versão impressa ISSN 1413-8123versão On-line ISSN 1678-4561
Ciênc. saúde coletiva vol.25 no.3 Rio de Janeiro mar. 2020 Epub 06-Mar-2020
http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232020253.17212018
O acesso à saúde refere-se à utilização do serviço atendendo a necessidade individual1. Acesso é o uso real de serviços de saúde e tudo o que facilita ou impede sua utilização, obtendo o serviço adequado no momento certo para promover melhores resultados de saúde2. A utilização dos serviços de saúde é consequência de uma interação de fatores, entre eles a percepção desta sob a ótica do usuário e a oferta disponível do serviço3.
Estudos que analisaram o acesso e o uso de serviços de saúde retratam vulnerabilidades e desigualdades sociais, resultantes das condições sociais dos indivíduos e dos locais onde residem4-6. Sabe-se que o acesso está diretamente relacionado à oferta, e dificuldades nesse acesso relacionam-se às particularidades dos sistemas e serviços de saúde, envolvendo aspectos econômicos, políticos, técnicos e organizativos7,8. Investigações de base populacional que abordam o uso de serviços de saúde são essenciais para descrever tendências e frequências. Os resultados obtidos tornam possível o conhecimento do real acesso e uso de serviços de determinada população, viabilizando a produção de bases para adequado planejamento, (re)formulação e gerenciamento de políticas de saúde9,10.
O acesso limitado aos cuidados especializados é um importante obstáculo para os cuidados em saúde. No Canadá, descobriu-se que 41% dos usuários dos serviços de saúde esperavam mais de 2 meses para uma consulta com um profissional específico. Além disso, nos Estados Unidos, 39% dos indivíduos que possuíam rendimentos abaixo da média referiram dificuldades no acesso aos profissionais especializados, sendo a maior queixa relacionada ao custo11,12. No Brasil, o acesso aos serviços de saúde vem aumentando, tanto para os usuários exclusivos do Sistema Único de Saúde (SUS) quanto para os usuários de plano de saúde ou serviço particular, mas as desigualdades ainda persistem13,14.
Levantamentos epidemiológicos de base populacional sobre distúrbios da comunicação humana e acesso aos serviços de Fonoaudiologia são escassos. O único levantamento brasileiro encontrado na literatura indexada estimou prevalência de 30,8% de alterações fonoaudiológicas na população adulta15,16. A Fonoaudiologia se propõe a desenvolver uma ampla gama de ações, abrangendo a proteção específica, o diagnóstico, o tratamento precoce e a reabilitação dos distúrbios da linguagem oral e escrita, audição, voz, motricidade orofacial e disfagia orofaríngea; logo, existem diversas demandas da população para o atendimento com um fonoaudiólogo.
A escassez de fonoaudiólogos acessíveis a qualquer população é um desafio a ser superado mundialmente17. Estratégias têm sido desenvolvidas para favorecer os cuidados em Fonoaudiologia de forma universal e integral para a população18. Assim, é importante que se direcionem esforços para a investigação das variáveis associadas ao acesso e a necessidade dos cuidados em Fonoaudiologia, visando identificar os indivíduos mais suscetíveis ao não acesso ao fonoaudiólogo.
Este estudo, de base populacional, é inédito em sua proposição. O seu objetivo é estimar a prevalência de acesso e uso dos serviços de Fonoaudiologia e identificar as variáveis associadas ao acesso.
Trata-se de um estudo transversal de base populacional, aninhado a um projeto maior realizado em parceria com a prefeitura de Porto Alegre, que objetiva analisar o acesso aos serviços de atenção primária em saúde19. A amostra foi composta de indivíduos adultos, com idade mínima de 18 anos residentes há pelo menos 12 meses nas áreas cobertas pela rede pública de atenção primária em saúde no município de Porto Alegre/RS entre os anos de 2016 e 2017.
A amostra do presente estudo foi estimada considerando a prevalência de 42,4% do atributo acesso, conforme aferido entre usuários de serviços de atenção primária à saúde e moradores da área coberta pela Gerência Distrital/GD Partenon-Lomba do Pinheiro no ano de 2012, medida por meio do Primary Care Assessment Tool (PCATool)20. Foi utilizado um erro de 9% e, portanto, estimado um intervalo de 0,33-0,51. Das oito gerências distritais do município, três gerências foram selecionadas para o estudo. A seleção das gerências distritais se deu de forma aleatória simples (sorteio). As gerências distritais sorteadas foram a Gerência Centro com população de 277.321 habitantes, a Gerência Partenon-Lomba do Pinheiro com população de 172.928 habitantes e a Gerência Restinga-Extremo Sul com população de 93.509 habitantes. Em cada gerência, adicionou-se 20% para eventuais recusas e um deff de 1,5 de modo a resguardar precisão, considerando a estrutura do plano amostral. Seguindo a proporcionalidade na distribuição por gerência distrital, o tamanho final da amostra das três gerências distritais escolhidas foi de 214 respondentes (Figura 1).
Durante a coleta, dentro de cada gerência, foram selecionadas com início aleatório as casas das famílias e, de cada casa, foi entrevistado um usuário. Nos casos de mais de um adulto na residência, realizou-se um sorteio. Incluiu-se na amostra indivíduos que residissem no território sorteado há pelo menos 12 meses. A amostragem de domicílios se deu de forma sistemática, de modo a garantir que todos os domicílios cobertos pelos serviços de saúde tivessem a mesma chance de entrar para o estudo. A seleção dos domicílios se deu da seguinte forma: 1º) O coordenador de campo possuía um mapa do setor censitário a ser visitado e a ordem das quadras numeradas; 2º) Em cada quadra no mapa, uma das esquinas estava destacada, de acordo com sorteio prévio; 3º) Após situar-se na esquina delimitada, de frente às casas, o coordenador, caminhando pela rua da esquerda, localizou a primeira casa cuja porta de entrada estivesse orientada para a rua; 4º) A partir da identificação desta casa, sorteou-se qual seria a primeira casa a ser visitada com uma moeda, sendo cara equivalente ao domicílio número 1 e coroa ao domicílio número 2; 5º) Após abordagem na primeira casa sorteada, seguiu-se adiante pulando o próximo domicílio existente, até completar a meta de amostragem ou chegar à esquina inicial.
Os dados foram coletados em tablet a partir de um questionário construído com blocos específicos dos questionários da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios/PNAD (Dados de Identificação, Características de Educação e Rendimentos Domiciliares), Pesquisa Nacional de Saúde/PNS (Informações do Domicílio, Cobertura de Plano de Saúde, Visitas Domiciliares de Equipes de Saúde, Estilo de Vida, Utilização de Serviços de Saúde e Saúde Bucal) e do PCATool (Grau de Afiliação, Acesso de Primeiro Contato - Utilização e Acesso de Primeiro Contato - Acessibilidade). Foi incluído um módulo sobre Fonoaudiologia com questões sobre avaliação audiológica, necessidade de atendimento fonoaudiológico, motivo do atendimento, acesso à consulta, local de atendimento, necessidade de tratamento e acesso ao tratamento. Este questionário foi previamente testado em um estudo piloto, realizado entre agosto e setembro de 2016 em 11 indivíduos. Posteriormente ao estudo piloto houve ajustes no questionário com vistas a otimização do tempo de duração e o entendimento dos entrevistados.
Todos os entrevistadores foram devidamente treinados. O desfecho foi criado a partir da variável que identificou o acesso ao atendimento fonoaudiológico, categorizado em sim e não, originada a partir dos seguintes questionamentos aos entrevistados: “Você já precisou se consultar com um fonoaudiólogo (breve explicação da profissão pelo entrevistador)?” (sim; não) e “Você conseguiu ter acesso a essa consulta?” (sim; não). Foi considerado como acesso positivo ao fonoaudiólogo quando o entrevistado respondeu sim para as duas perguntas. As variáveis exploratórias utilizadas foram: sexo (masculino; feminino), idade (em anos: 18-39; 40-59; 60 ou mais), cor/raça (branca; outra), situação conjugal (em relacionamento; solteiro), escolaridade (até ensino fundamental; até ensino médio; ensino superior ou mais), auto relato do diagnóstico de doença crônica, mental ou física (não; sim), possuir algum tipo de deficiência (física, sensorial ou mental: não; sim), utilizar a unidade de saúde do município (sim; não) e cobertura por plano de saúde (não; sim).
Os dados foram analisados no software SPSS v.21 (Chicago: SPSS Inc). O teste do Qui-quadrado foi utilizado para avaliar diferenças nas variáveis estudadas, e quando este violou seus pressupostos utilizou-se o Teste Exato de Fisher, ambos com nível de 5% de significância. Regressão de Poisson com variância robusta foi utilizada para cálculo de Razões de Prevalência (RP) brutas e ajustadas e seus respectivos intervalos de confiança de 95%. Para a análise multivariável, considerou-se a categoria ter acesso positivo ao fonoaudiólogo como referência para ajuste e interpretação dos dados. Para o modelo ajustado, foram incluídas apenas as variáveis teoricamente relevantes, com valor de p < 0,3. O ajuste do modelo foi avaliado com o teste de Deviance.
O presente estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Secretaria Municipal de Saúde de Porto Alegre e, também, pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Foram abordadas 655 pessoas e 214 aceitaram participar da pesquisa. As recusas foram relacionadas à insegurança (receber os entrevistadores em casa), e falta de tempo para participar da pesquisa. Dos respondentes, 67,3% (n = 144) eram do sexo feminino. A média de idade foi de 54,28 (±18,83) anos e a maioria preferiu não relatar a renda mensal. Referiram já ter realizado avaliação audiológica 54,2% (n = 116) das pessoas e 26,2% (n = 56) referiram necessidade de consulta fonoaudiológica em algum momento.
Os motivos para a necessidade de consulta fonoaudiológica foram audição (66,1%; n = 37), fala (12,5%; n = 7), voz (8,9%; n = 5), deglutição (8,9%; n = 5), fala-leitura/escrita-audição (1,8%; n = 1) e fala-audição (1,8%; n = 1). Todos os 56 indivíduos que necessitavam conseguiram realizar atendimento fonoaudiológico, dos quais 69,4% (n = 39) foram em consultório particular com financiamento particular, 19,6% (n = 11) foram em consultório conveniado ao plano de saúde, 3,6% (n = 2) foram em unidade de saúde, 3,6% (n = 2) foram em hospital público, 1,8% (n = 1) foi em clínica-escola de universidade e 1,8% (n = 1) foi no serviço social do comércio. Dentre os que realizaram consulta fonoaudiológica, 57,1% (n = 32) realizaram tratamento fonoaudiológico, 39,3% (n = 22) referiram não haver necessidade de tratamento, 3,1% (n = 1) desistiu e 3,1% (n = 1) referiu ser caro.
O acesso ao fonoaudiólogo foi predominantemente por mulheres (57,1%; n = 32), indivíduos com 60 anos ou mais (51,8%; n = 29), cor branca (78,8%; n = 44), com diagnóstico de doença crônica, mental ou física (58,9%; n = 33) e com posse de plano de saúde (67,9%; n = 38). Não foram observadas diferenças significativas para o acesso ao atendimento fonoaudiológico em função do sexo (p = 0,069), entre as diferentes faixas etárias (p = 0,529), cor/raça (p = 0,305), situação conjugal (p = 0,788), escolaridade (p = 0,962), diagnóstico de alguma doença crônica, física ou mental (p = 0,457), utilização da unidade de saúde do município (p = 154) e adesão a plano de saúde (p = 0,153), enquanto que possuir deficiência (p = 0,026) foi significativamente associado (Tabela 1).
Tabela 1 Descrição da amostra estudada através de inquérito domiciliar em uma população de adultos na cidade de Porto Alegre, 2017.
Variáveis | Acesso ao fonoaudiólogo | p-valor | ||
---|---|---|---|---|
Sim | Não | |||
Sexo | 0,069 | |||
Masculino | 24 (42,9 %) | 46 (29,1%) | ||
Feminino | 32 (57,1%) | 112 (70,9%) | ||
Idade | 0,529 | |||
18-39 anos | 12 (21,4%) | 45 (28,5%) | ||
40-59 anos | 15 (26,8%) | 43 (27,2%) | ||
60 anos ou mais | 29 (51,8%) | 70 (44,3%) | ||
Cor/Raça | 0,305 | |||
Branca | 44 (78,8%) | 113 (71,5%) | ||
Outra | 12 (21,2%) | 45 (28,5%) | ||
Situação conjugal | 0,788 | |||
Em relacionamento | 24 (42,9%) | 71 (44,9%) | ||
Solteiro | 32 (57,1%) | 87 (55,1%) | ||
Escolaridade | 0,962 | |||
Até Ensino Fundamental | 11 (19,6%) | 33 (20,9%) | ||
Até Ensino Médio | 23 (41,1%) | 66 (41,8%) | ||
Ensino Superior ou mais | 22 (39,3%) | 46 (37,3%) | ||
Diagnóstico de doença crônica, mental ou física | 0,457 | |||
Não | 23 (41,1%) | 74 (46,8%) | ||
Sim | 33 (58,9%) | 84 (53,2%) | ||
Possuir deficiência | 0,026 | |||
Não | 40 (71,4%) | 86 (54,4%) | ||
Sim | 16 (28,6%) | 72 (45,6%) | ||
Utilizar a unidade de saúde do município | 0,154 | |||
Não | 24 (42,9%) | 51 (32,3%) | ||
Sim | 32 (57,1%) | 107 (66,7%) | ||
Posse de plano de saúde | 0,153 | |||
Não | 18 (32,1%) | 68 (43,0%) | ||
Sim | 38 (67,9%) | 90 (57,0%) |
No modelo final ajustado, quando se controlou para os possíveis fatores de confusão, a maior prevalência de acesso ao fonoaudiólogo foi associada ao sexo feminino (RP = 1,09; IC95% 1,01-1,18) e a possuir alguma deficiência (RP = 1,09; IC95% 1,03-1,17) (Tabela 2).
Tabela 2 Razões de prevalência (RP) bruta e ajustada em relação ao acesso dos cuidados em Fonoaudiologia. Porto Alegre, 2017.
Variáveis | RP bruta (IC95%) |
p-valor | RP ajustada (IC95%)* |
p-valor | |
---|---|---|---|---|---|
Sexo | |||||
Masculino | 1 | - | 1 | - | |
Feminino | 1,07 (1,01-1,16) | 0,007 | 1,09 (1,01-1,18) | 0,025 | |
Idade | |||||
18-39 anos | 1 | - | - | - | |
40-59 anos | 0,95 (0,88-1,03) | 0,243 | - | - | |
60 anos ou mais | 0,97 (0,89-1,06) | 0,542 | - | - | |
Cor/Raça | |||||
Branca | 1 | - | - | - | |
Outra | 1,04 (0,97-1,12) | 0,278 | 1,03 (0,96-1,10) | 0,396 | |
Situação conjugal | |||||
Em relacionamento | 1 | - | - | ||
Solteiro | 0,99 (0,93-1,06) | 0,787 | - | - | |
Escolaridade | |||||
Até Ensino Fundamental | 1 | - | - | - | |
Até Ensino Médio | 0,99 (0,90-1,08) | 0,792 | - | - | |
Ensino Superior ou mais | 0,99 (0,91-1,09) | 0,916 | - | - | |
Diagnóstico de doença crônica, mental ou física | |||||
Não | 1 | - | - | - | |
Sim | 1,03 (0,96-1,10) | 0,453 | - | - | |
Possuir deficiência | |||||
Não | 1 | 1 | |||
Sim | 1,08 (1,01-1,54) | 0,020 | 1,09 (1,03-1,17) | 0,006 | |
Utilizar a unidade de saúde do município | |||||
Não | 1 | - | 1 | - | |
Sim | 0,95 (0,88-1,02) | 0,169 | 0,96 (0,89-1,04) | 0,324 | |
Posse de plano de saúde | |||||
Não | 1 | - | 1 | - | |
Sim | 1,05 (0,98-1,12) | 0,141 | 1,04 (0,97-1,12) | 0,284 |
IC95%: Intervalo de Confiança de 95%. RP: Razão de Prevalência.
*Ajuste para sexo, cor/raça, possuir deficiência, utilizar a unidade de saúde do município, posse de plano de saúde.
Este estudo demonstrou que 26,2% da amostra pontuou a necessidade de consulta fonoaudiológica em algum momento, prioritariamente por queixas auditivas, seguida por queixas de fala. Destes indivíduos, 69,4% conseguiram atendimento de forma privada e 19,6% a partir de convênio com plano de saúde.
O acesso ao serviço de saúde é complexo e relaciona-se, além da oferta, a capacidade de produzir serviços, de acordo com as necessidades de saúde percebidas pelo usuário, mediada por fatores individuais. Assim, fatores como queixas de saúde, originam demandas e, consequentemente, transformam-se no uso de serviços4,10.
As desigualdades socioeconômicas no acesso e na utilização do serviço de saúde estão relacionadas às características individuais, que afetam a necessidade e a busca por atendimento pelo indivíduo. Além disso, associam-se às variáveis contextuais, principalmente relacionadas às características e a forma de organização do sistema de saúde, que, muitas vezes, acabam por reproduzir as desigualdades sociais no acesso aos serviços de saúde21. Uma melhor condição socioeconômica está associada a maior facilidade em obter cuidados em saúde do que uma pior condição. A desigualdade social no acesso à saúde tende a ser maior em países com sistemas de saúde privado do que em países com sistema universal22. O Brasil conta com um sistema de saúde organizado sob a forma de uma rede complexa de serviços complementares e competitivos, formando um sistema misto público-privado23 e este estudo demonstra que o acesso aos cuidados fonoaudiológicos acontece majoritariamente de forma privada ou conveniada a plano de saúde.
O acesso a uma consulta com um especialista específico, em diferentes países, tem ocorrido principalmente por indivíduos mais ricos11,12,24. Além disso, sabe-se que o acesso limitado ao fonoaudiólogo é um desafio a ser superado17,25,26, o que pode contribuir para a dificuldade no acesso deste profissional. No Brasil, faz apenas 36 anos que a Fonoaudiologia foi regulamentada como profissão27, o que pode implicar em um número reduzido de profissionais, bem como ao pouco conhecimento da população sobre a sua atuação, não reconhecendo que alguns problemas de saúde possam ser reabilitados por tal profissional.
Dados da Organização Mundial da Saúde (OMS) indicam que 1,1 bilhão de pessoas no mundo podem desenvolver perda auditiva28, além disso, a OMS enfatiza que ações decisivas de prevenção e otimização dos serviços de reabilitação para deficientes auditivos devam ser priorizadas em todos os níveis de atenção29. Corrobora-se para o aumento de deficientes auditivos o envelhecimento populacional30, que está associado ao declínio da função auditiva31. Sendo assim, os achados deste estudo apontam que, atualmente, há maior procura pelos serviços fonoaudiológicos na área auditiva.
A deficiência é conceituada como perda ou anormalidade de estrutura anatômica, da função fisiológica ou psicológica, temporária ou permanente. As consequências que abrangem a comunicação, direta ou indiretamente, são a alteração da linguagem (da fala/escrita) e a da audição (ouvir), além das alterações músculo-esquelética e orgânicas (físicas), que, dependendo da área afetada, podem interferir na motricidade orofacial e/ou na deglutição, assim como a deficiência intelectual32. Destarte, os cuidados fonoaudiológicos são essenciais a essa população, como evidenciado neste estudo, com maior prevalência de acesso ao fonoaudiólogo por deficientes.
Pessoas com deficiência apresentam maior prevalência de doenças crônicas, maior risco de desenvolver doenças secundárias em função da deficiência e maior necessidade de tratamento não resolvida33-35. Relatam também dificuldade de utilização dos serviços de saúde em função das barreiras de acesso e de comunicação36,37. No presente estudo, entretanto, encontrou-se associação entre maior utilização dos serviços e deficiência. Uma possível explicação pode estar relacionada à maior carga de doença e gravidade dos casos aliada à necessidade de tratamento percebida pelas pessoas com deficiência, que influenciam a procura pelos serviços.
O uso regular de serviços de saúde é frequentemente maior entre mulheres do que homens em todas as faixas etárias38. De um modo geral, os problemas de saúde afetam tanto homens como mulheres semelhantemente; entretanto, há maior tendência de procura aos serviços pelas mulheres39, o que pode justificar a maior prevalência de acesso ao fonoaudiólogo encontrado neste estudo.
Este estudo apresenta algumas limitações, entre elas ressalta-se o grande número de recusas, mesmo sendo realizadas entrevistas presenciais, amplamente treinadas, em horários diversos, com possibilidade de agendamentos sob preferência do morador, identificação clara do entrevistador, exposição e explanação do termo de consentimento, no interior dos domicílios, que se deram prioritariamente devido a insegurança e a repressão dos cidadãos diante a violência urbana. Entretanto, este é o único estudo de base populacional encontrado na literatura que evidencia a necessidade e acesso aos cuidados em Fonoaudiologia.
Conclui-se que o acesso ao fonoaudiólogo é mais frequente em consultórios particulares e em consultórios particulares conveniados ao plano de saúde, além disso, há acesso limitado ao fonoaudiólogo nos serviços públicos de saúde. A demanda fonoaudiológica é mais frequente para problemas de audição, seguida dos distúrbios da fala. Por fim, observa-se que as mulheres e os indivíduos com deficiência possuem maior prevalência de utilização do serviço fonoaudiológico.