versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.16 no.4 São Paulo 2018 Epub 29-Nov-2018
http://dx.doi.org/10.31744/einstein_journal/2018ao4279
O manejo a longo prazo dos nódulos tireoidianos benignos é um problema na prática clínica. Na maioria dos casos, o acompanhamento clínico dos nódulos é feito por ultrassonografia (US). No entanto, alguns nódulos crescem e levam a distúrbios estéticos ou sintomas compressivos locais (cervicalgia, disfagia e tosse).(1) Atualmente, o tratamento padrão é cirúrgico, mas os riscos de complicações associadas, a curto e médio prazo, são motivos de preocupação.(2)
Nas últimas duas décadas, várias modalidades minimamente invasivas guiadas por imagem foram propostas para o tratamento de nódulos tireoidianos benignos.(1) A injeção percutânea de etanol guiada por US é reconhecida como tratamento eficaz e de baixo custo para lesões císticas da tireoide,(3) e a ablação térmica a laser é usualmente empregada em nódulos tireoidianos sólidos.(1)
Dois estudos randomizados mostraram que a ablação percutânea a laser (APL) guiada por US é uma opção terapêutica segura e eficaz como alternativa à cirurgia para nódulos sintomáticos benignos, com redução média no volume do nódulo de mais de 40 a 50% após 1 ano.(4,5) Muitos outros estudos não controlados mostraram que a APL é bem tolerada, com índice de complicações inferior a 3%. Os efeitos colaterais mais comuns são dor passageira, febre e queimadura leve da pele.(6,7) Foi descrita disfonia transitória (1 semana a 2 meses) devido à paresia das pregas vocais em um número pequeno de pacientes(4,5) e relatado um caso de laceração traqueal.(8)
A incidência de hipotireoidismo após hemitireoidectomia para nódulo benigno varia de 15 a 49 %.(9,10) Valcavi et al., em grande série de pacientes tratados por ablação percutânea com laser, demonstraram que a incidência de hipotireoidismo após o tratamento foi de apenas 1,6%,(11) evitando a suplementação de levotiroxina a longo prazo em muitos pacientes.
Avaliar a segurança e a eficácia na redução do volume do nódulo e na função tireoidiana após o tratamento percutâneo por ablação com laser em pacientes brasileiros, com nódulos tireoidianos benignos e não funcionantes, em 1 ano de acompanhamento.
Trinta pacientes entre 18 e 84 anos de idade, com nódulo solitário ou dominante benigno, foram recrutados na Clínica de Doenças da Tireoide de um hospital, entre janeiro de 2011 e outubro de 2012. Realizou-se biópsia aspirativa com agulha fina, que confirmou nódulo coloide, a qual foi repetida após 4 meses, pelo mesmo citologista, para confirmar o resultado. Todos os pacientes tiveram indicação de tratamento devido a sintomas compressivos, distúrbios estéticos, tamanho grande, contraindicação cirúrgica, ou recusa do paciente em se submeter à cirurgia (por questões estéticas). Nenhum tinha história familiar de carcinoma de tireoide ou fora submetido à radiação no pescoço. Todos os pacientes eram eutireoidianos, com níveis negativos de anticorpos da tireoide e níveis normais de calcitonina antes do procedimento (Tabela 1). Os pacientes com problemas de coagulação foram excluídos.
Tabela 1 Características dos pacientes e médias de testes laboratoriais antes do procedimento de ablação percutânea a laser
Características | Valores iniciais |
---|---|
Número de pacientes | 30 |
Idade, anos | 18-84 |
Idade, anos | 46,06 |
Sexo | |
Feminino | 29 |
Masculino | 1 |
Volume do nódulo, mL | 12,44 (1,4-61,4) |
TSH, mcUI/mL | 1,31 |
FT4, ng/dL | 1,15 |
Tg, ng/mL | 122,51 |
TgAb, UI/mL | 15,66 |
TPOAb, UI/mL | 15,00 |
TRAb, UI/L | 0,46 |
TSH: hormônio estimulante da tireoide; FT4: tiroxina sérica livre; Tg: tireoglobulina; TgAb: antitireoglobulina; TPOAb: antitireoperoxidase; TRAb: antirreceptor de hormônio estimulante da tireoide.
O Comitê de Ética em Pesquisa (número 10/1469) do hospital aprovou este protocolo, e todos os pacientes assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido antes do tratamento.
Uma avaliação clínica e laboratorial foi realizada antes do procedimento e, periodicamente, após 1 semana, 3, 6 e 12 meses, consistindo de exame físico, US da tireoide e dosagem de hormônio estimulante da tireoide (TSH), tiroxina sérica livre (FT4), tireoglobulina (Tg) e anticorpos antitireoglobulina (antiTgAb), antitireoperoxidase (anti-TPOAb) e antirreceptor de TSH (TRAb). A calcitonina foi medida antes da ablação percutânea por laser e 1 ano após o procedimento.
A US da tireoide foi realizada com o sistema Esaote MyLab™ 70XVG, com transdutor linear de 12MHz (Esaote, Gênova, Itália) − o mesmo utilizado durante o procedimento. O volume dos nódulos foi calculado pela fórmula do elipsoide, multiplicando por 0,52 os três diâmetros em cm (largura, comprimento e profundidade).
Os valores de referência dos exames de sangue foram TSH: 0,4 a 4,5mcUI/mL (kit de quimioluminescência de terceira geração); T4 livre: 0,78 a 2,19ng/dL (quimioluminescência); Tg: 6 a 50ng/mL (imunoensaio por quimioluminescência); antiTgAb: 0 a 115UI/mL (imunoensaio por quimioluminescência); anti-TPOAb: 0 a 34UI/mL (eletroquimioluminescência); TRAb: <1,22UI/L (eletroquimioluminescência); e calcitonina: 5 a 11pg/mL (imunoensaio por quimioluminescência).
O procedimento foi realizado no centro de medicina intervencionista da instituição. Todos os pacientes estavam em jejum de 8 horas. Uma sedação consciente com injeção de 30 a 50mcg de citrato de fentanil foi administrada por via intravenosa a todos eles. Anestesia local com lidocaína a 2% foi realizada no tecido subcutâneo e na região subcapsular da glândula tireoide. Em cada tratamento, uma a três (dependendo do volume do nódulo) agulhas espinhais 21G foram inseridas no nódulo tireoidiano guiadas por US. O ponto de entrada da agulha foi preferencialmente o istmo da tireoide, entretanto o acesso utilizado variou de acordo com a localização do nódulo. Para nódulos com volume <15mL foram utilizadas uma a duas agulhas, e para aqueles >15mL, três agulhas. A fibra laser foi posicionada através da agulha, sendo, então, retirada 10mm, de modo a deixar a ponta em contato direto com o tecido nodular.(12) Os pacientes foram tratados com potência de saída de laser de ND: Yag de 4W, e 1.500 a 2.000J por fibra por tratamento. Em alguns casos, foi efetuado um retraimento da agulha, sendo administrada energia adicional. Cada tratamento durou de 5 a 10 minutos. Todo o procedimento foi realizado guiado por US (Figura 1 A-1E). Após o procedimento, todos os pacientes receberam injeção intramuscular de 5mg de betametasona e esperaram por 2 horas na sala de recuperação antes da alta hospitalar.
Figura 1 Ultrassonografia de tireóide após procedimento demosntrando ausencia de vascularizacao central. (A) Ultrassonografia pré-ablação com nódulo tireoidiano predominantemente sólido de 3cm no maior eixo no lobo direito. (B) Inserção da fibra óptica (setas) no nódulo tireoidiano. (C) Formação de gás (seta) durante o procedimento. (D) Ultrassonografia da tireoide após procedimento, mostrando aumento da hipoecogenicidade e ausência de vascularização central. (E) Ultrassonografia de tireoide após procedimento demonstrando ausência de vascularização central
Os resultados são dados como média, desvio padrão e intervalo. Os testes de Friedman e de Wilcoxon foram usados para comparação de dados intragrupo e intergrupos. Um valor de p<0,05 foi considerado significativo. As análises estatísticas foram realizadas utilizando o programa estatístico Statistical Package of the Social Science, versão 20.0 (SPSS, Chicago, Illinois, EUA).
Um total de 30 nódulos foram examinados. O maior diâmetro do nódulo variou de 14mm a 68mm (mediana de 29,5mm), e o volume mediano do nódulo foi de 12,44cm3, variando de 1,4 a 61,4cm3. Todos, com exceção de um nódulo, responderam ao tratamento. Uma semana após o procedimento, os nódulos ficaram um pouco maiores, devido ao edema causado pela ablação. Um mês depois, a contração do volume já podia ser observada. A redução média 1 ano após o procedimento foi de 53% (Figura 2 e Tabela 2).
Tabela 2 Volume nodular médio e testes sanguíneos durante acompanhamento de 1 ano
Tempo após APL | Pré-tratamento | 1 semana | 1 mês | 3 meses | 6 meses | 9 meses | 1 ano |
---|---|---|---|---|---|---|---|
Volume nodular, mL | 12,44±15,10 | 11,74±13,55 | 9,15±12,76 | 6,66±9,80 | 6,78±10,61 | 7,72±10,83 | 6,81±10,23 |
TSH, mcUI/mL | 1,31±0,95 | 1,17±0,87 | 1,38±1,00 | 1,69±1,44 | 1,70±1,29 | 2,21±1,89 | 1,70±1,19 |
FT4, ng/dL | 1,15±0,16 | 1,31±0,33 | 1,14±0,20 | 1,12±0,17 | 1,10±0,13 | 1,20±0,17 | 1,10±0,12 |
Tg, ng/mL | 12,25±126,26 | 96,54±1389,37 | 11,66±128,76 | 12,33±148,80 | 10,20±108,28 | 8,40±120,89 | 14,64±155,46 |
TgAb, UI/mL | 15,20±٧,84 | 19,92±15,13 | 18,94±15,93 | 32,81±80,10 | 20,77±20,34 | 15,37±7,88 | 22,07±25,87 |
TPOAb, UI/mL | 24,48±54,05 | 22,02±49,41 | 18,00±31,96 | 32,772±85,08 | 23,18±45,93 | 18,5±40,34 | 14,63±19,75 |
TRAb, UI/L | 0,46±٠,25 | 0,62±0,29 | 0,62±0,34 | 0,68±0,35 | 0,73±0,31 | 0,57±0,27 | 0,63±0,22 |
Resultados expressos como média±desvio padrão. APL: ablação percutânea a laser; TSH: hormônio estimulante da tireoide; FT4: tiroxina sérica livre; Tg: tireoglobulina; TgAb: antitireoglobulina; TPOAb: antitireoperoxidase; TRAb: antirreceptor de hormônio estimulante da tireoide.
As concentrações séricas de TSH e T4 livre foram normais em todos os casos e não se alteraram durante o acompanhamento (p=0,440 e p=0,565, respectivamente). (Figura 3).
TSH: hormônio estimulante da tireoide; T4 livre: tiroxina sérica livre.
Figura 3 Níveis médios de hormônio estimulante da tireoide e tiroxina sérica livre
Todos pacientes tinham resultado negativo para anticorpos (TgAb e TPOAb) antes da ablação a laser. Após o procedimento, eles permaneceram negativos (p=0,250 e p=0,083, respectivamente). A calcitonina sérica também apresentou resultado negativo antes e após o tratamento. TRAb tornou-se positivo em três pacientes durante o seguimento, mas, após 1 ano, todos voltaram a ser negativos (p=0,295) (Figura 4).
TRAb: hormônio estimulante da tireoide; anti-Tg: antitireoglobulina; anti-TPO: antitireoperoxidase.
Figura 4 Níveis médios de anticorpos antirreceptores de hormônio estimulante da tireoide, antitireoglobulina e antitireoperoxidase
Os níveis de tireoglobulina apresentaram aumento importante logo após o procedimento (Fridman p<0,01), seguido de redução significativa 1 mês depois (Figura 5). Os níveis de Tg retornaram aos níveis pré-tratamento após 1 ano.
Apenas um paciente relatou dor no local de inserção da agulha após o tratamento, mas isso foi resolvido com ibuprofeno por 3 dias.
Considerando as complicações do procedimento, apenas 3 dos 30 pacientes (10%) relataram dor leve, mas que foi aliviada com ibuprofeno por 3 dias. Um paciente apresentou queimadura na pele, no local onde a agulha foi inserida, que se recuperou em 10 dias, sem deixar cicatriz.
Todos pacientes também responderam a um questionário sobre satisfação com o tratamento, que levava em consideração a intensidade dos sintomas antes e após o procedimento e a satisfação geral. Ficaram totalmente satisfeitos 29 pacientes, ao passo que 1 (3%) relatou melhora discreta dos sintomas – este paciente foi o único que não respondeu ao tratamento.
A APL é uma alternativa à cirurgia no manejo do nódulo tireoidiano benigno com sintomas compressivos ou distúrbios estéticos. Desde sua primeira descrição por Parcella et al.,(6) muitos estudos forneceram evidências consistentes da eficácia clínica da ablação a laser em nódulos tireoidianos benignos.(12,13) Papini et al.,(1) em estudo randomizado de 200 pacientes, comparando a ablação a laser e a observação clínica em pacientes com nódulos tireoidianos benignos, demonstraram redução significativa e persistente no volume dos nódulos tratados com laser, associada à melhora dos sintomas locais correlatos, sem alteração na função tireoidiana.
Alguns autores demonstraram que a redução do nódulo é proporcional à energia administrada.(5,13) Em nosso centro, também observamos que níveis mais altos de energia resultam em maior contração do nódulo. A fim de obter uma maior área submetida à ablação no nódulo, utilizou-se a técnica de pull-back da agulha descrita por Valcavi et al.(11) O US realizado após o procedimento mostrou área central avascular, que correspondia à área ablada.
Como nos estudos anteriores, observou-se aumento do volume nodular na primeira semana após a APL, provavelmente devido ao edema do tecido tireoidiano.(11) Estudos mostram que a percentagem de redução do nódulo não depende de seu tamanho inicial.(4,6,11,13) Nossos dados, por outro lado, demonstraram melhores resultados em nódulos menores que 4mL. Neste grupo, o índice de redução foi de cerca de 83%.
Apenas pacientes eutireoidianos com anticorpos da tireoide negativos foram selecionados para avaliar a repercussão do tratamento na função da tireoide. Como a APL expõe antígeno da tireoide, era uma preocupação verificar o desenvolvimento de autoimunidade tireoidiana. Em nossos dados, não foi observado nenhum caso em que os anticorpos se tornaram positivos, mas nosso acompanhamento foi de apenas 1 ano. Valcavi et al.(11) observaram TgAb e TPOAb recentemente desenvolvidos de 8,2% e 5,9%, respectivamente, após 3 anos. Um acompanhamento mais longo deve ser necessário para este fim.
Nossos efeitos colaterais foram limitados, e a maioria deles esteve relacionada à dor. Nosso protocolo incluiu anestesia subcapsular com lidocaína a 2%. Recentemente, demonstrou-se, em grande série de pacientes, que o uso de anestésico local pericapsular aumenta em cerca de três vezes o risco de dor.(14) Isso requer mais investigação com estudo controlado. Tivemos um paciente com queimadura no local da inserção da agulha, o que foi atribuído a um problema técnico, provavelmente a ponta do laser estava muito próxima da ponta da agulha. Nosso estudo teve algumas limitações, como o curto período de acompanhamento. Outra limitação foi a ausência de um grupo controle (cirurgia ou observação clínica e ultrassonográfica) para comparar os resultados.
A ablação percutânea a laser é segura e eficaz no tratamento de nódulos tireoidianos benignos, com melhora dos sintomas compressivos e estéticos. A ablação percutânea por laser em sessão única é um tratamento minimamente invasivo ambulatorial promissor para nódulos tireoidianos benignos.