versão impressa ISSN 0021-7557versão On-line ISSN 1678-4782
J. Pediatr. (Rio J.) vol.90 no.2 Porto Alegre mar./abr. 2014
http://dx.doi.org/10.1016/j.jped.2013.09.006
A sepse é caracterizada por manifestações sistêmicas decorrentes da invasão e multiplicação bacteriana na corrente sanguínea, podendo ocasionar elevada mortalidade e morbidade neonatal.1 Recém-nascidos (RN) prematuros apresentam maior risco de desenvolver sepse.Existem evidências de que as infecções perinatais e neonatais apresentam associação com as alterações do neurodesenvolvimento em RN prematuros.2 - 6
Alguns estudos apontam a sepse neonatal como um dos importantes fatores de risco para o atraso do desenvolvimento e paralisia cerebral, além da mortalidade neonatal.7 - 11 No entanto, poucos são os estudos que avaliam a faixa etária estudada (12 meses de idade corrigida), e até o presente momento foi encontrada somente uma publicação nacional que investigou a associação entre sepse e o neurodesenvolvimento.12 Além disso, torna-se necessária a utilização de uma metodologia adequada para o controle dos diversos fatores de confundimento já consagrados na literatura, como a baixa idade gestacional, o sexo masculino, a displasia broncopulmonar (DBP) e injúrias cerebrais que podem influenciar o neurodesenvolvimento nesta população.
O objetivo deste estudo foi avaliar a sepse neonatal como fator de risco para a alteração no neurodesenvolvimento de crianças nascidas prematuras de muito baixo peso, aos 12 meses de idade corrigida.
Este estudo de coorte prospectiva foi realizado em um hospital terciário, unidade de referência para RN de alto risco. Foram incluídos na coorte RN prematuros (idade gestacional inferior a 37 semanas) com peso de nascimento inferior a 1.500 g nascidos de 2004 a 2010. A idade gestacional foi estimada pela data da última menstruação materna. Na incerteza desta data, pela ultrassonografia precoce e pelo escore de New Ballard.13 Quando o peso de nascimento foi inferior ao percentil 10 para idade gestacional,14 o RN foi classificado como pequeno para a idade gestacional. Foram excluídos os RN com infecção, malformações congênitas, síndromes genéticas, os nascidos em outras maternidades, óbitos neonatais e pós-neonatais. As crianças não avaliadas pela escala Bayley foram excluídas da análise e consideradas perdas do estudo.
Consideramos sepse neonatal a presença de hemocultura positiva e/ou sinais clínicos e laboratoriais sugestivos de infecção.11 Os sinais clínicos considerados foram piora do desconforto respiratório: taquipneia, retração esternal e/ou subcostal, gemência e cianose, apneia, instabilidade na temperatura corporal, hiper ou hipoglicemia, perfusão periférica insatisfatória, intolerância alimentar, hipotensão arterial e hipoatividade.11 Os parâmetros laboratoriais incluíram: hemograma com três ou mais parâmetros alterados segundo Rodwell et al.15 e/ou proteína C-reativa > 0,5 mg/dL, hemocultura negativa ou não realizada, ausência de evidência de infecção em outro sítio e terapia antimicrobiana instituída e mantida. Rodwell et al.15 consideraram os seguintes parâmetros hematológicos: leucocitose (> 25.000 leucócitos ao nascimento ou > 30.000 entre 12-24 h ou > 21.000 leucócitos com mais de 48 h de vida); leucopenia (< 5.000 leucócitos); neutrofilia ou neutropenia; elevação do número de neutrófilos imaturos; índice neutrofílico aumentado; razão dos neutrófilos imaturos sobre segmentados > 0,3; neutrófilos com vacuolização e granulação tóxica; plaquetopenia (< 150.000). Tais dados foram coletados dos prontuários.
Os RN após a alta da UTI foram acompanhados no Ambulatório de Seguimento de RN de Risco, e a avaliação clínica/neurológica foi realizada por pediatra e fisioterapeuta mensalmente, até os 12 meses. Esta consistiu na observação da postura e movimentação espontânea, tônus muscular nos vários segmentos corporais (cervical, axial, membros e cintura escapular), assimetrias e reflexos, de acordo com o protocolo Amiel-Tison e Grenier16 e os marcos do desenvolvimento motor. Foi considerada alteração neuromotora quando a criança apresentou, na avaliação clínico/neurológica, uma ou mais alterações associadas nos vários segmentos corporais, como: alteração do tônus muscular, alteração da postura, alteração da movimentação espontânea, exame neurológico alterado e atraso do desenvolvimento motor,17 considerado se criança não adquiriu os marcos motores adequados para a idade corrigida.16 - 19
A Escala Bayley do Desenvolvimento Infantil - 2ª edição20 foi aplicada por psicólogas habilitadas aos 12 meses de idade corrigida, sendo avaliadas as áreas mental e psicomotora, obtendo-se, assim,os índices de desenvolvimento mental e psicomotor. Segundo os autores da escala, o índice de desenvolvimento psicomotor (PDI) e o índice de desenvolvimento mental (MDI) são considerados normais se as pontuações forem iguais ou superiores a 85; atraso moderado se as pontuações estiverem entre 70 e 84; atraso significativo se as pontuações forem inferiores a 70. Consideramos, neste estudo, PDI e MDI alterados quando as pontuações foram inferiores a 85.
Os desfechos do estudo foram: desenvolvimento neuromotor aos 12 meses (incluindo a avaliação clínica/neurológica e os resultados da área motora da escala Bayley) e o desenvolvimento mental. Consideramos desenvolvimento neuromotor modificado quando houve alteração na avaliação clínica/neurológica e/ou alteração no PDI. Consideramos alteração no desenvolvimento mental quando o MDI foi inferior a 85.
O desenvolvimento neuromotor e o desenvolvimento mental aos 12 meses das crianças que apresentaram sepse neonatal foram comparados aos das sem sepse. A associação entre a variável de exposição (sepse) e as variáveis desfecho desenvolvimento neuromotor e desenvolvimento mental foi verificada através de análise multivariada (regressão logística). Investigamos a presença de potenciais fatores de confusão a partir da associação das covariáveis com a exposição e com os desfechos.
Foram considerados como covariáveis os dados demográficos, a condição socioeconômica familiar, aspectos relacionados ao período perinatal, intervenções e morbidades neonatais. As informações pós-neonatais incluíram a frequência à creche e internação no primeiro ano de vida.
DBP foi definida como uso de oxigênio por 28 dias ou mais.21 Enterocolite necrotizante foi considerada nos casos de necessidade de tratamento clínico ou cirúrgico.22 Persistência do canal arterial (PCA) foi definida pela presença de sopro cardíaco, taquicardia, precórdio hiperdinâmico e pulso amplo,23 e confirmado por ecocardiograma. Foram realizados exames de ultrassonografia cerebral seriados nas primeiras duas semanas de vida, na alta hospitalar e na investigação de injúria cerebral. A coleta dos dados foi prospectiva. As informações de interesse à pesquisa ocorridas nos períodos peri e neonatal foram coletadas pela pesquisadora em ficha própria durante a internação do bebê, e as informações pós-neonatais foram coletadas na mesma ficha, no momento das consultas no Ambulatório de Seguimento.
Para a análise dos dados foram utilizados os programas Epi Info versão 3.5.1 e SPSS 17. Foram utilizados testes estatísticos para diferenças de médias (F statistics ou Kruskal Wallis) e proporções (Qui-quadrado), e o nível de significância foi de 0,05.
Primeiro, foi realizada análise descritiva dos dados para conhecimento das características das crianças com e sem sepse. Foram realizadas, separadamente, análises descritivas das características das crianças com sepse confirmada (hemocultura positiva) e das crianças com sepse clínica (sinais clínicos e laboratoriais de infecção na ausência de hemocultura positiva). Foram calculadas as frequências da sepse, da alteração do PDI e MDI e das principais alterações no exame neurológico aos 12 meses de idade corrigida. A associação entre as variáveis de exposição e de desfechos foi verificada através do cálculo do odds ratio (OR).
Para identificação dos possíveis fatores de confundimento, foram selecionadas as variáveis que apresentaram associação tanto com a exposição principal - sepse confirmada, sepse clínica e sepse (confirmada e clínica associadas) - quanto com os desfechos (desenvolvimento neuromotor e mental), com nível de significância inferior a 0,20. Foi investigada a variação na magnitude da associação entre a sepse e o desenvolvimento neuromotor e entre sepse e desenvolvimento mental quando ajustadas para cada uma destas variáveis do estudo, definidas como potenciais fatores de confundimento na etapa pregressa. As variáveis cujo ajuste causou uma mudança maior que 10% no risco da variável exposição principal (sepse) foram selecionadas para os modelos multivariados (regressão logística),24 que foram construídos separadamente para cada desfecho. No modelo final, foram consideradas as variáveis com nível de significância de 0,05.
Este trabalho foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto Fernandes Figueira (CAAE 0005.0.008.000-06). Os responsáveis pelas crianças forneceram consentimento informado para a participação na pesquisa.
No período estudado foram admitidos 448 RN de muito baixo peso. Foram excluídas 105 crianças, ocorreram 86 óbitos e não compareceram à primeira consulta após a alta nove crianças. Portanto, iniciaram o acompanhamento no Ambulatório de Seguimento 248 crianças. No primeiro ano de vida ocorreram seis óbitos. Nossa população de estudo corresponde a 194 crianças. A diferença de 48 crianças entre o número das que iniciaram o estudo e o das que foram avaliadas pela Escala Bayley aos 12 meses deveu-se às faltas a consultas ou à impossibilidade de a criança realizar o teste no período programado. As perdas representaram 19%. Não houve diferença estatisticamente significativa entre as características neonatais do grupo do estudo e o das perdas.
A média do peso de nascimento foi 1.119 g (mediana 1.145; DP 247) e da idade gestacional 29 semanas e 6 dias (mediana 30 semanas; DP 2). As características neonatais da população estão na tabela 1. Esses dados apontam tratar-se de população com alta gravidade clínica, onde quase a metade apresentou sepse e cerca de um terço desenvolveu DBP. A média da renda familiar foi de 1.123 reais (mediana 800,00; DP 1210), e a escolaridade materna média foi de 8,9 anos (mediana 8,9 anos; DP 3).
Tabela 1 Características da população de 194 prematuros de muito baixo peso nascidos entre 2004 e 2010 e acompanhados no Ambulatório de Seguimento de recém-nascidos de risco
Características da população | n | % |
---|---|---|
Peso de nascimento inferior a 1.000 g | 61 | 31,4 |
Idade gestacional inferior a 28 semanas | 41 | 21,1 |
Pequeno para a idade gestacional | 86 | 44,3 |
Sexo masculino | 91 | 46,9 |
Doença de membrana hialina | 146 | 75,3 |
Assistência ventilatória | 111 | 57,2 |
Displasia broncopulmonar | 58 | 29,9 |
Pneumonia neonatal | 19 | 9,8 |
Persistência do canal arterial | 81 | 41,8 |
Hemorragia Peri-intraventricular | 46 | 23,7 |
Leucomalácia | 6 | 3,1 |
Sepse | 86 | 44,3 |
Da população estudada, 20% apresentaram alteração neuromotora na avaliação clínica/neurológica aos 12 meses e 37,6% alteração no índice de desenvolvimento psicomotor (PDI). A média do PDI foi 86,6 (mediana 86; DP 15,3). Aos 12 meses de idade corrigida, 79 crianças (40,7%) apresentaram alteração neuromotora na avaliação clínica/neurológica e/ou alteração no PDI.
Alteração no índice de desenvolvimento mental ocorreu em 39,2% das crianças. A média do MDI foi 86,4 (mediana 88, DP 13,4).
Das 194 crianças, 86 (44,3%) desenvolveram sepse, sendo 25 (12,9%) confirmadas com hemoculturas positivas e 61 (31,4%) sepse clínica. A comparação das características neonatais do grupo com e sem sepse encontra-se na tabela 2. Houve uma maior frequência de peso de nascimento inferior a 1.000 gramas e de idade gestacional inferior a 28 semanas nos pacientes com sepse comparados aos sem sepse (p < 0,00001). No desenvolvimento motor, foi constatada uma frequência duas vezes maior de PDI alterado (< 85) nas crianças com sepse (55,8%) do que nos pacientes sem sepse (23,1%). Foi significativa a diferença entre as médias do PDI das crianças com sepse (81 DP 15,4) e das sem sepse (90,8 DP:13,9), assim como foi significativa a diferença entre as médias do MDI das crianças com sepse (83 DP 14,3) e das sem sepse (89,2 DP 12). Foi estatisticamente significativa a diferença entre os grupos no que se refere à ocorrência dos desfechos, sendo mais frequente no grupo com sepse (tabela 3).
Tabela 2 Comparação das características neonatais das crianças nascidas prematuras de muito baixo peso que desenvolveram sepse e das que não desenvolveram sepse no período neonatal: 2004-2010
Características | Sepse | Sepse | Sepse | Sepse | p-valora | |||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
confirmada | clínica | |||||||||
Sim | Não | |||||||||
n = 25 | n = 61 | n = 86 | n = 108 | |||||||
Peso de nascimento (g) média [DP] | 887 [247] | 1.067 [243] | 1.015 [256] | 1.203 [256] | 0,00001 | |||||
Idade gestacional (semanas)-média [DP] | 28 | [2] | 29,4 [2] | 29,1 [2 s] | 30,5 [2] | 0,00001 | ||||
PN < 1.000 - n (%) | 17 | (68) | 25 | (41,0) | 42 | (48,8 %) | 19 | (17,6%) | 0,00003 | |
IG < 2 8 s - n (%) | 13 | (52) | 15 | (24,6) | 28 | (32,6%) | 13 | (12,0%) | 0,0005 | |
Amniorexis prematura - n (%) | 4 (16) | 18 | (29,5 ) | 22 | (25,6%) | 12 | (11,1 %) | 0,008 | ||
Sexo masculino | 14 | (56) | 39 | (63,9) | 53 | (61,6) | 38 | (35,2) | 0,00002 | |
Assistência ventilatória - n (%) | 20 | (80) | 48 | (78,7) | 68 | (79,1) | 43 | (39,8) | 0,00001 | |
Duração da Assistência ventilatória -dias - média [DP] | 15 | [18] | 5,6 [8] | 8 [13] | 1,6 [5] | 0,00001 | ||||
Pneumonia - n(%) | 5 (20) | 9 (14,8) | 14 | (16,3) | 5 (4,6) | 0,006 | ||||
DBP - n (%) | 19 | (76) | 28 | (45,9) | 47 | (54,7) | 11 | (10,2) | 0,00001 | |
Tempo de uso de oxigênio-dias média [DP] | 60 | [64] | 34 | [29] | 42 | [49] | 9 [15] | 0,00001 | ||
PCA - n (%) | 17 | (68) | 38 | (62,3) | 55 | (64) | 26 | (24,1) | 0,00001 | |
PIG - n (%) | 9 (36) | 25(41,0) | 34 | (39,5) | 52 | (48,1) | 0,23 | |||
NEC - n (%) | 2 (8) | 2 (3,2) | 4 (4,6) | 0 | 0,08 | |||||
HPIV - n (%) | 15 | (60) | 17 | (27,9) | 32 | (37,2) | 14 | (13) | 0,00008 | |
Leucomalácia - n (%) | 1 (4,0) | 3 (4,9) | 4 (4,7) | 2 (1,9) | 0,48 |
DP, desvio-padrão
PN < 1.000: peso de nascimento inferior 1000g
IG < 28s idade gestacional inferior a 28 semanas
DBP, displasia broncopulmonar
PCA, persistência do canal arterial
PIG, pequeno para a idade gestacional
NEC, enterocolite necrotizante
HPIV, hemorragia peri-intraventricular
a p-valor referente à comparação entre crianças com sepse (confirmada+clínica) e crianças sem sepse.
Tabela 3 Comparação da frequência de alterações do neurodesenvolvimento das crianças nascidas prematuras de muito baixo peso que desenvolveram sepse e das que não desenvolveram sepse no período neonatal, 2004-2010
Características | Sepse | Sepse | p-valor | |
---|---|---|---|---|
Sim (n = 86) | Não ( n = 108) | |||
n (%) | n (%) | |||
PDI alterado aos 12 meses | 48 (55,8) | 25 | (23,1) | 0,000003 |
Alteração neuromotora aos 12 meses | 29 (33,7) | 10 | (9,3%) | 0,00002 |
Alteração neuromotora e/ou PDI alterado aos 12 meses | 51 (59,3) | 28 | (25,9) | 0,000003 |
MDI alterado aos 12 meses | 41 (47,7) | 35 (32,4) | 0,003 |
PDI alterado, índice do desenvolvimento psicomotor da Escala Bayley inferior a 85 aos 12 meses de idade corrigida. MDI alterado, índice do desenvolvimento mental da Escala Bayley inferior a 85 aos 12 meses de idade corrigida.
Na análise bivariada entre a variável de exposição (sepse) e os desfechos (desenvolvimento neuromotor e desenvolvimento mental), verificamos que as crianças com sepse apresentaram quatro vezes mais chances de apresentar alteração do desenvolvimento neuromotor aos 12 meses do que aquelas que não apresentaram infecção (OR: 4,16 IC: 2,26-7,65). Quando verificamos a associação entre a variável sepse confirmada e o desfecho neuromotor, as crianças com sepse confirmada apresentaram cerca de três vezes mais chances de ter alteração neuromotora aos 12 meses (OR: 2,99 IC: 1,25-7,17) do que as crianças sem sepse confirmada. Na análise bivariada entre a variável sepse clínica e o desfecho, as crianças que tiveram sepse clínica apresentaram 2,72 vezes mais chances de desenvolver alteração neuromotora (IC: 1,46-5,07).
Na verificação dos possíveis fatores de confusão na associação da sepse com o desenvolvimento neuromotor, verificamos que as seguintes variáveis apresentaram associação tanto com a exposição quanto com o desfecho: peso inferior a 1.000 g, idade gestacional inferior a 28 semanas, sexo masculino, pneumonia neonatal, hemorragia Peri-intraventricular, assistência ventilatória, PCA e DBP.
A tabela 4 mostra que, para o desenvolvimento neuromotor, após ajuste para cada uma das possíveis variáveis de confundimento, foram selecionadas para o modelo logístico multivariado as variáveis DBP, PCA e sexo masculino. Após o controle destes fatores de risco, a sepse neonatal permaneceu significativamente associada a alterações do desenvolvimento neuromotor aos 12 meses de idade corrigida. As crianças com sepse apresentaram 2,5 vezes mais chances de desenvolver alteração do desenvolvimento neuromotor em relação àquelas sem sepse (OR: 2,50; IC: 1,23-5,10). Pôde ser observado que a DBP apresentou significância estatística limítrofe para associação com a alteração do desenvolvimento neuromotor (OR: 2,06 IC: 0,97-4,4). Considerando separadamente a sepse confirmada como exposição, após ajuste para cada uma das possíveis variáveis de confundimento, foram selecionadas para entrar no modelo logístico multivariado: DBP, PCA e idade gestacional inferior a 28 semanas. Após o controle destes fatores de risco, a sepse confirmada não mostrou associação com alterações do desenvolvimento neuromotor (OR: 1,6 IC: 0,86-3,17). Considerando a sepse clínica como exposição, após o controle dos fatores de risco, a sepse clínica permaneceu significativamente associada a alterações do desenvolvimento neuromotor (OR: 1,99 IC: 1,02-3,9).
Tabela 4 Associação da sepse neonatal com alteração do desenvolvimento neuromotor e mental aos 12 meses de idade corrigida ajustada para as variáveis selecionadas
OR | IC 95% | |
---|---|---|
Desenvolvimento neuromotor | ||
Sepse | 2,50 | 1,23-5,10 |
DBP | 2,06 | 0,97-4,4 |
Sexo masculino | 1,66 | 0,88-3,14 |
PCA | 1,30 | 0,65-2,60 |
Sepse confirmada | 1,6 | 0,6-4,2 |
DBP | 3,11 | 1,42-6,8 |
Idade gestacional < 28semanas | 1,2 | 0,51-2,8 |
PCA | 1,65 | 0,86-3,17 |
Sepse clínica | 1,99 | 1,02-3,9 |
DBP | 3,11 | 1,4-6,7 |
Sexo masculino | 1,7 | 0,9-3,2 |
Idade gestacional <28semanas | 1,02 | 0,4-2,4 |
Desenvolvimento mental | ||
Sepse | 1,05 | 0,52-2,1 |
DBP | 1,82 | 0,84-3,9 |
Pneumonia neonatal | 5,1 | 1,53-17,0 |
Sexo masculino | 2,1 | 1,1-3,9 |
OR, odds ratio
IC 95%, intervalo de confiança de 95%
DBP, displasia broncopulmonar
PCA, persistência do canal arterial.
Na análise bivariada entre a variável de exposição (sepse) e o desfecho (desenvolvimento mental), verificamos que as crianças com sepse apresentaram 1,9 vezes mais chance de alteração MDI do que aquelas sem sepse (IC: 1,05-3,40). Na análise bivariada, a variável sepse confirmada (OR: 1,82; IC: 0,78-4,24) e sepse clínica (OR: 1,50; IC: 0,8-2,78) não mostraram associação com o desfecho alteração no MDI.
Para o desenvolvimento mental, após ajuste para cada uma das possíveis variáveis de confundimento, foram selecionadas para o modelo logístico multivariado as variáveis DBP, pneumonia neonatal e sexo masculino. Após o controle destes fatores de risco, a sepse neonatal perdeu a significância estatística, não permanecendo associada a alterações do desenvolvimento mental aos 12 meses de idade corrigida (OR: 1,05: IC: 0,52-2,14) (tabela 4).
Não foi identificada a presença de interação entre as variáveis de confundimento (tabela 4).
Este estudo aponta que as crianças prematuras de muito baixo peso que apresentaram infecção neonatal têm 2,5 vezes mais chances de apresentar desenvolvimento neuromotor alterado aos 12 meses de idade corrigida, independentemente dos outros fatores de risco, o que reafirma alguns dados encontrados na atual literatura. Quando analisamos o subgrupo sepse confirmada como fator de risco para alteração do desenvolvimento neuromotor, após controlar para os outros fatores de confundimento, a associação perdeu a significância estatística, talvez em função do pequeno número de casos confirmados. Porém, a sepse clínica se mostrou um fator de risco independente para alteração neuromotora. Outros estudos, que também analisaram isoladamente crianças com sepse confirmada e clínica, encontraram resultados controversos em relação à contribuição de cada um destes grupos. Em estudo multicêntrico com mais de 6.000 crianças, RN com sepse clínica apresentaram chances (OR: 1,6; IC: 1,3-2,0) similares às crianças com sepse confirmada (OR: 1,5; IC: 1,2-1,9) de alteração neuromotora grave entre 18 e 22 meses.6
Kohlendorfer et al.9 também verificaram a associação dos possíveis fatores de risco para alterações do neurodesenvolvimento. As crianças que desenvolveram sepse neonatal apresentavam três vezes mais chances de desenvolvimento neuromotor e cognitivo alterados (PDI e MDI < 85) aos 12 meses de idade corrigida.
Por outro lado, em um recente estudo10 sobre alteração do neurodesenvolvimento em uma coorte de prematuros, foram avaliadas, aos 24 meses de idade corrigida, 136 crianças com sepse confirmada, 169 com sepse suspeita e 236 sem infecção. As crianças com sepse confirmada apresentavam três vezes mais chances de desenvolver paralisia cerebral, comparadas às sem sepse. Foi observado que as crianças com infecção clínica apresentaram quase duas vezes mais chances de terem paralisia cerebral, porém não houve significância estatística. A sepse clínica e a sepse confirmada não mostraram associação com atraso cognitivo.10
Apesar de a hemocultura ser considerada como padrão-ouro para sepse, sua sensibilidade é inferior a 50%.25 No nosso estudo, foi importante a inclusão da sepse clínica, pois, devido à baixa sensibilidade da hemocultura, poderíamos estar deixando de incluir como expostas à sepse crianças que tiveram infecção, e subestimando, assim, seus efeitos sobre o desenvolvimento neuromotor. Vários autores consideram, em seus artigos recentemente publicados, a sepse clínica separadamente ou associada26 - 28 à sepse confirmada, e empregam critérios semelhantes aos que utilizamos para a classificação de sepse clínica.6 , 10 , 28
Alterações neuromotoras em crianças nascidas prematuras com infecção neonatal podem ser mediadas pela lesão da substância branca.5 , 29 No entanto, ainda não se sabe qual o mecanismo que gera a lesão da substância branca. Parece que tal lesão pode ser atribuída à suscetibilidade dos precursores dos oligodendrócitos à inflamação, hipóxia e isquemia.28 Helmes et al.30 não observaram associação entre a sepse tardia e lesão da substância branca, assim como não observaram efeitos adversos no desenvolvimento aos 15 meses de idade em crianças prematuras.
Deve ser considerado que parte das alterações neuromotoras verificadas podem ser decorrentes das anormalidades neurológicas transitórias observadas nos bebês prematuros até os 18 meses de idade corrigida. Brandt et al.31 observaram sinais neurológicos anormais principalmente no primeiro ano de vida, e concluíram que não é possível predizer precocemente se um sinal neurológico anormal será transitório, sendo necessário um acompanhamento longitudinal dessas crianças, ressaltando a importância do seguimento dessa população.
Gianní et al.32 enfatizaram a importância da estimulação e intervenção precoces nestas crianças para promoção de um melhor desenvolvimento neuropsicomotor. No nosso estudo, os familiares das crianças com qualquer alteração foram orientados a fazer exercícios no domicílio e/ou tratamento fisioterapêutico.
As perdas ocorridas durante o seguimento das crianças podem ser consideradas como uma limitação do estudo, no entanto, não houve diferença significativa entre as características neonatais do grupo de perdas e as do estudo. Destacamos que a frequência de sepse também foi similar entre os dois grupos, o que mostra ser pouco provável a ocorrência de viés. É importante ressaltar que as perdas são frequentes em estudos de coorte, e as do presente estudo foram semelhantes àquelas observadas em alguns estudos.9 , 10
A idade escolhida para o ponto de coorte (12 meses de idade corrigida) teve como objetivo a detecção precoce de alterações do neurodesenvolvimento e, portanto, uma abordagem terapêutica precoce mais adequada possível, visando promover um desenvolvimento apropriado no futuro. Outro aspecto importante do estudo foi o acompanhamento sistemático ao longo de 12 meses de uma coorte de 194 crianças pertencentes a famílias de baixo nível socioeconômico, muitas delas residentes em outros municípios. Estudos vêm ressaltando a importância do acompanhamento, a longo prazo, dessa população de risco.32 Outra motivação para a escolha da avaliação aos 12 meses foram os escassos relatos na literatura de alterações nessa idade relacionados à sepse.
A sepse neonatal comportou-se como fator de risco independente para desenvolvimento neuromotor alterado de crianças prematuras na faixa etária avaliada, porém sem associação com o desenvolvimento mental. Sugere-se, a partir dos resultados encontrados, que a criança que de-senvolveu sepse no período neonatal, confirmada ou clínica, tenha um acompanhamento diferenciado do seu desenvolvimento neuromotor.