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Abordagem gradativa para refinamento da ponta nasal: resultados cirúrgicos

Abordagem gradativa para refinamento da ponta nasal: resultados cirúrgicos

Autores:

Thiago Bittencourt Ottoni de Carvalho,
Emerson Thomazi,
Rafael Panizza Leutz,
Rafael P.S.F. Souza,
Fernando Drimel Molina,
Vânia Belintani Piatto,
José Victor Maniglia

ARTIGO ORIGINAL

Brazilian Journal of Otorhinolaryngology

versão impressa ISSN 1808-8694

Braz. j. otorhinolaryngol. vol.81 no.1 São Paulo jan./fev. 2015

http://dx.doi.org/10.1016/j.bjorl.2014.04.003

Introdução

A ponta nasal é a parte mais desafiadora da rinoplastia. A complexidade de suas estruturas, como os elementos cartilaginosos dispostos de forma variável e em posição antigra vitacional, a deficiência de suprimento sanguíneo, a espessura da pele e o impacto de manobras cirúrgicas sobre o suporte da ponta dificultam a previsão da forma final da mesma.1 A avaliação da ponta nasal pode ser feita por meio de sua definição, projeção e rotação, além do comprimento nasal.

Várias fórmulas e regras matemáticas foram descritas na tentativa de definir as características ideais da ponta nasal.2 , 3 Além disso, a espessura e a textura do envelope de pele e tecido subcutâneo têm um impacto significativo no grau de definição refletido na ponta nasal.4

A descrição de uma abordagem sistemática e planejada para alcançar resultados mais previsíveis na cirurgia da ponta nasal é recente.5 Desde então, algoritmos têm sido propostos para o tratamento da ponta em caixote e para o aumento da definição nas pontas amorfas, por meio de técnicas de sutura mais adequadas para cada tipo de formato da cartilagem alar maior e para o tipo de pele do paciente, mas com pouca ênfase no uso de enxertos, especialmente em pacientes de pele grossa.6 , 7 Em vista disso, outro algoritmo foi proposto para o controle da projeção associado ao refinamento da ponta nasal, a fim de melhorar a previsibilidade da cirurgia da ponta pela utilização de técnicas nãodestrutivas e não-palpáveis, as quais enfatizavam somente técnicas de sutura e alguns enxertos, não abordando aquelas mais simples ou até mesmo mais complexas para pontas nasais.8

Devido à multiplicidade e complexidade de deformidades da ponta nasal encontradas pelos cirurgiões, nenhuma técnica isolada é suficiente para corrigir adequadamente as numerosas apresentações anatômicas da ponta nasal. Logo, o planejamento pré-operatório é a base da rinoplastia.9 Até o momento, somente um estudo descreveu a abordagem gradativa e sistemática para definição da ponta nasal baseada na avaliação pré-operatória da anatomia enfatizando técnicas cirúrgicas, desde as mais simples até as mais complexas,10 e esse protocolo descrito foi a base do presente estudo.

O presente estudo teve como objetivos apresentar resultados de rinoplastias por meio da abordagem cirúrgica gradativa para definição da ponta nasal baseada nas características anatômicas e avaliar o grau de satisfação dos pacientes após a realização do procedimento cirúrgico.

Método

De acordo com as Normas Regulamentadoras de Pesquisa em Seres Humanos, Resolução 196/96 do Ministério da Saúde, o presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pes quisa da Instituição, sob Parecer nº 241.098/2013. Estudo em coorte histórica longitudinal, no qual a equipe médica do Departamento de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital de Base de São José do Rio Preto, Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto (FAMERP), São José do Rio Preto, SP, Brasil avaliou os prontuá rios de 780 pacientes de ambos os gêneros que realizaram rinoplastia no período de janeiro de 2005 a janeiro de 2012. Foram selecionados 533 pacientes que se enquadraram no estudo. Os seguintes dados foram avaliados: gênero, idade à época da cirurgia, características anatômicas do nariz, tipo de abordagem cirúrgica e grau de satisfação dos pacientes após o procedimento (definida através da última nota do prontuário). Foi considerado como único critério de inclusão o paciente ter sido submetido à rinoplastia, com ou sem cirurgia na ponta nasal. Como critério de exclusão utilizou-se o seguimento pós-operatório menor que um ano e a falta de dados no prontuário. De acordo com os dados obtidos, os pacientes foram distribuídos em grupos, conforme apresentado na tabela 1.10

Tabela 1 Distribuição, em grupos, das técnicas cirúrgicas propostas para definição da ponta nasal de acordo com as características anatômicas10 

Grupo Características anatômicas Técnica de escolha para definição Técnicas usualmente associadas
1 Definição satisfatória da ponta nasal Nenhuma Redução do septo caudal, redução do dorso e osteotomias laterais
2 Pontos de definição da ponta ligeiramente divergentes e pele fina Divulsão interdomal Redução do septo caudal, redução do dorso e osteotomias laterais
3 Distância intercrural normal, leve bulbosidade e pele fina Ressecção cefálica Redução do septo caudal, redução do dorso e osteotomias laterais
4 Ponta bulbosa, em caixote ou assimétrica, ângulo de divergência aumentado e/ou arco domal alargado e pele fina/normal Sutura domal Lateralização dos domos, poste columelar intercrural, enxertos de rebordo alar, redução do dorso e osteotomias laterais
5 Ponta bulbosa, em caixote ou assimétrica, ângulo de divergência aumentado e/ou arco domal alargado e pele grossa Enxerto em escudo Lateralização dos domos, poste columelar intercrural, enxertos de rebordo alar, aumento do dorso e osteotomias laterais
6 Ponta amorfa, com pele grossa e tipo Fitzpatrick V ou VI (afrodescendentes) Divisão vertical dos domos Extensor de septo caudal, enxertos em escudo, de contorno alar, aumento do dorso e osteotomias laterais
7 Cartilagem alar maior fraca ou sobre-ressecada (rinoplastia secundária, fissura labiopalatal, câncer, trauma, granulomatoses) Reconstrução das cartilagens alares maiores Extensor de septo caudal, enxertos espaçadores (spreader), de contorno alar, em escudo, aumento do dorso e osteotomias laterais e paramedianas

Análise estatística

Os resultados foram submetidos previamente à estatística descritiva para determinação da normalidade. Foram utilizados o teste t bicaudal de Student para amostras independentes com distribuição normal e o teste de Mann-Whitney para amostras com distribuição não normal. Quando aplicável, foi utilizado o teste Qui-quadrado para comparação entre as variáveis. O nível de significância foi estabelecido em 5%.

Resultados

Do total de 533 pacientes que foram submetidos à rinoplastia, 158 (30%) são do gênero masculino e 375 (70%) do gênero feminino. A faixa etária para o gênero masculino, à época da cirurgia, variou de 12 a 62 anos (média de 26,7 ± 8,9 anos), e para o gênero feminino a faixa etária variou de 11 a 66 anos (média de 27,2 ± 8,2 anos), não sendo esta relação significante (p = 0,3279).

A tabela 2 apresenta o número de pacientes em cada grupo determinado e de acordo com o gênero. O Grupo 4, em relação ao número de pacientes, apresentou maior prevalência (27%) seguido pelos Grupos 1 (26%), 3 (23,1%), 5 (8%), 2 (7,3%), e pelos Grupos 6 e 7, os quais obtiveram a mesma prevalência (4,3%). Em todos os grupos, houve maior prevalência do gênero feminino, sendo esta relação estatisticamente significante (p = 0,0003). As figuras 1 a 6 demonstram pré e pós-operatório de uma paciente pertencente ao Grupo 4 (maior prevalência), 17 anos, sexo feminino, pele de espessura normal, que apresentava ponta nasal com ângulo de divergência intercrural aumentado e arco domal alargado, narinas simétricas, sub-rotação e convexidade no dorso. Foi realizada rinosseptoplastia via incisões marginal e intercartilaginosa, seguidas de ressecção cefálica dos ramos laterais, suturas transdomal, interdomal e septocolumelar com interposição de poste columelar, redução do dorso e osteotomias laterais. Após 12 meses, observou-se melhora da definição da ponta.

Tabela 2 Distribuição dos pacientes n (%) em cada grupo relacionado ao gênero 

Grupos Gênero pa
Masculino Feminino
n (%) n (%)
1 (n = 138) 62 (11,7)  76 (14,3) 0,0003
2 (n = 39) 11 (2)  28 (5,3)
3 (n = 123) 27 (5)  96 (18,1)
4 (n = 144) 30 (5,6) 114 (21,4)
5 (n = 43) 12 (2,2)  31 (5,8)
6 (n = 23)  7 (1,3)  16 (3)
7 (n = 23)  9 (1,7)  14 (2,6)

a Teste Qui-quadrado.

Figura 1 Foto frontal pré-operatória.  

Figura 2 Foto perfil pré-operatória. 

Figura 3 Foto base nasal pré-operatória.  

Figura 4 Foto frontal pós-operatória. 

Figura 5 Foto perfil pós-operatória.  

Figura 6 Foto base nasal pós-operatória. 

A análise das médias da faixa etária entre os gêneros dos pacientes de cada grupo analisado permitiu identificar valores médios aproximadamente semelhantes, não havendo, portanto, diferença estatística (tabela 3).

Tabela 3 Distribuição da faixa etária de cada grupo analisado em relação ao gênero em valores médios ± desvio-padrão 

Grupos Gênero p
Masculino Feminino
1 26,1 ± 9,2 27,3 ± 10,5 0,7223a
2 25,8 ± 10,1 26,0 ± 7,4 0,6397a
3 26,8 ± 7,7 26,4 ± 7,2 0,8140a
4 26,9 ± 8,1 27,7 ± 8,2 0,6106a
5 28,2 ± 12,3 27,9 ± 5,8 0,9426b
6 26,6 ± 5,1 29,6 ± 7,9 0,3606b
7 28,7 ± 10,1 25,2 ± 8,6 0,7289a

a Teste de Mann-Whitney.

b Teste t não-pareado.

O número de pacientes foi avaliado de acordo com o gênero em cada grupo cirúrgico, em relação à satisfação ou não do resultado da rinoplastia após 12 a 30 meses do procedimento, sendo encontrada a taxa total de 96% de pacientes satisfeitos, com predomínio do gênero feminino (67%). Ao todo, 21 pacientes (4%), também com prevalência do gênero feminino (3%), se mostraram insatisfeitos com o resultado do procedimento. Em relação aos grupos, o Grupo 6 apresentou 100% de satisfação, seguido pelos Grupos 5 (98%), 3 (97%), 1 e 7 (ambos com 96%), e 2 (95%). O Grupo 4 foi o que apresentou a menor taxa de satisfação (94%) (tabela 4).

Tabela 4 Distribuição dos pacientes em cada grupo, de acordo com o gênero, em relação à satisfação ou não do resultado do procedimento cirúrgico 

Grupos Pacientes satisfeitos após cirurgia Pacientes insatisfeitos após cirurgia Taxa de satisfação
Masculino Feminino Masculino Feminino
n (%) n (%) n (%) n (%) n (%)
1 (n = 138) 60 (43) 73 (53) 2 (2) 3 (2) 133 (96)
2 (n = 39) 11 (28) 26 (67) 0 (0) 2 (5) 37 (95)
3 (n = 123) 27 (22) 92 (75) 0 (0) 4 (3) 119 (97)
4 (n = 144) 28 (19) 108 (75) 2 (1) 6 (5) 136 (94)
5 (n = 43) 12 (28) 30 (70) 0 (0) 1 (2) 42 (98)
6 (n = 23) 7 (30) 16 (70) 0 (0) 0 (0) 23 (100)
7 (n = 23) 9 (39) 13 (56) 0 (0) 1 (5) 22 (96)
Total (n = 533) 154 (29) 358 (67) 4 (1) 17 (3) 512 (96)

Discussão

A ponta nasal pode ser avaliada através da sua definição, projeção (distância da ponta do nariz até o ponto mais posterior da junção nasofacial) e rotação (movimento cefálico ou caudal da ponta nasal em relação ao plano facial).2 , 3 Para alcançar uma melhor definição da ponta nasal, todo cirurgião deve trabalhar com os conceitos de conservação do esqueleto, reposicionamento de cartilagem e técnica cirúrgica altamente precisa. Devido às variações anatômicas, especialmente das cartilagens alares maiores e do envelope de pele e tecido subcutâneo, foi descrito um protocolo com a descrição de várias técnicas para definição da ponta.10 Com uma abordagem sistemática no planejamento pré-operatório,10 é possível alcançar resultados satisfatórios no pós-operatório, tornando, assim, a rinoplastia menos intimidante, apesar de ser considerada um dos procedimentos mais desa fiadores na cirurgia plástica facial.3 , 5 , 9

Sendo assim, o presente estudo utilizou o protocolo conforme publicado na literatura,10 para a abordagem gradativa para definição da ponta nasal baseada em características anatômicas, que permitem ao cirurgião corrigir deformidades mais simples em pacientes de pele fina utilizando técnicas conservadoras, reservando as técnicas mais complexas para maiores deformidades da ponta em pacientes de pele grossa.

Do total dos pacientes do estudo (533), foi encontrada maior prevalência do gênero feminino (70%), fato semelhante ao descrito na literatura (67,8%), que analisou casuística maior (641 pacientes).10 A distribuição dos pacientes nos sete grupos avaliados mostrou um predomínio do gênero feminino em todos os grupos. O estudo de referência10 não apresentou dados da distribuição do gênero entre os grupos para comparação com o presente estudo.

Em relação ao número de pacientes em cada grupo, houve diferença na prevalência quando comparada ao estudo de referência,10 provavelmente devido a diferentes características regionais e étnicas entre ambos os locais nos quais as pesquisas foram realizadas. No presente estudo e naquele de referência,10 o Grupo 4 apresentou maior número de pacientes.

Ao avaliar a taxa de satisfação dos pacientes em relação ao resultado cirúrgico em cada grupo do protocolo, foram encontradas diferenças nas prevalências entre o presente estudo e o de referência.10 Estas diferenças também podem ser resultantes, conforme referido, das características regionais e étnicas destas duas casuísticas. Apesar das dificuldades inerentes aos procedimentos cirúrgicos dos Grupos 5, 6 e 7, o presente estudo encontrou maior taxa de satisfação nos mesmos, quando comparadas ao estudo de referência.10 Apesar de diferenças na casuística e nas características físicas dos pacientes, a avaliação da taxa de satisfação global do presente estudo (96%) foi semelhante a do estudo de referência (95,6%).10 Mas a taxa de revisão do presente estudo foi menor (4%) que a do estudo da literatura (5,6%),10 apesar de ambas serem consideradas baixas para a rinoplastia.

Sendo assim, no aspecto geral, as taxas de satisfação dos pacientes e a de revisão obtidas no presente estudo foram consideradas adequadas para a definição da ponta nasal, de acordo com o protocolo de abordagem utilizado.10 Esta abordagem gradativa pode ser considerada o passo inicial para o planejamento pré-operatório da rinoplastia. Depois de definir a qual grupo pertence cada paciente, outras manobras devem ser selecionadas para corrigir as outras deformidades, progredindo de reparos simples a complexos, baseados no diagnóstico anatômico.

Conclusões

O protocolo utilizado permitiu a associação da abordagem cirúrgica gradativa para definição da ponta nasal com as características anatômicas nasais, alta taxa de satisfação com o resultado cirúrgico e baixa taxa de revisão.

REFERÊNCIAS

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