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A Saúde bucal está associada à presença de sintomas depressivos em idosos?

A Saúde bucal está associada à presença de sintomas depressivos em idosos?

Autores:

Alexandre Emidio Ribeiro Silva,
Isabelle Kunrath,
Julia Freire Danigno,
Andreia Morales Cascaes,
Eduardo Dickie de Castilhos,
Caroline de Oliveira Langlois,
Flavio Fernando Demarco

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561

Ciênc. saúde coletiva vol.24 no.1 Rio de Janeiro jan. 2019

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232018241.12662017

Abstract

The scope of this study was to describe the prevalence of depressive symptoms measured by the Geriatric Depression Scale–EDG - 15 and test the association of oral health variables and depressive symptoms in a population of the elderly linked to eleven Family Health Units in the south of Brazil. It involved a cross-sectional study with 439 elderly individuals. A standardized questionnaire was used to obtain socio-economic and oral health variables of the study. The clinical variables of oral health were obtained by a qualified dentist. The symptoms of depression, which was the scope of the study, were obtained by the Geriatric Depression Scale–EDG −15. The prevalence of depressive symptoms was 18.3% (CI95% 14.6-21.8). Analyzing the exposure variables and depressive symptoms through adjusted Poisson regression analysis, individuals with 1 to 9 teeth (PR = 1.68; CI95% 1.06-2.64, p = 0.012), with a perception of dry mouth (PR = 2.23; CI95% 1.52-3.28, p < 0.001) and perception of pain in the mouth (PR = 2.11; CI95% 1.10-4.07, p = 0.036) have a higher prevalence of depressive symptoms. The study identified a significant prevalence of depressive symptoms and that oral health variables are associated with the presence of depressive symptoms in the elderly population.

Key words Depression; Epidemiology; Elderly; Oral health; Family health

Introdução

O envelhecimento populacional é um fenômeno mundial e está relacionado diretamente com a diminuição das taxas de mortalidade, fecundidade e aumento da expectativa de vida1. Esse envelhecimento é acompanhando pelo aumento das doenças crônico-degenerativas2. Atualmente, merecem atenção as doenças que comprometem o funcionamento do sistema nervoso central, com destaque para a depressão3. A depressão é caracterizada por tristeza, pessimismo e perda de interesse ou prazer na realização das suas atividades cotidianas4. Essas situações trazem prejuízos para a qualidade de vida dos idosos, além de aumentar os custos dos serviços de saúde, sendo um tema de relevância na saúde pública5.

A literatura tem apontado uma relação direta entre a idade avançada e a presença de sintomas depressivos6 e indica a depressão como a doença mental mais prevalente em idosos7. No Brasil, os estudos com idosos apontam uma prevalência de sintomas depressivos variando entre 14% a 31%6,8,9.

São poucos os estudos na literatura que investigaram a saúde bucal com a presença de sintomas depressivos em população idosa1012. A literatura cita que a maioria das pessoas idosas, quando questionadas sobre sua situação de saúde, não relatam problemas da cavidade oral13. Esta questão é preocupante, uma vez que a maioria dos idosos brasileiros não apresenta nenhum dente em boca e necessitam de reabilitação protética13. Além disso, a literatura tem apontado que idosos com transtorno mental comum relatam uma autopercepção negativa dos seus dentes e gengiva10. Portanto, esclarecer e apontar a importância de se ter uma boa saúde bucal para os idosos, permitirá minimizar sentimentos que as más condições de saúde bucal podem trazer, que vão desde negação e raiva, apontados com fatores importantes no aparecimento da depressão13.

Diante da relevância do tema, o presente estudo tem por objetivo descrever a prevalência de sintomas depressivos e testar associação de variáveis de saúde bucal com a sintomas depressivos em uma população de idosos vinculados às unidades de saúde da família de uma cidade do Sul do Brasil.

Método

Desenho do estudo e participantes

O presente estudo transversal foi realizado com idosos cadastrados nas onze unidades de saúde da família do município de Pelotas no estado do Rio Grande do Sul-RS. Este município está localizado no Sul do Brasil, com uma população estimada de 342.873 habitantes, com aproximadamente 49.794 com 60 anos ou mais de acordo com o Censo Demográfico 201014.

O estudo foi desenvolvido de maio de 2009 a setembro de 2010. Os participantes foram indivíduos com 60 anos ou mais, com capacidade de realizar as suas atividades diárias (banhar-se, vestir-se, ir ao banheiro, alimentar-se, sentar ou deitar e levantar da cama ou cadeira) sem auxílio de um familiar ou cuidador, de acordo com o índice de Katz15.

Amostra

O tamanho da amostra foi calculado utilizando os seguintes parâmetros: 5% de erro, poder do teste de 80% e média (desvio padrão) do número dentes idosos com sintomas depressivos e sem sintomas depressivos, com base nos resultados de um estudo prévio11. Foi estimado um tamanho de amostra de 108 indivíduos. No entanto, o presente estudo é parte de um estudo maior, que também investigou fatores associados à utilização de serviços odontológicos e exigiu uma amostra maior (n = 335), para a qual 25% foi adicionado para permitir a análise multivariada (n = 418). Estimando-se que 10% dos entrevistados não iriam cumprir os critérios de inclusão e assumindo uma taxa de perda de 35% (incluindo recusas), foram selecionados aleatoriamente 700 nomes de pessoas idosas. Um processo de randomização simples estratificada foi empregado utilizando uma tabela de números aleatórios. De todas as equipes de saúde da família do município avaliado foi anotado o nome e o sexo dos idosos cadastrados. A seleção dos idosos foi estratificada por sexo com base na proporção de homens e mulheres cadastrados em cada uma das unidades de saúde da família.

Instrumento de coleta

Um questionário padronizado com perguntas fechadas foi utilizado para a obtenção das variáveis do estudo. Os questionários foram aplicados por entrevistadores previamente treinados no domicílio do idoso. O treinamento foi realizado pelo pesquisador responsável pelo estudo. Inicialmente, os entrevistadores foram orientados sobre os objetivos da pesquisa e quanto à importância de incentivar a participação no estudo de todos os sorteados. Após esta etapa, cada entrevistador recebeu o questionário do estudo e o roteiro com as instruções que detalhava o objetivo e o modo de como cada pergunta deveria ser realizada. De posse deste material, o pesquisador iniciou a leitura detalhada de cada pergunta do questionário, esclarecendo as dúvidas surgidas durante o treinamento. Os entrevistadores foram orientados sobre a importância da entonação da voz durante a leitura do questionário e que não deveriam em nenhuma hipótese dar informações que pudessem influenciar na resposta do pesquisado. Ao final da leitura, o pesquisador desenvolveu uma atividade na qual o entrevistador aplicava o questionário para que fosse observado o modo como o entrevistador abordava o pesquisado, bem como a sua postura. Esta atividade teve por objetivo padronizar a aplicação do instrumento de coleta de dados e corrigir possíveis problemas durante sua aplicação.

Um estudo piloto foi realizado para analisar o instrumento de coleta de dados. A proposta desta etapa foi avaliar se os idosos compreenderiam os termos e perguntas utilizadas no questionário.

Para avaliar a reprodutibilidade do instrumento de coleta, satisfação dos participantes e identificar potenciais falhas dos entrevistadores, o questionário foi replicado em 10% da amostra através de uma entrevista por telefone.

Exame epidemiológico de saúde bucal

Um exame epidemiológico de saúde bucal foi realizado por um cirurgião-dentista treinado com os participantes sentados sob luz natural, utilizando equipamentos de proteção individual (luva, máscara, gorro e jaleco) e odontoscópio. Foram avaliados o número de dentes presentes na cavidade bucal e a necessidade de prótese dentária. A necessidade de prótese dentária foi obtida de acordo com os critérios propostos pela Organização Mundial de Saúde para levantamentos epidemiológicos em saúde bucal16.

Desfecho – Sintomas Depressivos

O desfecho do estudo foram os sintomas depressivos, obtido por meio Escala de Depressão Geriátrica – EDG −1517. A EDG-15 é uma escala de rastreamento de sintomas depressivos composta de 15 perguntas com afirmações negativas e positivas. São considerados sem sintomas depressivos os indivíduos com escore de 0 a 4 pontos, com depressão leve de 5 a 9 pontos e com depressão severa de 10 a 15 pontos. A escala foi validada para o uso no Brasil por Almeida e Almeida (1999). No presente estudo, aqueles indivíduos com escore maior que 5 foram considerados com sintomas depressivos, de acordo com os critérios da Classificação Internacional das Doenças – CID – 1018.

Variáveis de exposição

As variáveis de exposição foram: 1. Sociodemográficas: sexo (masculino e feminino); escolaridade obtida em anos de estudo (menos de 4 anos, entre 4 e 7 anos e 8 ou mais anos); renda familiar per capita em salários mínimos (menos de 1,5 e 1,5 ou mais); 2. Percepção de Saúde Bucal: Obtidas por meio de perguntas fechadas realizadas ao idoso. Ele respondia se tinha ou não sangramento na gengiva (sim ou não), sensação de boca seca (sim ou não), dor na boca (sim ou não) e dificuldade para comer algum alimento (sim ou não); 3. Clínicas de Saúde Bucal: Obtidas por meio de exame de saúde bucal: número de dentes (sem dentes, 1 a 9 dentes e mais de 10 dentes); necessidade de prótese dentária (sim ou não).

Análise estatística

Os dados do estudo foram analisados utilizando o programa Stata 12.0. Inicialmente, análises descritivas por meio de frequências absolutas e relativas e intervalos de confiança de 95% foram realizadas. Após, foram feitas análises bivariadas utilizando os testes de qui-quadrado de Pearson e de Tendência com nível de significância de 5%. Para a análise multivariada, foi realizada regressão Poisson com variância robusta. Para as análises, as variáveis foram agrupadas em três níveis. No nível mais distal foram consideradas as variáveis demográficas e socioeconômicas. Para o nível intermediário foram incluídas variáveis que medem percepção de saúde bucal. Por fim, para o nível proximal, foram consideradas as variáveis clínicas de saúde bucal. Todas as variáveis que apresentaram um valor de p < 0,20 na análise bruta foram consideradas possíveis confundidoras, e incluídas na análise ajustada, obtendo-se a razão de prevalência (RP) e os intervalos de confiança de 95%. Para análise multivariada, as medidas de efeito de cada variável foram ajustadas para as variáveis do mesmo nível e dos níveis acima. As variáveis incluídas no modelo final foram aquelas que apresentaram um valor de p<0.05 em pelo menos uma de suas categorias

Considerações éticas

O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Luterana do Brasil – ULBRA – Campus Canoas. O termo de consentimento livre e esclarecido foi obtido de todos os participantes da pesquisa.

Resultados

A Tabela 1 apresenta as características dos 439 indivíduos com 60 anos ou mais do estudo. A maioria da amostra do estudo era do sexo feminino (68,3%), com uma renda per capita menor 1,5 salários mínimos (59.6%), com menos de 4 anos de estudo (54,1%). Dos idosos participantes do acompanhamento 51,4% não apresentava nenhum dente e 51,2% necessitavam de algum tipo de prótese dentária. A sensação de boca seca foi relatada por 20,8%, a percepção de sangramento na gengiva por 89,8%, dificuldade para comer por 37,4% e a dor por 6,6% dos idosos. A prevalência de sintomas depressivos medida pela Escala de Depressão Geriátrica- EDG foi de 18,3% (IC95% 14,6-21,8) (5 ou mais pontos).

Tabela 1 Análise descritiva e prevalência de menor número de dentes de acordo com as variáveis de exposição de idosos cadastrados nas unidades de saúde da família de uma cidade do Sul do Brasil. 2016. 

Variável (N) n % Menos dentes Presentes
% IC95%
Sexo
Masculino 139 31,6 77,7 70,1-84,7
Feminino 300 68,4 93,6 90,9-96,4
Renda (Salários Mínimos) *
Até 1,5 188 43,1 88,3 83,7-92,9
Mais 1,5 248 56,9 88,7 84,7-92-6
Escolaridade (anos)
< 4 299 68,1 89,9 86,5-93,4
5 a 7 91 20,7 86,8 79,7-93,9
8 ou mais 49 11,2 83,7 72,9-94,4
Necessidade de Prótese
Sim 225 51,2 80,4 75,2-85,7
Não 214 48,8 87,2 82,0-92,3
Percepção de boca seca*
Não 347 79,2 87,6 84,1-91,0
Sim 91 20,8 92,3 86,7-97,9
Percepção de Sangramento na gengiva*
Não 22 10,2 68,2 47,0-89,3
Sim 194 89,8 77,8 71,8-83,6
Percepção de dor na boca*
Não 339 77,4 87,2 83,7-90,4
Ocasionalmente 70 16,0 92,8 86,7-99,0
Sim 29 6,6 93,1 83,3-99,9
Dificuldade para comer*
Não 274 62,6 89,4 85,7-93.0
Sim 162 37,4 87,2 82,0-92,4
Depressão*
Não 358 81,7 86,8 83,3-90,3
Sim 80 18,3 96,2 92,0-99,9

*Perda de informação da amostra.

A Tabela 2 apresenta os resultados da análise bivariada (teste qui-quadrado) das variáveis de exposição com os sintomas depressivos. Foram observadas diferenças estatísticas para o número de dentes (p = 0,002), percepção de boca seca (p < 0,001), percepção de dor na boca (p = 0,016) e dificuldade para comer (p = 0,006).

Tabela 2 Análise bivariada (teste χ2) das características associadas aos sintomas depressivos de idosos cadastrados nas unidades de saúde da família de uma cidade do Sul do Brasil. 2016. 

Variável (N) Sintomas Depressivos
Ausência Presença
N (%) iC95% N (%) IC95% p*
Sexo 0,090
Masculino 120 (86,3) 80,5-92,1 19 (13,7) 7,9-19,4
Feminino 238 (79,6) 75,0-84.2 61 (20,4) 15,8-25,0
Renda Familiar (Salários Mínimos) 0,215
< 1,5 149 (79,3) 73,4-85,1 39 (20,7) 14,9-26.6
>1.5 208 (83,9) 79,2-88,5 40 (16,1) 11,5-20,7
Escolaridade (anos) 0,508
< 4 241 (80,6) 76,1-85,1 58 (19,4) 14,9-23,9
4-7 75 (82,4) 74,4-94,4 16 (17,6) 9,6-25,5
≥ 8 42 (87,5) 77,8-97,2 6 (12,5) 2,8-22,2
Número de dentes 0,020
Sem dentes 190(84,8) 80,1-89,5 34 (15,2) 10,4-19,9
1 a 10 dentes 109(73,1) 65,9-80,3 40 (26,8) 19,6-34,0
10 ou mais 58 (90,6) 83,3-97,6 6 (9,4) 2,0-16,7
Necessidade de Prótese 0,225
Sim 179 (79,6) 74,2-84,9 46 (20,4) 15,1-25,7
Não 179 (84,0) 79,1-89,0 34(16,0) 11,0-20,9
Percepção de boca seca <0,001
Não 298 (85,9) 82,2-89,6 49 (14,1) 10,4-17,8
Sim 60 (65,9) 56,0-75,8 31 (34,1) 24,1-44,0
Percepção de Sangramento na gengiva 0,470
Não 16 (72,7) 52,5-92,9 6 (27,3) 7,1-47,5
Sim 154 (79,4) 73,6-85,1 40 (20,6) 14,9-26,4
Percepção de dor na boca 0,016
Não 238 (83,5) 79,5-87,4 56 (16,5) 12,5-20,5
Ocasionalmente 57 (81,4) 72,1-90.8 13 (18,6) 9,2-27,9
Sim 18 (62,1) 43,3-80,8 11 (37,9) 19,1-56,7
Dificuldade para comer 0,006
Não 280 (84,6) 80,4-89,0 51 (15,4) 11,0-19,6
Sim 78 (76,8) 70,3-83,3 29 (23,2) 16,6-29,7

A Tabela 3 apresenta as razões de prevalência e seus respectivos intervalos de confiança brutos e ajustados obtidos por meio da regressão de Poisson. Na análise de regressão ajustada, permaneceram associados positivamente com os sintomas depressivos, os idosos com 1 a 9 anos dentes (RP = 1,68; IC95% 1,06-2,64), com percepção de boca seca (RP = 2,23 IC95% 1,52-3,28) e com percepção de dor na boca (RP = 2,11 IC95% 1,10-4,07).

Tabela 3 Razões de Prevalências brutas e ajustadas das variáveis de exposição associadas aos sintomas depressivos de idosos cadastradas nas unidades de saúde da família de uma cidade do Sul do Brasil. 2016. 

Variáveis RP Bruta
(95%IC)
Valor p* RP Ajustada
(95%IC)
Valor p*
Sexo 0,098
Feminino 1,0
Masculino 0,67 (0,43-1,08)
Renda Familiar (Salários Mínimos) 0,216
< 1,5 1,0
>1.5 0,77 (0,52-1,16)
Escolaridade (anos) 0,532
< 4 1,0
4-7 0,90 (0,55-1,50)
≥ 8 0,64 (0,29-1,41)
Número de dentes 0,003 0,012
Sem dentes 1,0 1,0
1 até 9 dentes 1,76 (1,18-2,66) 1,68 (1,06-2,64)
10 ou mais dentes 0,62 (0,27-1,41) 0,67 (0,28-1,62)
Necessidade de Prótese 0,228
Sim 1,0
Não 0,78 (0,52-1,17)
Percepção de boca seca <0,001 0,001
Não 1,0 1,0
Sim 2,41 (1,64-3,55) 2,23 (1,52-3,28)
Percepção de Sangramento na gengiva 0,457
Não 1,0
Sim 0,76 (0,36-1,58)
Percepção de dor na boca 0,008 0,036
Não 1,0 1,0
Ocasionalmente 1,12 (0,65-1,94) 0,82 (0,39-1,72)
Sim 2,30 (1,36-3,88) 2,11 (1,10-4,07)
Dificuldade para comer 0,040
Não 1,0
Sim 1,51 (1,02-2,24)

*Teste de Heterogeneidade de Wald.

Discussão

No presente estudo, a prevalência de sintomas depressivos, medidos pela Escala de Depressão Geriátrica – EDG, foi de 18,3%. As maiores prevalências de sintomas depressivos estavam relacionadas aos idosos que apresentavam de 1 a 9 dentes na cavidade bucal, a percepção de boca seca e a percepção de dor na boca. Cabe ressaltar que tanto possibilidade do acesso aos cuidados de saúde bucal quanto a prevalência dos sintomas depressivos dos idosos avaliados são semelhantes ao da população de idosos do município. No que diz respeito ao acesso aos serviços de saúde bucal, os idosos avaliados apesar de apresentarem cadastro nas unidades de saúde família, no momento do estudo, estas unidades não tinham equipes de saúde bucal e não havia dentistas em algumas delas. Deste modo, não era garantindo o acesso aos cuidados de saúde bucal, semelhante ao que acontece para todos os idosos do município. Em relação à prevalência de sintomas depressivos, os resultados deste estudo são semelhantes a um estudo de base populacional realizado com idosos neste mesmo município em 20142. Diante dessas informações e considerando a escassa literatura sobre a relação da saúde bucal e sintomas depressão em idosos, os autores acreditam que o estudo está contribuindo com novos conhecimentos sobre o tema.

A prevalência de sintomas depressivos encontrada no estudo está de acordo com a literatura. Blazer e Williams19, utilizando a escala EDG-15, encontraram uma prevalência de sintomas depressivos de 14,7% em idosos. Outros estudos, utilizando outros instrumentos que mediram sintomas depressivos em idosos, encontraram resultados semelhantes20. Cabe ressaltar que a GDS-15, apesar de validada no Brasil e ter boa validade, apresenta limitações, pois não registra os sintomas somáticos, esses sintomas têm alta prevalência entre os idosos21. Todavia a utilização da EDG-15, com o conhecimento do escore total é um bom indicador na confirmação do quadro depressivo no idoso e importante no controle da intensidade dos sintomas ao longo do tempo22. Assim, é possível que o processo de envelhecimento associado às doenças comuns na terceira idade possa maximizar o diagnóstico de depressão.

Dos problemas bucais que mais acometem o grupo dos idosos, a perda de dentes é considerada a mais importante23. Entre as causas da perda dentária, encontram-se doenças preveníveis, como a cárie dentária e principalmente as doenças periodontais24. No presente estudo, observou-se que 52% dos idosos não tinham dentes. Estes dados são semelhantes ao identificado nos levantamentos nacionais de saúde bucal de 2003 e 201025.

Em países de nível socioeconômico diferente do Brasil, a perda dentária é menos frequente, mas ainda preocupante quando se trata de população idosa. Estudos nos Estados Unidos e no Canadá2628 indicam que existe uma tendência que as próximas coortes de idosos apresentarão um maior número de dentes remanescentes na cavidade bucal.

A perda dentária é vista como uma consequência do envelhecimento, porém a literatura descreve que a perda dentária influencia diretamente na mastigação, digestão, gustação, pronúncia e na estética, contribuindo para a redução da qualidade de vida e da autoestima deste grupo etário29,30. A falta de dentes causa restrição da alimentação, promove descontentamento do idoso durante as refeições com sua família ou amigos, participando como um fator negativo em suas atividades sociais, forçando-o em muitos casos a permanecer em casa e se isolar do convívio social. Esse aspecto foi observado em estudo prévio que indicou uma maior prevalência de transtorno mental comum para os idosos com autopercepção negativa dos dentes e gengivas impactando no convívio social destes idosos10. Por outro lado, o presente estudo observou uma maior probabilidade dos idosos que possuíam 1 a 9 dentes de apresentar os sintomas depressivos quando comparados com aqueles sem dentes. A provável explicação para esta associação, pode estar relacionado ao fato dos dentes remanescentes destes idosos apresentam necessidades de tratamento que podem levar ao aparecimento da dor, e consequentemente ao aumento da ansiedade, contribuindo para o aparecimento dos sintomas depressivos. Como o presente estudo não avaliou a necessidade de tratamento dos dentes remanescentes, essa associação deve ser analisada com cuidado.

Das informações autopercebidas de saúde bucal, o presente estudo observou associação da sensação de boca seca e dor na boca com os sintomas depressivos. Estes resultados foram semelhantes ao do estudo realizado com idosos japoneses12. No que se refere à sensação de boca seca, essa é uma queixa bastante comum neste grupo populacional, provocando distúrbios na fala, mastigação e deglutição. Além destes sintomas, a sensação de boca seca está associada ao uso de medicamentos e, no caso dos idosos, principalmente aos diuréticos e aqueles empregados no tratamento das doenças sistêmicas31, bem como nos processos psicológicos como a depressão. Ainda cabe ressaltar, que a depressão frequentemente é acompanhada por sensações bucais e, de fato, muitos indivíduos têm manifestado sensação de boca seca durante um período de tensão nervosa32, principalmente pelo fato de que o fluxo salivar é mediado pelo sistema nervoso central. É preciso prudência na análise da associação encontrada, pois a percepção de boca pode ter acontecido previamente ao aparecimento da depressão ou ser consequência da mesma.

Em relação à percepção de dor na boca estudos têm apontado que a presença de algum tipo de dor e desconforto, gera perda de horas de trabalho, comprometimento da função social dos indivíduos, perturba sono, atividades de lazer e relações sociais33,34. Cabe ressaltar que mesmo com as melhorias produzidas pela Politica Nacional de Saúde Bucal do Brasil, implementada em 2003, a demanda pela reabilitação protética no município onde o estudo foi realizado ainda é muito grande. Portanto, mesmo para esses idosos, vinculados às equipes de saúde da família, que têm dentistas, não são disponibilizados os tratamentos mais complexos, como a reabilitação protética. Isso acaba exigindo recursos financeiros (que na maioria dos casos não dispõe) do próprio idoso, que sai para buscar o atendimento no setor privado. Esta situação pode ter contribuído para o aparecimento, principalmente durante as refeições, dos problemas relatados relacionados à dor. Essas situações, associadas aos problemas próprios deste ciclo de vida, como por exemplo, distanciamento dos filhos, ausência de companheiro entre outros, que não foram avaliados neste estudo, podem ter colaborado para a maior prevalência de sintomas depressivos e o aparecimento desta associação. Diante disto, a importância deste achado está no fato de que, em muitos casos, a dor na boca pode não ter nenhuma relação com as doenças bucais e deste modo o dentista pode ajudar a identificar idosos que necessitam de intervenção psicológica encaminhando para uma consulta com o médico da unidade de saúde12.

Duas limitações foram identificadas no presente estudo. A primeira foi a falta de um instrumento para medir a capacidade cognitiva do idoso. No entanto, essa situação foi minimizada, pois os entrevistadores do estudo foram orientados para que, caso identificassem dificuldades por parte do idoso em responder às questões, terminassem o questionário e realizassem apenas o exame de saúde bucal. A outra limitação é o delineamento que não permite inferir à relação temporal entre as variáveis de exposição e o desfecho do estudo. Devem ser realizados mais estudos com delineamentos longitudinais para esclarecer a associação da saúde bucal e sintomas depressivos.

Considerações finais

O presente estudo identificou uma prevalência importante de sintomas depressivos medidos pela escala de depressão geriátrica de 18,3% entre os idosos vinculados às unidades de saúde da família de um município do Sul do Brasil. As variáveis número de dentes (1 a 9 dentes), percepção de boca seca e de dor na boca foram evidenciadas neste estudo como fatores associados com a presença de sintomas depressivos nos idosos com 60 anos ou mais. Deste modo, é necessário que sejam ampliadas ações de saúde bucal, principalmente as de caráter reabilitador que, juntamente com a rotina da investigação da presença de sintomas depressivos, crie condições para promover autonomia, integração e participação efetiva do idoso na comunidade, conforme preconizado pela Política Nacional do Idoso do Brasil.

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