versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.9 no.4 São Paulo out./dez. 2011
http://dx.doi.org/10.1590/s1679-45082011rc2008
Rabdomiossarcoma (RMS) é o sarcoma de tecido mole mais comum na infância, com picos de incidência entre 2 a 4 anos, e de 15 a 19 anos de idade. Representa cerca de 6,5% de todas as neoplasias malignas pediátricas, com uma incidência anual de 4 a 7 casos por milhão(1). O rabdomiossarcoma paratesticular (RMS-PT) origina-se de tecido mesenquimal de cordão espermático, epidídimo, testículo e túnica vaginal, e representa 7% de todos RMS(2). O tratamento multimodal atual permite melhora significativa no controle da doença, com taxa de sobrevida de até 80% em 2 anos(3).
A sugestão de tratamentos locais, como linfadenectomia retroperitoneal (LR), é controversa, já que o RMS-PT é considerado uma doença sistêmica(2). Os dados do Intergroup Rabdomiossarcoma Study Group (IRS-I ao IRS-III) sugerem que a tomografia computadorizada (TC) retroperitonial negativa pode classificar pacientes no estágio patológico II como estágio clínico I e interferir na taxa de sobrevida de pacientes.
Descrevemos um paciente de 16 anos com RMS-PT, com TC retroperitonial negativa, e a LR realizada 15 dias depois confirmou linfonodos positivos não detectados em cortes de TC de 7 mm.
Paciente masculino de 16 anos com história de massa de crescimento lento há 7 meses, no testículo direito. A ultrassonografia (US) sugeriu um tumor paratesticular (Figura 1). Os testes laboratoriais revelaram ß-HCG < 1,2 UI/L (< 5) e alfafetoproteína de 0,92 ng/mL (0,5 a 5,5). Foi realizada orquiectomia inguinal radical e o exame anatomopatológico mostrou um RMS embrionário paratesticular de 6 cm. A radiografia de tórax foi normal; a TC retroperitoneal com cortes de 7 mm, revisada por um radiologista sênior de nossa instituição, foi negativa para linfonodos (Figura 2). Decidimos realizar uma LR modificada devido à apresentação pós-púbere. Durante a dissecção foram identificados três linfonodos aumentados (Figuras 3 e 4), e o exame patológico confirmou serem metastáticos. O paciente foi encaminhado para quimioterapia adjuvante.
O Intergroup Rhabdomyosarcoma Study Group (IRSG) estabeleceu as diretrizes de conduta no RMS(3). O tratamento multimodal melhora consideravelmente o desfecho de pacientes com RMS-PT. A localização superficial facilita detectar os sinais e sintomas precoces, e o sítio paratesticular geralmente permite uma cirurgia curativa com excisão completa do tumor. A alta proporção de tumores embrionários não metastáticos, que representam um subtipo histológico favorável, pode explicar a maior resposta ao tratamento.
A introdução da TC para identificar o comprometimento linfonodal no IRS-IV fez com que os autores do International Rhabdomyosarcoma Study Group entendessem que a LP não era necessária em caso de TC negativa. Entretanto, Hermans et al. observaram a condição dos linfonodos retroperitoniais em adultos com RMS-PT, cujo estadiamento por meio de TC foi incorreto em 58% dos pacientes(4). E, ainda, há controvérsias na conduta do RMS-PT, especificamente quando a TC pode excluir o comprometimento linfonodal. Wiener et al.(5) compararam pacientes tratados conforme o IRSG III (n = 100) ou IRSG IV (n = 134) e demonstraram uma mudança significativa na distribuição de pacientes com tumores grupo I contra II, do IRSG-III ao IRSG-IV (grupo I, 68% no IRSG-III contra 82% no IRSG-IV). Este foi o resultado de menor reconhecimento de linfonodos quando a TC foi usada para fazer estadiamento no IRSG-IV e foi mais notável em adolescentes (> 10 anos).
Alguns autores confirmaram que a maioria dos pacientes classificados como grupos I e II era pré-púbere, enquanto a maior parte dos pacientes nos grupos III e IV era pós-púbere(6). Consequentemente, as taxas de sobrevida livre de eventos em 5 anos nas séries pré e pós-púbere são também diferentes; e, na série de 44 pacientes, revisada por Ferrari et al., a taxa de sobrevida foi 91 e 60%, respectivamente(6). Esses dados sugerem um papel prognóstico importante da idade e implicam diferenças biológicas entre RMS-PT da infância e da adolescência, que pode sem usadas como argumento para uma abordagem mais agressiva ao tratar os adolescentes. No mesmo estudo, a TC abdominal fez o estadiamento correto em apenas 8 de 19 casos (42%). Se o regime terapêutico e o desfecho subsequente são determinados com base no local e no volume da doença, então o estadiamento é importante. Esse fato é verdadeiro para RMSs paratesticulares. Wiener et al. demonstraram que o comprometimento do linfonodo está associado à menor sobrevida do paciente, e maior risco de recidiva e morte(7).
Portanto, se o estadiamento clínico for mais sombrio e o regime terapêutico for alterado com base no estadiamento histológico, a LR irá oferecer um benefício a partir de apenas um estadiamento melhor. No presente caso, a TC negativa, embora revisada por um radiologista experiente, levaria-nos a propor um regime quimioterápico errado, se a cirurgia não fosse realizada. Porém, há argumentos contra a LR para RMS-PT. Para os pacientes do grupo clínico I, alguns argumentam que a quimioterapia seria capaz de erradicar as micrometástases, e a omissão da LR reduziria a morbidade a curto e longo prazo, sem afetar a sobrevida. Acreditamos que a morbidade da LR mais atual, que poupa nervos, seja mínima e aceitável e, mais importante ainda, os pacientes em estágio II deveriam receber tratamento adicional (LR, radioterapia ou quimioterapia mais intensa), além da administração padrão de ciclofosfamida, doxorrubicina e vincristina. Outro argumento a favor da LR foi dado por Raney et al., em revisão de casos paratesticulares dos grupos I e II, do Intergroup Rhabdomyosarcoma Studies(8). Os autores tinham dúvida sobre a eficácia da quimioterapia para eliminar micrometástases não detectadas, não irradiadas em linfonodos regionais. Descreveram seis pacientes que faleceram devido à doença, geralmente disseminada para o pulmão, após remissão completa obtida conforme as diretrizes dos Intergroup Rhabdomyosarcoma Studies e, apesar de mais tratamentos individualizados, com cirurgia, quimioterapia e radioterapia(8).
A LR pode oferecer um estadiamento mais preciso da doença e definir o esquema ideal de quimioterapia. Esse fato também foi observado por outros autores, e os resultados terapêuticos com LR e quimioterapia pósoperatória foram excelentes em oito de nove pacientes do grupo patológico I e em nove de dez do grupo patológico II em termos de sobrevida livre da doença no acompanhamento a longo prazo(9–11).