versão impressa ISSN 0102-311X
Cad. Saúde Pública vol.30 no.7 Rio de Janeiro jul. 2014
http://dx.doi.org/10.1590/0102-311X00156513
The recent reduction in breast cancer mortality in high-income countries resulted from improvements in early detection and treatment. Breast cancer is the most common cancer in Brazilian women. Since 2004, the government has recommended annual clinical breast examination for women aged ≥ 40 years and biannual mammograms for those aged 50-69. This article investigates the degree of implementation of these guidelines using data from the Brazilian Unified National Health System for 2010 according to major geographic region and age group. The findings showed low national mammogram coverage in the target population (32% in the 50-59-year group; 25% from 60 to 69 years). The percentage of women with abnormal radiological findings who underwent biopsy was also low (27% for 50-59 years; 63% for 60-69 years). The number of breast cancer surgeries exceeded the number of cases detected by mammography but was well below the estimated number of incident breast cancer cases in 2010. There are striking regional inequalities in access to early detection and surgery, being the lowest access in the North Region and the highest in the South Region.
Key words: Breast Neoplasms; Early Detection of Cancer; Women’s Health; Mass Screening
La reciente reducción de la mortalidad por cáncer de mama en los países de altos ingresos se atribuye a la detección precoz y las mejoras en el tratamiento. El cáncer de mama es el cáncer femenino más común en Brasil y desde 2004 el gobierno recomienda el examen clínico anual para las mujeres después de los 40 años y la mamografía bienal entre 50 a 69 años. Este trabajo investiga el grado de aplicación de estas recomendaciones a partir de datos del Sistema de Información de Salud, en 2010 por grupos de edad. Los resultados mostraron una baja cobertura de la mamografía en la población objetivo (32%: 50-59, 25%: 60-69 años). La proporción de mujeres con hallazgos radiológicos anormales se sometió a biopsia también fue baja (27%: 50-59, 63%: 60-69 años). El número de cirugías para el cáncer de mama fue mayor que el número de casos detectados por la mamografía, pero mucho menos que el número estimado de casos nuevos para el año 2010. Existen marcadas diferencias regionales en el acceso a la detección temprana y la cirugía, siendo el acceso menor en la Región Norte y más alto en la Región Sur.
Palabras-clave: Neoplasias de la Mama; Detección Precoz del Cáncer; Salud de la Mujer; Tamizaje Masivo
A ocorrência do câncer de mama varia entre países segundo o grau de desenvolvimento socioeconômico, sendo as taxas nos países de alta renda muito superiores às de média e baixa renda 1,2,3,4. No entanto, não existe um diferencial claro na mortalidade pela doença porque esses últimos ainda têm índices de sobrevida por câncer de mama muito baixos 1,4. A melhoria na sobrevida das pacientes em países desenvolvidos nas últimas décadas foi decorrente do aumento do alerta sobre a doença, da detecção precoce e do aprimoramento do tratamento 4.
O rastreamento populacional do câncer de mama foi introduzido em alguns países europeus, nos Estados Unidos e no Canadá, no final dos anos de 1980, após ensaios clínicos randomizados terem mostrado que o rastreamento mamográfico era responsável pela diminuição de 20% a 30% na mortalidade por essa neoplasia 5,6,7. Entretanto, existem controvérsias em relação aos benefícios e aos efeitos indesejados de tais programas e à sua real contribuição no declínio da mortalidade pela doença. Revisão recente por um painel independente confirmou uma redução de 20% na mortalidade por câncer de mama em participantes de um programa de rastreamento de 20 anos de seguimento; porém, essa redução foi acompanhada de efeitos nocivos como sobrediagnóstico de casos, resultados falsos negativos e falsos positivos 8.
Alguns países da América Latina introduziram ações de rastreamento para o câncer de mama na última década, mas, até o momento, não foi implementado, na região, um programa organizado de base populacional 9. No Brasil, onde o câncer de mama é o principal tipo de neoplasia maligna que afeta as mulheres, o Ministério da Saúde preconiza, desde 2004, o exame clínico anual para mulheres assintomáticas a partir dos 40 anos de idade e a mamografia bienal para as mulheres entre 50 e 69 anos – com recomendações mais intensas para as que pertencem a grupos de alto risco 10. Após quase uma década, não foram localizados estudos que avaliem, em âmbito nacional, o grau de implantação dessas recomendações e os resultados obtidos. Tampouco foi avaliada, até o momento, a capacidade do Sistema Único de Saúde (SUS) de produzir serviços para cumprir seus propósitos de controle do câncer de mama no país e, em última instância, atender às necessidades de saúde das mulheres brasileiras.
Em 2009, foi implantado o Sistema de Informação para o Controle do Câncer de Mama (SISMAMA) 11, para padronização da coleta de dados sobre o rastreamento, o diagnóstico e o tratamento do câncer da mama em todo o país e permitir a avaliação das ações de controle da doença 12,13. Avaliações sobre o rastreamento do câncer de mama com base no SISMAMA, publicadas até o momento, limitaram-se a descrever as características principais do sistema 12 e a estimar sua cobertura e qualidade com abrangência regional 13.
Pretende-se, neste artigo, avaliar a cobertura do rastreamento do câncer de mama na população alvo e o seguimento de lesões mamográficas sugestivas de malignidade e examinar se o número de achados mamográficos anormais e o volume de cirurgias realizadas são apropriados, dadas as estimativas de incidência do câncer de mama na população dependente do SUS para o Brasil e grandes regiões, segundo grupos etários.
Foi realizado estudo descritivo com base em dados secundários dos Sistemas de Informações de Saúde do SUS referentes ao ano de 2010.
Foram utilizados os dados do Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA), do SISMAMA, do Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e do Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), referentes a mulheres com idade igual ou superior a 40 anos em 2010, para o Brasil e grandes regiões (Departamento de Informática do SUS. Informações em Saúde. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/in dex.php?area=02). Os dados da população para o cálculo de denominadores foram obtidos do censo decenal de 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Sinopse do Censo Demográfico 2010. http://www.ibge.gov.br).
Os procedimentos relativos a rastreamento, diagnóstico e tratamento cirúrgico para o câncer de mama são registrados em diferentes Sistemas de Informações do SUS (DATASUS. Informações em Saúde. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/in dex.php?area=02).
O SIA e o SIH foram implantados na década de 1990, com finalidade administrativa e contábil, sendo baseados em procedimentos e não em indivíduos. No SIA, são registrados aqueles realizados em âmbito ambulatorial, por meio do Boletim de Produção Ambulatorial. No SIH, são registradas as Autorizações de Internação Hospitalar (AIH) referentes a intervenções cirúrgicas para o diagnóstico e o tratamento do câncer de mama mediante solicitação com laudo médico (DATASUS. Informações em Saúde. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02).
No SISMAMA, subsistema do SIA instalado nos serviços públicos ou nos prestadores contratados pelo SUS e nas Coordenações de Saúde da Mulher das secretarias estaduais e municipais de saúde, são registrados os dados de solicitação e resultados de exames de mamografia, citopatológicos e anatomopatológicos de mama (biópsia e peça cirúrgica) 12.
Na unidade de saúde, o profissional, ao identificar uma usuária assintomática dentro da faixa etária preconizada pelo Ministério da Saúde 10, deve solicitar a “mamografia de rastreamento” em formulário padronizado e fazer o seu encaminhamento. Para mulheres sintomáticas de qualquer faixa etária, a solicitação deve ser feita com indicação clínica de “mamografia diagnóstica”.
O laudo de mamografia padronizado com base no sistema de classificação Breast Imaging Reporting and Data System (BI-RADS) 14 é entregue à mulher, a qual deve se dirigir ao profissional que solicitou o exame para conduta apropriada. Por sua vez, o encaminhamento para fechar o diagnóstico apoia-se na interpretação da categoria BI-RADS (Categoria 0 – inconclusivo; Categoria 1 – sem achados; Categoria 2 – achados benignos; Categoria 3 – provavelmente benigno; Categoria 4 – suspeito de malignidade; Categoria 5 – altamente sugestivo de malignidade e Categoria 6 – biópsia prévia com malignidade comprovada).
As biópsias são realizadas em unidades secundárias de referência para patologias mamárias e em hospitais do SUS, e o diagnóstico histológico também deve ser registrado no SISMAMA. Quando há confirmação do diagnóstico, havendo indicação de tratamento cirúrgico, a mulher é encaminhada para hospitais especializados em cirurgia mamária, e o procedimento é registrado então no SIH (Tabela 1).
Tabela 1 Fluxo das mulheres para realização de mamografia, biópsia e cirurgia para câncer de mama segundo local de atendimento e registro em sistema de informação do SUS.
Nível de atenção | Percurso da mulher | Sistema de informação |
---|---|---|
Unidade de saúde (atenção básica) | Recebimento da solicitação de mamografia | |
Serviço de mamografia (atenção secundária) | Realização da mamografia e recebimento do resultado | SIA; SISMAMA |
Unidade de saúde (atenção básica) | Retorno ao médico solicitante com o laudo da mamografia. Se o laudo da mamografia for Categoria BI-RADS 4 ou 5, é feito o encaminhamento para unidade especializada | |
Unidade especializada (atenção secundária) | Recebimento da solicitação e realização da biópsia | |
Laboratório (atenção secundária) | Emissão do resultado da biópsia | SIA; SISMAMA |
Unidade especializada (atenção secundária) | Se o laudo da biópsia refere doença benigna, é feita orientação médica sobre a conduta terapêutica. Se o laudo da biópsia refere doença maligna, é feito encaminhamento para a cirurgia | |
CACON/UNACON (atenção terciária) | Realização da cirurgia. Tratamento | SIH |
BI-RADS: Breast Imaging Reporting and Data System; CACON: Centro de Alta Complexidade em Oncologia; SIA: Sistema de Informações Ambulatoriais; SIH: Sistema de Informações Hospitalares; SISMANA: Sistema de Informação para o Controle do Câncer de Mama; UNACON: Unidades de Assistência de Alta Complexidade.
Para receber o pagamento, é necessário que o serviço que realizou qualquer um dos procedimentos gere um Boletim de Produção Ambulatorial no SIA. Nesse momento, as informações epidemiológicas devem ser enviadas para as secretarias de saúde para a consolidação, no SISMAMA, dos dados de cada estado.
As declarações de óbito em todo o país são registradas no SIM que hoje atinge uma cobertura superior a 90%.
Foram construídos indicadores de ocorrência do câncer de mama (incidência e mortalidade) – que expressam as necessidades de saúde – e aqueles relativos aos procedimentos efetuados no rastreamento, diagnóstico e tratamento cirúrgico da doença – que traduzem o acesso efetivo ou uso dos serviços 15. As análises foram procedidas comparando-se os indicadores entre as regiões e os grupos etários (40-49, 50-59, 60-69 e 70 anos e mais).
Para estimar a população feminina SUS dependente, em cada região e grupo etário, foi considerado o total de mulheres registradas pelo Censo de 2010 15, excluindo-se a proporção que informou ser portadora de plano de saúde privado na Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios 2008 (PNAD-2008) 16. Foram adotados os seguintes percentuais de população com plano de saúde privado: 13,3% para a Região Norte; 13,2% para a Região Nordeste; 35,6% para a Região Sudeste; 30% para a Região Sul; e 24,6% para a Região Centro-Oeste.
Para a construção de taxas de mortalidade, os óbitos com código C50 na Classificação Internacional de Doenças, 10a revisão (CID-10), foram extraídos do SIM, e os denominadores populacionais foram os do censo populacional de 2010 (IBGE. http://www.ibge.gov.br). Para todo o país e regiões, foram calculadas taxas de mortalidade brutas e padronizadas por idade pela população do Brasil e taxas específicas por grupos de idade (40-49, 50-59, 60-69 e 70 anos e mais).
Para estimar a cobertura da mamografia, utilizou-se uma razão tendo, no numerador, o número de exames mamográficos realizados no SUS e, no denominador, a metade do número de mulheres SUS dependentes, dado que a recomendação para o rastreamento é bienal. Essa razão foi calculada para cada uma das quatro faixas etárias estudadas (40-49, 50-59, 60-69 e 70 e mais anos) para o Brasil e regiões.
Ao comparar os dados registrados no SIA e no SISMAMA, em 2010, constatou-se, respectivamente, 3.126.283 e 2.474.413 mamografias em mulheres com 40 anos e mais, o que implica que 20,7% dos procedimentos só foram registrados no SIA. Assim, para o cálculo do indicador de cobertura, optou-se por considerar o maior valor, tomando-se, por base, os dados do SIA, independente da indicação clínica.
No SISMAMA, as mamografias com indicação de rastreamento ou de diagnóstico são registradas como um exame por mulher.
No SIA, são registrados os procedimentos conforme a indicação no pedido (i.e. rastreamento ou diagnóstico). Quando o pedido é para rastreamento, o registro de mamografia bilateral aparece como um único procedimento por mulher. Se o pedido é para diagnóstico, ou quando esse exame é feito para paciente já tratada por câncer de mama, o exame é registrado como referente a dois procedimentos de mamografia unilateral. Por esse motivo, no cálculo do indicador da razão de cobertura, quando a indicação no SIA apareceu como sendo de diagnóstico, utilizou-se metade dos procedimentos de mamografia unilateral de forma a equivaler ao número de mulheres examinadas.
O Ministério da Saúde recomenda que todas as mulheres com BI-RADS 4 ou 5 devem ser submetidas à biópsia. Como nas bases do SIA não são informados os resultados dos laudos, a distribuição das mamografias, segundo categorias BI-RADS, foi feita a partir das informações do SISMAMA, e foram assumidas as mesmas proporções para o total informado no SIA.
O número de biópsias realizadas foi acessado no SIA a partir do código de procedimento 0203020065 da Tabela de Procedimentos, Medicamentos, Órteses, Próteses e Materiais Especiais do SUS 17. A razão entre o número de biópsias efetuadas e o número de mamografias classificadas como BI-RADS 4-5 foi calculada, por região e grupo etário, como um indicador do grau de adequação do seguimento de achados mamográficos suspeitos de serem malignos.
O número de cirurgias foi extraído do SIH, considerando todos os códigos referentes aos procedimentos cirúrgicos registrados com diagnósticos de neoplasia maligna invasiva da mama: 0410010111 – setorectomia/quadrantectomia; 0410010120 – setorectomia/quadrantectomia com esvaziamento ganglionar; 0416120024 – mastectomia radical com linfadenectomia axilar em oncologia; 0416120032 – mastectomia simples em oncologia; 0416120059 – segmentectomia de mama em oncologia; 0410010057 – mastectomia radical com linfadenectomia e 0410010065 – mastectomia simples 11. Taxas de cirurgia foram calculadas por grupo etário, para o Brasil e macrorregiões, tomando, como denominadores, o total de mulheres no mesmo grupo etário correspondente à população SUS dependente. A adequação do número de cirurgias foi investigada pelo cálculo das seguintes razões (por grupo etário e para o Brasil e macrorregiões): número de cirurgias/número de casos detectáveis e número de cirurgias/número estimado de casos novos de câncer da mama (ver seções Estimativa de Casos Novos de Câncer de Mama e Estimativa de Casos Detectáveis pelo Rastreamento Mamográfico).
Como não existe no Brasil um sistema nacional de registro de câncer de base populacional, a estimativa de número de casos novos de câncer de mama para o ano de 2010 para a população SUS dependente, por região e grupo etário, foi feita a partir do número de óbitos, aplicando-se a razão incidência/mortalidade. Optou-se por utilizar uma razão média de incidência/mortalidade de 4,35, a qual foi estimada com base nos dados de Registros de Câncer de Base Populacional (RCBP), localizados em cidades brasileiras, apresentados em publicação recente do Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva 18. Taxas de incidência foram estimadas por grupo etário, para o Brasil e macrorregiões, usando, como denominadores populacionais, a população SUS dependente.
Foi calculado o número de casos de câncer de mama detectáveis pela mamografia como sendo igual à soma de 20% dos resultados BI-RADS 4 com 80% dos BI-RADS 5 entre o total de mamografias realizadas (com indicação diagnóstica ou rastreamento), a partir de aproximação dos valores preditivos positivos dos resultados classificados como BI-RADS 4 e 5 apresentados em estudos publicados 19. As mesmas proporções de categorias BI-RADS no SISMAMA foram assumidas para o total de mamografias informado pelo SIA, e as taxas de casos detectáveis foram calculadas para a população SUS dependente por grupo etário, para o Brasil e macrorregiões.
Comparando-se as taxas padronizadas por idade, constata-se que a mortalidade por câncer de mama é maior nas regiões Sul e Sudeste do país, com valores 40% superiores aos observados na Região Nordeste e duas vezes maiores que aqueles observados na Região Norte (Figura 1).
Figura 1 Mortalidade * por câncer de mama feminina, taxas brutas e padronizadas **. Brasil e regiões, 2010.
Em 2010, em todo o Brasil, foram realizadas, pelo SUS, 3.126.283 mamografias (com indicação diagnóstica ou de rastreamento) em mulheres a partir dos 40 anos, o que corresponde a 12,4% das mulheres nessa faixa de idade. Nas faixas etárias alvo do rastreamento, a cobertura para a população SUS dependente, estimada a partir da razão exames/população alvo, foi de 32,2% para as mulheres de 50-59 anos e de 25% para as de 60-69 anos. A mais baixa cobertura entre as mulheres de 60-69 anos foi observada na Região Norte (8,3%), e a mais elevada cobertura entre as mulheres de 50-59 anos foi observada na Região Sul (45,6%) (Figura 2).
A cobertura nacional de mamografia para a faixa etária de 40-49, não preconizada para o rastreamento mamográfico, foi ligeiramente superior à observada na população alvo do programa de 60-69 anos (26,5% e 25%, respectivamente), variando entre 9,5%, na Região Norte, a 39,4%, na Região Sul. Em contraste, a cobertura para as mulheres com 70 anos e mais foi apenas de 10,1% (variando de 3,5%, na Região Norte, a 14,4%, na Região Sul).
A distribuição por categorias BI-RADS, segundo indicação da mamografia e de acordo com o SISMAMA, encontra-se na Tabela 2. Apenas 4% de todas as mamografias realizadas entre mulheres de 40 anos e mais foram registradas nesse sistema como sendo de diagnóstico. Observa-se que, apesar de as proporções de categorias BI-RADS 4 e 5 serem maiores entre os exames mamográficos registrados como de diagnóstico, mais de 30% e mais de 40% das mamografias com essa indicação entre mulheres de 50-59 e 40-49 anos, respectivamente, aparecem com BI-RADS 1, indicando que parte das mamografias classificadas como de diagnóstico deve ter sido de rastreamento. Da mesma forma, erros no registro da indicação de rastreamento podem ter acontecido para mulheres nos grupos etários de 40-49 e de 70 anos e mais, nos quais apenas 4-5% dos exames foram registrados como de diagnóstico (porcentagem similar à observada para a população alvo do rastreamento).
Tabela 2 Distribuição de categorias de BI-RADS segundo indicação clínica das mamografias realizadas entre mulheres no SUS, por faixa etária, Brasil, 2010.
Categoria | Faixa etária (anos) | |||||||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
40-49 | 50-59 | 60-69 | 70 e + | |||||||||
R (%) | D (%) | R+D (%) | R (%) | D (%) | R+D (%) | R (%) | D (%) | R+D (%) | R (%) | D (%) | R+D (%) | |
BI-RADS | ||||||||||||
0 | 12,1 | 13,5 | 12,2 | 11,3 | 12,2 | 11,3 | 10,0 | 10,3 | 10,0 | 9,5 | 10,4 | 9,5 |
1 | 53,9 | 44,1 | 53,5 | 42,4 | 34,1 | 42 | 29,9 | 27,2 | 29,8 | 18,5 | 19,5 | 18,6 |
2 | 30,7 | 29,5 | 30,6 | 42,3 | 37,1 | 42,1 | 55,6 | 44,6 | 55,1 | 66,6 | 51 | 65,8 |
3 | 2,1 | 7,4 | 2,3 | 2,7 | 9,7 | 2,9 | 2,9 | 9,7 | 3,2 | 3,0 | 7,9 | 3,3 |
4 | 1,1 | 3,7 | 1,2 | 1,2 | 4,4 | 1,4 | 1,4 | 5,1 | 1,5 | 1,9 | 5,7 | 2,1 |
5 | 0,1 | 0,3 | 0,1 | 0,1 | 0,5 | 0,2 | 0,2 | 0,8 | 0,3 | 0,5 | 1,7 | 0,5 |
6 | 1,4 | 0,1 | 1,9 | 0,1 | 2,2 | 0,1 | 3,9 | 0,2 | ||||
100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | 100,0 | |
Total * | 944.166 | 41.404 | 985.570 | 863.547 | 34.546 | 898.093 | 423.543 | 17.340 | 440.883 | 149.622 | 7.916 | 157.538 |
% | 95,8 | 4,2 | 100,0 | 96,2 | 3,8 | 100,0 | 96,1 | 3,9 | 100,0 | 95,0 | 5,0 | 100,0 |
Fonte: Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama (SISMAMA). BI-RADS: Breast Imaging Reporting and Data System; D: diagnóstica; R: rastreamento. * Esses dados excluem cerca de 21% de mamografias registradas apenas no SIA e para os quais não existe informação sobre a categoria BI-RADS.
A relação entre o número de biópsias e o número de mamografias com indicação para a realização desse exame (resultados de mamografias BI-RADS 4 e 5) se mostra bem desfavorável (0,36 para o Brasil nas mulheres de 40 anos e mais), sendo a pior relação encontrada na Região Sul para mulheres de todas as faixas etárias. Essa razão foi melhor no Nordeste e na faixa etária de 60 a 69 anos em todas as regiões (Tabela 3).
Tabela 3 Número de biópsias e número de mamografias com resultados classificados com categorias BI-RADS 4 e 5 entre mulheres SUS dependentes, por faixa etária, Brasil e regiões, 2010.
Grupo etário (anos) | Norte | Nordeste | Sudeste | Sul | Centro-oeste | Brasil |
---|---|---|---|---|---|---|
40-49 | ||||||
Número de biópsias (B) | 200 | 1.812 | 2.028 | 370 | 291 | 4.701 |
Número de BI-RADS 4-5 * | 377 | 3115 | 7.643 | 4.415 | 3.627 | 16.243 |
Razão B/BI-RADS 4-5 | 0,53 | 0,58 | 0,27 | 0,08 | 0,08 | 0,29 |
50-59 | ||||||
Número de biópsias (B) | 109 | 1.075 | 2.697 | 516 | 320 | 4.717 |
Número de BI-RADS 4-5 * | 349 | 2.755 | 8.953 | 4.480 | 761 | 17.259 |
Razão de B/BI-RADS 4-5 | 0,31 | 0,39 | 0,30 | 0,12 | 0,42 | 0,27 |
60-69 | ||||||
Número de biópsias | 86 | 1.048 | 3.970 | 680 | 313 | 6.097 |
Número de BIRADS 4-5 * | 160 | 1.466 | 5.158 | 2.542 | 375 | 9.679 |
Razão B/BI-RADS 4-5 | 0,54 | 0,71 | 0,77 | 0,27 | 0,84 | 0,63 |
70 e mais | ||||||
Número de biópsias (B) | 11 | 280 | 1.241 | 201 | 58 | 1.791 |
Número de BIRADS 4-5 * | 76 | 786 | 3.087 | 1.011 | 145 | 5.119 |
Razão B/BI-RADS 4-5 | 0,14 | 0,36 | 0,40 | 0,20 | 0,40 | 0,35 |
Total | ||||||
Número de biópsias (B) | 406 | 4.215 | 9.936 | 1.767 | 982 | 17.306 |
Número de BI-RADS 4-5 * | 962 | 8.124 | 24.860 | 12.446 | 4.865 | 48.323 |
Razão B/BI-RADS 4-5 | 0,42 | 0,52 | 0,40 | 0,14 | 0,20 | 0,36 |
Fonte: Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA) e Sistema de Informações Hospitalares (SIH); (Departamento de Informática do SUS. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02). BI-RADS: Breast Imaging Reporting and Data System. * Usando as mesmas proporções informadas pelo Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama no total de mamografias informado no SIA.
No SUS, foram realizadas 17.598 cirurgias no Brasil, em 2010, para o câncer de mama invasivo em mulheres a partir dos 40 anos de idade. Dessas, 32% foram para mulheres entre 40-49 anos, 30% entre 50-59 anos, 21% entre 60-69 anos e 17% para aquelas com 70 anos e mais. Houve predomínio nessas três faixas etárias das cirurgias classificadas como segmentectomias, setorectomias ou quadrantectomias com esvaziamento axilar. Contudo, a porcentagem de mastectomias cresceu com o aumento da faixa etária (Tabela 4).
Tabela 4 Distribuição de procedimentos cirúrgicos para o câncer de mama realizados pelo SUS, por faixa etária, Brasil, 2010.
Procedimentos cirúrgicos | Grupo etário (anos) | |||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
40-49 | 50-59 | 60-69 | 70 + | |||||
n | % | n | % | n | % | n | % | |
Mastectomia | 409 | 7,34 | 441 | 8,45 | 288 | 7,68 | 289 | 9,46 |
Mastectomia com esvaziamento | 2.571 | 46,16 | 2.507 | 48,01 | 1.984 | 52,91 | 1.785 | 58,41 |
Setorectomia/Segmentectomia/Quadrantectomia | 1.707 | 30,65 | 1.402 | 26,85 | 839 | 22,37 | 566 | 18,52 |
Setorectomia/Segmentectomia/Quadrantectomia com esvaziamento | 883 | 15,85 | 872 | 16,70 | 639 | 17,04 | 416 | 13,61 |
Total | 5.570 | 100,00 | 5.222 | 100,00 | 3.750 | 100,00 | 3.056 | 100,00 |
Fonte: Sistema de Informações Hospitalares (SIH); (Departamento de Informática do SUS. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02).
A relação entre o número de cirurgias e o número de casos detectáveis pelo rastreamento para todo o país foi de 1,38, 1,15, 1,35 e 1,84 para as faixas etárias de 40-49, 50-59 anos, 60-69 anos e 70 e mais, respectivamente. As razões observadas foram sempre superiores a um, com exceção do encontrado na Região Sul entre 50 e 59 anos (0,93). Na Região Norte, as razões cirurgias/casos detectáveis pelo rastreamento variaram entre 1,79 para mulheres de 50-59 anos a 2,38 para as com 60-69 anos. Por outro lado, na Região Centro-oeste, a razão entre cirurgias e casos detectáveis foi de 2,17 para as de 40-49 anos e de 2,71 para aquelas com 70 anos e mais. No entanto, ao se comparar o número de cirurgias com o número de casos incidentes estimados, as razões são inferiores a um, com exceção do observado entre as mulheres de 40-49 anos na Região Sul (1,02). Observa-se, ainda, que a razão entre casos detectáveis pelo rastreamento e casos incidentes estimados mostra uma relação muito desfavorável nas faixas etárias alvo do rastreamento (0,45 entre 50-59 anos e 0,33 entre 60-69 anos), sendo inferior ao observado para mulheres entre 40 a 49 anos (0,58). O valor mais elevado para essa razão foi observado entre as mulheres dessa faixa mais jovem, na Região Centro-oeste (0,93). Mais uma vez as regiões Norte e Nordeste aparecem com os piores indicadores e justamente nas faixas etárias recomendadas para o rastreamento cujas razões foram iguais ou menores que 30%. (Tabela 5).
Tabela 5 Incidência, detecção e cirurgias: números absolutos, taxas e razões por faixa etária entre mulheres SUS dependentes, Brasil e regiões, 2010.
Faixa etária (anos) | Norte | Nordeste | Sudeste | Sul | Centro-oeste | Brasil | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|---|
n | Taxa * | n | Taxa * | n | Taxa * | n | Taxa * | n | Taxa * | n | Taxa * | |
40-49 | ||||||||||||
Incidência (I) ** | 347 | 48,72 | 1.929 | 67,96 | 3.079 | 82,75 | 1.127 | 80,14 | 479 | 66,70 | 6.961 | 74,08 |
Detecção (D) *** | 104 | 14,57 | 804 | 28,30 | 1.877 | 50,45 | 1.046 | 74,40 | 197 | 27,40 | 4.027 | 42,86 |
Cirurgias (C) | 199 | 27,94 | 1.367 | 48,15 | 2.429 | 65,28 | 1.149 | 81,73 | 426 | 59,40 | 5.570 | 59,28 |
Razão C/D | 1,92 | 1,70 | 1,29 | 1,10 | 2,17 | 1,38 | ||||||
Razão C/I | 0,57 | 0,71 | 0,79 | 1,02 | 0,89 | 0,80 | ||||||
Razão D/I | 0,30 | 0,42 | 0,61 | 0,93 | 0,41 | 0,58 | ||||||
50-59 | ||||||||||||
Incidência (I) ** | 392 | 83,73 | 2.605 | 128,70 | 4.732 | 160,20 | 1.666 | 151,10 | 656 | 135,00 | 10.051 | 142,90 |
Detecção (D) *** | 101 | 21,65 | 780 | 38,55 | 2.343 | 79,34 | 1.136 | 103,10 | 193 | 39,70 | 4.555 | 64,74 |
Cirurgias (C) | 182 | 38,85 | 1.043 | 51,53 | 2.569 | 86,98 | 1.059 | 96,05 | 369 | 75,80 | 5.222 | 74,22 |
Razão C/D | 1,79 | 1,34 | 1,10 | 0,93 | 1,91 | 1,15 | ||||||
Razão C/I | 0,46 | 0,40 | 0,54 | 0,64 | 0,56 | 0,52 | ||||||
Razão D/I | 0,26 | 0,30 | 0,50 | 0,68 | 0,29 | 0,45 | ||||||
60-69 | ||||||||||||
Incidência (I) ** | 245 | 91,78 | 1.907 | 139,90 | 3.916 | 213,60 | 1.702 | 245,90 | 531 | 190,00 | 8.302 | 187,20 |
Detecção (D) *** | 51 | 19,02 | 459 | 33,67 | 1.455 | 79,33 | 696 | 100,60 | 113 | 40,40 | 2.774 | 62,54 |
Cirurgias (C) | 121 | 45,30 | 775 | 56,87 | 1.908 | 104,10 | 762 | 110,10 | 184 | 65,80 | 3.750 | 84,55 |
Razão C/D | 2,38 | 1,69 | 1,31 | 1,09 | 1,63 | 1,35 | ||||||
Razão C/I | 0,49 | 0,41 | 0,49 | 0,45 | 0,35 | 0,45 | ||||||
Razão D/I | 0,21 | 0,24 | 0,37 | 0,41 | 0,21 | 0,33 | ||||||
70 e mais | ||||||||||||
Incidência (I) ** | 283 | 137,80 | 2.745 | 218,80 | 5.858 | 356,00 | 2.153 | 366,60 | 597 | 289,00 | 11.635 | 298,40 |
Detecção (D) *** | 32 | 15,70 | 269 | 21,47 | 999 | 60,70 | 315 | 53,57 | 49 | 23,90 | 1.664 | 42,69 |
Cirurgias (C) | 64 | 31,19 | 589 | 46,96 | 1.709 | 103,90 | 560 | 95,36 | 134 | 64,90 | 3.056 | 78,38 |
Razão C/D | 1,99 | 2,19 | 1,71 | 1,78 | 2,71 | 1,84 | ||||||
Razão C/I | 0,23 | 0,21 | 0,29 | 0,26 | 0,22 | 0,26 | ||||||
Razão D/I | 0,11 | 0,10 | 0,17 | 0,15 | 0,08 | 0,14 |
Fonte: Sistema de Informação do Controle do Câncer de Mama (SISMAMA); Sistema de Informações Ambulatoriais (SIA); Sistema de Informações Hospitalares (SIH) (Departamento de Informática do SUS. http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=02); Censo Demográfico 2010 (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. http://www.ibge.gov.br).* Taxas brutas por 100.000 mulheres calculadas para a população SUS dependente;
** Número de casos novos de câncer de mama estimado considerando-se uma razão incidência/mortalidade de 4,35. Taxas calculadas para a população SUS dependente;
*** Número de casos de câncer de mama invasivo detectáveis por mamografia estimado como correspondendo a: 0,2 dos resultados BI-RADS 4 + 0,8 dos resultados BI-RADS 5, conforme informado no SISMAMA e assumindo as mesmas proporções para o total informado no SIA. Taxas calculadas para a população SUS dependente.
No Brasil, como observado em outros países 2, há um claro gradiente na mortalidade por câncer de mama que varia com o grau de desenvolvimento socioeconômico. Observa-se maior ocorrência nas regiões Sudeste e Sul, as mais abastadas do país; as regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, que, além de menos desenvolvidas, têm população mais jovem, apresentam taxas menores mesmo após a padronização por idade.
As medidas de controle incluem a detecção e o tratamento precoce pelo aumento de alerta para o câncer de mama, o rastreamento organizado e a melhora dos procedimentos de diagnóstico e tratamento, as quais devem ser implementadas dentro de critérios rigorosos de avaliação de seu impacto em nível populacional.
A razão entre mamografias e população alvo do rastreamento, uma medida indireta de cobertura, mostrou-se baixa em todas as faixas etárias analisadas. É possível que esses valores representem uma superestimação da verdadeira cobertura uma vez que: (i), no seu cálculo, foram incluídas não só mamografias de rastreio como também de diagnóstico; e (ii) não foi possível tomar, em consideração, o número de repetições de mamografias que uma mulher pode ter realizado durante 2010. Esses valores foram inferiores aos observados em países em que foram organizados programas de rastreio de base populacional, como, por exemplo, na Inglaterra, onde a cobertura foi de 73% em 2010/2011 20, e se aproximam daqueles relatados em cidades latino-americanas, incluindo São Paulo 21.
O número de biópsias comparado ao número de casos que demandariam seguimento para esclarecimento diagnóstico (resultados BI-RADS 4 e 5) mostra que apenas 27% das mulheres entre 50 e 59 anos com mamografias com BI-RADS 4 e 5 estão realizando biópsia, já na faixa etária entre aquelas com 60-69 anos, esse percentual sobe para 63%. Foi na Região Sul onde essa relação se mostrou mais desfavorável (12% e 27%, respectivamente). Afastada a possibilidade de erros de registro, podem ser sugeridas algumas interpretações, como, por exemplo, que esteja ocorrendo o encaminhamento de casos para cirurgia sem biópsia realizada no SUS. Ao mesmo tempo, levando- se em conta, o fato de que a razão entre cirurgias e casos estimados é maior do que a razão entre número de casos detectáveis e casos estimados, é possível que parte das cirurgias com diagnóstico de neoplasia maligna de mama seja, de fato, casos de doença benigna.
A escassez de biópsias correspondente à necessidade diagnóstica estimada pelo número de mamografias realizadas no país indica que o sistema de saúde ainda não está preparado para atender à demanda de mulheres que deveriam ser alvo das ações específicas de rastreamento e diagnóstico precoce para o câncer de mama.
Por outro lado, 46% do total de mamografias realizadas em 2010 foram feitas em faixas etárias não recomendadas para rastreamento pelo Ministério da Saúde 10. Sabe-se que a indicação médica é um forte preditor da realização da mamogra- fia 22,23, e que as sociedades científicas têm tido importante papel na difusão de recomendações distintas das preconizadas oficialmente, em especial no que diz respeito à idade. Também há divergências quanto à periodicidade, não sendo possível afastar a ideia de que os exames estejam sendo feitos fora do padrão bienal.
Embora o número de cirurgias registrado seja insuficiente para o número de casos estimados, é provável que uma proporção significativa de cirurgias esteja sendo realizada em mulheres com doença avançada, especialmente na Região Norte, onde foram vistas as mais altas razões cirurgias/casos detectáveis. Além disso, não se pode afastar a possibilidade de estar havendo um excesso de cirurgias entre mulheres fora das faixas de rastreamento, o que precisa ser melhor investigado, dado que o rastreamento mamográfico antes dos 50 anos aumentaria o risco de sobrediagnóstico e falsos positivos, causando mais danos do que benefícios 24. Com base nesse entendimento, a Força Tarefa de Serviços Preventivos nos Estados Unidos da América, em 2009, recomendou o rastreamento mamográfico a partir dos 50 anos 25, o que já era seguido em vários países 26.
O acesso ao diagnóstico e ao tratamento de câncer no Brasil é marcado pelas imensas desigualdades de oferta de assistência especializada. Há uma grande concentração de serviços credenciados no SUS de quimioterapia e radioterapia nas regiões Sudeste e Sul e uma ausência, quase total, na Região Norte 27, o que certamente afeta o prognóstico de mulheres acometidas pela doença fora dos grandes centros urbanos do país. Estudo que analisou o fluxo de pacientes com câncer de mama tratadas no SUS mostra que os serviços especializados de cirurgia, radioterapia e quimioterapia são concentrados nas cidades grandes, e que uma proporção considerável de pacientes mora a mais de 150km desses serviços 28. Todavia, mesmo no Estado do Rio de Janeiro, um dos estados de melhor nível socioeconômico, evidenciou-se que 44% dos casos de câncer de mama foram diagnosticados em fase avançada, embora 68% dessas mulheres residissem em municípios com serviço oncológico credenciado 29.
Apesar das baixas coberturas de mamografia entre as mulheres que dependem do SUS, é inegável que vem havendo expansão de oferta desse exame no país. Estudo com dados das PNAD de 2003 e 2008 concluiu que houve aumento na realização de mamografia em todas as faixas etárias, mesmo naquelas em que o rastreamento não é recomendado. Esse aumento foi mais expressivo (42%) entre as mulheres sem planos de saúde, para as quais a prevalência passou de 33% para 47%. Para as mulheres na faixa etária preconizada pelo Ministério da Saúde (50-69 anos), também se observou aumento de 30%, que se relacionou positivamente com aumento de renda familiar e escolaridade, e para as que possuem planos de saú- de 30. É marcante a observação de que mulheres residentes em áreas metropolitanas apresentam uma chance três vezes maior de acesso à mamografia do que as residentes em outras áreas.
Comparando-se a discrepância entre as coberturas calculadas a partir de exames realizados pela população SUS dependente e a informação obtida na PNAD que incluiu toda a população, fica evidente que o acesso à mamografia é maior para quem dispõe de assistência de saúde suplementar. A parcela de mulheres que informam ter realizado mamografia em serviços privados foi maior do que a das que disseram tê-lo feito em serviços próprios ou contratados do SUS, tanto em 2003 (64,7% x 42,5%) quanto em 2008 (72,7% x 47%) 30.
Os resultados apontados no presente estudo levantam a possibilidade de que esteja ocorrendo uma relação muito desfavorável entre o que seria detectável a partir dos exames alterados de mamografia e o número de casos estimados para todas as regiões do Brasil. Mais de 50% dos casos estimados de câncer de mama entre mulheres de 50-59 anos no país que não possuem assistência de saúde suplementar não estariam sendo detectados por mamografia; entre 60-69 anos, o número de casos não detectáveis chega a 67%. E foram nas regiões mais pobres do país, Norte e Nordeste, que se evidenciaram as piores razões entre os casos suspeitos pela mamografia e o número de casos estimados.
As informações de inquéritos domiciliares dizem respeito à população como um todo (incluindo aquelas que possuem planos privados e não usam os serviços do SUS), são, porém, aferidas a partir de autorrelato, podendo haver sub ou superestimação das coberturas de ações de rastreamento. Ao passo que os dados registrados nos sistemas de informações do SUS se referem a pessoas que foram atendidas na rede própria ou de serviços contratados do SUS, não incluem assim aqueles sem acesso a esses serviços.
Entre as limitações deste estudo, deve ser destacado que seus resultados tiveram, como fonte, sistemas de informações com diferentes graus de cobertura e variações regionais na completude e qualidade da informação 31. Em relação ao SIM, há, em geral, um consenso de que os óbitos por neoplasias são mais bem registrados, ainda que parte deles possa estar incluída entre as causas mal definidas que vêm diminuindo marcadamente no país 32. O diagnóstico e o tratamento do câncer de mama implicam assistência hospitalar, e as informações costumam ser mais fidedignas relativamente a outras causas. O SIA e o SIH, embora criados com finalidade contábil e gerencial, constituem-se em fontes de dados valiosas para a pesquisa sobre a assistência oncológica 33. Quanto ao SISMAMA, por ter sido implantado recentemente, sua qualidade foi pouco avaliada 13. Seus limites foram apontados no presente artigo.
As análises contemplaram os totais de procedimentos (exames e cirurgias) realizados, não sendo possível seguir a trajetória de cada mulher a partir do SISMAMA, que, até o momento, registra o exame e não a mulher. Além disso, há perdas no total de informações da base de dados do SISMAMA, motivo pelo qual considerou-se o total de exames registrados no SIA. Espera-se que, com o aprimoramento desses sistemas, seja possível avaliar o seguimento dos casos rastreados e a adequação do tratamento, permitindo avaliar a adesão ao rastreamento e as barreiras de acesso aos serviços do SUS.
Outra limitação que deve ser considerada é que a estimativa do número de casos incidentes se baseou em uma razão única entre incidência/mortalidade, ignorando diferenças de sobrevida entre os grupos etários e as regiões do país. Por exemplo, não considerou a possibilidade de que, nas áreas mais carentes socioeconomicamente, a sobrevida seria menor, o que diminuiria essa razão e, consequentemente, a estimativa de casos novos.
Pode-se, ainda, pensar que a cobertura da mamografia avaliada apenas com exames gerados na rede de serviço do SUS esteja subestimada caso algumas mulheres tenham realizado o exame em serviços privados. O aumento da cobertura de plano de saúde suplementar no país pode estar gerando algumas inconsistências verificadas no estudo; parte dos planos privados de saúde oferecem cobertura para exames complementares ou mesmo biópsias, mas, nem sempre cobrem procedimentos cirúrgicos mais complexos, levando as pessoas a recorrerem ao SUS para realizá-los.
O Brasil tem experimentado, nas últimas décadas, um intenso processo de urbanização e de mudanças no estilo de vida, especialmente para as mulheres, com progressivo envelhecimento populacional, consequente ao aumento da expectativa de vida ao nascer, redução marcada da fecundidade e aumento da obesidade e da incidência de doenças crônicas 34. O controle de fatores de risco modificáveis associados a doenças crônicas não transmissíveis é contemplado dentro do Plano de Ações Estratégicas para o Enfrentamento das Doenças Crônicas não Transmissíveis no Brasil, 2011-2020 35. Entre esses fatores, o uso de álcool, o excesso de peso e a inatividade física após a menopausa se associam ao aumento de risco para o câncer de mama. No entanto, os principais fatores de risco, tais como idade avançada da primeira gestação, baixa paridade e amamentar por períodos curtos, são menos passíveis a intervenções de saúde pública, principalmente nas sociedades modernas em que há, cada vez mais, uma maior participação profissional e social das mulheres. Assim, o diagnóstico e tratamento precoces, para os quais o rastreamento é um componente essencial, são os meios mais efetivos para a redução da mortalidade por câncer de mama.
As taxas de mortalidade por câncer de mama, padronizadas por idade, de mulheres residentes nas capitais estão em declínio nas regiões Sul e Sudeste, mesmo antes da implementação das recomendações governamentais sobre rastreamento em 2004 36. Contudo, nas regiões Norte, Nordeste e Centro-oeste, a mortalidade continua crescente tanto nas capitais quanto nos municípios do interior, o que traduz as desigualdades de acesso aos serviços, que também ficaram evidenciadas no presente estudo.
Os resultados apresentados permitem uma primeira avaliação sobre a correspondência entre as diversas etapas do processo de rastreamento com base em dados secundários oficiais do SUS no Brasil e grandes regiões. Há grande defasagem em termos de cobertura de mamografia e biópsias em todo o país, especialmente nas regiões Norte e Nordeste. A existência de uma leve tendência a uma maior cobertura de mamografia para as mulheres de 50-59 anos se comparada às outras faixas etárias analisadas pode estar refletindo uma pequena adesão às recomendações de rastreamento do Ministério da Saúde. Por outro lado, o excesso de intervenções cirúrgicas entre as mais jovens pode sugerir a existência de sobrediagnóstico, merecendo uma investigação mais cuidadosa dos efeitos dessa possibilidade na saúde e na vida dessas mulheres. No entanto, esses achados foram feitos a partir de estimativas com parâmetros médios de bancos secundários, que ainda trazem problemas de qualidade e cobertura da informação, e podem não corresponder de forma precisa à realidade.
O objetivo final do rastreamento do câncer de mama é a redução da mortalidade. Como tal, é fundamental que as ações realizadas sejam avaliadas em função do seu impacto na mortalidade, o que não foi possível ser feito na presente análise. Contudo, a baixa cobertura mamográfica, o seguimento inadequado de lesões radiológicas suspeitas e o déficit de acesso a tratamento cirúrgico apontam para um baixo impacto das medidas de rastreamento na mortalidade por câncer de mama no Brasil. A melhora desses indicadores, bem como a criação de mecanismos que permitam a monitorização do custo-efetividade do rastreamento mamográfico e de seu impacto devem ser encaradas como prioridades da política de câncer para o país.