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A realidade virtual é útil para manejo da dor em pacientes submetidos a procedimentos médicos?

A realidade virtual é útil para manejo da dor em pacientes submetidos a procedimentos médicos?

Autores:

Daniel Melecchi de Oliveira Freitas,
Viviane Souto Spadoni

ARTIGO ORIGINAL

Einstein (São Paulo)

versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385

Einstein (São Paulo) vol.17 no.2 São Paulo 2019 Epub 20-Maio-2019

http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2019md4837

INTRODUÇÃO

Apesar de o mecanismo de dor ser mais comumente relacionado à resposta inflamatória e à lesão do nervo, trata-se de um sentimento angustiante complexo e que não é completamente compreendido.(1) A nocicepção não é somente associada à localização e ao tipo de estímulo, mas também está correlacionada com um limiar subjetivo e particular que é muito difícil de avaliar anteriormente aos procedimentos médicos.(2) A distração cognitiva tem sido estudada como forma de aliviar a dor em diversas situações, com a intenção de mudança do modo como é percebida pelo paciente. Tais redes complexas são compostas não somente por um sistema somatossensorial, mas também por um sistema afetivo que pode modular a intensidade e a qualidade da dor. Além disso, fazer com que o paciente não preste atenção ao estímulo da dor tem sido também um tema investigado como método poderoso de mudança da percepção da dor.(3)

Recentemente, o manejo da dor tornou-se uma questão importante de saúde global. Pouco tempo atrás, o Center for Disease Control and Prevention (CDC) emitiu importante notificação alertando sobre a depen­dência de opioides e o aumento dos custos relacionados ao uso dessas substâncias em pacientes na Atenção Primária norte-americana.(4) A agência enfatizou a necessidade de desenvolvimento de novas terapias não farmacêuticas para reduzir o uso excessivo de opioides e evitar seus efeitos adversos.(4) Neste contexto, novas tecnologias têm sido exploradas para auxiliar a comunidade médica.

Realidade virtual e realidade aumentada

Os sistemas de realidade virtual (RV) são compostos por hardware (fones de ouvido, óculos, luvas, computadores e dispositivos móveis) e software que oferecem um ambiente de RV em múltiplos contextos (Figura 1). O ambiente pode ser localizado em um hospital, uma sala de aula, uma sala de reunião, ou até mesmo ser um holograma, que pode interagir diretamente com o usuá­rio. Enquanto a RV constrói um ambiente holográfico completo, na realidade aumentada (RA) os hologramas são misturados com mundo real em torno de um assunto. Além disso, com evolução tecnológica exponencial nas últimas duas décadas, a RV se tornou uma ferramenta interessante para aprendizagem, treinamento cognitivo, rea­bilitação e também tratamento de pacientes com alguns distúrbios médicos(5-7) (Figura 2). O desenvolvi­mento de novos gráficos, a renderização, a animação, o reconhecimento de voz e inteligência artificial garantem uma nova era na interação humano-computador.

Figura 1 Óculos de realidade virtual 

Figura 2 Uso de óculos de realidade virtual durante procedimento médico 

DISCUSSÃO

Diversos profissionais de saúde têm incorporado a tecnologia na prática diária. Considerando o desenvolvimento exponencial recente nos sistema de computador, o uso da RV e da RA tornou-se um caminho interessante para alívio da dor.(1,5-10)

Estudos anteriores, que analisaram a RV para manejo da dor, têm demostrado resultados mistos.(5,6) Por exemplo, Das et al., após seleção randomizada de vítimas de queimaduras para uso ou não de RV associada com analgésicos durante troca de curativos, observaram que sujeitos que experimentaram a tecnologia associada a medicação tiveram escore de dor baixo quando comparados ao Grupo Controle.(7) De modo similar, Mott et al., que investigaram RA associada com analgésicos em ensaio randomizado prospectivo, encontraram resultados similares. Neste estudo, 42 crianças com queimaduras agudas foram alocadas para ter experiência de RA durante a troca de curativos. Os autores demostraram que o grupo de RA apresentou escore de dor significante baixo em comparação ao Grupo Controle.(8)

Outro ensaio que avaliou RV em pacientes com diversas condições de dor crônica demostrou alívio da dor durante sessões de RV em diferentes graus em todos pacientes inscritos no estudo.(9) Recentemente, Moon et al., após randomização de 40 pacientes antes de realizarem procedimento urológico transuretral com anestesia peridural, encontraram que pacientes utilizando RV durante a cirurgia estavam mais satisfeitos do que aqueles sedados com midazolam. Os cirurgiões e os anestesistas também apresentaram maior satisfação com a tecnologia utilizada.(10) Contudo, Walker et al., após analisarem o uso de RV para alívio da dor durante a cistocopia, não conseguiram demonstrar diferença na ansiedade e no escore de dor entre os grupos.(11)

As implicações do uso da RV/RA durante procedimentos médicos são um campo de estudo interessante. Levando em conta que a dor é um processo complexo que também está relacionada a experiências anteriores, estado emocional e tipo de estímulo doloroso, o uso de distração cognitiva emerge como tecnologia promissora. O motivo para resultados conflitantes está relacionado, provavelmente, a heterogeneidade de grupos e singularidade de cada ser humano. Além disso, fortes fatores que favorece a RV/RA são seu baixo custo e a ausência de efeitos adversos.

Como o limiar da dor é uma questão individual e subjetiva, o uso de RV/RA durante procedimentos médicos deve ser personalizado. Conduzir entrevista com o paciente para analisar suas características pessoais, ansiedades, medos, pensamentos e sentimentos é um método interessante, para selecionar qual experiência virtual poderia ajudar melhor a reduzir a maneira como a dor é processada e percebida. Neste contexto, mais estudos são necessários para selecionar o melhor perfil de paciente para esta tecnologia, também como o tipo de hardware e ambiente virtual ideal para procedimentos médicos específicos.

REFERÊNCIAS

1. Pogatzki-Zahn EM, Segelcke D, Schug SA. Postoperative pain-from mechanisms to treatment. Pain Rep. 2017;2(2):e588.
2. Feinstein B, Langton JN, Jameson RM, Schiller F. Experiments on pain referred from deep somatic tissues. J Bone Joint Surg Am. 1954;36-A(5):981-97.
3. Kucyi A, Davis KD. The dynamic pain connectome. Trends Neurosci. 2015; 38(2):86-95. Review.
4. Frieden TR, Houry D. Reducing the Risks of Relief--the CDC Opioid-Prescribing Guideline. N Engl J Med. 2016;374(16):1501-4.
5. Maani CV, Hoffman HG, Morrow M, Maiers A, Gaylord K, Mcghee LL, et al. Virtual reality pain control during burn wound debridement of combat-related burn injuries using robot-like arm mounted VR goggles. J Trauma. 2011;71 (1 Suppl):S125-30.
6. van Twillert B, Bremer M, Faber AW. Computer-generated virtual reality to control pain and anxiety in pediatric and adult burn patients during wound dressing changes. J Burn Care Res. 2007;28(5):694-702.
7. Das DA, Grimmer KA, Sparnon AL, McRae SE, Thomas BH. The efficacy of playing a virtual reality game in modulating pain for children with acute burn injuries: a randomized controlled trial [ISRCTN87413556]. BMC Pediatr. 2005;5(1):1.
8. Mott J, Bucolo S, Cuttle L, Mill J, Hilder M, Miller K, et al. The efficacy of an augmented virtual reality system to alleviate pain in children undergoing burns dressing changes: a randomized controlled trial. Burns. 2008;34(6):803-8.
9. Jones T, Moore T, Choo J. The impact of virtual reality on chronic pain. PLoS One. 2016;11(12):e0167523.
10. Moon JY, Shin J, Chung J, Ji SH, Ro S, kin WH. Virtual reality distraction during endoscopic urologic surgery under spinal anesthesia: a randomized controlled trial. J Clin Med. 2018;8(1). pii: E2.
11. Walker MR, Kallingal GJ, Musser JE, Folen R, Stetz MC, Clark JY. Treatment efficacy of virtual reality distraction in the reduction of pain and anxiety during cystoscopy. Mil Med. 2014;179(8):891-6.