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A tuberculose latente e o uso de imunomoduladores

A tuberculose latente e o uso de imunomoduladores

Autores:

Fábio Silva Aguiar,
Fernanda Carvalho de Queiroz Mello

ARTIGO ORIGINAL

Jornal Brasileiro de Pneumologia

versão impressa ISSN 1806-3713versão On-line ISSN 1806-3756

J. bras. pneumol. vol.45 no.6 São Paulo 2019 Epub 09-Dez-2019

http://dx.doi.org/10.1590/1806-3713/e20190361

A infecção latente por Mycobacterium tuberculosis (ILTB) é definida como um estado de resposta imune persistente à estimulação por antígenos de M. tuberculosis sem evidência de doença ativa.1 A Organização Mundial da Saúde estima que um quarto da população mundial está infectada por M. tuberculosis.2 A principal estratégia para a redução do risco de adoecimento de indivíduos infectados por essa micobactéria, que têm maior risco para a progressão para doença ativa, é o tratamento da ILTB,1 capaz de reduzir tal risco em 60-90%,3 sendo um dos principais componentes da estratégia End TB da Organização Mundial da Saúde.4

Entre 5% e 10% dos portadores de ILTB irão progredir para a doença ativa ao longo de sua vida; a maioria, nos primeiros 5 anos do contágio.5 O restante dos indivíduos infectados será capaz de conter o microrganismo através de uma resposta imune celular, que é dinâmica.6 O principal fator de risco para a progressão para doença ativa é o status imunológico.7 Assim sendo, indivíduos infectados pelo HIV, pacientes com insuficiência renal crônica, com silicose ou em tratamento imunossupressor possuem maior risco de progressão para a doença ativa.

O TNF é uma citocina pró-inflamatória com papel essencial na contenção da infecção micobacteriana. O TNF-α é produzido inicialmente por macrófagos e monócitos ativados em resposta a estímulos variados, incluindo infecções virais e bacterianas.8 A liberação do TNF-α em resposta à infecção micobacteriana aumenta a fagocitose e morte das micobactérias,9 e sua produção é necessária para a formação de granulomas, que contêm as micobactérias e impedem sua proliferação.10 Além disso, o TNF-α auxilia no controle da infecção micobacteriana, induzindo apoptose de macrófagos ineficazes, evitando que essas células se tornem santuários intracelulares.10

O tratamento das doenças reumatológicas sofreu uma drástica transformação a partir da introdução dos medicamentos biológicos, capazes de reduzir o processo inflamatório e inibir o dano estrutural progressivo.11 Os inibidores do TNF são medicamentos biológicos que reduzem a inflamação e são capazes de modificar a progressão de doenças inflamatórias crônicas através da inibição do TNF-α. Apesar dos inúmeros benefícios de seu uso nessa população, a tuberculose ativa é esperada com o uso de qualquer medicamento biológico com ação anti-TNF.6 Por conta disso, estão recomendados a pesquisa e o tratamento da ILTB em pacientes com doenças inflamatórias crônicas com indicação para o uso de medicamentos biológicos anti-TNF.

Na presente edição do JBP, Lopes et al.12 trazem informações do risco de adoecimento em pacientes com ILTB e em uso de imunomoduladores e anti-TNF. Os autores acompanharam pacientes com doenças inflamatórias crônicas e com ILTB, com um tempo de seguimento médio de 3 anos (6 meses a 4 anos). No estudo, o tratamento com agentes imunobiológicos e outros imunomoduladores foi iniciado após, no mínimo, 1 mês de uso de isoniazida. Houve apenas 6 casos de tuberculose ativa entre 101 pacientes com ILTB. O risco de adoecimento dos pacientes que utilizaram agentes imunobiológicos foi 1,39 vezes maior que daqueles que foram submetidos a outros imunossupressores (embora não tenha havido uma demonstração de significância estatística dessa estimativa, possivelmente devido ao pequeno número de casos de tuberculose ativa). Além disso, os pacientes que adoeceram tiveram diagnóstico de tuberculose ativa após o décimo mês do início da medicação imunobiológica. O contato com paciente bacilífero esteve fortemente associado com o adoecimento, o que reforça que a infecção recente é um fator de risco para o adoecimento.5 O medicamento mais utilizado, prescrito em 58% dos tratamentos, foi o infliximabe. Dos 5 pacientes que adoeceram sob uso de imunobiológicos, 4 fizeram uso de infliximabe, que é descrito na literatura como o medicamento imunobiológico com maior risco para o paciente desenvolver tuberculose ativa após seu uso.6

Outro resultado muito interessante do estudo foi a alta taxa de tratamentos completos para ILTB.12 Foi oferecido o tratamento da ILTB com isoniazida como forma de redução do risco de adoecimento por tuberculose para pacientes com teste tuberculínico positivo e ausência de sinais e sintomas de tuberculose ativa. Mais de 95% dos pacientes realizaram o tratamento completo. Os autores tiveram apenas um caso de abandono, o que é um resultado excelente, visto que a falha de tratamento mais frequentemente relatada na literatura é o abandono do tratamento da ILTB. Ademais, ressalta-se a baixa incidência de efeitos adversos na população estudada, os quais causaram a interrupção do tratamento em apenas 4% dos casos.

Esses resultados, encontrados em um serviço de referência, reforçam a necessidade de se pesquisar a ILTB em pacientes com proposta de tratamento imunossupressor e de se oferecer o tratamento da ILTB, que demonstrou ser seguro e passível de uma ótima taxa de adesão em portadores de doenças inflamatórias crônicas. Ainda assim, a vigilância quanto aos sintomas da doença é necessária durante todo o período do tratamento com imunobiológicos, particularmente em pacientes que precisam manter o uso de medicamentos imunossupressores por períodos maiores que 9 meses.

REFERÊNCIAS

1 World Health Organization. Latent tuberculosis infection: updated and consolidated guidelines for programmatic management. Geneva: World Health Organization; 2018.
2 World Health Organization. Global tuberculosis report 2019. Geneva: World Health Organization; 2019.
3 Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Vigilância das Doenças Transmissíveis. Manual de Recomendações para o Controle da Tuberculose no Brasil. Brasília: Ministério da Saúde; 2019.
4 Uplekar M, Weil D, Lonnroth K, Jaramillo E, Lienhardt C, Dias HM, et al. WHO's new end TB strategy. Lancet. 2015;385(9979):1799-1801
5 Comstock GW, Livesay VT, Woolpert SF. The prognosis of a positive tuberculin reaction in childhood and adolescence. Am J Epidemiol. 1974;99(2):131-8.
6 Gardam MA, Keystone EC, Menzies R, Manners S, Skamene E, Long R, et al. Anti-tumour necrosis factor agents and tuberculosis risk: mechanisms of action and clinical management. Lancet Infect Dis. 2003;3(3):148-55.
7 Getahun H, Chaisson RE, Raviglione M. Latent Mycobacterium tuberculosis Infection. N Engl J Med. 2015;373(12):1179-80.
8 Papadakis KA, Targan SR. Tumor necrosis factor: biology and therapeutic inhibitors. Gastroenterology. 2000;119(4):1148-57.
9 Denis M. Tumor necrosis factor and granulocyte macrophage-colony stimulating factor stimulate human macrophages to restrict growth of virulent Mycobacterium avium and to kill avirulent M. avium: killing effector mechanism depends on the generation of reactive nitrogen intermediates. J Leukoc Biol. 1991;49(4):380-7.
10 Kindler V, Sappino AP, Grau GE, Piguet PF, Vassalli P. The inducing role of tumor necrosis factor in the development of bactericidal granulomas during BCG infection. Cell. 1989;56(5):731-40.
11 Bonafede M, Fox KM, Watson C, Princic N, Gandra SR. Treatment patterns in the first year after initiating tumor necrosis factor blockers in real-world settings. Adv Ther. 2012;29(8):664-74.
12 Lopes DMA, Pinheiro VGF, Monteiro HSA. Diagnosis and treatment of latent tuberculosis infection in patients undergoing treatment with immunobiologic agents: a four-year experience in an endemic area. J Bras Pneumol. 2019;45(6):e20180225.