versão impressa ISSN 1679-4508versão On-line ISSN 2317-6385
Einstein (São Paulo) vol.14 no.3 São Paulo jul./set. 2016
http://dx.doi.org/10.1590/S1679-45082016AO3715
O leiomioma prostático puro é uma entidade rara com origem nos vestígios do ducto Mülleriano, da cápsula prostática ou do tecido prostático periglandular.(1) Até 1951, a definição do leiomioma prostático era confusa, então Kaufman et al. descreveram-no arbitrariamente como “uma massa circunscrita ou encapsulada de músculo liso, com 1cm ou mais de diâmetro, contendo quantidades variáveis de tecido fibroso, mas sem elementos glandulares, e que seja obviamente prostática ou próxima da próstata, em sua origem e posição”. O objetivo deles era distingui-lo da hiperplasia fibromuscular, dos tumores do colo vesical ou de nódulos clinicamente não significativos que criavam discrepâncias na literatura.(2) O diagnóstico diferencial entre os leiomiomas (raros) e os nódulos do estroma (mais comuns) é difícil e, às vezes, impossível, porém, a diferenciação se baseia no fato de que os leiomiomas têm fascículos bem organizados.(3,4)
Há menos de 100 casos de leiomioma prostático puro descritos na literatura e, em quase todos, o tumor era grande, o paciente apresentava sintomas urinários e anorretais, ou alterações ao toque retal.(1,2,5) Há poucos relatos de casos na literatura com descrição de leiomiomas prostáticos grandes na ressonância magnética (RM).(1,6,7) Entretanto, até onde sabemos, não há nenhum artigo que descreva os achados de imagem dos leiomiomas prostáticos puros em pacientes assintomáticos submetidos à RM multiparamétrica (RMmp) da próstata.
Descrever os achados de imagem dos leiomiomas prostáticos na ressonância magnética multiparamétrica.
De agosto de 2013 até setembro de 2014, submetemos 200 pacientes à RMmp antes da biópsia, em um período de até 6 meses. Destes pacientes, 189 fizeram uma RM para detecção de câncer de próstata, cinco para estadiamento e seis estavam em vigilância ativa. O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE), protocolo número 1.446.587, CAAE: 53632916.1.0000.0071.
Todos os pacientes fizeram uma RMmp da próstata em um aparelho 3 Tesla (Magnetom Trio, Siemens HealthCare, Erlangen, Alemanha), utilizando uma bobina de torso de superfície. As sequências de pré-contraste da próstata e das vesículas seminais incluíram imagens em T2 de alta resolução, com técnica turbo spin-eco (TSE) nos planos axial, coronal e sagital, e imagens axiais TSE ponderadas em T1, e axiais ponderadas em difusão (DWI, diffusion-weighted images), single shot, com supressão de gordura. As imagens ponderadas por difusão foram obtidas com valores b de 50, 400 e 800, com a reconstrução dos mapas de coeficiente de difusão aparente. Além disso, as imagens dinâmicas pós-contraste da próstata e das vesículas seminais foram obtidas utilizando-se sequência gradiente-eco ponderadas em T1 com supressão de gordura, obtida antes e dez vezes após a administração intravenosa de 0,1mmol/kg de gadopentetato de dimeglumina (Magnevist, Bayer Heatlhcare Phamarceuticals, Whippany, NJ, EUA), com uma resolução temporal de 12 segundos.
Todos os casos de RMmp receberam uma nota dentro de uma escala de 5 pontos, de acordo com a probabilidade da presença de um câncer de próstata clinicamente significante, variando desde altamente improvável a altamente provável.
Conforme realizado rotineiramente em nossa instituição, todos os pacientes realizaram biópsia com fusão das imagens de ultrassonografia e RM, com a amostragem sistemática de 12 regiões da zona periférica, e de 2 da glândula central, e a amostragem adicional de áreas suspeitas, quando presentes. Um dos dois equipamentos de ultrassonografia abaixo foi utilizado para a fusão das imagens e a realização das biópsias: Aplio 500 com Smart Fusion (Toshiba Medical System Corporation, Minato, Tóquio, Japão) ou LOGIC E9 com programa de fusão de imagens (GE Healthcare, Little Chalfont, Reino Unido). Obtivemos evidências patológicas adequadas dos resultados por meio de amostras de biópsia em todos esses pacientes.
Das 200 biópsias, 83 (41,5%) foram negativas e 117 (58,5%) positivas para neoplasia. Dos 117 casos positivos, 113 (96,6%) eram adenocarcinomas acinares, 1 (0,008%) era um tumor estromal de potencial maligno incerto e 3 (0,02%) eram leiomiomas. As características clínicas e de imagem dos três leiomiomas são descritas a seguir e as figuras 1 a 3 ilustram os achados de imagem e patológicos desses pacientes.
Os achados de imagem desses três leiomiomas apresentaram suspeita moderada a alta de câncer de próstata clinicamente significante na RMmp (Likert 4 e 5).
O primeiro paciente era um homem de 73 anos com antígeno prostático específico (PSA) de 6,6ng/mL, nódulo palpável ao toque retal e biópsia prévia negativa. A RMmp mostrou um nódulo circular de 12mm na região média esquerda da zona periférica adjacente ao contorno da próstata, com sinal muito baixo nas sequências ponderadas em T2, marcada restrição à difusão e realce precoce com lavagem. A classificação atribuída foi doença clinicamente significativa altamente provável (Likert 5) (Figura 1).
Figura 1 Homem de 73 anos com antígeno prostático específico de 6,6ng/mL, nódulo palpável ao exame digital retal e biópsia prévia negativa. A ressonância magnética multiparamétrica da próstata mostra um nódulo bem definido, com intensidade de sinal muito baixa na zona periférica, nas imagens ponderadas em T2 (A e C), intensa restrição à difusão demonstrada por baixo sinal em mapa de coeficiente de difusão aparente (B) e padrão hipervascularizado, com um fluxo precoce seguido por uma curva de lavagem (E e F). Técnica de fusão das imagens de ultrassonografia e ressonância magnética em tempo real: o nódulo visto como uma lesão de baixo sinal na zona periférica da próstata na ressonância magnética ponderada em T2 (C) aparece como um nódulo hipoecoico redondo na ultrassonografia (D). Realizou-se a biópsia sistemática com amostras adicionais da área suspeita (notar que as imagens da ressonância magnética foram invertidas durante o procedimento) (G) e os resultados patológicos demonstraram um leiomioma prostático puro (H)
O segundo paciente era um homem de 60 anos com PSA de 1,7ng/mL e alteração no ápice direito ao toque retal. A RMmp mostrou nódulo circular de 8mm, no ápice direito da zona periférica, com sinal muito baixo nas sequências ponderadas em T2, moderada restrição à difusão e realce. A classificação atribuída foi provável doença clinicamente significativa (Likert 4) (Figura 2).
Figura 2 A ressonância magnética multiparamétrica da próstata mostra um nódulo circunscrito na zona periférica, nas imagens ponderadas em T2 (A), com moderada restrição à difusão no mapa de coeficiente de difusão aparente (B) e hipervascularização precoce na sequência dinâmica pós-contraste (C). A análise patológica confirmou um leiomioma prostático puro (D)
O terceiro paciente era um homem de 81 anos com PSA de 7,0ng/mL em vigilância ativa e com exame de toque retal normal. A RMmp mostrou um nódulo circular mal definido, de 28mm, na área periuretral da zona de transição, com sinal muito baixo na sequência ponderada em T2, difusão de restrição e realce precoce. A classificação atribuída foi provável doença clinicamente significativa (Likert 4) (Figura 3).
Figura 3 A ressonância magnética multiparamétrica da próstata mostra uma lesão mal definida na área periuretral da zona de transição (A), com moderada restrição à difusão no mapa de coeficiente de difusão aparente (B), e hipervascularização precoce na sequência dinâmica pós-contraste (C). A análise patológica confirmou um leiomioma prostático puro (D)
Todos os casos foram prontamente detectados pela ultrassonografia durante a biópsia de fusão como lesões bem definidas e hipoecoicas.
As lâminas mostraram fragmentos da biópsia compostos por células musculares lisas fusiformes, separadas por pequenas quantidades de colágeno. As células tumorais estavam distribuídas em um padrão organizado de fascículos entrecruzados. Células individuais apresentaram núcleos de bordas rombas, com cromatina nuclear distribuída uniformemente. Não havia atipia nucelar, necrose tumoral ou atividade mitótica. As células tumorais apresentavam imunocoloração positiva para desmina e actina do músculo liso. Não foram observados elementos epiteliais no interior dos nódulos.
O uso da RMmp prostática antes da biópsia é bem conhecido e estabelecido na literatura para aumentar a acurácia do procedimento.(8–12) Um resultado positivo do câncer de próstata clinicamente significante na biópsia está diretamente relacionado ao grau de suspeita na RMmp e, em casos moderados a altamente suspeitos, a positividade da biópsia varia de 73 a 100%.(8,13)
Descrevemos três casos de leiomioma prostático puro em biópsias com fusão imagens de ultrassonografia/RM, todos com probabilidade alta ou muito alta de câncer de próstata clinicamente significativo na RMmp.
A etiologia do leiomioma prostático permanece desconhecida e alguns autores acreditam que ele tenha primórdios embriológicos de vestígios Müllerianos. Outras hipóteses são que a inflamação e a infecção transformam o tecido glandular em músculo liso e a hipertrofia deste músculo produz mioma, ou que a infecção e a aterosclerose degeneram os nódulos tubulares hiperplásicos, deixando somente estroma do músculo liso e tecido cicatricial.(4,6,14) A maior parte dos casos é diagnosticada como grandes lesões ou em pacientes que apresentam sintomas urinários (obstrução e infecção).(6) Até onde sabemos, não há estudo que descreva os achados de imagem dos leiomiomas prostáticos assintomáticos.
O tratamento para os leiomiomas prostáticos é controverso. Apesar das grandes lesões serem normalmente retiradas por prostatectomia radical, tumores menores, como os do nosso estudo, permanecem um desafio para o urologista (considerando a possibilidade de crescimento, recidiva e transformação maligna, apesar de rara). Portanto, as decisões terapêuticas devem ser individualizadas.(15)
Leiomiomas prostáticos são lesões que apresentam achados de imagem suspeitos para tumores clinicamente significativos na ressonância magnética multiparamétrica de câncer de próstata. Eles podem aparecer como lesões que se assemelham aos adenocarcinomas na ressonância magnética multiparamétrica, tanto na zona periférica quanto na de transição da próstata. Com o uso crescente da ressonância magnética multiparamétrica como ferramenta diagnóstica antes da biópsia da próstata, é provável que o número de diagnósticos de leiomioma aumente; portanto, radiologistas, urologistas e patologistas devem reconhecer essa entidade.