versão impressa ISSN 1808-8694versão On-line ISSN 1808-8686
Braz. j. otorhinolaryngol. vol.86 no.2 São Paulo mar./abr. 2020 Epub 11-Maio-2020
http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2018.10.007
A perda auditiva neurossensorial súbita (PANS) é uma emergência audiológica frequente e é definida como uma perda auditiva sensorioneural de pelo menos 30 dB em 3 frequências consecutivas e que geralmente se desenvolve unilateralmente em 72 horas.1 Sua etiologia ainda não foi totalmente esclarecida, mas se acredita que obstrução vascular, infecções virais e autoimunidade sejam responsáveis.2 Embora a fisiopatologia não seja totalmente conhecida, tem havido uma atenção recente no papel da inflamação crônica.3,4 Vários protocolos são usados no tratamento, mas o tratamento sistêmico com esteroides é aceito como o primeiro passo.5 Estudos anteriores mostraram que a relação neutrófilo/linfócito (RNL) é um marcador inflamatório e poderia ser usado para determinar o prognóstico na PANS.6,7
A proteína C-reativa (PCR) é um marcador de fase aguda. O nível de PCR pode ser usado para fins de diagnóstico em infecções e também para a avaliação da eficácia do tratamento.8,9 Nos estágios iniciais da infecção, o valor da PCR está correlacionado com a gravidade da inflamação. A albumina (Alb) é uma proteína de fase aguda negativa. Embora o valor da Alb diminua na inflamação aguda, essa redução ocorre essencialmente em condições de inflamação crônica e má nutrição.10,11 A determinação dos valores séricos de Alb, além dos valores da PCR, pode ser de valor prognóstico tanto em curto quanto em longo prazo na presença de inflamação. A importância preditiva dos valores de PCR/Alb como fator prognóstico tem sido demonstrada em várias condições inflamatórias e tumorais com base na inflamação.12-15 O objetivo deste estudo foi determinar se o nível de PCR/Alb na PANS, baseado na inflamação crônica, pode ser usado para fins prognósticos e para mostrar a relação entre a RNL e PCR/Alb, ambos marcadores inflamatórios.
Este estudo retrospectivo incluiu 40 pacientes com PANS idiopática diagnosticados no ambulatório de otorrinolaringologia de um hospital de treinamento e pesquisa entre março de 2016 e fevereiro de 2017 e um grupo controle, pareados por idade e gênero com o grupo de pacientes, de 45 indivíduos saudáveis selecionados entre aqueles que compareceram à policlínica para exames de saúde de rotina. O grupo de pacientes foi selecionado entre os indivíduos admitidos no hospital por 3 dias ou menos devido à PANS. A aprovação para o estudo foi concedida pelo comitê de ética da Selçuk University (decisão n° 2017/350). Os critérios de exclusão foram: histórico de tabagismo, presença de qualquer infecção ativa, diabetes mellitus, hipertensão, doença renal crônica, doença hepática crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica, doença arterial coronariana ou doença intestinal inflamatória e trauma, otite média crônica, tumor, doença de Ménière ou otosclerose como causa da perda auditiva.
Na investigação diagnóstica, foi feito um exame otorrinolaringológico detalhado de todos os pacientes, inclusive otoscopia e microscopia da orelha, exames laboratoriais (hemograma completo e análise bioquímica, inclusive PCR e albumina), avaliação audiológica e exame de ressonância magnética (RM) de osso temporal. Os exames laboratoriais foram feitos no momento da hospitalização. O tratamento com 1 mg/kg de metilprednisolona foi administrado por via intravenosa a todos os pacientes, reduziu-se rotineiramente a dose em 10 mg por dia. Os pacientes que receberam esteroides intratimpânicos e oxigenoterapia hiperbárica foram excluídos do estudo. Na primeira consulta, foram feitas avaliação da audição aérea a 125-8000 Hz e de condução óssea a 250-4000 Hz, pelo mesmo fonoaudiólogo, com o mesmo dispositivo (AC40, Interacoustic, Dinamarca), e a Média de Tons Puros (PTA, do inglês Pure Tone Average) foi determinada para as frequências de 0,5, 1, 2 e 4 kHz.
As mesmas avaliações foram feitas novamente 3 meses após o tratamento. A resposta ao tratamento foi classificada de acordo com os critérios de Siegel,16 foram formados dois grupos. Aqueles classificados como Tipo 1, 2 e 3, de acordo com Siegel, formaram o grupo com resposta ao tratamento e os indivíduos do Tipo 4, o grupo sem resposta ao tratamento (tabela 1).
Tabela 1 Critérios de Siegel. Audiometria de tons puros (PTA): média aritmética de 500, 1.000, 2.000 e 4.000 Hz
Tipo | Avaliação | Explicação |
---|---|---|
1 | Recuperação completa | PTA é de 25 dB ou inferior com tratamento |
2 | Recuperação parcial | PTA final é de 25 e 45 dB com ganho audiométrico superior a 15 dB |
3 | Recuperação deficiente | PTA final é de 45 dB ou superior com ganho audiométrico superior a 15 dB |
4 | Sem melhoria | PTA final é de 70 dB ou superior e ganho audiométrico inferior a 15 dB |
Na análise dos testes laboratoriais, a RNL foi calculada a partir das contagens absolutas de neutrófilos e linfócitos, foi calculada também a relação PCR/Alb.
Os dados foram analisados com o software SPSS, versão 23.0 (IBM Corporation, Armonk, Nova York, EUA). A estatística descritiva foi mostrada como média ± desvio-padrão (DP). A comparação das diferenças de idade entre os grupos de pacientes e controle foi feita com o teste t para amostras independentes. A importância da diferença de gênero entre os dois grupos foi analisada com o teste qui-quadrado de Pearson.
Nas comparações da relação PCR/Alb dentro e entre os grupos, o teste U de Mann Whitney foi aplicado e para a comparação da RNL intragrupo foi usado o teste t. As variáveis foram examinadas com um intervalo de confiança de 95%. Um valor de p < 0,05 foi aceito como estatisticamente significante.
Os pacientes incluíram 16 mulheres e 24 homens com média de 44,1 ± 14,2 anos e o grupo controle era composto por 23 mulheres e 22 homens, com média de 42,2 ± 13,8 anos. Não houve diferença estatisticamente significante entre os grupos em relação à idade e ao sexo (tabela 1). A média da relação PCR/Alb foi de 0,95 ± 0,47 no grupo de pacientes e de 0,74 ± 0,13 no grupo controle, a diferença entre os grupos foi estatisticamente significante (p = 0,009). A média da RNL foi determinada como 3,96 ± 3,59 no grupo de pacientes (tabela 2).
Tabela 2 Parâmetros dos grupos de pacientes e controle (média ± desvio-padrão)
Grupo de pacientes | Grupo controle | p-valores | |
---|---|---|---|
Idade | 44,1 ± 14,2 | 42,2 ± 13,8 | 0,545 |
Sexo | 16 K/24 E | 23 K/22 E | 0,210 |
RNL | 3,96 ± 3,59 | - | - |
PCR/Alb | 0,95 ± 0,47 | 0,74 ± 0,13 | 0,009 |
Teste de amostras independentes, teste qui-quadrado de Pearson, teste U de Mann-Whitney.
Dos 40 pacientes, 27 foram incluídos no grupo com resposta ao tratamento e 13 no grupo sem resposta. A média da relação PCR/Alb foi de 0,79 ± 0,12 no grupo com resposta ao tratamento e 1,27 ± 0,72 no grupo sem resposta, sem diferença significante entre os grupos (p = 0,418). A média da RNL foi de 3,52 ± 3,00 no grupo com resposta ao tratamento e 4,90 ± 4,60 no grupo sem resposta, sem diferença estatisticamente significante entre os grupos (p = 0,261) (tabela 3).
Tabela 3 Comparação dos grupos com resposta e sem resposta ao tratamento, de acordo com as relações RNL e PCR/Alb (média ± desvio-padrão)
Grupo com resposta ao tratamento | Grupo sem resposta ao tratamento | p-valores | |
---|---|---|---|
RNL | 3,52 ± 3,00 | 4,90 ± 4,60 | 0,261 |
PCR/Alb | 0,79 ± 0,12 | 1,27 ± 0,72 | 0,418 |
Teste U de Mann Whitney, teste t.
A PANS é uma emergência otorrinolaringológica importante. Recentemente, as relações RNL e PCR/Alb demonstraram ter valor prognóstico como marcadores inflamatórios.6,7,14 O objetivo deste estudo foi determinar a significância prognóstica da RNL e da relação PCR/Alb na PANS, cuja progressão com inflamação crônica já foi demonstrada. No entanto, nenhuma relação estatística foi determinada.
A PANS é responsável por 1% das perdas auditivas neurossensoriais, foi relatada uma incidência de 5-20/100.000.1 O fator mais importante na recuperação da PANS é o início precoce do tratamento.1,2 Em geral, não é possível estabelecer um fator etiológico definitivo, aceita-se que tenha uma origem multifatorial. Inflamação, infecção viral e hipóxia são as causas mais comuns.4 Estudos anteriores revelaram uma coexistência da PANS com inflamação crônica.3,4 Vários estudos têm demonstrado uma forte relação entre o dano coclear e marcadores inflamatórios.17,18 O objetivo do tratamento com esteroides para tratar a PANS é reduzir a inflamação na orelha interna e beneficiar-se do papel regulador dos esteroides na síntese de proteínas.19
O nível de PCR aumenta significativamente durante uma infecção e inflamação e esse aumento desenvolve-se em correlação com a gravidade delas mesmas. A albumina é um forte marcador no prognóstico de doenças relacionadas à infecção e à inflamação, é observada uma redução no período agudo.20,21 Ao mesmo tempo, o catabolismo da Alb também está correlacionado com a gravidade da infecção/inflamação agudas.22 À luz desse conhecimento, considerou-se neste estudo que a relação PCR/Alb poderia ser de valor preditivo na avaliação da resposta ao tratamento da PANS. As alterações nas citocinas pró-inflamatórias são o mecanismo subjacente do valor prognóstico da relação PCR/Alb. Por exemplo, a citocina pró-inflamatória IL-6 tem um papel importante no aumento da PCR na inflamação. Além disso, a superexpressão da IL-6 está relacionada a baixos níveis de albumina. A relação PCR/Alb pode ser calculada facilmente a partir de amostras de sangue de rotina obtidas de pacientes admitidos com diagnóstico de PANS e, em comparação com outras citocinas inflamatórias, como as IL-6, IL-1A, TNF etc., não implica custos adicionais.
Estudos anteriores revelaram o valor prognóstico da relação PCR/Alb em vários tipos de câncer e doenças inflamatórias.12-15,23 Nos casos de câncer de nasofaringe, observou-se que o valor prognóstico da relação PCR/Alb é significante para a sobrevida e metástases a distância.24 A relação PCR/Alb também foi relatada como um novo e promissor biomarcador para demonstrar a atividade da doença de Crohn.15 No presente estudo, a relação PCR/Alb foi significantemente alta nos pacientes com PANS, em comparação ao grupo controle (p < 0,05). Isso também demonstrou inflamação na PANS. No entanto, embora a relação PCR/Alb tenha sido menor nos pacientes com PANS que apresentaram resposta ao tratamento em comparação com os pacientes sem resposta, a diferença entre os grupos não foi estatisticamente significante. Esse resultado pode sugerir que a inflamação no grupo sem resposta foi mais grave e isso poderia ser usado como guia para o prognóstico e a recuperação. Há estudos que mostram que a RNL é significantemente baixa nos grupos que respondem ao tratamento para PANS, foi relatado que a RNL é um indicador rápido e seguro na previsão do prognóstico na PANS.6 No presente estudo, a RNL foi menor no grupo que respondeu ao tratamento, mas sem diferença estatisticamente significante entre os grupos.
As limitações deste estudo podem ser consideradas como o pequeno número amostral e o fato de que não houve um valor de corte padronizado para as relações PCR/Alb e RNL.
Em conclusão, a relação PCR/Alb mostra a presença de inflamação na PANS e pode ser um indicador de prognóstico. Este é o primeiro estudo a demonstrar que a relação PCR/Alb indica inflamação na PANS e que pode ser usada como valor prognóstico.
Portanto, a relação PCR/Alb foi significantemente maior em pacientes com PANS do que no grupo controle.
No entanto, embora a relação PCR/Alb tenha sido menor nos pacientes com PANS que responderam ao tratamento em comparação com aqueles sem resposta, a diferença entre os dois grupos não foi estatisticamente significante.
Este é o primeiro estudo que mostra a relação entre a PANS e a relação PCR/Alb. Essa relação pode ser usada para determinar a gravidade da inflamação na PANS, pois é um exame barato e ela pode ser calculada facilmente.
Além disso, estudos multicêntricos, prospectivos e controlados com grandes populações são necessários para determinar se esta relação pode ser usada para o prognóstico de PANS.