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Acesso à informação para tomada de decisão com base em evidências segundo a percepção de Secretários Municipais de Saúde do Estado do Paraná, no ano de 2014

Acesso à informação para tomada de decisão com base em evidências segundo a percepção de Secretários Municipais de Saúde do Estado do Paraná, no ano de 2014

Autores:

Leonardo Augusto Becker,
Cassiano Ricardo Rech,
Rodrigo Siqueira Reis

ARTIGO ORIGINAL

Cadernos de Saúde Pública

versão impressa ISSN 0102-311Xversão On-line ISSN 1678-4464

Cad. Saúde Pública vol.34 no.7 Rio de Janeiro 2018 Epub 23-Jul-2018

http://dx.doi.org/10.1590/0102-311x00003918

ABSTRACT

The study aimed to identify information sources for decision-making and barriers to access in the use of scientific journals by Municipal Health Secretaries in the State of Paraná, Brazil. Study participants included Secretaries of Health from 181 municipalities in the year 2014. Interviews focused on the frequency of consultation of resources for obtaining evidence, including from scientific journals. 40.9% of the participants were 18 to 39 years of age (mean age was 43±10.2 years; median 42 years). More than two-thirds (69.1%) had held the office of health secretary for less than five years. The majority were males (56.4%), and only one in three had a graduate degree in public health. The main sources of information were “non-scientific periodicals” (76.2%), “print/online journals” (71.4%), and “Ministry of Health guidelines” (71.3%). The main barriers to use of scientific journals were “lack of time for reading” (72.9%), “periodical’s high cost” (69.1%), and “difficulty in identifying the best periodicals” (63.5%). The main information sources were non-scientific periodicals and Ministry of Health guidelines. The use of scientific journals is hindered by lack of time and limited familiarity with scientific language. Access to scientific information should be facilitated by the use of more accessible sources and training for municipal administrators in the use of open-access periodicals. Such measures can foster knowledge of current evidence among municipal health secretaries.

Keywords: Information Dissemination; Decision Making; Research Personnel; Health Services

RESUMEN

El objetivo fue identificar fuentes de acceso a la información para la toma de decisiones y las barreras existentes, para el uso de periódicos científicos entre Secretarios Municipales de Salud del estado de Paraná, Brasil. Participaron en el trabajo Secretarios Municipales de Salud de 181 municipios del estado de Paraná, durante el año 2014. Se realizaron entrevistas sobre la frecuencia y el uso de recursos, con el fin de obtener información sobre las evidencias científicas relacionadas con el uso de periódicos científicos. En general, un 40,9% de los participantes tenían entre 18 y 39 años (media 43 ± 10,2; mediana de 42 años), ocupaban el cargo por un período menor de cinco años (69,1%), eran de sexo masculino (56,4%), y solamente uno de cada tres contaba con posgrado en salud pública. Las principales fuentes de información utilizadas fueron “revistas no científicas” (76,2%), “periódicos impresos/online” (71,4%) y “directrices del Ministerio de Salud” (71,3%). Las principales barreras informadas para el uso de periódicos científicos fueron la “falta de tiempo para lectura” (72,9%), el “coste elevado del periódico” (69,1%) y la “dificultad de identificar los mejores periódicos” (63,5%). Las principales fuentes de acceso a la información utilizadas son vehículos no científicos y las directrices del Ministerio de Salud. El empleo de periódicos científicos está dificultado por falta de tiempo y baja familiaridad con el lenguaje científico. El acceso a información científica debe ser facilitado con el empleo de fuentes más accesibles, así como el entrenamiento de gestores para el uso de periódicos de libre acceso. Tales acciones pueden ayudar en el conocimiento de evidencias actualizadas entre los secretarios municipales de salud.

Palabras-clave: Diseminación de Información; Toma de Decisiones; Investigadores; Servicios de Salud

Introdução

A saúde pública baseada em evidências é definida como o uso da melhor evidência científica disponível para tomar decisões sobre o cuidado de comunidades e populações, no domínio da prevenção de doenças, proteção, manutenção e melhoria da saúde 1. O acesso e uso de informação científica é uma condição importante para que gestores de saúde pública possam garantir que esse processo seja baseado em evidências robustas, atuais e eficazes 1.

Estudos realizados em países de renda alta identificaram que os gestores de saúde pública participam de workshops, conselhos profissionais 2 e possuem dados de vigilância locais para basear suas decisões 3. Contudo, encontram dificuldade em utilizar periódicos científicos, especialmente devido à falta de apoio e de habilidades em interpretar os resultados, custo elevado 4 e políticas inconsistentes de uso destas fontes 5.

Na América Latina, são escassas as evidências sobre acesso e uso de informações científicas para a tomada de decisão no contexto da saúde pública. Identificar as barreiras ao acesso à informação científica poderá fazer com que os pesquisadores pensem em estratégias para minimizar estas barreiras. Assim, este estudo tem como objetivo identificar as fontes de acesso a informações para a tomada de decisão, bem como as barreiras para o uso de periódicos científicos entre secretários municiais de saúde do Paraná, Brasil.

Métodos

Local e delineamento do estudo

Os dados analisados neste estudo são oriundos do projeto Práticas Locais e o Uso de Evidências na Prevenção de Doenças Crônicas Não Transmissíveis no Estado do Paraná, realizado com Secretários Municipais de Saúde. Os procedimentos adotados foram aprovados pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (protocolo 130.240). É um estudo com delineamento transversal, descritivo quantitativo, realizado por meio de entrevistas ocorridas nas reuniões das regionais de saúde do Estado do Paraná.

Coleta de dados

Foram considerados elegíveis para este estudo todos os Secretários Municipais de Saúde do Estado do Paraná (n = 399). Entre os meses de abril e setembro de 2014, todos os Secretários presentes nas 22 reuniões das regionais de saúde foram entrevistados (n = 181; 45,4%). Aqueles que não estavam presentes nas reuniões foram considerados perdas do estudo (n = 218; 54,6%). A coleta de dados ocorreu de maneira coordenada por dois pesquisadores treinados para esta finalidade, presentes nas reuniões “face a face”.

Instrumento

Para este trabalho foi usado um instrumento com base no questionário empregado no projeto Local Evidence Affecting Desicions in Public Health2 traduzido, adaptado por pesquisadores nacionais e internacionais com experiência e publicações sobre o tema. O instrumento contém 45 questões.

Variáveis do estudo

Para este estudo foram utilizadas as questões sobre o uso de informação para a tomada de decisão em saúde pública 2,6. O uso de fontes de informação foi avaliado por meio da questão: “Com que frequência você usa estes recursos para obter informação sobre as evidências em saúde pública? (a) Congressos científicos, (b) Conferências, (c) Jornais, (d) Diretrizes do Ministério da Saúde, (e) Mídia social, (f) Relatórios científicos, (g) Periódicos científicos, (h) Revistas não científicas, (i) Workshops e (j) Sociedades”, atribuído 0 “não” e 1 “sim”.

As barreiras para o uso de periódicos científicos foram obtidas pela seguinte questão: “O que dificulta o uso dos periódicos científicos? (a) Custo elevado de periódico, (b) Dificuldade em identificar os melhores periódicos, (c) Falta de tempo para leitura, (d) Excesso de informação dificulta a escolha, (e) Ênfase em estatística, (f) Os periódicos trazem poucos assuntos relevantes, (g) Pouca familiaridade com a linguagem científica e (h) Pouco acesso aos periódicos”, atribuído 0 “não” e 1 “sim”.

Análise estatística

Os dados foram inseridos no software Epidata (Epidata Assoc., Odense, Dinamarca) pelo método de dupla entrada. Esse procedimento visou a reduzir os possíveis erros de tabulação entre a primeira e a segunda digitações. Posteriormente, os dados foram exportados, analisados no software IBM SPSS 20.0 (IBM Corp., Armonk, Estados Unidos) e realizadas frequências absoluta e relativa das variáveis.

Resultados

Todos os participantes ocupavam o cargo de Secretário Municipal de Saúde, a maioria entre 18 e 39 anos (40,9%; média = 43 ± 10,2 anos; mediana = 42 anos). Em relação ao maior nível de formação profissional, 21,2% possuíam Ensino Médio, 33,1% o Ensino Superior completo e 44,8% Pós-graduação. Ainda, aproximadamente um a cada três participantes possuía especialização em saúde pública. A maioria dos participantes atuava na área há mais de cinco anos, porém apenas um em cada três exercia o cargo pelo mesmo período (Tabela 1).

Tabela 1 Perfil dos Secretários Municipais de Saúde do Estado do Paraná, Brasil (n = 181; 2014). 

Variáveis/Categoria n %
Sexo
Masculino 102 56,4
Feminino 79 43,6
Idade (anos)
18-39 74 40,9
40-49 48 26,5
50ou mais 59 32,6
Escolaridade
Ensino Médio incompleto 4 2,2
Ensino Médio completo 36 19,9
Ensino Superior completo 60 33,1
Pós- graduação 81 44,8
Pós-graduação em saúde pública
Especialização 61 33,7
Mestrado Acadêmico 3 1,6
Mestrado Profissional 1 0,6
Doutorado 1 0,6
Não possuí 115 63,5
Tempo de atuação em saúde pública (anos)
< 5 45 24,9
≥ 5 136 75,1
Tempo de atuação como gestor (anos)
< 5 125 69,1
≥ 5 56 30,9
População dos municípios (habitantes)
Até 10,000 89 49,2
10,001-50,000 81 44,8
50,001 ou mais 11 6,1

Os participantes relataram como principais fontes de acesso à informação a consulta de revistas não científicas (76,2%), jornais impressos/online (71,4%) e as diretrizes do Ministério da Saúde (71,3%). O uso de periódicos e a participação em congressos científicos foram reportados por menos da metade dos participantes (34,4% e 43,6%, respectivamente) (Figura 1).

Figura 1 Fontes para acesso à informação utilizadas por Secretários Municipais de Saúde do Estado do Paraná, Brasil, para tomada de decisão (n = 181; 2014). 

As principais barreiras para o uso de periódicos científicos para o processo de tomada de decisão foram a falta de tempo para leitura (72,9%), custo elevado do periódico (69,1%), dificuldade de identificar os melhores periódicos (63,5%) e pouco acesso aos periódicos (62,4%) (Figura 2).

Figura 2 Barreiras para o uso de periódicos científicos entre Secretários Municipais de Saúde do Estado do Paraná, Brasil, para tomada de decisão em saúde (n = 181; 2014). 

Discussão

Os Secretários utilizam predominantemente fontes de informação não científicas, e apenas dois em cada cinco relatam usar com frequência regular periódicos científicos ou participar de eventos científicos. As principais barreiras para o acesso a periódicos científicos foram: a falta de tempo para a leitura, dificuldade de acesso, e o custo.

Esses resultados diferem dos apresentados em países de renda alta, nos quais metade dos gestores em saúde utilizam periódicos científicos 4. Ainda, tais estudos demonstram maior frequência do uso de outras fontes, como: workshops, conferências acadêmicas e relatórios de agências do governo 3. Portanto, ainda que os periódicos científicos veiculem informações com maior rigor metodológico, não são os mais utilizados pelos participantes do estudo. Em parte, isso pode ser atribuído ao custo que muitos periódicos de alto impacto apresentam, bem como ao fato de a maior parte deles ser publicada na língua inglesa. Ademais, o fato de que a indicação para o cargo é usualmente uma decorrência de arranjo político, mas não das características técnicas do cargo, pode levar à função pessoas com pouca fluência na literatura da área, portanto, limitando o uso de evidências científicas. Sendo assim, acredita-se que o uso de periódicos científicos pode favorecer o desenvolvimento de intervenções mais efetivas e com melhor custo/efetividade, melhorando indicadores de saúde na população 1.

As barreiras mais reportadas para o uso de periódicos científicos foram: “falta de tempo para leitura”, “custo elevado”, “dificuldade de identificar os melhores periódicos” e “pouco acesso aos periódicos”, corroborando com a literatura 4. Nesse sentido, para minimizar algumas dessas barreiras é importante que os secretários busquem parcerias com pesquisadores 6, tenham equipes de trabalho qualificadas e cooperação com os conselhos de saúde, para aprimorar o processo de decisão com base em evidências. Contudo, destaca-se que 1/5 dos participantes possuía instrução máxima até o ensino médio. Esse fato pode explicar em parte as dificuldades no acesso a informações científicas oriundas de periódicos.

Ainda, os secretários poderiam buscar evidências científicas nos periódicos nacionais e internacionais de livre acesso, disponibilizados em bases de informação no Brasil (SciELO, Biblioteca Virtual da Saúde e Periódicos Capes). Além disso, o portal saúde baseada em evidências é um recurso que pode auxiliar os gestores 7. Tais ações podem melhorar o acesso a informações científicas atualizadas e relevantes para o processo de tomada de decisão.

A barreira mais frequentemente reportada foi a falta de tempo para leitura, que pode estar relacionada ao elevado número de tarefas que o cargo exige. Esse achado reforça a necessidade dos secretários contarem com uma equipe de trabalho qualificada para auxiliar na gestão. Por outro lado, os pesquisadores poderiam disseminar resultados de pesquisas empregando meios adequados ao público de interesse 8. Portanto, além dos artigos científicos, os pesquisadores poderiam empregar outras formas e meios de disseminação do conhecimento, como infográficos, reuniões com a comunidade, vídeos e seminários de treinamentos 9.

Este trabalho apresenta algumas limitações. Trata-se de um estudo de abrangência estadual na área de saúde, assim, os resultados não podem ser generalizados para outros locais e áreas de atuação. A taxa de resposta foi de 46%, porém, a distribuição entre municípios em relação ao seu porte não deferiu dentre os respondentes (p > 0,05). Apenas um gestor de cada município foi investigado, sendo possível ter ocorrido viés de informação. Contudo, a seleção de secretários em atuação buscou identificar em princípio a pessoa com o maior reconhecimento sobre a importância do uso da informação para a tomada de decisão.

Por fim, conclui-se que as principais fontes de acesso à informação utilizadas são os veículos não científicos e as diretrizes do Ministério da Saúde. O emprego de periódicos científicos é dificultado pela falta de tempo e baixa familiaridade com a linguagem científica. O acesso a informações científicas deve ser facilitado com o emprego de fontes mais acessíveis, maior disponibilidade de recursos e equipamentos, além do treinamento dos gestores.

REFERÊNCIAS

1. Brownson RC, Baker EA, Leet TL, Gilles Pie KN, True WR. Evidence-based public health. 2nd Ed. New York: Oxford University Press; 2011.
2. Jacob RR, Allen PM, Ahrendt LJ, Brownson RC. Learning about and using research evidence among public health practitioners. Am J Prev Med 2017; 52:304-8.
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4. Harris JK, Allen P, Jacob RR, Elliott L, Brownson RC. Information-seeking among chronic disease prevention staff in state health departments: use of academic journals. Prev Chronic Dis 2014; 11:E138.
5. Tricco AC, Cardoso R, Thomas SM, Motiwala S, Sullivan S, Kealey MR, et al. Barriers and facilitators to uptake of systematic reviews by policy makers and health care managers: a scoping review. Implement Sci 2016; 11:4.
6. Oliver KA, de Vocht F, Money A, Everett M. Identifying public health policymakers' sources of information: comparing survey and network analyses. Eur J Public Health 2017; 27 Suppl 2:118-23.
7. Ministério da Saúde. Portal saúde baseada em evidências. (acessado em 20/Mar/2018).
8. McVay AB, Stamatakis KA, Jacobs JA, Tabak RG, Brownson RC. The role of researchers in disseminating evidence to public health practice settings: a cross-sectional study. Health Res Policy Syst 2016; 14:42.
9. Petkovic J, Welch V, Jacob MH, Yoganathan M, Ayala AP, Cunningham H, et al. The effectiveness of evidence summaries on health policymakers and health system managers use of evidence from systematic reviews: a systematic review. Implement Sci 2016; 11:162.