Compartilhar

Abreu CN, Eisenstein E, Estefenon SG. Vivendo esse mundo digital: impactos na saúde, na educação e nos comportamentos sociais. Porto Alegre: Artes Médicas; 2013.

Abreu CN, Eisenstein E, Estefenon SG. Vivendo esse mundo digital: impactos na saúde, na educação e nos comportamentos sociais. Porto Alegre: Artes Médicas; 2013.

Autores:

Nilton Cesar Nogueira dos Santos,
Pio Moerbeck da Costa-Filho

ARTIGO ORIGINAL

Ciência & Saúde Coletiva

versão impressa ISSN 1413-8123

Ciênc. saúde coletiva vol.19 no.3 Rio de Janeiro mar. 2014

http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014193.21882013

As tecnologias de informação e de comunicação já se encontram inseridas no meio social, familiar, disponíveis a um toque, a qualquer hora do dia ou da noite. Essa geração digital, que deseja fazer parte, vive em função da flexibilização, almeja a satisfação imediata de suas necessidades, o que impõe às sociedades adaptação a novos costumes, atos, principalmente fatos ligados ao comportamento humano. Com essa visão atual e ampliada, os autores vão gradativamente situando o leitor e apontando caminhos para um usufruto seguro, responsável e produtivo da internet e de outras tecnologias sociais.

Se considerarmos que, de uma população mundial estimada em 7 bilhões de pessoas, a grande maioria já aderiu ao telefone celular, às tecnologias, antes mesmo de usufruírem de necessidades básicas à sobrevivência humana saudável, como água potável, há que se dispensar um olhar diferenciado para entender como se processa essa relação de consciências, sem um apanhado lúcido desse mesmo uso, muitas das vezes.

Nessa perspectiva da vivência com as tecnologias e as consequências delas decorrentes, este livro, fruto de pesquisas, nos âmbitos nacional e internacional, por cerca de 10 anos, vislumbrou contribuir para que se utilize dessa ferramenta, que é a fascinante internet, de forma mais segura, ética, educativa e saudável de conhecimentos, verdadeira ponte de diálogo entre gerações.

Dentre os temas abordados, distribuídos em 07 partes e 27 capítulos, verifica-se uma dedicação minuciosa em fazer conhecer tecnoestresse e dependência da internet; cyberbulling, sexting egrooming; abuso, pornografias, pedofilia e exploração sexual; problemas médicos e prevenção de riscos; cibercrimes e ciberdelitos; redes sociais; direitos humanos e valores éticos; educação escolar; segurança e tantos outros aspectos da era digital, o que só vêm a enaltecer e legitimar a obra.

Há entendimento de que as Tecnologias de informação e comunicação tornam as pessoas conectadas permanentemente ao que se passa "nos mundos", que essa conexão favoreceu muitos setores. Ainda discutem e incentivam o uso de uma estratégia da Organização Mundial de Saúde que é o eHEALTH, com prontuários eletrônicos, cartões de saúde digitais, telemedicina, telefones inteligentes ou tablets, que poderiam ser melhor aproveitados e contribuiriam para o fortalecimentos dos sistemas de saúde.

Busca-se compreender como a estrutura da inclusão na mídia vem se estruturando como opção de liga/desliga, como as posições pró-mídia/antimídia vão se se processando com base em valores (legados familiares, crenças, política e cultural), muitas vezes deturpados ou "macerados" por motivos torpes, sejam eles de ordem econômica ou religiosa. Um dado importante é que, de acordo com os autores, ao citar um estudo americano, verificou-se que uma parcela muito reduzida dos pais possuíam conhecimento das recomendações quanto ao uso das "tecnologias" em tenra idade, acreditando que esse uso precoce favoreceria a familiarização e a intimidade com a utilização de mídias, sem maiores danos para o indivíduo e para a sociedade.

De acordo com os autores, crianças e adolescentes cada vez mais utilizam a internet e o celular, com grande vulnerabilidade aos diversos tipos de violência, especialmente destacadas no texto, bullying, e, ao envolver recursos eletrônicos, cyberbulling, podem gerar depressão, isolamento, baixa estima, escoriações.

Não há como não viver esse mundo digital, não mais! As transformações por que passou e passa a sociedade levam a uma mudança de paradigmas, quando as relações, inicialmente, de um consumo de subsistência, vertiginosamente, convertem-se em serviços e centralização na informação, muitas vezes deixando um papel secundário para o ser humano, com seus sentimentos e sensações.

Os autores apresentam uma revolução muito mais filosófica, humana, relacional, do homem com as coisas, uma "coisificação do homem". Ganha-se em tecnologia, perde-se em senso, em razão, em sobriedade e consciência. Essas diversas revoluções, sejam no campo da manipulação genética, da internet, das coisas ou no conhecimento aprofundado da estrutura dos átomos carreiam impacto nos caminhos da humanidade por assim dizer, concluem.

Há, assim, um entremeio entre possibilidades e necessidades, numa confusão de papéis entre o público ou privado, o humano, o devasso ou o eticamente aceitável. Essas novas relações com o conhecimento levam a uma perplexidade na escola, que enrijecida na tentativa de "abastecer" o indivíduo de saberes "isolados", não educa, nem instrui, não forma, não transforma, salientam os autores, que afirmam que o foco é formar gerações para o tempo em que vão viver.

Com esse entendimento da função da escola alicerçada pelas tecnologias, há lugar para todos, para os desiguais, para os peculiares. Os autores nos conduzem a buscar estratégias para melhora da comunicação, com sugestões de oficinas, softwares livres e políticas de acesso e inclusão digital. O que se busca evitar, ao fazerem uma analogia artística e até mesmo poética, é não contribuir para a existência de meros repetidores, irreflexivos, sem sensação, aflitos, distantes do entendimento do todo, mas uma "pedagogia digital", útil e aplicada, seja qual for o público ou a circunstância.

É-nos apresentado um questionamento-sugestão: relacionar-se é mudar de padrão? E se fala em inteligência coletiva, que consiste em mobilização efetiva das competências, não trabalhar juntos apenas, mas pensar juntos, com sincronicidade, um verdadeiro "hola cibernético". O homem usa a máquina, a máquina social, não pode ser "enforcado" nela, aí é um papel crucial da escola, que deve usar a internet como fonte de agregação, fortalecendo as ligações sociais. É a inteligência coletiva em ação. Essa mesma escola que prepara o cidadão, que acompanha o dinamismo da sociedade, com criticidade, ética, engajamento e autonomia.

Pode-se, por exemplo, com as tecnologias, promover saúde e saneamento ambiental, buscando-se um ativismo visual, a exemplo do relatório de experiência que aconteceu em uma comunidade do Rio de Janeiro, na Rocinha, denominado Tecnologia Social em Tela, em que se buscou conhecer os dramas estruturais, com o uso da tecnologia social inovadora (ativismo visual), com envolvimento participativo da comunidade. O que se mostrou foi o rompimento da absolutização, houve compartilhamento de saberes e trocas de experiências.

Importante o destaque que os autores dão, mostrando a importância de a abordagem em saúde usufruir dos aspectos de desenvolvimento tecnológico para avaliar crescimento e desenvolvimento, apresentando inclusive comparativos da influência das tecnologias nos comportamentos sociais. Os questionamentos permeiam os desafios da era digital como (ausência de limites, fantasias, forma de estabelecer novos amigos, consumismo desenfreado, crises de valores, busca da identidade, tempo demorado para crescer e desenvolver-se).

Esse "descontrole" pode gerar efeitos nocivos à saúde, esse excesso pode levar à desnutrição, baixo rendimento escolar, estima prejudicada, conduta antissocial, uso de drogas, transtornos mentais e comportamentais, riscos familiares, sociais e digitais (distorção de hábitos e sono, sexualidade virtual problemática, confusão entre mundos real e virtual, violência). Interessante a denominação de tecnoestresse entendido como desejo incontrolável de estar ligado, plugado e conectado o tempo todo, sem dar a devida atenção a cada tarefa (dores, dificuldades de relaxar, ansiedade, depressão, cansaço crônico), além de problemas posturais, auditivos e outras complicações ao desenvolvimento físico, mental e social.

Identifica-se nos capítulos finais, a preocupação com a segurança na "rede", como consegui-la, como mantê-la, que critérios de referência seguir. É citado um projeto sobre como Navegar com Segurança, a abordagem gira em torno do excesso de operatividade, perda de privacidade, resistência à supervisão. Também se fala nos desafios atuais no combate aos crimes e delitos virtuais, com os desafios geracionais na promoção do uso ético da internet e na preservação da identidade e conduta ética, pairando a dúvida se o indivíduo assume um papel social que varia entre vítima e infrator.

Trata-se de obra contemporânea, que aborda temas relevantes para profissionais da saúde, da educação, do direito, entre outros. Aponta estratégias que impulsionam o compromisso para a utilidade da internet com responsabilidade, principalmente nos comportamentos sociais e desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes.

Esta obra promove a reflexão de que é preciso "educar", não no sentido restrito, tradicional, ortodoxo e sem acompanhar as tendências atuais, mas no de buscar apreender que influências essas tecnologias exercem no comportamento de crianças e adolescentes durante uma fase importante do desenvolvimento e maturação cerebral, como bem suscitam os autores. Também estimulam o refletir sobre as repercussões que ocorrem no comportamento, os riscos à saúde, as barreiras entre o real e o imaginário, intimidade, privacidade e isolamento.