versão impressa ISSN 1413-8123
Ciênc. saúde coletiva vol.20 no.1 Rio de Janeiro jan. 2015
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232014201.00032014
The scope of this study is to identify the prevalence of access to information about how to prevent oral problems among schoolchildren in the public school network, as well as the factors associated with such access. This is a cross-sectional and analytical study conducted among 12-year-old schoolchildren in a Brazilian municipality with a large population. The examinations were performed by 24 trained dentists and calibrated with the aid of 24 recorders. Data collection occurred in 36 public schools selected from the 89 public schools of the city. Descriptive, univariate and multiple analyses were conducted. Of the 2510 schoolchildren included in the study, 2211 reported having received information about how to prevent oral problems. Access to such information was greater among those who used private dental services; and lower among those who used the service for treatment, who evaluated the service as regular or bad/awful. The latter use toothbrush only or toothbrush and tongue scrubbing as a means of oral hygiene and who reported not being satisfied with the appearance of their teeth. The conclusion drawn is that the majority of schoolchildren had access to information about how to prevent oral problems, though access was associated with the characteristics of health services, health behavior and outcomes.
Key words: School health; Child; Oral health; Health literacy
As condições de saúde bucal das crianças brasileiras são preocupantes, apesar das melhorias registradas nos dois últimos levantamentos epidemiológicos da população brasileira, realizados em 2002/2003 e 2010. Ainda é evidente a necessidade de maior atenção às crianças brasileiras de 12 anos1 , 2, embora, as metas da Organização Mundial de Saúde (OMS) para o ano 2000, com CPOD (Cariados, Perdidos, Obturados - Dentes) menor que 3,0 tenham sido alcançadas nesse grupo etário3, escolhido pela OMS como a idade de monitoramento global da cárie dentária4. Ressalta-se que para controle e prevenção da cárie dentária, assim como outros problemas bucais, como a doença periodontal, é essencial a adesão a comportamentos adequados de higiene bucal5 , 6, dentre outros relacionados à dieta e ao uso do flúor. Além disso, as crianças com 12 anos estão, em sua maioria, inseridas no ambiente escolar, sendo a escola um ambiente educacional e social propício para se trabalhar conhecimentos e mudanças de comportamento7. Considera-se, ainda a facilidade de aprendizado presente nesta fase da vida das pessoas, tornando o processo de educação em saúde bucal mais propício8.
Os problemas bucais podem restringir as atividades escolares, além de gerar impacto psicossocial negativo na qualidade de vida9. Esses problemas parecem ser mais evidentes entre escolares da rede pública de ensino. Tal fato é fundamentado em uma maior prevalência de problemas bucais em escolares do ensino público, questão esta identificada em estudos prévios realizados no Brasil10 , 11, onde a prevalência de alunos livres de cárie é quase a metade daquela da rede privada10. Tal fato pode ser elucidado por melhores condições socioeconômicas dos escolares da rede privada, como acesso a água tratada, a serviços de saúde e melhores condições de educação10, dentre outras questões. Sabe-se que a ocorrência de alguns problemas bucais, como cárie dentária, podem estar associados a questões socioeconômicas12. Além disso, os escolares inseridos na rede privada podem possuir maior atenção odontológica10, talvez por melhores condições econômicas. Portanto, salienta-se a necessidade de criação e ou otimização das atividades educativas de caráter permanente direcionadas a escolares da rede pública, a fim de minimizar essas desigualdades sociais.
A educação em saúde bucal é considerada um importante preditor das condições e comportamentos em saúde bucal, assim como do uso de serviços odontológicos13. Estudos prévios constataram a eficácia de programas educativos na melhoria das condições de saúde bucal de escolares, podendo influenciar na diminuição da prevalência da cárie dentária14, no sangramento gengival e na presença da placa visível15. O respeito às características individuais, além de outros fatores, no processo de educação no âmbito da promoção de saúde é salientado no modelo teórico de "alfabetização em saúde" proposto por Sørensen et al.16.
O modelo da "alfabetização em saúde", a partir de suas dimensões, busca explicar a capacidade dos indivíduos de acessar, compreender, avaliar e aplicar informações relacionadas à saúde, dentro dos domínios dos cuidados, da prevenção de doenças e da promoção de saúde. O modelo apresenta ainda possíveis fatores associados de forma dinâmica com a "alfabetização em saúde": uso dos serviços de saúde, custos com a saúde, comportamentos relacionados à saúde, desfechos de saúde, participação das pessoas, empowerment, equidade e manutenção16. O acesso às informações relacionadas à saúde, a compreensão dessas informações, sua avaliação e a aplicação prática delas constituem a "alfabetização em saúde", sendo assim o modelo teórico prevê o acesso a informações como condição indispensável para aumentar os níveis de alfabetização em saúde das pessoas16.
Nesse contexto, propõe-se identificar a prevalência do acesso a informações sobre como evitar problemas bucais entre escolares da rede pública de ensino, assim como os fatores associados. Utilizou-se como referencial o modelo teórico proposto por Sørensen et al.16.
Trata-se de um estudo transversal, analítico, conduzido entre escolares de 12 anos de idade da rede pública de ensino de Montes Claros, município brasileiro de grande porte populacional localizado no norte de Minas Gerais. A coleta de dados e a condução dos exames bucais seguiu os critérios recomendados pela OMS4 e utilizados no Projeto SB Brasil 2002/20031. Os dados foram coletados em 2010. Os exames foram realizados por cirurgiões-dentistas treinados e calibrados (Kappa interexaminadores e intraexaminadores e coeficiente de correlação intraclasse ≥ 0,61), com auxilio de entrevistadores/anotadores, sendo realizados em ambiente amplo sob iluminação natural, empregando-se espelho e sonda CPI esterilizados. Trata-se de uma segunda fase do levantamento epidemiológico das condições de saúde bucal da população de Montes Claros, na primeira os escolares de 12 anos não foram representados quanto à fluorose e cárie dentária. Estes agravos foram identificados na primeira fase, e sua prevalência permitiu o cálculo amostral para uma amostra representativa dos escolares de 12 anos da rede pública de ensino do município. Após sorteio aleatório simples, a coleta de dados ocorreu em 36 escolas públicas das 89 do município, número necessário para se atingir a amostra representativa. Foram incluídos no presente estudo os escolares que relataram a utilização de serviços odontológicos, informação obtida a partir da questão "Já foi ao dentista alguma vez na vida?" (sim/não) e que responderam à pergunta relativa ao acesso a informações sobre como evitar problemas bucais.
A construção da variável dependente foi feita a partir da pergunta "Você já recebeu informações sobre como evitar problemas bucais? (não, sim)", sendo considerado o "acesso" a tais orientações os que responderam positivamente a questão. Conforme modelo teórico de Sørensen et al.16 as variáveis foram reunidas em cinco grupos, com respectivas subcategorias: acesso a informações relativas à saúde (informação referente a alfabetização em saúde), determinantes pessoais, serviços de saúde/custos com a saúde, comportamentos relacionados à saúde e desfechos de saúde.
Os determinantes pessoais foram: sexo (feminino, masculino) e raça autodeclarada (branca/amarela, indígena/negro/pardo). As variáveis referentes aos serviços de saúde/custos com a saúde foram: tempo da última visita ao dentista (um ano ou menos, mais de um ano), tipo de serviço odontológico utilizado (público/filantrópico, privado/convênio), motivo do uso do serviço odontológico (atendimento por rotina, atendimento para tratamento), satisfação com o atendimento (ótimo/bom, regular, ruim/péssimo) e assistência odontológica na escola (sim, não). Os comportamentos relacionados à saúde avaliados foram: frequência de higiene bucal diária (2 vezes ou mais, 1 vez), meios de realizar a higiene bucal (escova de dentes, higieniza língua, fio dental e/ou enxaguatório, somente escova de dentes/escova de dentes e higieniza língua) e bochecho com flúor na escola (sim, não). No município, os escolares da rede pública têm duas opções de assistência odontológica, na primeira são assistidos por cirurgiões dentistas/equipe de saúde bucal e tem acesso a ações de promoção de saúde, ações preventivas assim como a assistência curativa em consultório odontológico instalado na escola, na segunda a assistência e garantida pela equipe multiprofissional da Estratégia de saúde da família. Ressalta-se que, a cobertura da ESF no município não é de 100%.
Dentre os desfechos, foram consideradas as seguintes condições normativas de saúde bucal: experiência de cárie, avaliada pelo índice CPOD (cpo-d = 0, cpo-d = ≥ 1), sendo calculado pela soma dos dentes cariados (cariados + restaurados cariados), perdidos e restaurados. A fluorose foi avaliada pelo Índice de Dean que presenta como base variações no aspecto estético do esmalte dentário, desde normal/questionável até a forma grave17, sendo esta variável apresentada de forma dicotômica (sem fluorose, com fluorose). As condições subjetivas de saúde bucal avaliadas foram: a autopercepção da necessidade de tratamento (não, sim) e satisfação com a aparência dos dentes (sim, não).
Na análise dos dados utilizou-se o software SPSS(r) Statistics 18.0. Foram conduzidas análises descritivas a fim de obter as frequências absoluta (n) e relativa (%) das variáveis. Em seguida, foram conduzidas análises univariadas, sendo consideradas para análise múltipla as variáveis que apresentaram nível de significância (valor-p) igual ou inferior a 0,20. Utilizou-se a regressão logística para estimar o odds ratio, com nível de significância de 5% e intervalos de confiança de 95% (OR/IC 95%) das variáveis associadas ao acesso a informações sobre como evitar problemas bucais, permanecendo no modelo as variáveis com nível de significância de até 5%. Os princípios éticos desse estudo estiveram de acordo com a Resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS) do Brasil, n°196/9618, sob aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa, CEP/Unimontes. Todos os participantes do estudo assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido.
Dos 2.755 escolares entrevistados/avaliados, 2510 que haviam utilizado algum serviço odontológico e que responderam à questão referente ao acesso a informações, foram incluídos na investigação. Desses, 2211 (88,1%) relataram já ter recebido informações sobre como evitar problemas bucais. A maioria dos escolares era do sexo feminino (53,6%), se autodeclararam como indígena/negro/pardo (75,1%), utilizaram serviços odontológicos público/filantrópico (62,0%), recebiam assistência odontológica na escola (50,2%) e possuíam CPO-D igual à zero (59,4%) (Tabela 1).
Tabela 1. Acesso a informações relativas à saúde, determinantes pessoais, uso dos serviços de saúde / custos com a saúde; comportamentos relacionados à saúde e desfechos de saúde entre escolares de Montes Claros/MG, 2008/2009. n = 2510.
Variáveis | n | % |
---|---|---|
Acesso a informações relativas à saùde | ||
Recebeu informações sobre como evitar problemas bucais | ||
Não | 299 | 11,9 |
Sim | 2.211 | 88,1 |
Determinantes pessoais | ||
Sexo | ||
Feminino | 1.346 | 53,6 |
Masculino | 1.164 | 46,4 |
Raça autodeclarada a | ||
Branca, Amarela | 623 | 24,9 |
Indígena, negro e pardo | 1.884 | 75,1 |
Serviços de saúde / custos com a saúde | ||
Tempo da última visita ao dentista (anos) | ||
Um ano ou menos | 1.531 | 61,0 |
Mais de um ano | 979 | 39,0 |
Tipo de serviço odontológico utilizado | ||
Público/ Filantrópico | 1.556 | 62,0 |
Privado/ Convênio | 954 | 38,0 |
Motivo do uso do serviço odontológico | ||
Atendimento por rotina | 1.029 | 41,0 |
Atendimento por tratamento | 1.481 | 59,0 |
Satisfação com o atendimentoa | ||
Ótimo/Bom | 2.204 | 87,8 |
Regular | 243 | 9,7 |
Ruim/Péssimo | 62 | 2,5 |
Recebe assistência odontológica na escola | ||
Sim | 1.259 | 50,2 |
Não | 1.251 | 49,8 |
Comportamentos relacionados à saude | ||
Frequência de higiene bucal diária | ||
2 vezes ou mais | 2.346 | 93,5 |
1 vez | 164 | 6,5 |
Meios de realizar a higiene bucal | ||
Escova de dentes, higieniza língua, fio dental e/ou enxaguatório | 1.967 | 78,4 |
Somente escova de dentes/escova de dentes e higieniza língua | 543 | 21,6 |
Bochecho com flúor na escola | ||
Sim | 763 | 30,4 |
Não | 1.747 | 69,6 |
Desfechos de saúde | ||
Condições normativas de saúde bucal | ||
CPOD | ||
CPO-D = 0 | 1.492 | 59,4 |
CPO-D ≥ 1 | 1.018 | 40,6 |
Fluorose | ||
Sem fluorose | 1.504 | 59,9 |
Com fluorose | 1.006 | 40,1 |
Condições subjetivas de saúde | ||
Autopercepção da necessidade de tratamento odontológico | ||
Não | 859 | 34,2 |
Sim | 1.651 | 65,8 |
Satisfação com a aparência dos dentes | ||
Sim | 1.432 | 57,1 |
Não | 1.078 | 42,9 |
Na análise univariada, constatou-se que variáveis pertencentes aos serviços de saúde/custos com a saúde, comportamentos relacionados à saúde e desfechos de saúde, dentro das condições subjetivas de saúde, estiveram estatisticamente associadas (p ≤ 0,20) ao acesso a informações sobre como evitar problemas bucais (Tabela 2).
Tabela 2. Análise univariada dos fatores associados ao acesso a informações sobre como evitar problemas bucais entre escolares de Montes Claros - MG, 2008/2009. n = 2510.
Informações | ||||||
---|---|---|---|---|---|---|
problemas bucais | ||||||
Variáveis | Não | Sim | OR | IC 95% | p | |
% | ||||||
Determinantes pessoais | ||||||
Sexo | ||||||
Feminino | 12,2 | 87,8 | 1,00 | |||
Masculino | 11,6 | 88,4 | 1,05 | 0,83-1,34 | 0,651 | |
Raça autodeclarada a | ||||||
Branca, Amarela | 11,6 | 88,4 | 1,00 | |||
Indígena, negro e pardo | 12,0 | 88,0 | 0,95 | 0,72-1,27 | 0,769 | |
Serviços de saúde / custos com a saúde | ||||||
Tempo da última visita ao dentista (anos) | ||||||
Um ano ou menos | 11,4 | 88,6 | 1,00 | |||
Mais de um ano | 12,8 | 87,2 | 0,87 | 0,68-1,11 | 0,290 | |
Tipo de serviço odontológico utilizado | ||||||
Público/ Filantrópico | 13,6 | 86,4 | 1,00 | |||
Privado/ Convênio | 9,2 | 90,8 | 1,54 | 1,18-2,00 | 0,001 | |
Motivo do uso do serviço odontológico | ||||||
Atendimento por rotina | 9,5 | 90,5 | 1,00 | |||
Atendimento por tratamento | 13,6 | 86,4 | 0,67 | 0,51-0,86 | 0,002 | |
Satisfação com o atendimentoa | ||||||
Ótimo/Bom | 10,3 | 89,7 | 1,00 | |||
Regular | 24,3 | 75,7 | 0,35 | 0,25-0,49 | 0,000 | |
Ruim/Péssimo | 22,6 | 77,4 | 0,39 | 0,21-0,72 | 0,003 | |
Recebe assistência odontológica na escola | ||||||
Sim | 10,4 | 89,6 | 1,00 | |||
Não | 13,4 | 86,6 | 0,74 | 0,58-0,95 | 0,020 | |
Comportamentos relacionados à saude | ||||||
Frequência de higiene bucal diária | ||||||
2 vezes ou mais | 11,6 | 88,4 | 1,00 | |||
1 vez | 17,1 | 82,9 | 0,63 | 0,41-0,97 | 0,036 | |
Meios de realizar a higiene bucal | ||||||
Escova de dentes, higieniza língua, fio dental e/ou enxaguatório | 10,1 | 89,9 | 1,00 | |||
Somente escova de dentes /escova de dentes e higieniza língua | 18,6 | 81,4 | 0,49 | 0,37-0,63 | 0,000 | |
Bochecho com flúor na escola | ||||||
Sim | 10,7 | 89,3 | 1,00 | |||
Não | 12,4 | 87,6 | 0,84 | 0,64-1,11 | 0,234 | |
Desfechos de saúde | ||||||
Condições normativas de saúde bucal | ||||||
CPOD | ||||||
CPO-D = 0 | 11,5 | 88,5 | 1,00 | |||
CPO-D ≥ 1 | 12,5 | 87,5 | 0,91 | 0,71-1,16 | 0,472 | |
Fluorose | ||||||
Sem fluorose | 11,2 | 88,8 | 1,00 | |||
Com fluorose | 12,9 | 87,1 | 0,85 | 0,66-1,08 | 0,202 | |
Condições subjetivas de saúde | ||||||
Autopercepção da necessidade de tratamento odontológico | ||||||
Não | 12,1 | 87,9 | 1,00 | |||
Sim | 11,8 | 88,2 | 1,02 | 0,79-1,32 | 0,828 | |
Satisfação com a aparência dos dentes | ||||||
Sim | 10,2 | 89,8 | 1,00 | |||
Não | 14,2 | 85,8 | 0,68 | 0,53-0,87 | 0,002 |
Na analise múltipla identificou-se que o acesso a informações sobre como evitar problemas bucais foi maior entre os que utilizaram serviços odontológicos privado/convênio; e menor entre aqueles que utilizaram o serviço para tratamento, que avaliaram o serviço como regular ou ruim/péssimo, que utilizam como meio de higiene bucal somente escova dente/escova dente e higieniza a língua e que relataram não estar satisfeito com a aparência de seus dentes (Tabela 3).
Tabela 3. Análise múltipla entre o acesso a informações sobre como evitar problemas bucais ajustada por variáveis estaticamente significantes (p ≤ 0,05), entre escolares de Montes Claros/MG, 2008/2009.
Variáveis | OR | IC 95% | p |
---|---|---|---|
Serviços de saúde / custos com a saúde | |||
Tipo de serviço odontológico utilizado | |||
Público/ Filantrópico | 1,00 | ||
Privado/ Convênio | 1,34 | 1,02-1,75 | 0,033 |
Motivo do uso do serviço odontológico | |||
Atendimento por rotina | 1,00 | ||
Atendimento por tratamento | 0,73 | 0,56-0,95 | 0,019 |
Satisfação com o atendimento | |||
Ótimo/Bom | 1,00 | ||
Regular | 0,40 | 0,29-0,56 | 0,000 |
Ruim/Péssimo | 0,46 | 0,25-0,86 | 0,016 |
Comportamentos relacionados à saude | |||
Meios de realizar a higiene bucal | |||
Escova de dentes, higieniza língua, fio dental e/ou enxaguatório | 1,00 | ||
Somente escova de dentes /escova de dentes e higieniza língua | 0,53 | 0,41-0,70 | 0,000 |
Desfechos de saúde | |||
Condições normativas de saúde bucal | |||
Satisfação com a aparência dos dentes | |||
Sim | 1,00 | ||
Não | 0,75 | 0,59-0,97 | 0,029 |
A prevalência do acesso a informações sobre como evitar problemas bucais entre os escolares investigados foi alta, sendo de 88,1%. Ressalta-se que não foram identificados estudos prévios que buscaram avaliar o acesso a tais informações entre escolares de 12 anos, assim como seus fatores associados. Vale ressaltar a inexistência desses dados referentes a este grupo etário nos levantamentos epidemiológicos das condições de saúde bucal da população brasileira1 , 2. Tal acesso, no presente estudo, esteve associado ao tipo de serviço odontológico utilizado, motivo do uso do serviço odontológico, satisfação com o atendimento, meios de realizar a higiene bucal e satisfação com a aparência dos dentes.
Considerando-se o impacto positivo das ações de educação em saúde na melhoria das condições de saúde bucal14 , 15 e do conhecimento sobre o tema19, entre escolares, o acesso a informações sobre como evitar problemas bucais poderia acarretar na adoção de comportamentos preventivos e, consequentemente, prevenir a ocorrência de diferentes agravos bucais, contribuindo assim no processo de alfabetização em saúde. Estudos prévios identificaram comportamentos adequados de higiene bucal entre escolares, como por exemplo, prevalência satisfatória de frequência diária de higiene bucal adequada, com valores superiores a 70% no Brasil7 , 20 e superiores a 55% em países como México21 e Finlândia22. Tais comportamentos podem ser decorrentes do acesso a informações preventivas. A alta prevalência do acesso a informações preventivas identificada no presente estudo pode ser explicada pelos últimos avanços observados nas políticas públicas de saúde bucal implantadas no Brasil, reorganização da atenção básica pela Estratégia de Saúde da Família, com ênfase nas ações de promoção da saúde, que visam desenvolver processos educativos voltados à melhoria do autocuidado dos indivíduos23. No âmbito da atenção básica, com a inserção dos cirurgiões-dentistas na escola, ressalta-se o acompanhamento dos escolares por estes profissionais em espaços sociais24. Salienta-se ainda que o acesso a essas informações por si só pode não ser o suficiente para incrementar a adesão e ou manutenção a comportamentos saudáveis, uma vez que atividades educativas devem levar em consideração condições prévias dos indivíduos, tais como fatores socioeconômicos, fato este evidenciado no modelo teórico de "alfabetização em saúde"16. No entanto, ressalta-se que nem todas as condições que podem influenciar ou serem influenciadas pelo processo de "alfabetização em saúde", elucidadas no modelo teórico16, foram avaliadas no presente estudo.
A educação em saúde, como prática social voltada para o coletivo, representa uma importante possibilidade de ampliar a atuação das práticas de promoção da saúde bucal, especialmente em espaços públicos, tais como a escola. No Brasil a cooperação entre os setores de Saúde e Educação tem resultado em uma potencialização das ações educativas em saúde nos espaços institucionais, a partir da criação de material didático-informativo, inclusão de temas transversais e disseminação da proposta da escola como espaço social. Considera-se ainda a criação e a implementação de algumas iniciativas, tais como a de Escolas Promotoras de Saúde que visa o desenvolvimento humano saudável considerando as interfaces do espaço escolar25. Além disso, desde 2007, a partir da criação do Programa Saúde na Escola, o governo federal tem contribuído para a formação integral dos estudantes da rede pública de educação básica por meio de ações de prevenção, promoção e atenção à saúde26. Ressalta-se ainda que a informação, embora disponível nas grandes mídias, não chega a todas as camadas da população da mesma forma e, dificilmente, é apreendida de modo a produzir conhecimento e autonomia em relação aos cuidados com a saúde bucal27. Portanto, o respeito às características individuais dos escolares, além de outros fatores, no processo de "alfabetização em saúde"16 poderiam impactar não apenas no acesso, mas também em mudanças de comportamentos e no estado de saúde dos indivíduos. Questões referentes às características dos serviços de saúde, comportamentos e condições subjetivas de saúde mantiveram-se associadas ao acesso às informações preventivas entre os escolares do presente estudo. Por outro lado, há que se considerar que questões referentes à vulnerabilidade social dos escolares não foram avaliadas.
O acesso a informações sobre como evitar problemas bucais foi maior entre os escolares que utilizaram serviços odontológicos privados ou de convênio. Apesar disso, ressalta-se que a maioria dos escolares do presente estudo fez uso de serviços odontológicos públicos (62,0%), resultado próximo aos registrados entre escolares de Gravataí (RS), com 67,3%20, e aos encontrados em uma amostra representativa das crianças de 12 anos do Brasil, com 58,1%, a partir dos dados do SB Brasil 20101. Ressalta-se que hábitos adequados de higiene bucal, como o uso de fio-dental, é maior entre escolares usuários de serviços odontológicos privados, fato este evidenciado entre escolares de 12 a 18 anos de idade da rede pública de ensino do município de Gravataí (RS)28, possivelmente a vulnerabilidade social dos escolares interfere na adesão a hábitos saudáveis, além disso, algumas características do serviço privado, como estrutura, maior atenção ao paciente, devido ao custo do mesmo, e um maior enfoque a consultas preventivas, podem explicar tal associação29. Identificou-se ainda que o acesso a informações sobre como evitar problemas bucais foi menor entre os escolares que utilizaram o serviço para tratamento e que avaliaram o atendimento como regular e ruim/péssimo. Acredita-se que devido à característica preventiva das informações sobre como evitar problemas bucais, as mesmas podem ser mais recorrentes nas consultas preventivas e devido a uma maior atenção à manutenção da saúde do paciente pode, consequentemente, levar a uma avaliação positiva do serviço. A saúde bucal de escolares, assim como o acesso a serviços odontológicos, está entre as áreas prioritárias dos princípios norteadores do cuidado na saúde da criança estabelecido pelo Ministério da Saúde30. Uma alta prevalência do uso de serviços odontológicos entre crianças de 12 anos no Brasil tem sido identificada, como comprovada em estudos realizados em Recife31 e João Pessoa32, com prevalências de uso superiores a 75,0%. As características dos serviços de saúde, assim como o acesso a informações preventivas, podem resultar em hábitos adequados de higiene bucal.
Os escolares que relataram como meio de higiene bucal a utilização de somente escova de dente ou escovar dente e higienizar a língua tiveram menor acesso a informações sobre como evitar problemas bucais. É amplamente reconhecido na literatura que hábitos adequados de higiene têm impacto positivo na redução da ocorrência de agravos bucais33 - 35. Portanto, uma higiene bucal completa pode acarretar na melhoria das condições bucais. Ressalta-se ainda que a escovação dentária aliada ao uso de fio dental poderia reduzir a ocorrência de problemas bucais, tais como a gengivite e o acúmulo de biofilme, quando comparado ao uso da escovação isolada36. Considerando-se o fato de que a educação em saúde, assim como a "alfabetização em saúde"16pode levar a melhores comportamentos em saúde, era esperado que comportamento inadequado de saúde bucal estivesse associado a um menor acesso a informações preventivas, por outro lado, questões culturais associadas a vulnerabilidade social desses escolares podem ser os principais determinantes da falta de uso do fio dental. As condições normativas de saúde bucal por si só não refletem o quanto as pessoas se sentem afetadas pela sua condição bucal34. Portanto, a saúde bucal, refere-se também a uma experiência subjetiva do indivíduo sobre o seu bem-estar funcional, social e psicológico37.
A satisfação com a aparência dos dentes, questão subjetiva, manteve-se associada ao acesso a informações sobre como evitar problemas bucais, sendo o acesso menor entre os escolares que relataram insatisfação com a mesma. Estudo prévio conduzido no município de Jundiaí (SP) entre escolares de 12 anos de idade identificou que a experiência de cárie foi maior entre os escolares que estavam insatisfeitos com a aparência de seus dentes11, portanto, uma pior percepção dos aspectos subjetivos da saúde bucal pode representar uma condição desfavorável. Salienta-se ainda que o processo de "alfabetização de saúde" visa à melhoria dos comportamentos e condições de saúde a partir de atividades educativas que considerem as características prévias dos indivíduos. Portanto, o respeito à mesma pode levar a uma melhor condição de saúde bucal e, consequentemente, impactar positivamente nos aspectos psicossociais da saúde bucal.
Dentre as limitações do presente estudo está o fato de que algumas variáveis consideradas no modelo teórico proposto não foram avaliadas no presente estudo. Além disso, causas e efeitos certamente variam ao longo da vida e, sendo este um estudo seccional, é importante salientar que o processo que relaciona a avaliação do acesso a informações sobre como evitar problemas bucais e as variáveis investigadas é dinâmico. Entretanto, ressalta-se o fato deste trabalho ter seguido etapas relevantes exigidas em uma pesquisa transversal, como amostragem e treinamento/calibração dos examinadores/anotadores. Com isso, pôde-se constatar uma alta prevalência do acesso a informações sobre como evitar problemas bucais entre escolares da rede pública de ensino e que este acesso está associado ao tipo de serviço odontológico utilizado, motivo do uso deste, satisfação com o atendimento, meios de rea lizar a higiene bucal e satisfação com a aparência dos dentes.