1 ± 4,2 20,8 ± 5,3 0,26 20,5 ± 4,8 26,7 ± 5,3 0,01
Pressão arterial (mmHg, média ± DP)
Sistólica 109,9 ± 15,7 113,7 ± 14,6 0,06 111,9 ± 1 126,1 ± 12,0 0,01
Diastólica 72,5 ± 9,9 73,5 ± 9,1 0,04 72,9 ± 9,5 80,6 ± 6,8 0,01

Efeito renal de imunossupressão

A tabela 2 mostra que 47,1% dos pacientes tinham contagens de linfócitos T CD4 < 200 células/µl. Entre os pacientes infectados pelo HIV com e sem DRC houve uma diferença significativa no valor médio da contagem de LT CD4 + (p = 0,01), com uma tendência de pacientes com DRC de terem menor contagem de LT CD4, e uma proporção maior (57,4%) teve contagem de LT CD4 < 200 células/µl.

Tabela 2 Comparação de parâmetros laboratoriais entre pacientes e indivíduos do grupo controle 

Características Pacientes HIV com DRC (n = 108) Pacientes HIV sem DRC (n = 119) Valor de p Todos os pacientes com HIV (n = 227) Indivíduos do grupo controle (n = 108) Valor de p
Uréia (mmol/l, média ± DP) 6,6 ± 4,3 6,2 ± 5,8 0,52 6,4 ± 5,2 4,4 ± 1,2 0,01
Creatinina (umol/l, média ± DP) 122,5 ± 113,5 82,0 ± 22,9 0,01 101,3 ± 82,4 78,0 ± 22,1 0,01
Sódio (mmol/l, média ± DP) 136,0 ± 7,0 137,01 ± 7,5 0,31 136,56 ± 7,31 135,5 ± 4,8 0,13
Potássio (mmol/l, média ± DP) 3,9 ± 0,6 3,8 ± 0,6 0,71 3,86 ± 0,63 3,86 ± 0,6 0,84
Glicemia de jejum (mmol/l, média ± DP) 4,4 ± 0,8 4,5 ± 0,9 0,29 4,48 ± 0,86 4,40 ± 0,8 0,37
Hematócrito (%,média ± DP) 28,6 ± 7,2 31,7 ± 9,1 0,04 30,24 ± 8,35 40,0 ± 4,1 0,01
Proteinúria no dipstick ≥ + 1 (n %) 50 (22) 44 (19,4) 0,154 94 (41,4) 10 (3) 0,000
RAC (mg/g, média ± DP) 376,3 ± 296,5 275,5 ± 267,4 0,01 323,5 ± 285,44 98,6 ± 192,5 0,01
RAC (mediana + IQR) 302,72 + 303,85 250,00 + 317,29 NA 272,34 + 303,5 27,22 + 61,32 NA
eTFG ml/min/1,73m2 (média ± DP) 80,3 ± 30,5 92,5 ± 21,1 0,001 86,70 ± 26,66 114,5 ± 35,7 0,0001
CD4+ sérico (célula/µl, mediana) 164,5 (6-947) 247 (8-1202) NA 204 (6-1202) NA NA
Nível de CD4 + (célula/µl) (n %)
Discretamente reduzido > 500 8 (7,4) 23 (19,3) 31 (13,7)
Moderadamente reduzido 200 - 499 38 (35,2) 51 (42,9) 89 (39,2)
Gravemente reduzido < 200 62 (57,4) 45 (37,8) 107(47,1)

RAC: Relação entre Albumina e Creatinina; a contagem de CD4 + não foi feita para os indivíduos de controle.

As distribuições de DRC entre os casos (utilizando a TFG deles) foram como se segue: a maioria, 108 (47,6%), estava no estágio 1; 82 (36,1%) no estágio 2; enquanto 27 (11,9%) estavam no estágio 3. Sete pacientes (3,1%) e 3 (1,3%) estavam nos estágios 4 e 5, respectivamente.

Houve diferença estatisticamente significativa no valor médio da eTFG entre os pacientes com HIV, com e sem DRC (80,3 ± 30,5 e 92,5 ± 21,1 ml/min/1,73m2 p = 0,001). Como mostrado na tabela 2, houve uma diferença significativa no valor médio da creatinina sérica, na relação Albumina/Creatinina (RAC) na eTFG entre os pacientes com e sem DRC.

Cinquenta (41,4%) dos pacientes HIV+ com DRC tinha + 1 ou mais no teste de proteinúria com dipstick, ao passo que cerca de 58 (53,7%) teve RAC igual ou maior do que 300 mg/g. O valor da mediana e o intervalo interquartil (IQR) da RAC foi de 302,72 (303,85) mg/g e 250,00 (317,29) mg/g entre os pacientes com e sem doença renal crônica, respectivamente. As Figuras 1 e 2 mostram que a contagem de CD4 + foi positivamente correlacionada com a taxa de filtração glomerular (r = 0,463, p = 0,001) e negativamente com a RAC (r = -0,806, p = 0,001).

Figura 1 Correlação entre a contagem de CD4+ e eTFG. 

Figura 2 Correlação entre a contagem de CD4+ e a Razão Albumina- Creatinia. 

Discussão

Doença renal pode complicar a infecção por HIV. A necessidade de triagem precoce de DRC e instituir tratamento imediato pode ser benéfico na tentativa de proteger o rim de uma maior progressão da doença. Têm-se demonstrado que o tratamento eficaz é capaz de alterar a progressão da infecção por HIV e suas complicações.

A média de idade dos pacientes de 40,28 ± 10,26 anos (com a faixa etária mais acometida estando entre 30-39 anos) foi semelhante aos relatos de Bah e colaboradores20 e Agaba e colaboradores4 onde as idades médias foram 40,4 ± 9,6 anos e 42,30 ± 11,31 anos, respectivamente. No entanto, foi maior do que os 34,6 ± 9,4 anos relatados por Emem e colaboradores3 em um estudo feito em Ile Ife na parte sudoeste do país. Essa faixa etária é o período de pico de atividade sexual e produtividade econômica, assim, um potencial de queda nas contribuições econômicas que podem ter impacto negativo sobre a família e a sociedade em geral.

Mais mulheres do que os homens foram observados em ambos os casos e controles com relação homens: mulheres 0,8: 1 e 0,7: 1, respectivamente. Este achado é semelhante ao estudo feito por Wools-Kaloustian e colaboradores21 no oeste do Quênia que relatou relação entre homens de mulheres de 0,5:1, respectivamente. Este relato é também comparável com o estudo de Han e colaboradores22 onde as mulheres predominam entre os pacientes com relação masculino/feminino de 0,3: 1. No entanto, Agaba e colaboradores4 em Jos, na zona centronorte da Nigéria encontraram uma preponderância masculina de 60,5%, o que é semelhante a um relatório publicado por Kwaifa e Bosan23 na Zaria, parte noroeste da Nigéria, que documentou a proporção do sexo masculino sendo 58,5%. Essas diferenças observadas podem ser devido ao fato de que o comportamento de procura por atenção à saúde varia dentro de regiões geográficas e entre os gêneros, com mulheres mais propensas a procurarem atendimento médico mais cedo do que os indivíduos do sexo masculino. Nas regiões do norte da Nigéria, cultura e religião podem afetar a procura de mulheres por atendimento médico.

A prevalência de doença renal crônica entre estes pacientes virgens de tratamento com terapia antirretroviral (HAART), HIV-positivos recémdiagnosticados foi de 47,6%. A prevalência obtida neste estudo é comparável ao valor relatado por Agaba e colaboradores4 (51,8%); entretanto, a população estudada foi de pacientes com AIDS. Os valores mais elevados reportados em seu estudo pode ser um reflexo da natureza avançada da doença nos pacientes em imunossupressão, à medida que estudos têm mostrado que a disfunção renal se acentua com a progressão da doença causada pelo HIV.24 A prevalência obtida neste estudo é também similar àquela relatada por Ijezie e colaboradores25 (50%) em Jos, Nigéria.

Este valor é maior do que o valor obtido por Emem e colaboradores3 (38%), Szczech e colaboradores9 (32%), Janaby e colaboradores26 (28,4%), na Tanzânia, e Fernando e colaboradores27 (24%). Um estudo Sul-Africano feito entre 2003 e 2004, relatou uma prevalência que varia de 6% a 27% entre os seus pacientes.28 Essa grande variação pode ser atribuída, em parte, à diferença no formato do estudo, às populações estudadas e aos critérios utilizados para as definições de DRC. Enquanto alguns estudos usaram somente o dipstick para avaliar proteinúria,26 alguns quantificaram a proteinuria3,29 e outros pesquisadores usaram a creatinina sérica como definição de DRC. Além disso, poucos estudos descreveram o padrão histológico da doença renal.3,5,6,30

O estudo mostrou que a maior proporção dos indivíduos tinha TFG normal ou aumentada. Isto foi semelhante aos achados de Fernando e colaboradores27 onde a maioria de seus pacientes tinham DRC na fase 1. Agaba e colaboradores4 demonstraram que a maior parte de seus pacientes tinham insuficiência renal crônica. Um melhor conhecimento e avaliação precoce dos pacientes podem explicar a maior proporção de doentes em fases iniciais da DRC encontrada neste estudo.

Observou-se que 16,7% do grupo controle tinham DRC e 9,3% tinham macroalbuminúria. A prevalência de insuficiência renal foi estimada na faixa entre 10% e 20% da população adulta, na maioria dos países do mundo.31

As triagens em comunidades, realizadas com moradores saudáveis no sudoeste da Nigéria para avaliar a prevalência e o padrão de doença renal crônica por Oluyombo e colaboradores32 revelou que 18,8% dos 454 participantes tinham evidência de DRC. Nossa população do estudo foi composta de povos indígenas negros da Nigéria. A predisposição da raça negra a desenvolver DRC tem sido relatada por vários autores. A ausência de registros nefrológicos no país tornou difícil determinar a verdadeira prevalência de DRC. No entanto, o aumento da incidência de diabetes mellitus, hipertensão, obesidade e adoção de estilo de vida ocidental são alguns dos fatores que contribuem para explicar o aumento na prevalência da DRC entre nossa população.

Um número significativo de pacientes (41,4%) tiveram proteinúria de 1 + ou mais no exame com dipstick. Kwaifa e colaboradores23 observaram o mesmo grau de proteinúria no exame com dispstick em 40,9% de sua população de pacientes. Da mesma forma, Emem e colaboradores29 encontraram um valor comparável de 46,7% em seu estudo. Gupta e colaboradores33 revelaram que 29% dos pacientes com infecção pelo HIV tiveram proteinúria definida como ≥ 1 + no disptick. Um estudo envolvendo 411 pacientes infectados pelo HIV no Brasil mostrou que apenas 5,6% tinham proteinúria no exame com disptick.34 Relatos do Sistema de Saúde dos Veteranos de Conneticut nos EUA mostraram que 14% dos infectados pelo HIV, pacientes ambulatoriais, tiveram proteinúria persistente no exame com dipstick.35

Os altos valores de proteinúria no dipstick encontrados entre a população predominante negra podem ser atribuídos à maior prevalência de HIVAN como anteriormente relatado.

Cento e um (44,5%) pacientes HIV-positivos tinham microalbuminúria no estudo. Um valor comparável de 46,7% foi observado por Emem e colaboradores;3 valores mais baixos foram documentados por Kwaifa e colaboradores23 (33,1%) e Han e colaboradores22 (36,0%) entre suas populações de pacientes; e valores muito mais baixos, de 11%, foram documentados no estudo de Redistribuição de Gordura e Alterações Metabólicas em HIV (FRAM). Esta variação parece refletir a epidemiologia da doença, com um resultado pior na população negra. Além disso, os pacientes eram todos virgens de tratamento por HAART, em comparação com outros estudos nos quais alguns já estavam utilizando os medicamentos.

Estudos recentes têm demonstrado que a proteinúria é comumente encontrada em pacientes infectados pelo HIV.9,29,33 A gravidade da proteinúria é preditiva de progressão da DRC na população em geral.36 Proteinúria está associada a uma progressão mais rápida da infecção pelo HIV para AIDS e óbito.37,38 Já foi demonstrado que a microalbuminúria é indicativa de estresse endotelial e é preditiva de maior risco cardiovascular.26 Achados do HIV Epidemiology Study Research (HERS)37 e do Women's Interagency HIV Study (WIHS)38 mostraram que a presença de proteinúria e creatinina sérica elevada foram independentemente associadas a maior risco de morte entre mulheres infectadas pelo HIV.

Foi demonstrado que a relação albumina-creatinina é capaz de detectar níveis clinicamente significativos da proteinúria não detectados pelo exame com dipstick.39 Além disso, a RAC proporciona uma avaliação mais precisa da proteinúria e foi mostrado que correlaciona com a excreção protéica de 24 horas.40

Este estudo mostrou que 30,8% da população de pacientes tinha IMC < 18,5 kg/m2 e, portanto, foram classificados como desnutridos. Alguns relatórios anteriormente publicados por Emem e colaboradores3 e D'Agatti e colaboradores30 descobriram que mais de 50% de seus indivíduos tinham IMC < 19 kg/m2. No entanto, Kwaifa e colaboradores23 documentaram um valor muito mais baixo, de 10,2%. Estas disparidades podem representar o resultado de diferenças nos métodos de seleção de pacientes, uma vez que alguns desses estudos envolveram pacientes usando drogas antirretrovirais (ARV), o que poderia ter melhorado o estado nutricional deles. Desnutrição pode ter ocorrido devido a alterações da ingestão oral, má absorção, e síndromes de depauperação que caracterizam a doença.

As pressões sanguíneas sistólica e diastólica médias estavam mais baixas em nossos pacientes, embora comparável com os resultados de Agaba e colaboradores.4 Isto é provavelmente a reflexão da nefropatia perdedora de sal, característica associada a pacientes com HIV.

Anemia foi predominante neste estudo, e pior entre os pacientes com DRC e baixa contagem de CD4+. Isto foi relatado por estudos anteriores3,23 e indica a influência da natureza avançada da infecção. A anemia em pacientes com HIV/AIDS varia, dependendo do estágio da doença, da contagem de CD4 + e nível da função renal.23

Os distúrbios eletrolíticos encontrados neste estudo foram: hiponatremia e hipercalemia com uma prevalência de 39,2% e 4,4%, respectivamente. Isto está de acordo com os relatórios anteriores que mostraram mudanças no sódio e potássio séricos incluindo bicarbonatos.3,4,23 Agaba e colaboradores4 apresentaram concentrações significativamente mais baixas de sódio sérico e bicarbonato entre os indivíduos do estudo. Isto foi atribuído a possibilidades de secreção inapropriada de hormônio antidiurético, e insuficiência adrenal - que foi relatado estar presente em cerca de 70% dos pacientes com co-infecção por HIV e tuberculose pulmonar. Outras possíveis causas de alterações eletrolíticas incluem disfunção renal tubular, depleção de volume, baixa ingestão e utilização de drogas nefrotóxicas.3

Este estudo demonstrou uma relação linear entre o grau de imunossupressão (como medido por contagem de CD4+) e o estágio da DRC. Isto está de acordo com estudos anteriores.24 Ele também mostrou que pacientes com HIV e DRC tinham baixa contagem de linfócitos T CD4 de < 200 células/µl semelhante a relatos de estudos anteriores.3,9,22-24

Reconhecemos várias limitações, incluindo o formato transversal do estudo com uma única dosagem de creatinina sérica e relação de albumina e creatinina que pode não ser uma representação verdadeira da taxa de prevalência da DRC. No entanto, a combinação da eTFG e/ou RAC na definição da DRC é uma tentativa de reduzir o potencial de viés de classificação incorreta na estimativa da função renal e determinar a prevalência. A equação MDRD foi utilizada com o objetivo de melhorar a predição da taxa de filtração glomerular a partir da concentração de creatinina plasmática. Embora pelo que saibamos, a equação MDRD não foi validada para pessoas com HIV da região.

É importante ressaltar que o uso da creatinina sérica para estimar a TFG pode ser afetado pela perda de massa muscular, dieta e medicamentos que são frequentemente presentes nesse grupo de pacientes.

Conclusões

Os resultados deste estudo mostraram que os adultos infectados pelo HIV apresentam mais anormalidades renais do que os controles. Na África Subsaariana, onde o peso da infecção pelo HIV é alta e a escassez de recursos para cuidado renais é profunda, a alta prevalência de DRC em pacientes infectados pelo HIV documentada neste estudo defende a detecção precoce do envolvimento renal nestes pacientes e a necessidade de instituir medidas que possam impedir ou retardar a progressão para fase terminal da doença renal. Além disso, a incorporação de avaliação renal como componente de avaliação de pacientes com HIV/AIDS é sugerida, uma vez que alguns fármacos utilizados no tratamento da infecção por HIV/AIDS afetam os rins e podem acelerar a doença renal nesses pacientes não-diagnosticados.

REFERÊNCIAS

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