versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464
Cad. Saúde Pública vol.36 no.2 Rio de Janeiro 2020 Epub 21-Fev-2020
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00209519
O atual contexto econômico, social e político brasileiro exige que a Saúde Coletiva conheça e ressignifique sua trajetória para melhor atuação daqueles que a escolheram para atuação profissional. Nesse âmbito, a EDUFBA e a Editora Fiocruz apresentam o livro O Campo da Saúde Coletiva: Gênese, Transformações e Articulações com a Reforma Sanitária Brasileira, de autoria da professora e pesquisadora da Universidade Federal da Bahia, Ligia Maria Vieira-da-Silva, com participação de outros quatro pesquisadores da referida instituição.
O livro é relevante para a Saúde Coletiva por discutir os fundamentos da área no Brasil, desenvolvendo uma, entre outras, possibilidades para apresentar historicamente esse processo. A escrita dá potência às informações coletadas por construir a interface entre reflexões teóricas e narrativas individuais que produzem sentido histórico ao serem unidas e apresentadas coletivamente.
Em sete capítulos, a autora discorre sobre questões importantes para a compreensão dos cenários políticos, econômicos e institucionais para o desenvolvimento da Saúde Coletiva. No primeiro, são explicitadas as condições históricas, inicialmente baseadas em filantropia e influência de instituições internacionais, o que ajudou a modificar os processos formadores sobre saúde pública nas universidades. No segundo capítulo, há discussão acerca das diferentes espécies de capitais envolvidos na gênese da Saúde Coletiva, quais sejam: científico, burocrático, burocrático universitário, político, político-partidário, institucionais e sociais.
Além do conceito de capitais, a autora também se apoia no conceito de campo desenvolvido por Bourdieu 1, para explicar o processo em construção do campo da Saúde Coletiva. Ela destaca a importância de algumas universidades brasileiras para consolidação do campo, as quais continuam, após décadas, ocupando lugar de destaque na formulação intelectual e formação de profissionais.
No terceiro e quarto capítulos, a autora explicita o cenário formado por diversos atores com perspectivas convergentes e divergentes para a construção da Saúde Coletiva. Discute, também, a necessidade de tomada de decisão deles para a defesa de um campo afeito à heterogeneidade de espaços, ideias e agentes. Essa é uma característica fortalecida ao longo do tempo e ainda basilar para o campo 2, considerando os diferentes locus de atuação, bem como as distintas áreas de formação de seus integrantes.
A autora nos remete à influência da Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) para a indução de importantes encontros e aproximações entre os que buscavam um espaço para convergência de ideias em torno da construção de uma nova “medicina social”. Salienta-se que a concatenação entre teoria, prática, pesquisa e ensino, potencializou a formação dos profissionais no campo, o que fortalece a perspectiva da Saúde Coletiva como corrente de pensamento, movimento social e prática teórica 3.
Os pesquisadores Sandra Garrido de Barros, Jamacy Souza Costa e Gerluce Alves Pontes da Silva participaram da elaboração do quinto capítulo, em que se explicita o espaço da Saúde Coletiva, especialmente o científico, entre a criação da Abrasco, em 1979, até a avaliação da área pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), em 2009. Apresenta-se um panorama da Saúde Coletiva com a classificação dos programas de pós-graduação pela Capes, formação dos docentes (profissões e instituições) e principais temas estudados pelos docentes/pesquisadores.
Jairnilson Silva Paim escreveu o sexto capítulo, que discute a Reforma Sanitária Brasileira mediante as narrativas dos “intelectuais fundadores”. A sua abordagem é inovadora por apresentar a perspectiva dos fundadores, ao tempo em que realiza reflexões teóricas importantes para discussões e consolidação do campo no âmbito da pós-graduação. Destaca, em concordância com outros autores 4,5, a contribuição das Ciências Sociais para a discussão sobre as questões de saúde na América Latina e como isso influenciou a inserção dessa área disciplinar entre as bases da Saúde Coletiva.
No último capítulo, a autora convida os leitores ao debate por intermédio do seguinte questionamento: Saúde Coletiva é um espaço de relações ou um campo em consolidação? Sem apresentar uma resposta a essa questão e ampliando o debate, a autora foca a interação entre os polos do mercado, a burocracia estatal e a Saúde Coletiva universitária. Outrossim, é explicitado o desenvolvimento contínuo dos processos para a construção das diversas identidades presentes no campo, influenciadas pelo contexto da formação universitária em saúde e do sistema de saúde brasileiro.
Nos apêndices do livro, são apresentadas notas metodológicas e esclarecimento de que a obra é produto de uma pesquisa desenvolvida com 31 entrevistados que concederam as narrativas individuais para a sua construção. Trata-se de fundadores da Saúde Coletiva que qualificaram o conhecimento acerca dos meandros constitutivos do campo e discutiram os principais desafios vivenciados no passado e na contemporaneidade.
É possível afirmar que o livro é voltado especialmente aos acadêmicos da graduação e pós-graduação em saúde (coletiva), por denotar a história do campo e relacionar uma matriz teórico-conceitual fundamental das ciências sociais com a experiência daqueles que construíram e ainda constroem caminhos no cotidiano da Saúde Coletiva.