versão impressa ISSN 1414-8145versão On-line ISSN 2177-9465
Esc. Anna Nery vol.22 no.2 Rio de Janeiro 2018 Epub 01-Mar-2018
http://dx.doi.org/10.1590/2177-9465-ean-2017-0294
Na atualidade, os transtornos mentais vêm se destacando nos programas de saúde pública em decorrência de seu preocupante panorama global evidenciado por uma elevada ocorrência apresentada em estudos epidemiológicos que consolidam esta condição de saúde como uma ameaça ao desenvolvimento humano.1,2
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), houve nas últimas décadas um crescente aumento na prevalência de transtornos mentais na população mundial. Estima-se que cerca de 650 milhões de pessoas apresentem alguma especificidade de transtorno mental, compreendendo quatro das dez principais causas de incapacitação no mundo.1,2
Os transtornos mentais são classificados como condição crônica e de alta prevalência, apresentando diferentes sintomas, geralmente, associados a uma combinação de pensamentos atípicos, emoções e comportamentos relacionados a inúmeros impactos no âmbito pessoal, familiar e social da pessoa acometida por eles.3 São, frequentemente, delimitados pela instabilidade da manifestação dos sintomas que ora apresentam momentos de remissão, ora de exacerbação, caracterizados por delírios, alucinações, agitação, comportamento auto ou heteroagressivo e exposição social.3,4
Nesse sentido, a pessoa com transtorno mental, muitas vezes, requer um tratamento contínuo com necessidade de múltiplas intervenções no âmbito psicossocial, que resultem de uma abordagem multiprofissional e interdisciplinar por meio de psicoterapias, terapias em grupo e/ou individuais, terapêutica medicamentosa, entre outros.4-6
Especificamente no caso da terapêutica medicamentosa, quando aplicada de forma racional, tem como objetivo reduzir os sintomas prejudiciais oriundos do transtorno mental buscando uma melhor adaptação do indivíduo com a realidade.5 Os medicamentos são comumente utilizados no tratamento em saúde mental, sendo a disponibilidade generalizada e a eficácia as maiores responsáveis pela utilização em ampla escala deste recurso.7
Assim, a terapêutica medicamentosa é um importante recurso no tratamento em saúde mental, sem objetivo de curar, mas de favorecer a qualidade de vida do indivíduo, contribuindo para o bem-estar físico e mental, auxiliando na reinserção social e no reestabelecimento da autonomia do indivíduo como um cidadão.5,8,9
A equipe de enfermagem, como integrante da equipe multiprofissional de saúde, desempenha papel fundamental na terapêutica medicamentosa em saúde mental, afinal, esses profissionais devem apresentar uma postura ativa e atuar em contato diário com o paciente, para que possa conhecer a experiência e a vivência do indivíduo quanto ao uso de medicamentos.4,5 Ademais, essa terapêutica está inserida na prática profissional da equipe de enfermagem, a qual deve visar o cuidado humanizado, sistematizado e integral fundamentado na reabilitação psicossocial sustentada pelos preceitos da Reforma Psiquiátrica.4,6,9
Portanto, conhecer como a equipe de Enfermagem percebe a terapêutica medicamentosa no tratamento em saúde mental é de suma importância, pois cabem a esses profissionais as ações de administrar, supervisionar e orientar o paciente sobre o medicamento prescrito. Além de esclarecer os motivos da indicação terapêutica, os efeitos esperados, a frequência de administração, os possíveis efeitos colaterais e adversos, os profissionais de enfermagem devem estar atentos ao modo como esta terapêutica é percebida e vivenciada pela pessoa com transtorno mental, pois o sucesso da mesma depende também das atitudes desses profissionais.4,6 Diante desse contexto, esta pesquisa teve como objetivo conhecer a percepção dos profissionais de Enfermagem sobre a terapêutica medicamentosa às pessoas com transtorno mental.
Trata-se de uma pesquisa qualitativa exploratória, desenvolvida em um Centro de Atenção Psicossocial (CAPS) II e três Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) III do Município de Curitiba, Paraná, Brasil. Foram convidados a participar da pesquisa os 62 Profissionais de Enfermagem (23 enfermeiros e 37 técnicos e dois auxiliares de enfermagem) dispostos nos quatro CAPS, sendo: 21 no primeiro (oito enfermeiros e 13 técnicos de enfermagem), 20 no segundo CAPS (sete enfermeiros e 13 técnicos de enfermagem), 18 no terceiro (sete enfermeiros e 11 técnicos de enfermagem) e três no último CAPS (um enfermeiro e dois auxiliares de enfermagem). Houve recusa de quatro profissionais em participar mesmo após a realização de três tentativas de abordagem em diferentes momentos.
Participaram da pesquisa os profissionais de enfermagem que atuavam diretamente no cuidado a pessoa com transtorno mental. Foram excluídos os profissionais que estavam em período de férias ou em licença médica no momento da coleta de dados. Dessa forma, participaram desta pesquisa 56 profissionais de Enfermagem.
Entre os 56 profissionais que participaram desta pesquisa, 23 apresentavam nível superior e 33 de nível médio (31 técnicos e dois auxiliares de enfermagem), 50 eram do sexo feminino e seis do masculino. A média de idade dos participantes foi de 38,4 anos de idade. Com relação ao turno de trabalho, 32 participantes trabalham no período diurno e 24 no noturno. A média de tempo de atuação em enfermagem dos participantes foi de 7,8 anos. Quanto a atuação em saúde mental, os participantes trabalharam em média 1,7 anos e apenas 11 referiram ter recebido alguma capacitação, qualificação ou curso em saúde mental.
A coleta de dados foi realizada no período de janeiro a março de 2015, por meio de uma entrevista semiestruturada, individual, gravada em áudio e, posteriormente, transcrita na íntegra. As entrevistas foram previamente agendadas de acordo com a disponibilidade do entrevistado e realizadas em sala reservada nos CAPS disponibilizada pela coordenação do local.
Para a coleta foi elaborado um roteiro de entrevista, contemplando a caracterização do participante com os dados pessoais (nome, telefone para contato e idade) e profissional (tempo de atuação na enfermagem, tempo de atuação em saúde mental e capacitação), sendo a questão norteadora: "Fale-me como você percebe o uso de medicamentos no tratamento às pessoas com transtorno mental".
Os dados foram submetidos à "Análise e Interpretação de Dados Qualitativos", preconizada por Creswell, composta de seis passos: 1) organizar e preparar os dados; 2) fazer a leitura dos dados; 3) fazer a codificação dos dados; 4) criar uma descrição geral do cenário; 5) representar a descrição geral; e 6) fazer a interpretação dos dados.10
Inicialmente, foi operacionalizada a transcrição do material na íntegra e, em seguida, sua leitura, de modo que foram identificados os dados relevantes e, então, organizadas em pré-categorias. A partir disto, foram realizadas várias leituras profundas dos dados, as quais possibilitaram a obtenção de uma percepção geral das informações e, então, a uma reflexão sobre o significado global, destacando-se as ideias alvo do estudo. Em seguida, foi feita uma análise detalhada dos dados pelo processo de codificação, tendo o material sido organizado em segmentos de texto categorizados com um termo in vivo, ou seja, com base na linguagem real do participante. O passo quatro consistiu na codificação desses segmentos de texto, de modo a organizá-los em categorias. No passo cinco, foi realizada a descrição dos dados já categorizados. O último passo consistiu na interpretação e na discussão dos dados obtidos, que foram confrontados com estudos já presentes na literatura científica.
Este estudo faz parte de um projeto maior, intitulado "Adesão ao uso de medicamento pelo portador de transtorno mental", aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Paraná, sob registro CAAE: 20816713.9.0000.0102. Foi submetido à análise de viabilidade por parte do Centro de Educação em Saúde (CES), da Secretaria Municipal de Saúde (SMS), da Prefeitura Municipal de Curitiba (PMC), recebendo parecer favorável. Enfatiza-se a participação da pesquisa foi consentida mediante a assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, sendo garantidos todos os aspectos éticos de acordo com a resolução 466/12 do Conselho Nacional de Saúde, que aprova as diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas que envolvem seres humanos.11
Os dados que emergiram das entrevistas acerca da percepção dos profissionais de enfermagem sobre a terapêutica medicamentosa da pessoa com transtorno mental foram expressos em três categorias: a terapêutica medicamentosa melhora a vida da pessoa com transtorno mental; consequências negativas e positivas ante a terapêutica medicamentosa; e a terapêutica medicamentosa como um dos recursos necessários ao tratamento em saúde mental.
De acordo com as falas que deram origem a essa categoria, a terapêutica medicamentosa é importante frente a melhora significativa da vida da pessoa com transtorno mental, ensejando conquista de autonomia para o desenvolvimento de atividades cotidianas e do autocuidado, o que possibilita a vida em sociedade.
[...] Com o uso [da medicação], eles falam que estão melhorando, que já conseguem sair sozinhos, ir ao banco, ao mercado, podem sair, não serem limitados. Se utilizarem o psicofármaco, a vida deles vai melhorar e não precisarão ficar trancados dentro de casa [...] (P1)
[...] Acredito que sem a medicação a maioria deles não conseguiria ter uma vida normal em sociedade [...] (P6)
Percebe-se ainda a melhora nas relações interpessoais que as pessoas com transtorno mental estabelecem, principalmente com familiares, pacientes e equipe de enfermagem, pois com a estabilidade dos sintomas ocasionada pela medicação, se comunicam de forma mais adequada, conseguem evitar conflitos e se tornam mais receptivos.
[...] Tem alguns que não querem nem ver os pais e são agressivos com eles, depois, com o tempo, vão mudando, já abraçam a mãe, conversam [...], tem outros que falam muito mal e o que não é verdade, é porque estão com delírios, alucinados, falam que bateram e brigaram. E depois a gente vê que com o tempo abraça a mãe ou pai ou irmão [...] (P24)
[...] A gente vê que a medicação realmente faz efeito, porque o paciente vai ficando mais organizado, com o humor mais estabilizado, mais colaborativo com a equipe de enfermagem e, também, mais participativo com os outros pacientes [...] (P26)
Para alguns participantes a melhora da pessoa com transtorno mental proporcionada pela terapêutica medicamentosa no momento da crise, sendo evidenciada a remissão dos sintomas agudos do transtorno mental, principalmente quando a pessoa é admitida no serviço. Segundo os participantes, a melhora ocorre quando há um controle imediato da agitação psicomotora e da agressividade.
[...] Melhora, porque os pacientes não entram em crise. Porque a crise é muito triste, é muito traumática. Quando o paciente está em crise, ele fica muito alterado e, automaticamente, a medicação dá uma baixada. Então, eu acho que ajuda muito, a medicação é importante. (P13)
[...] Eles estão um pouquinho agitados, aí tomam a medicação dormem um pouco e quando acordam já estão bem mais tranquilos, podem conversar um pouquinho mais. (P12)
As medicações são necessárias quando estão surtados. Ao fazer a medicação, eles ficam tranquilos. (P18)
[...] Tem muitos que veem vultos, escutam vozes de comando. Então, contribui para que eles não prejudiquem a ninguém, não machuquem outros e não machuquem a si mesmos. (P10)
O medicamento é muito importante quando eles estão com o discurso delirante, com alucinações, depressivos, não conseguem dormir à noite e pensando em suicídio também, então precisam da ajuda medicamentosa. Se um paciente está querendo se suicidar e você não administra a medicação, ele acaba fazendo [...] (P24)
Embora a terapêutica medicamentosa seja fundamental para auxiliar no controle dos sintomas agudos do transtorno mental, também resulta em importantes limitações decorrentes dos efeitos colaterais e adversos da medicação. Muitos apresentam melhora, mas precisam conviver com tais efeitos negativos. Por outro lado, há pessoas que não apresentam evolução, retratando um antagonismo ao efeito esperado.
[...] Têm pacientes que tem bastantes efeitos, ficam taquicardíacos, sonolentos, mas é normal, são os efeitos da medicação, porque a medicação é assim [...] ela melhora um lado, mas debilita outro, então não tem como resolver todos os problemas, o paciente fica salivando, alguns ficam tremendo demais, mexe com a mobilidade do corpo, ficam mais frágeis, parece que não têm firmeza, mexe com a coordenação motora [...] (P17)
[...] Tem alguns que ficam bem sonolentos, tem dificuldade para andar, começam a salivar, ao invés de melhorar, ficam mais agitados. (P23)
[...] Eles reclamam muito de dor no estômago, muita sonolência com algumas medicações. [...] tem outros pacientes que se adaptam bem, não são todos [...] e vejo algumas melhoras. Mas tem pacientes em que a gente não vê melhoras. (P30)
A característica de ser uma condição crônica de saúde incorre em dificuldades na permanência do tipo e na dose do esquema medicamentoso, sendo, portanto, essa condição alterada com frequência, provocando um efeito penoso na vida da pessoa com transtorno mental.
[...] no tratamento medicamentoso, a dose vai aumentando e é mudada de tempo em tempo, é complicado, se torna um ciclo vicioso, ele sempre vai fazer o tratamento, ele nunca vai sarar do problema mental. Vejo isso de uma forma penosa. (P31)
[...] acho que quanto mais tempo o paciente toma, é mais difícil para agir a medicação. Acho que o organismo vai pegando uma resistência, [...] de tanto tempo que está tomando a medicação, fica mais resistente. (P21)
Para os participantes, o tratamento medicamentoso deve ser associado a outras modalidades de tratamento, tais como a participação em grupos e oficinas terapêuticas. Além disto, a equipe multiprofissional deve ofertar apoio à pessoa com transtorno mental, praticar a escuta terapêutica e incluir a família no tratamento da pessoa com transtorno mental.
Não é só a medicação que ajuda [...]. É o trabalho que a gente faz no CAPS, a gente faz trabalho de oficinas, escutamos muito eles. Acho que isso ajuda bastante eles. (P2)
A medicação ajuda bastante porque eles precisam tomar a medicação, depois eles vêm fazer a parte da terapia, fazer alguma atividade, caminhada e entre ida e volta, e fazemos alguns exercícios. Eles ficam felizes, vão muito animados, a companhia de uns com os outros ajuda bastante. (P12)
Além da medicação, da parte física, que é o organismo receber a medicação, tem todo um conjunto, que são o apoio, a conversa, a família, a sociedade, tudo! (P5)
Acho que tem que englobar a medicação e o tratamento técnico, fazemos um grupo de dança e tem paciente que com a ajuda da medicação se encaixa, tem outros que não... [...] Só com a medicação o paciente vai ficar só dormindo em casa, se não eles vão guardando demais para eles, aí eles explodem [...] é bom que venham para o grupo, que daí se exponham um pouco. (P16)
Há uma percepção de que o tratamento medicamentoso facilita a participação da pessoa com transtorno mental em outras modalidades terapêuticas ofertadas pelo serviço e também o estabelecimento de vínculos entre a pessoa com transtorno mental e a equipe de saúde.
Esses medicamentos ajudam no tratamento e permitem uma qualidade de vida melhor [...] mas não é a única forma, tem terapias, grupos, conversas individuais, outras atividades, mas eles não conseguiriam fazer isso se não fosse a medicação [...] se não estivessem tomando a medicação, não iriam fazer nada, não iam conseguir, estariam desanimados, nervosos. (P9)
Por outro lado, houve relatos que defendiam a terapêutica medicamentosa como o principal recurso terapêutico necessário para atenuar os sintomas agudos do transtorno mental. Para eles, a melhora no quadro sintomatológico está condicionada apenas ao uso do medicamento.
É com a medicação que o paciente melhora, porque, com outra coisa, ele não vai melhorar, vai se acalmar, fazer ficar tranquilo [...]. Com a medicação, o paciente vai voltando para a realidade, não fica tão delirante, tão alucinado. Penso que é pela medicação, mesmo porque outro meio terapêutico aqui o CAPS não tem, mesmo que tivesse, para uma pessoa que está alucinada não iria adiantar em nada. Então, é a medicação mesmo que age. [...] sem a medicação, eles só pioram, é único jeito para melhorar [...]. (P18)
[...] Infelizmente é necessário. Sem tratamento medicamentoso não funciona. É impossível você acalmar um paciente esquizofrênico, por exemplo. Sem medicamento, não tem como! (P31)
A terapêutica medicamentosa é um recurso amplamente utilizado e quando prescrito de forma coerente, direcionada a necessidades individuais da pessoa com transtorno mental, possibilita uma importante melhora da sintomatologia do transtorno mental, sendo assim, favorece o relacionamento interpessoal e contribui para o convívio com a sociedade.12,13
Sabe-se que a pessoa com transtorno mental pode desenvolver comprometimento da percepção da realidade e alterações de comportamento interferindo diretamente no relacionamento interpessoal e familiar, na autonomia e no autocuidado.4 Nesses casos, o uso de medicação se mostra eficaz, pois visa reduzir tais comprometimentos deletérios.7
Em estudo realizado com 23 pessoas com transtorno afetivo bipolar, que faziam uso de carbonato de lítio e estavam em tratamento em dois CAPS do Município de Fortaleza, Ceará, Brasil, mostrou-se a relevância da terapêutica medicamentosa no tratamento, haja vista que todos os pacientes relataram melhora dos sintomas do transtorno mental e na manutenção de seu bem-estar.9
Outra pesquisa com 15 pessoas com transtornos mentais de um ambulatório de psiquiatria de um hospital do interior do Rio Grande do Sul, Brasil cujo objetivo foi compreender o significado da utilização de medicamentos, destacou que os indivíduos percebem a terapêutica medicamentosa como uma oportunidade de obter uma vida dentro da normalidade. Essa normalidade foi considerada como ser aceitável e normal para os padrões sociais.5
O controle imediato da crise também foi relatado pelos participantes da presente pesquisa como uma das finalidades da terapêutica medicamentosa. Diante desse contexto, compreende-se que a pessoa com transtorno mental pode vivenciar episódios de crise aguda dos sintomas e, portanto, apresentar alucinações, delírios, agitação psicomotora, fala desorganizada, comportamento auto ou heteroagressivo,14,15 e para esses casos o uso de medicamento pode ser considerado uma estratégia eficaz na remissão desses sintomas agudos e assim minimizar o sofrimento do indivíduo.16
Enfatiza-se que o momento de crise vai além da exacerbação dos sintomas ou uma expressão de uma patologia, trata-se de uma experiência singular que produz momentos marcados pelo medo, dor e incerteza, além disto, é também expressa a partir das particularidades e os desejos de cada um.14 Assim, as estratégias para manutenção da pessoa em crise englobam frequentemente o uso de psicofármacos para minimização da sintomatologia em conjunto com abordagens de acolhimento e de escuta terapêutica como meios para redução do sofrimento.14,17,18
Isto porque a escuta terapêutica é um recurso terapêutico constituído não apenas pelo ato de ouvir o que o indivíduo tem para dizer, mas sim como um meio de produzir sentido ao que é expresso, o qual permite a minimização dos sintomas agudos do transtorno mental como a ansiedade, os pensamentos suicidas, entre outros.18,19
Nessa perspectiva, alguns participantes compreendem a importância da escuta terapêutica no cuidado em saúde mental ao referirem que além do uso de medicamentos o estabelecimento de vínculos entre o profissional de saúde e a pessoa com transtorno mental por meio da escuta é fundamental, pois facilita a introdução e a aceitação do tratamento como um todo.
A convivência com os efeitos colaterais e adversos foi outra percepção da equipe de enfermagem frente à terapêutica medicamentosa. Considerando a cronicidade do transtorno mental, atualmente, há uma grande preocupação de profissionais da saúde e pesquisadores em relação ao conhecimento e a segurança acerca das consequências de uso prolongado de medicamentos. Essas preocupações estão amplamente relacionadas a efeitos colaterais e adversos que podem ser críticos sobre a saúde de alguns indivíduos.7
O uso prolongado de medicamentos pode ser desgastante, pois representa a necessidade de conviver por muito tempo, por vezes, a vida toda, com os diversos efeitos deletérios da medicação que podem comprometer a autoestima, gerar desesperança, ocasionar desconforto, restringir as atividades cotidianas e modificar a identidade social do indivíduo.4
Tais consequências determinam ou não o seguimento do tratamento pelo paciente, contudo, tendo em vista estes aspectos negativos, o profissional de enfermagem, como integrante da equipe de saúde, deve estar atento aos sinais e sintomas dos efeitos colaterais e adversos, a fim de que sejam identificados de forma precoce ou mesmo antecipados, buscando, junto à equipe, estratégias que visem a minimizar os danos à pessoa com transtorno mental.3,4,20
O quadro de abandono se agrava, principalmente, quando há necessidade do uso de várias medicações simultaneamente, fato comum no transtorno mental, pois diante a dificuldade de enfrentar os efeitos colaterais e adversos de múltiplas medicações, tendem a questionar a real necessidade das doses prescritas e sua capacidade de suportar a polimedicação, o que é comumente reforçada pelo questionamento de familiares, que incentivam a interromper o tratamento medicamentoso.17
Em pesquisa realizada com 563 pessoas em tratamento para transtornos de humor e esquizofrenia em sete CAPS do Município de Pelotas, Rio Grande do Sul, Brasil, identificou-se que 33% daqueles que faziam o uso de medicação, sofriam algum efeito colateral ou adverso ocasionando menor adesão ao tratamento.21
Há casos em que é necessária a prescrição simultânea de múltiplas medicações, objetivando tratar os sintomas subsindrômicos persistentes, após o fracasso da monoterapia. Essa estratégia terapêutica pode contribuir para ampliar os efeitos benéficos do tratamento, entretanto pode resultar em efeitos indesejados e interações medicamentosas, dificultando a adesão à terapêutica medicamentosa.17,21
Nesses casos, o profissional da enfermagem deve orientar o indivíduo sobre os aspectos positivos decorrente da terapêutica medicamentosa, direcionando-o a uma reflexão acerca dos benefícios que podem ser adquiridos ou mantidos com o uso adequado do medicamento, como a melhora nas relações interpessoais, do controle das crises e da diminuição ou a não necessidade de (re)internações, caso não haja sucesso deve ser considerada uma possível substituição da medicação.3,4,7,20
Outra percepção negativa dos profissionais de enfermagem em relação à terapêutica medicamentosa foi o fato de os resultados não condizerem com a expectativa, pois esses profissionais esperavam a total remissão dos sintomas do transtorno mental. Essa expectativa também é gerada na pessoa com transtorno mental que, muitas vezes, interrompe a terapêutica medicamentosa por considerá-la limitada ou até mesmo ineficaz e por não identificar uma redução acentuada ou mesmo a eliminação completa dos sintomas do transtorno mental.20
Sabe-se que a terapêutica medicamentosa se torna eficaz e reduz significativamente os sintomas do transtorno mental entre 40 a 70% dos casos, no entanto, vale destacar que esses dados estatísticos dizem respeito a uma ampla gama de respostas de indivíduo, podendo variar entre a remissão total dos sintomas até o fracasso total dessa terapêutica.8
Essa expectativa de remissão total dos sintomas é resultado do processo histórico da enfermagem, fundamentada no modelo hospitalocêntrico que vislumbra a cura por meio da administração de medicamentos, no entanto, os profissionais da enfermagem em saúde mental devem se afastar desse modo de pensar e agir e entender que a melhora do indivíduo está no cuidado reabilitador e na busca da autonomia.22
Algumas falas dos participantes remetem à necessidade de outros recursos terapêuticos associados à terapêutica medicamentosa no processo de reabilitação psicossocial, corroborando a ideia de que o uso de psicofármacos faz parte de um plano terapêutico singular composto por outras modalidades de tratamento. Em contrapartida, alguns participantes verbalizaram que a melhora sintomatológica está condicionada ao uso de medicamentos.
A ideia de que a terapêutica medicamentosa é a única e principal alternativa em saúde mental também é compartilhado em pesquisa realizada com as pessoas com transtorno mental, as quais compreendem que somente com o uso de medicamentos há a possibilidade de convívio em sociedade.13,14
É necessário compreender que a pessoa com transtorno mental convive com os sintomas mesmo antes de procurar um serviço de saúde e ao experimentar o controle ou a ausência desses sintomas por meio da medicação, o indivíduo experimenta uma sensação de segurança e liberdade e a partir disso considera o uso de medicação como protagonista do seu plano terapêutico.14
O medicamento em saúde mental é essencial no tratamento de transtornos mentais graves, contudo, não constitui a única possibilidade de tratamento. Cabe ao profissional de enfermagem orientar e desenvolver outras modalidades terapêuticas que garantem o respeito à diversidade, à subjetividade e às limitações de cada indivíduo, além de auxiliar no acolhimento ao paciente e seus familiares, ao proporcionar um momento de fala, escuta e expressão das dúvidas e angústias em relação ao tratamento.5,13,20
Desta forma, ressalta-se que para a promoção de um cuidado efetivo a pessoa com transtornos mentais com ênfase no aprendizado, na compreensão e na gestão autônoma da própria terapêutica medicamentosa e do tratamento como um todo, a equipe de enfermagem necessita desenvolver habilidades e atitudes embasadas nos conhecimentos científicos em saúde mental e nas Políticas de Saúde Mental, com vistas à melhoria da qualidade de vida das pessoas com transtornos mentais.5
Ao entender a importância e proporcionar outras modalidades terapêuticas no cuidado em saúde mental com intervenções psicossociais, como os grupos e oficinas terapêuticas, psicoterapias, entre outros, a equipe auxilia no distanciamento do intervalo entre as crises agudas e diminui a severidade dos episódios, pois possibilitam um ambiente em que a pessoa com transtorno mental possa trabalhar e descobrir suas potencialidades, contribuir para o fortalecimento da sua autoestima e autoconfiança e estimular o exercício da cidadania e das relações interpessoais.3,8,12
Os profissionais de enfermagem percebem que o uso de psicofármacos favorece a melhoria do quadro clínico da pessoa com transtorno mental, refletindo na busca da autonomia, no autocuidado, nos relacionamentos interpessoais e familiares. Portanto, o uso de medicação é um dos recursos terapêuticos relevantes no tratamento por controlar os sintomas agudos do transtorno mental e possibilitar a reabilitação psicossocial da pessoa com transtorno mental.
Contudo, também se percebe a terapêutica medicamentosa como algo negativo, principalmente em decorrência da necessidade do uso prolongado e o convívio diário com os efeitos colaterais e adversos da medicação que podem resultar em importantes limitações à pessoa com transtorno mental.
Os achados desta pesquisa contribuem para o conhecimento teórico-prático do profissional de enfermagem ao demostrar a relevância do uso de psicofármacos e os principais aspectos relacionados a terapêutica medicamentosa à pessoa com transtorno mental. Conclui-se, a partir dos resultados obtidos, a premência dos profissionais de enfermagem promoverem estratégias mais efetivas para a manutenção da terapêutica medicamentosa ao considerarem os efeitos negativos dos medicamentos a fim de garantir o bem-estar da pessoa com transtorno mental e dos seus familiares e de intensificar a (re) conquista da autonomia e a reabilitação psicossocial do indivíduo.